Egbert Mallmann e Veronica Korber
Gonçalves: ‘A emergência climática e os ataques do governo Leite ao bioma
Pampa’
A grande quantidade de
chuva que cai no Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio de 2024, causando
mortes, deslocamentos forçados, prejuízos bilionários em infraestrutura, entre
outros tantos males, não pode ser considerada como um evento isolado, aleatório,
obra do divino. Esse evento climático extremo decorre diretamente da equivocada
intervenção humana no meio ambiente, quase sempre voltada para a maximização de
ganhos econômicos. Decorre de um modelo de desenvolvimento desigual que acentua
injustiças socioambientais. Decorre de um modelo de privatização dos lucros e
socialização dos prejuízos que agrava violações de direitos humanos num
contexto de emergência climática global.
É preciso reconhecer.
Um agricultor ganha mais dinheiro expandindo a sua a produção agrícola sobre a
floresta e as margens de rios compactando esses solos, assim como ganha mais
aquele que minerar sobre áreas de proteção ambiental, reduzindo a área de absorção
das águas das chuvas. Exemplos como esses não são fictícios. Basta ver as
margens dos rios Caí, Jacuí, Sinos, Gravataí e lembrar a intenção de
implantação de uma grande mina de carvão nas margens da APA do Delta do Jacuí,
na região metropolitana de Porto Alegre, defendida pelo Governador Eduardo
Leite em seu primeiro mandato. Tratam-se de práticas de apropriação privada –
com a chancela do Poder Executivo, do Poder Legislativo e por vezes do
Judiciário – de bens comuns do povo, essenciais à sadia qualidade de vida
humana e não humana.
Por outro lado, também
é certo que quanto menos floresta e áreas com vegetação para absorver e conter
a água das chuvas, mais água teremos cobrindo e devastando as nossas cidades,
muitas delas construídas sobre áreas de inundação dos rios, como estamos vendo
agora. Algumas das cidades atingidas ficaram totalmente submersas, como é o
caso de Eldorado do Sul, forçando o deslocamento de milhares de pessoas.
Por isso, uma das
medidas urgentes que devemos adotar daqui para frente é a proteção efetiva dos
nossos biomas, especialmente do bioma Pampa, que ainda não conta com uma
legislação protetiva e vem sendo dizimado ao longo dos últimos anos. Conforme
informações do MapBiomas, o Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa
nos últimos 36 anos.
De maneira oposta ao
que o governador Eduardo Leite afirmou em entrevista para o programa Roda Viva
em 20/05/2024, o bioma Pampa não foi protegido no novo Código Estadual do Meio
Ambiente. Este código, que foi proposto em regime de urgência pelo governador e
aprovado sem discussão com a sociedade gaúcha, não proibiu o desmatamento da
vegetação desse bioma. Pelo contrário, estabelece expressamente a possibilidade
de supressão da sua vegetação, o que antes não havia. E para tanto exige apenas
o cadastramento do imóvel no CAR, ou seja, de uma autodeclaração do
proprietário.
Além disso, não há uma
limitação de supressão como a prevista na lei da Mata Atlântica. O código não
estabelece uma regra capaz de impedir o desmatamento total do bioma Pampa.
Portanto, existe algo de verdadeiro nas palavras do Governador, o novo código apenas
“previu o bioma Pampa”, mas não o protegeu.
Essa “simples previsão
legislativa” teve efeitos negativos na prática. Não foi capaz de conter a
destruição do Pampa. Segundo o INPE, em 2021, ano posterior à aprovação do novo
código estadual do meio ambiente, houve o desmatamento de 1.526 km² do bioma Pampa,
quase o dobro do verificado no ano de 2020, dado que confirma que essa lei foi
um grande retrocesso ambiental nesse aspecto. Assim, ao invés de proteger e
restaurar o bioma Pampa, o governador passou a “autorizar” a sua gradual
extinção.
Se, mesmo diante desta
grave catástrofe que vivemos no Rio Grande do Sul, mantivermos esse tipo de
legislação em vigor, que autoriza o desmatamento de vegetação nativa sem
qualquer limite, ficará mais difícil colocar a culpa na força da natureza nos
próximos eventos climáticos extremos que ocorrerão.
• ‘Eu não teria aberto as comportas’, diz
ex-diretor do DEP e do Dmae
Diante dos novos
alagamentos em Porto Alegre nesta quinta-feira (23), ex-diretores do
Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e do Departamento Municipal de Água e
Esgotos (DMAE) criticaram a medida da Prefeitura de derrubar comportas do
Guaíba na semana passada para que a inundação pudesse ser escoada. Em coletiva
de imprensa na sede do Sindicato dos Engenheiros (Senge), os especialistas
voltaram a reforçar a necessidade de manutenção das comportas e das casas de
bombas da cidade.
