sábado, 25 de maio de 2024

Assalto aos cofres da Nação e a catástrofe no Sul

Segundo as “Estatísticas fiscais” do Banco Central (de 6 de maio), o setor público (unidades federativas nos três níveis e estatais) gastou mais R$ 64,2 bilhões para pagamento de juros da dívida pública, apenas em março de 2024. Para que se tenha uma dimensão da perversidade, basta constatar que essa quantia – um mês de juros – é 1.600% superior a todo o investimento do governo federal em prevenção de enchentes e desastres naturais ao longo de dez anos inteiros! Os R$ 4 bilhões para prevenções, acumulados desde o governo Dilma, passando por Temer, Bolsonaro e o atual, comparados aos referidos juros, mostram o quão premeditadas e criminosas têm sido as “catástrofes naturais”, que, calculadas, são permitidas porque são parte da garantia da criminosa e vende-pátria sangria contínua de capital ao imperialismo.

O recurso drenado, apenas em juros, para a oligarquia financeira internacional é ainda mais horripilante se tomarmos em conta períodos maiores. Em 12 meses (de março de 2023 a março de 2024) foram mais de R$ 745,7 bilhões transferidos para os magnatas dessa oligarquia detentores dos títulos da dívida pública. Isso é quase 275 mil por cento a mais do que os R$ 270 milhões oferecidos, pelo governo federal, em ajuda ao Rio Grande do Sul, para o salvamento e recuperação imediata às enchentes até agora. Sim, 275.000% a mais (!!!).

Não há nenhuma dúvida, portanto, que os trabalhadores, comerciantes e as massas populares atingidas pelo crime premeditado das enchentes devem arrancar ao máximo para suas necessidades dos governos de turnos, sedentos por ficarem “bem na foto”. Devem arrancar tudo, sem nenhuma dó ou pena. Os atingidos que receberam alguma ajuda governamental não devem nenhum favor e menos ainda gratidão aos governos: isso seria tão impensável quanto louvar ao bandido por ter devolvido um centésimo do que foi destruído e roubado, não se pode permitir tal rebaixamento. Se cada família exigisse dos governos, nos três níveis, a completa indenização pelos danos materiais e humanos sofridos, em todo o estado, ainda seria menor do que a oligarquia financeira leva em apenas um ano médio. Aos atingidos do RS, a palavra de ordem é: lutar com fúria e arrancar dos governos tudo!

A manutenção das elevadíssimas taxas de juros, diga-se de passagem, segue seu ritmo. O Banco Central, controlado diretamente pela oligarquia financeira internacional, segue acordando mantê-lo a 10,5% ao ano, um assalto que drena toda a poupança nacional para o bolso dos magnatas imperialistas e seus asseclas do sistema financeiro no País, arrasando o comércio e a indústria nacionais. Por isso, cresceu o desemprego em oito estados apenas no primeiro trimestre (pesquisa do IBGE divulgada em 17/05), sem falar a inadimplência, que atingiu em abril 68,7 milhões de brasileiros (segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – CNDL). Sobre isso, o governo só tem reclamações a fazer, como um irresponsável que lança aos outros a carga pelo atual estado de coisas, quando, na realidade, tem compromisso com a manutenção da política contra a qual lança furiosas críticas.

Um bom exemplo está na Petrobras. Com Jean Paul Prates, sob o governo atual, foi extinta apenas formalmente a política dos Preços Paritários de Importação (PPI), que beneficiava diretamente os monopólios estrangeiros do ramo, mas a manteve na prática, com baixos investimentos para justificar seu fatiamento e privatização. Demitido Jean Paul Prates, assume Magda Chambriard, conhecida por ser defensora da penetração das corporações imperialistas na exploração do petróleo em território brasileiro, a privatização da estatal e contra a mudança da PPI. Recentemente, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) emitiu comunicado criticando a nomeação. É, aqui também, expressão do velho adágio: mudar, para manter o mesmo.

Não é sem razão que está em queda a popularidade do governo – eleito sob promessas retumbantes de melhorar as condições de vida das massas populares, com o famoso bordão da “picanha e cerveja” – enquanto o establishment do País de grandes burgueses e latifundiários, serviçal do imperialismo, principalmente ianque, está fortalecendo seu futuro candidato para 2026, um bolsonarismo sem Bolsonaro, mais bem comportado, e por isso, também mais perigoso. O fracasso do governo de turno da falsa esquerda em coalizão com a direita tradicional é inevitável pela sua política de conciliação de classes – o que inevitavelmente engendrará sua bancarrota, cujo caldo de cultura fomentará novas projeções da extrema-direita e em novas arremetidas do generalato golpista, que ora se finge de morto. As massas populares devem, por isso, não apostar na manutenção deste ou daquele governo, passageiro como as nuvens, porém perversos para com elas: mas sim na luta implacável e incansável pelos seus direitos mil vezes pisoteados, doa a quem doer, conscientes de que apenas a luta pelo Poder, por um governo popular e revolucionário, pode dar redenção, uma nova democracia e libertação à Nação.

