quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Eliara Santana: Mídia e judiciário - uma parceria que golpeou de morte a democracia brasileira

“Só nos resta resistir”. Essa fala foi proferida pela professora Maria Luisa Alencar Feitosa no encerramento da mesa “Lawfare: ontem hoje e sempre”, realizada no dia 26 de outubro, durante o MILWEEK 2023, evento de letramento midiático promovido pela Unicamp em parceria com a UFAC e em consonância com a Semana de Letramento Midiático da Unesco, que ocorre todos os anos, no período de 24 a 31 de outubro. A mesa teve a participação das professoras Maria Luisa Alencar Feitosa, Márcia Lucena e Juliana Neuenschwander, e eu tive a alegria e a honra de mediar.

Ao propor essa mesa e essa discussão para um evento de letramento midiático, o MILWEEK, que já se consolidou no cenário brasileiro, estando em sua terceira edição, vieram-me à lembrança duas cenas, dois momentos marcantes para entender tudo o que vivemos e a relevância desse debate. O primeiro, o dia 16 de março de 2016, uma terça-feira. Eu estava na cozinha organizando a janta para a família e ouvindo o bater de panelas na rua. Naquele dia, o então juiz Sérgio Moro, o todo-poderoso da Lava Jato, liberou trechos de gravações de diálogos do ex-presidente Lula, então investigado pela Lava Jato. O Jornal Nacional teve acesso exclusivo às gravações, e a Globo as inseriu em sua programação com total destaque. A edição da noite garantiu o espetáculo. O tema ganhou 33 minutos na edição, que tinha cerca de 50 minutos no total. Ou seja, um jornal inteiro para encenar e mobilizar a opinião pública. Pra dimensionar o alcance político dessa ação de conluio, no dia anterior à liberação e divulgação dos áudios, a então presidenta Dilma havia anunciado Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Depois dos áudios, o STF suspendeu a nomeação. Se Lula tivesse assumido a Casa Civil, o desfecho do impeachment seria outro.

O segundo momento, em março de 2020, foi quando vi no Facebook a imagem de Márcia Lucena, então prefeita do Conde, na Paraíba, em reunião com lideranças comunitárias, de tornozeleira. Ela tinha sido acusada de fazer parte de uma “orcrim”, organização criminosa que seria comandada pelo então governador Ricardo Coutinho (nada disso nunca foi provado, e os processos seguem até o momento). Era o auge da Operação Calvário, na Paraíba, filhote da Lava Jato. Eu acompanhava o caso já vendo todos os elementos mais perniciosos e absurdos se desenhando de novo. Márcia, como prefeita do Conde, havia ousado enfrentar o poder local dos coronéis de toga para barrar a especulação imobiliária numa região com muitos quilombolas que podiam perder suas terras.

E eu, mais audaciosa do que efetivamente com algum poder de mobilização, imediatamente entrei em contato com a assessoria de Márcia – queria escrever e publicar sobre ela, sobre o caso e sobre a versão Nordeste da Lava Jato. Mergulhada como tinha estado nas construções da Operação de Curitiba, eu já farejava de longe a atuação dessa parceria tão nefasta quanto eficaz: o conluio, a ação combinada da mídia com parte do judiciário para dar corpo e sustentar, perante a opinião pública, os desmandos e abusos incontáveis, as convicções tomando o lugar das provas e evidências, a brutalidade na condenação sem julgamento, a violência da exposição midiática. Imediatamente me solidarizei com Márcia e produzi um texto para circular no mês internacional da mulher – ali começou minha admiração por ela e nossa amizade.

O ciclo de golpeamento da democracia pela parceria abjeta e violenta da mídia corporativa com parte expressiva do judiciário tinha então sequência no Brasil. Nesse sentido, é muito importante ressaltar que quando falamos nessa “parceria”, estamos falando da ação conjunta muito bem articulada de duas instâncias de poder – a mídia (imprensa corporativa) e o judiciário (na figura da Lava Jato).