Mestre em Planejamento
Urbano e Regional, a engenheira Nanci Giugno explicou que a cidade conta com
dois sistemas: o de comportas e o de drenagem. “Os dois não funcionaram. Hoje
vemos água da chuva, da bacia como um todo, que não consegue sair da cidade porque
estamos sem a proteção da inundação e sem a eficiente drenagem interna da
cidade”.
As casas de bombas da
cidade ainda estão operando parcialmente, algumas com auxílio de geradores. Na
semana passada, o grupo de especialistas havia sugerido fazer uso de bombas
flutuantes para recuperar o sistema nesse meio tempo.
“Eu não teria aberto a
comporta do muro. Quando se abre a comporta do muro, perde-se o controle da
relação lago-cidade”, afirmou o engenheiro Augusto Damiani. Ex-diretor do DEP e
do DMAE, Damiani tem 40 anos de experiência em drenagem urbana.
O engenheiro Vicente
Rauber, que já dirigiu a CEEE e o DEP, afirmou que as soluções imediatas seguem
sendo as mesmas que os especialistas já defenderam na semana passada. O grupo
chegou a se reunir com o prefeito Sebastião Melo (MDB) na última sexta-feira
(17) para sugerir que fossem vedadas as comportas e as tampas violadas dos
condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves, entre outras medidas emergenciais.
Rauber defendeu ainda
que havia tempo para realizar a manutenção do sistema depois da enchente de
novembro do ano passado. “A própria natureza mostrou o que tinha que ser
consertado nas comportas. As casas de bombas têm operadores 24 horas por dia,
que avisam os problemas da casa para os chefes. Certamente o fizeram, e elas
também não tiveram seus problemas resolvidos a tempo”.
Faltou manutenção
No manifesto que
assinaram em 13 de maio, 42 engenheiros fizeram o primeiro alerta de que o
sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente e
fácil de operar e manter – mas falta uma manutenção permanente, especialmente
em relação às comportas.
“A manutenção não é só
física, é de gestão. Se um modelo é desenvolvido para uma cidade com x
habitantes, ele funciona. Mas se toda a área de várzea é ocupada com
construções, a condição de permeabilidade muda”, acrescentou o engenheiro Darci
Campani, membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES).
Campani também
defendeu a importância da gestão pública de órgãos como o Dmae. “Empresas
privadas competentes existem, mas para conhecer o sistema de drenagem não pode
ser um funcionário que é admitido hoje e demitido amanhã. Tem que ser
funcionário público, tem que ter história”.
Quatro diques externos
(Na Freeway, na Av. Castelo Branco, na Av. Beira-Rio e na Av. Diário de
Notícias), além do Muro da Mauá, somam aproximadamente 60 km. Já os diques
internos da cidade são formados pelas margens dos principais arroios que
deságuam no Guaíba, especialmente o Dilúvio. Ao longo do sistema existem 23
casas de bombas, que também possuem comportas.
Os engenheiros
explicam que esse sistema, quando totalmente fechado, impede o extravasamento
das águas sobre Porto Alegre e evita a inundação até a cota de 6 m. As águas
geradas dentro da cidade são retiradas através do bombeamento das casas de
bombas, diques internos e condutos forçados (dutos completamente fechados que
levam as águas para o Guaíba desde os pontos mais altos). Ou seja, os dois
sistemas – de proteção e de drenagem – precisam funcionar de forma integrada.
Tanto as comportas ao
longo do Muro da Mauá e abaixo da Av. Castelo Branco, quanto as que ficam junto
às casas de bombas carecem de manutenção, segundo os especialistas. Os
vazamentos observados nesta enchente estão em boa parte das comportas sem
manutenção.
No ano passado, quando
o sistema foi acionado durante as inundações com início no Vale do Taquari e
que também inundaram a Região Metropolitana, as deficiências nas comportas
ficaram visíveis. De acordo com o manifesto, “fáceis de serem sanadas, mas não foram”.
As próprias casas de bombas, bem como as Estações de Bombeamento de Água Bruta
(EBABs) ficaram inundadas neste mês de maio. Além disso, o Departamento
Municipal de Água e Esgotos (DMAE) atua em situação que os engenheiros
consideram “muito desfavorável”, com o quadro de funcionários reduzido.
Fonte: Sul 21
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