Estudos
alertaram, mas o governo tinha outras “prioridades”, diz Leite sobre falta de
plano para conter cheias
O
governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), reconhece que estudos
apontavam a possibilidade de haver uma elevação no nível das chuvas que poderia
causar grandes enchentes no estado.
No
entanto, afirma que não investiu mais recursos na prevenção porque "o
governo também vive outras agendas" e que a pauta "que se impunha era
a questão fiscal".
O
chefe do Executivo local nega a ideia de que mudanças em cerca de 480 normas
ambientais sancionadas por ele em 2020 tenham ligação com a crise climática
vivida no Rio Grande do Sul.
"Simplesmente
burocratizar e dificultar licenças não é proteger o meio ambiente",
afirma.
Leite
concedeu uma entrevista de 45 minutos à Folha no Palácio Piratini, sede do
governo estadual, em meio ao trabalho para conter maiores danos decorrentes das
chuvas que alagaram e destruíram cidades gaúchas nos últimos 20 dias.
Sobre
a decisão do presidente Lula (PT) de nomear Paulo Pimenta ao Ministério de
Apoio à Reconstrução do RS, ele diz que todo apoio é importante, mas que o
protagonismo é do governo estadual.
LEIA
A ENTREVISTA:
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Folha - Como tem sido a rotina do senhor nas últimas duas semanas? Tem
conseguido dormir
Eduardo
Leite - A gente dorme, né? Temos que dormir até para estar com a cabeça boa
para cumprir toda a missão. Nos primeiros dias, foi mais difícil porque era o
momento crítico de resgate, de apoio aos municípios. Estamos assim desde 29 de
abril.
Foram
noites muito intensas, então nas primeiras noites era celular ligado o tempo
todo. Nesses últimos dias, consigo ter um pouco mais de organização. É
importante para ter a cabeça com capacidade de raciocinar e atuar sobre as
diversas questões mais críticas, que agora são permitir abrigo adequado para as
pessoas.
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Há uma previsão para as 'cidades provisórias' ficarem prontas? E para os
conjuntos habitacionais?
Eduardo
Leite - O que a nossa experiência nos diz, especialmente a do Vale do Taquari
no ano passado, é de que talvez de 10% a 15% da população que está abrigada
fique por um período maior até que tenhamos soluções definitivas. Estamos
pensando, junto com os municípios, em muitas soluções.
O
governo disponibiliza recursos para aluguel social, ou seja, dá recursos para
que a pessoa possa alugar uma casa por um período de até seis meses. Também há
uma outra solução que está buscando se desenhar, que é a da estadia solidária,
pagar para que uma família, numa casa, receba outra família.
Além
disso, estamos projetando estruturas provisórias. Essas cidades temporárias
talvez não seja um nome exatamente adequado serão abrigos em estruturas feitas
com espaços adequados às famílias para um período um pouco mais longo, de
alguns meses, até eventualmente termos a solução das moradias definitivas. O
governo federal apresentou disposição de entrar fortemente na questão
habitacional, e isso é positivo.
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Como o governo estadual pode dar uma esperança para quem está nos abrigos de
que terão nova residência antes de um, dois ou três anos?
Eduardo
Leite - Em função do Vale do Taquari, desse aprendizado [por enchentes em
2023], a gente já tinha determinado a contratação por ata de registro de
preços, modalidades de contratação, de moradias definitivas em métodos
construtivos rápidos, como módulos de concreto ou steel frame [paredes em
estrutura metálica revestida em gesso].
A
gente já estava com esse processo de contratação, justamente observando as
dificuldades, via Minha Casa Minha Vida, de viabilizar as moradias. Quando você
tem recurso federal, tem que apresentar o plano de trabalho, estudos, dados e
projetos.
Sábado
[dia 18] eu conversava com os prefeitos do Vale do Taquari e era a reclamação
deles, a demora de conseguir atender toda a burocracia que existe nos recursos
via ministério, com a Caixa Econômica Federal.