Duas instâncias poderosas sem controle externo, que se unem num trabalho conjunto para combater determinado ator ou determinado grupo, eleito como inimigo, a partir de um repertório construído. E sem essa parceria, esse trabalho conjunto e afinado, a Operação Lava Jato e o lawfare (que é a prática de uso do judiciário como arma, em linhas bem gerais) não tomariam a dimensão que tomaram, não teriam o poder que tiveram, e seus articuladores não seriam alçados à categoria de “heróis” no imaginário nacional.

Agora em 2023, no momento em que sugeri essa mesa para o MILWEEK, os ventos estavam um pouquinho diferentes. A Operação Lava Jato havia se desmantelado, com a exposição das ações espúrias de seus articuladores, a relação com a mídia ficou vergonhosamente exposta e explicitada, a justiça determinou a retirada da tornozeleira de Márcia Lucena, que está em Brasília no Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Lula foi novamente eleito, depois de amargar 580 dias na prisão. Mas os ventos só mudaram um tiquinho, e os algozes seguem na espreita e agindo. Porque o lawfare permanece como prática no Brasil, permanece perseguindo e punindo sem provas, permanece com o poder sem controle de juízes e procuradores. Mais do nunca, precisamos falar sobre essas práticas e sobre as memórias que não devem ser apagadas e silenciadas.

Portanto, entendo que não é possível falar em letramento midiático se não falarmos sobre o lawfare no Brasil, se não mostrarmos como a ação da mídia, alinhada ao judiciário e aos grupos de poder coloca em prática uma perseguição que inviabiliza os governos populares, essa é a tônica. Basta olhar quem são os perseguidos políticos do lawfare, da Lava Jato – todos se vinculam a perspectivas de enfrentamento aos poderes arbitrários, todos se colocam ao lado dos invisibilizados pelo capitalismo predatório, todos se colocam na luta pela construção de um país minimamente desigual. É uma perseguição, sob o disfarce de ação judicial, que tem endereço, tem “escolhidos”.

Por isso, minha ideia ao propor esse tema para um evento de letramento midiático se vincula essencialmente a um posicionamento de nunca, jamais deixar que se esqueça o que aconteceu no Brasil em tempos recentes; nunca, jamais deixar que se esqueça que o lawfare, alimentado pela mídia, solapa e destrói experiências populares, solapa e destrói famílias, solapa e destrói vidas, sonhos, esperanças; solapa e destrói a democracia brasileira.

Citei para vocês apenas dois casos, para ilustrar essa memória necessária. Mas há centenas de outros, e o grupo “Lawfare nunca mais” tem feito um trabalho maravilhoso de levantamento, debate, exposição para mostrar que a prática da justiça como arma, que fere apenas aqueles que se colocam na linha de frente contra o autoritarismo e a manutenção das desigualdades, permanece muito viva no Brasil. E precisamos conhecer para entender, para combater e jamais esquecer. Só nos resta resistir.

 

·         ‘Tive que aprender a ignorar os ataques rasteiros da oposição’, diz Eliziane Gama sobre CPMI do 8 de janeiro

 

Passadas três semanas da entrega do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, a relatora do processo, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), vive um novo momento e um pouco mais de paz. Ao longo dos últimos cinco meses em que esteve à frente do colegiado, a parlamentar foi alvo de ameaças de morte, além de ataques, comentários machistas e tentativa de silenciamento por parte de colegas da oposição. Agora, já com o relatório aprovado e incorporado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes investigações, Eliziane credita parte do resultado ao modo como decidiu ignorar as agressões bolsonaristas.

Foi o que ela destacou ao jornalista Juca Kfouri durante o programa Entre Vistas, exibido na quinta-feira (2) na TVT, em que compartilhou os bastidores do processo. “Todos os dias eu ia para a CPMI sabendo que teria um enfrentamento com algum parlamentar, sobretudo da oposição que faz, como ficou bem claro, um ataque muito rasteiro”, classificou. No primeiro mês de trabalho, a senadora tentava revidar os ataques, como fez ao ser provocada pelo senador Marco Feliciano (PL-SP), que acusou o colegiado de ser “rotulado”. Ao que Eliziane rebateu, apontando que Feliciano se comportava como uma “pessoa abjeta e misógina”.