 

•        Depois do dilúvio: um cavaleiro apocalíptico, três negacionismos e muitos funerais. Por Tarso Genro

Ao contrário do que os formadores ideológicos da grande imprensa rapidamente propagaram, defendendo que a situação de tragédia não é propícia para o debate político sobre o futuro, defendo que é exatamente nos momentos de crise que as pessoas, as classes, as instituições, mostram a sua grandeza e a sua miséria. Sonegar as causas políticas da tragédia gaúcha é sonegar o essencial e ajudar a esconder os crimes e as omissões deliberadas que nos levaram até aqui.

Do ponto de vista do interesse público não cabe indicar quem são os criminosos, o que é uma tarefa da Justiça Penal, mas sim apontar as políticas públicas que permitiram que aqueles que cometeram crimes contra a democracia e a cidade fiquem escondidos nos esgotos das Fake News e nas manipulações cotidianas da desinformação deliberada. A devastação é grandiosa e Celi Pinto tem razão quando diz que o Dilúvio tem razões políticas.

Rezam a lenda e a Bíblia Sagrada que “as águas do Dilúvio destruíram os iníquos e todas as criatura que viviam na terra, exceto os que estavam na arca. Quando as águas do Dilúvio baixaram, Noé e a sua família saíram da Arca.” Os que saem da Arca, depois do Dilúvio – aqui e hoje – estão vivos para cumprirem os desígnios de Deus, da História ou dos Profetas, mas eles – os que estão vivos – amam, sofrem, lutam e um dia morrerão. Nós morreremos, mas enquanto vivos, temos que falar.

Depois do Dilúvio também é uma pintura a óleo do inglês George Watts, que “apresenta o sol de forma incompleta em 1886 e completa, em 1891”. A História se move em sequências incompletas, como no quadro do inglês – marcado pela meticulosidade britânica: Noé abre a janela da arca e vê que a chuva cessou. O que pensam, os gaúchos de hoje quando as chuvas cessam, sobre as Profecias dos negacionistas que conduziram o pensamento de milhões, na modernidade dissolvida pelas águas?

Tomada como símbolo, História ou Mito, a situação de Noé (falecido com 950 anos e vivendo por mais 350 anos depois do Dilúvio no mundo de um Deus improvável) não enfrentou as três negações que os humanos atuais enfrentam. Depois do nosso Dilúvio, que causou danos e impressões muito mais fortes do que a leitura das versões míticas da Bíblia, acho que devemos repensar a Vida e a Política.

Na versão bíblica, um Deus vingativo teria dito “multipliquem-se, povoem novamente a terra e exerçam domínio sobre ela”. E depois: “quem derramar o sangue de um ser humano, pelo ser humano seu sangue será derramado, pois ele foi criado à imagem de Deus.” O Deus da Gênesis 9, manda derramar sangue e nega, portanto, o direito de perdoar a quem derrama o sangue dos seus irmãos. Tendo o “verbo” como força letal, o Deus da Gênesis não precisou encarar as Três Negações que enfrentamos nos dias de hoje.

A visão da Gênesis está largamente superada pelo direito moderno, que é mais eficiente e mais “humano” que a “Lei do Talião”, que o Deus vingativo recomendou a Noé e aos seus sucessores, pois a Lei dos Homens julga os conflitos para retomar a coesão social, tanto pela aplicação da Lei Penal como pela possibilidade do perdão. O Deus mítico, ideal, criado pelos homens ou pela espontaneidade da energia do Universo é sempre maior do que a vida imediata.

Mas Ele não se defrontou com as três negações que nos desafiam: a negação da política, propagada pela mídia dominante, que gerou a deposição inconstitucional da Presidenta Dilma e abriu as comportas ao fascismo e aos novos políticos da extrema direita, negação principal e decisiva que ao eliminar a política tradicional como um cancro e colocar, em seu lugar, o fascismo e o negacionismo, mutilou o que tem de bom e humano na democracia liberal.

A segunda negação é a Pandemia que – com a política assassina da Cloroquina contra a vacina e da respiração ofegante como deboche – ajudou a matar 8oo mil pessoas, cujos titulares ainda permanecem soltos e impunes. O negacionismo climático é a terceira negação, que guindou ao topo do imaginário do progresso a destruição ambiental e a criação de novas normas de proteção, não dos humanos, mas dos desastres que aí estão.

Quero dizer, com a menção das Três Negações, que a dimensão da barbárie universal se derramou sobre o Rio Grande, não como uma maldição divina, que não só classifica crimes e estabelece as punições, mas que também se estabeleceu de forma consciente – pelo dolo evidente de determinados dirigentes políticos – pela extinção das políticas de manutenção das prevenções e das defesas da cidade contra as cheias.