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Temos os números oficiais de óbitos, mas há receio de que possa haver mais
mortos do que os dados indicam. O dado, de fato, pode ser somado ao de
desaparecidos?
Eduardo
Leite - Ainda é prematuro para dizer.
Potencialmente, cada desaparecido poderá ser uma vida perdida, mas é um dado
que ainda precisa ser apurado.
Desde
o início, quando a gente contabilizava, nos primeiros dias, 27, 30 mortes, eu
já dizia, "infelizmente será muito maior". Entendo a imprensa, a
sociedade querer saber desses números, mas qualquer número que sair agora é
absolutamente impreciso diante de uma situação que a gente está observando.
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Aliados do senhor criticaram a indicação de Paulo Pimenta para o Ministério de
Apoio à Reconstrução do RS. A escolha do presidente Lula pode politizar a crise
por ser um potencial candidato ao governo em 2026?
Eduardo
Leite - A questão política em todo esse processo é o que mais me preocupa desde
o início dele. Porque a dimensão que tem essa tragédia exige uma coordenação de
esforços, um alinhamento entre forças políticas, empresariais, sociedade civil,
que é especialmente difícil nos tempos atuais, de polarização, de disputas, de
divisões, de redes sociais com opiniões para todos os lados, com força e
virulência tentando destruir reputações. Mas é o esforço pelo qual, entendo, a
gente deve canalizar aqui as nossas energias.
Naturalmente,
o governo do estado tem um protagonismo que não é por vaidade ou interesse
pessoal do governador, é pelo que o voto popular conferiu.
Nós
somos uma federação, e uma federação composta por estados onde existem governos
constituídos pelo voto popular para liderar um processo, não para mandar
simplesmente. Não é para ser do jeito que eu quero, porque eu ganhei uma
eleição, é para liderar o processo reunindo as forças da sociedade.
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Cabe ao governo estadual liderar o processo?
Eduardo
Leite - Por uma decisão que a sociedade tomou, pelo voto popular. Então, o que
o ministério que o presidente Lula criou tem no nome, e entendo deva ser o que
orienta a sua ação: é uma secretaria extraordinária para apoio à reconstrução.
Todo apoio é bem-vindo. O apoio do setor privado, o apoio dos voluntários, o
apoio das doações, o apoio da sociedade civil de diversas formas, o apoio do
governo federal é bastante importante nesse processo.
O
meu papel como governador não é o de fazer análises políticas, é de resolver o
problema. Para resolver o problema, precisamos juntar as forças de todos,
inclusive a do governo federal. O presidente apresentou o seu preposto para
esta missão de apoiar a reconstrução, vamos trabalhar com ele, vamos juntar as
forças para poder atender a população.
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Tem dialogado com Pimenta?
Eduardo
Leite - Sim, fizemos, inclusive, na sexta-feira [17] uma reunião conjunta com
os prefeitos da região metropolitana porque a gente vai ter que trabalhar sobre
as várias etapas que essa crise tem. A primeira delas é a preocupação com a
questão da drenagem, inclusive, faço um registro: todos os governos estaduais
estão ajudando a gente aqui.
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Sobre a reconstrução, o senhor divulgou uma estimativa de R$ 19 bilhões
Eduardo
Leite - Foi uma primeira estimativa, na verdade, temos até que tomar cuidado ao
falar em números até que tenhamos isso consolidado. Por que nesse primeiro
esforço olharam apenas estruturas de estradas, escolas, unidades de saúde,
hospitais, enfim, o que foi atingido, sem olhar ainda a dimensão econômica dos
impactos que têm.
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Folha - A reconstrução será de reparo ou vai contemplar decisões estratégicas,
investimentos para conter efeitos de mudanças climáticas? A mudança climática é
foco da reconstrução?
Eduardo
Leite - Sem dúvida. Dentro do que nós
chamamos de Plano Rio Grande, que nós estamos estabelecendo desde quando o
presidente Lula veio aqui. Usei o exemplo do Plano Marshall. O importante é o
conceito. O plano de reconstrução do estado envolve um conselho da sociedade
civil que a gente vai estruturar com participação de entidades empresariais e
movimentos sociais.