·         Rotina de trabalho

Logo depois, no entanto, a senadora mudou de atitude e decidiu ignorar os ataques. “Porque não valia a pena. Não tem o que se debater com essas pessoas. (…) E eu fiz isso durante basicamente quatro meses de trabalho, não respondia a esses parlamentares especificamente”, comentou

“Receber o convocado que você vai interpelar sabendo que será interrompida, que ouvirá tumultos para desviar o foco, foi um verdadeiro exercício de concentração, de paciência. Porque eu tinha que simplesmente fechar os ouvidos para eles e focar no depoente para realmente ter um bom rendimento. Então num primeiro momento foi complicado. (…) Mas depois eu tomei a decisão de fato de ignorá-los. Porque para eles a única resposta que eu poderia dar era a indiferença e foi o que eu fiz. No final de tudo, de todos os depoimentos e informações que tivemos, não há dúvida nenhuma que essa forma que eu decidi tratar o decorrer dos trabalhos foi uma forma eficiente”, garantiu a Juca Kfouri.

·         Punição à altura

Por outro lado, até hoje, a senadora acumula mensagens de apoio de seguidores que acompanharam sua saga na comissão. Nesta semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou à relatora o compartilhamento de documentos secretos recebidos pelo colegiado durante a investigação sobre os ataques às sedes dos três poderes. O pedido foi visto como sinal de continuidade da investigação no Ministério Público Federal (MPF).

Em seu parecer, Eliziane pediu o indiciamento de 61 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. O grupo é acusado de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. A relatora também pediu punição à altura para os influenciadores e financiadores que fomentaram os atos golpistas. Assim como vem sendo aplicado sobre os executores, condenados pelo STF a penas que variam de 14 a 17 anos de prisão.

“Às vezes, as pessoas dizem: ‘Essa decisão do Supremo de 14, 15 e 17 anos (de prisão) é muito tempo’. Ela é e tem que ser mesmo, porque quem agride o Estado democrático de direito está agredindo toda uma nação brasileira. Quando você luta para a implantação de um golpe, você está querendo na verdade voltar o Brasil à censura, ao radicalismo e à tortura, que foi o que a gente viveu na ditadura militar”, destaca Eliziane. “Esse foi o cenário que a gente viveu. E se esse golpe tivesse dado certo, eu não estaria aqui falando contigo, Juca. Aliás, eu não sei nem onde estaríamos hoje, possivelmente buscando asilo em algum lugar”, concluiu a relatora.

 

·         Cid detalha funcionamento do gabinete do ódio em delação

 

O tenente-coronel Mauro Cid explicou aos investigadores o funcionamento do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores de Jair Bolsonaro (PL) cujo propósito é disseminar informações falsas contra adversários do bolsonarismo. Ao abordar o papel do militar, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos confirmou que possui “anexo sobre golpe, joias, vacina, gabinete do ódio, milícias digitais”.

A entrevista, que foi divulgada no domingo, foi concedida à revista Veja. Agentes federais encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório sobre as atividades das milícias digitais bolsonaristas, juntamente com um guia detalhado das etapas para os ataques.

A partir das revelações de Mauro Cid em sua delação, os investigadores buscam obter informações adicionais sobre as ações ilegais supostamente realizadas por Bolsonaro durante o seu mandato. Cid, que anteriormente atuou como ajudante de ordens do ex-presidente, afirmou que o ex-mandatário tentou ocultar indivíduos sob investigação relacionados a possíveis tentativas de golpe.

Neste ano de 2023, Mauro Cid alegou que Bolsonaro consultou militares a respeito de estratégias para realizar um golpe de Estado no Brasil. No celular do tenente, os investigadores descobriram um esboço de um plano para um golpe de Estado no país, que envolvia a declaração do estado de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e que estava concebido de acordo com as diretrizes da Constituição, ou seja, que previa estado de sítio “dentro das quatro linhas”.

O tenente-coronel foi detido em maio deste ano devido a irregularidades envolvendo os registros de vacinação de Bolsonaro. Em setembro, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, deu seu aval para o acordo que permitiu que o tenente realizasse uma delação premiada.