Porto Alegre, assim, passou a ser uma cidade-teste da gentrificação perversa, da especulação imobiliária, palco dos “síndicos” populistas neoliberais – sem propósito público – incensados pela mídia dominante. Porto Alegre de modelo do Sistema Único de Saúde passou a ser o símbolo da irresponsabilidade na Saúde Pública, pela ausência de uma estratégia sanitária séria na época da Pandemia.

Porto Alegre de cidade que recebeu prêmios internacionais de gestão decente, tornou-se um criadouro de meritocráticos de opereta – educada pela extrema direita empresarial e pela sua mídia servil – que continuam buscando a proliferação dos seus negócios e (como bons neoliberais oportunistas) buscando as proteções do Estado. Porto Alegre vai voltar, mas – se quiser sobreviver – vai varrer nas eleições deste ano o Cavaleiro Único do apocalipse que nos afoga e concentra – no seu perfil populista – as Três negações que Noé não precisou enfrentar, abrigado que esteve nas palavras do Senhor.

 

•        Tragédia no RS: prefeito de Porto Alegre culpa chuva e não admite falhas na manutenção do sistema anticheias

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), foi rápido em anunciar um acordo com a consultoria estadunidense Alvarez & Marsal para elaborar um plano de recuperação da capital gaúcha. A consultoria atuou em Nova Orleans após os estragos causados pelo furacão Katrina, em 2005, e é acusada de ter gentrificado a cidade. Melo, porém, não foi tão célere com os alertas sobre falhas no sistema anticheias da cidade. Além de desqualificar o aviso, culpa a natureza.

Depois da cheia que ocorreu em Porto Alegre em novembro de 2023 – uma das três emergências climáticas que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos oito meses –, a prefeitura foi avisada pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) sobre problemas em quatro estações de bombeamento de águas pluviais (EBAPs), informa a Matinal. Engenheiros do órgão reforçaram a “necessidade urgente” de manutenção, mostram documentos acessados pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) e pelo jornalista Lennon Haas.

Melo classificou as denúncias como “narrativa mentirosa”, relata a Matinal. Culpou a concepção do sistema de proteção. Minimizou o papel das estações, mas, no pior momento da crise, apenas quatro das 23 casas de bombas estavam operando, e até a noite de 3ª feira (21/5) 13 delas continuavam inativas, segundo o GZH. Para completar o factóide, ele atribuiu a inundação às chuvas extremas.

Entretanto, não foi apenas em novembro passado que técnicos apontaram problemas no mecanismo de proteção de Porto Alegre. De acordo com o Meteored, a ineficácia do sistema contra cheias já era apontada no Plano Municipal de Saneamento de 2015 – quando Sebastião Melo era vice-prefeito da cidade, na gestão de José Fortunati (2013 a 2016).

O documento destacou a falta de capacidade hidráulica instalada e o estado precário das instalações e dos sistemas mecânicos e elétricos. Além disso, apontou que algumas casas de bombas atuavam em níveis operacionais abaixo dos 50%.

Um corte necessário: foi em 2016 que a Bombas Sinos se tornou responsável pelos dois maiores contratos de manutenção do sistema anticheias de Porto Alegre. Juntos, os contratos superam R$ 6 milhões, e um segue em vigor. Um de seus sócios é o engenheiro Thierri Moraes, que trabalhou no DMAE entre 2017 e outubro de 2020 fiscalizando os contratos justamente da Bombas Sinos, revela o Intercept.

Voltando aos avisos, um novo alerta à Prefeitura foi dado em 2018, em um parecer técnico elaborado por funcionários municipais, destaca a Folha. Na época, o prefeito era Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que em 2021 foi sucedido por Melo.

Na noite de terça-feira, o Guaíba ficou abaixo dos quatro metros pela primeira vez em 19 dias, informa o g1, ainda acima de sua cota de inundação, de três metros. Pelas projeções de especialistas da UFRGS, o nível do Guaíba só deve ficar abaixo dos três metros no início de junho. Isso porque mais chuva está a caminho do Rio Grande do Sul nos próximos dias, informa o MetSul, o que deve diminuir o ritmo de baixa não apenas do Guaíba como da lagoa dos Patos.

<><> Em tempo

O acordo pro bono com a consultoria Alvarez & Marsal indica que a prefeitura de Porto Alegre é incapaz de lidar com a atual crise, avalia André Moreira Cunha, vice-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Em entrevista à Matinal, o professor se mostrou preocupado com a rapidez com que a empresa “se colocou no centro decisório” da atual crise. “Teríamos de estar pensando, planejando e agindo para criar maior resiliência climática na cidade. Não me parece que esta consultoria tenha competências técnicas para isso. Ela começará seu trabalho sem ônus para a cidade, mas findo o prazo da ‘amostra grátis’ virá o custo efetivo a ser pago. Este, talvez, seja o menor dos problemas, diante do custo real de negligenciar o risco climático ao se manter o modelo atual de urbanização”, destacou.

 

Fonte: A Nova Democracia/Jornal GGN/ClimaInfo

 

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