Há
um comitê científico de adaptação e resiliência climática com academia,
especialistas, para orientar as decisões que deverão ser feitas em relação a à
reconstrução e dentro desse
processo de reconstrução,
sistemas de proteção e resiliência. Sofremos as consequências dos desmatamentos na amazônia e do que isso gera de mais umidade ou
menos umidade trazida ao Rio Grande do Sul. A gente tem essa consciência.
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Ambientalistas criticam mudanças sancionadas pelo senhor em 2020 em cerca de
480 normas ambientais. Isso pode ter relação com a tragédia vivida no estado?
Eduardo
Leite - Sobre as 480 mudanças na legislação, na forma como se apresenta essa
afirmação, ela naturalmente tenta induzir de que o que nós estamos vivendo no
Rio Grande do Sul se relaciona a uma mudança legislativa de 2019, o que é
absurdamente equivocado, para dizer o mínimo.
Além
disso, sequer analisa o que está dentro dessas alterações. Nós temos ali, por
exemplo, a mudança de protocolo que era exigido ser em meio físico para poder
ser feito por meio virtual.
Tem
outros vários pontos que são relacionados à correção de multas para infratores,
que não havia previsão legal. Nós botamos correção de valores porque senão ele
ganha dinheiro em cima da postergação, para ser mais dura a pena para o
infrator.
Mas
também simplesmente burocratizar e dificultar licenças não é proteger o meio
ambiente. Acabaram com a legislação ambiental? Não, aprimoramos, modernizamos,
ajustamos e até endurecemos em muitos pontos.
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Estudos já apontavam a possibilidade de aumento significativo nas chuvas no RS.
O governo do estado se preparou mal para lidar com as enchentes?
*Eduardo
Leite - Bom, você tem esses estudos, eles de alguma forma alertam, mas o
governo também vive outras pautas e agendas. A gente entra aqui no governo e o
estado estava sem conseguir pagar salário, sem conseguir pagar hospitais, sem
conseguir pagar os municípios.
A
agenda que se impunha ao estado era aquela especialmente aquela vinculada ao
restabelecimento da capacidade fiscal do estado para poder trabalhar nas pautas
básicas de prestação de serviços à sociedade gaúcha.
Cumprimos
essa tarefa, porque agora estamos diante dessa crise enorme com capacidade
fiscal para enfrentá-la. Então, alertas que estejam sendo feitos são ouvidos,
mas eles se deparam com uma situação agora absurdamente crítica que
naturalmente vai dar para eles um outro grau de importância, não apenas aos
olhos do governo, mas da sociedade como um todo.
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Esses alertas deveriam ter sido mais ouvidos?
Eduardo
Leite - Muitos alertas se revelam agora especialmente relevantes. Muitos
alertas foram feitos e não se consumaram também. Então, naturalmente, vamos
estruturar o poder público para que a gente possa receber esses alertas, tentar
depurar o que é crítico, o que não é tão assim. Não é o governante de plantão
sozinho que vai conseguir fazer isso.
Até
por isso o Comitê Científico de Adaptação e Resiliência, para nos ajudar a
entender. Já recebi alertas que não se revelaram. Agora mesmo na crise, fizemos
alerta numa determinada quarta-feira que teriam vendavais e temporais e não se
confirmou. Então, eventualmente, os alertas também não se confirmam.
A
gente está buscando fazer a adaptação e essa situação crítica que a gente está
enfrentando agora impõe ao governo e à sociedade uma nova postura, sem dúvida
nenhuma, diante dos alertas.
*RAIO-X*
Eduardo
Leite, 39
Está
no segundo mandato como governador do Rio Grande do Sul. É bacharel em direito
pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas). Foi prefeito de Pelotas (RS) de
2013 a 2017, onde também foi vereador.
Fonte:
FolhaPress
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