O militar fornecerá informações adicionais sobre as alegadas atividades ilegais de Bolsonaro no contexto do inquérito relacionado às joias. De acordo com a lei, presentes recebidos por autoridades de outros países não podem ser incorporados ao patrimônio pessoal, devendo ser propriedade do Estado brasileiro.

 

Fonte: Observatório de DesInformação/RBA/O Cafezinho

 

Inteligência artificial deve afetar próximas eleições e a democracia

Em agosto deste ano, em resposta ao requerimento do Senador Eduardo Gomes (PL/TO), foi instaurada a Comissão Temporária de Inteligência Artificial (CTIA) no Senado Federal. O objetivo: discutir diferentes projetos de lei sobre o uso da tecnologia.

A inteligência artificial (IA) vem se mostrando, ao mesmo tempo, uma ferramenta para otimização de demandas no setor público, mas também uma preocupação para o processo democrático. Ela já é usada em tribunais para a aceleração de procedimentos burocráticos e decisões sobre aposentadoria. Por outro lado, a tecnologia também vem sendo utilizada para a desinformação, como na criação de imagens de fatos que não aconteceram na realidade: como a prisão de Trump usando força policial, imagem criada por um jornalista com o software Midjourney.

A Comissão pretende analisar em 120 dias o PL 2.338/2023, do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que trata da proteção de direitos e liberdades fundamentais envolvendo a IA, trabalho e da dignidade da pessoa humana.

Além disso, a comissão, que já discutiu os impactos da IA na agricultura, no meio acadêmico e na indústria, debateu, no último dia 30, os efeitos da tecnologia no jornalismo e no processo eleitoral, em audiência pública presidida pelo senador Marcos Pontes (PL-SP), ex-ministro da Tecnologia de Jair Bolsonaro. A audiência contou com representantes do setor de comunicações e de instituições em defesa da democracia.

A Agência Pública entrevistou uma das participantes, a advogada e professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Tainá Aguiar Junquilho. Na entrevista, falou sobre os desafios da implementação segura da tecnologia: “não existe nenhum mecanismo hoje, nenhum software, nenhuma inteligência artificial que vá identificar se um conteúdo é produzido por inteligência artificial”.

No contexto das eleições municipais de 2024, a professora revela preocupação com o uso de IA na disputa e a ausência de uma legislação específica que regulamente o processo. Para ela, diferentes problemas, como uso do deepfakes e criação de conteúdo falso, vão chegar ao Judiciário sem uma conduta padronizada a ser seguida. “Se a gente não regula, pode ser que tenhamos decisões muito diferentes de cada juiz, e isso pode gerar insegurança”.

<<<< Confira a entrevista

·         Como está o andamento para a regulamentação da inteligência artificial no Brasil?

A regulamentação da inteligência artificial aqui no Brasil já passou por algumas fases, mas não há uma lei em vigor. Isso pode prejudicar o processo eleitoral, na medida em que o Estado vai precisar dar alguma resposta, e aí talvez caia em ativismo judicial, enfim, porque você não tem uma lei em vigor ainda.

A gente tem desde 2020 um projeto de lei, que é o 21/2020, que foi colocado pela Câmara e aprovado em regime de urgência para regular a inteligência artificial, porém esse projeto é principiológico. O que isso significa? Ele é muito vago. Ele prevê que a inteligência artificial não pode ser discriminatória e que ela precisa ser transparente, mas não coloca meios para viabilizar isso na prática.

E a gente tem agora, depois de um ano de trabalho, de uma comissão de juristas estabelecida, criada no Senado, o PL 2338, que foi colocado na mesa pelo senador Rodrigo Pacheco. Criou-se a Comissão de Tecnologia e Inteligência Artificial, a CTIA, e para discutir, eles estão fazendo audiências públicas, vão apresentar algumas mudanças a esse texto, provavelmente, a partir do que eles ouviram em audiência.

Todos os países do mundo já estão se mobilizando. A União Europeia já está se mobilizando para regular [a IA]. Nessa semana, nos Estados Unidos, Joe Biden também colocou regras. Então está todo mundo se prevenindo, principalmente porque Brasil e os Estados Unidos são países que, no ano que vem, vão enfrentar processos eleitorais e querem correr tentar, de alguma maneira, frear os riscos da inteligência artificial. Mas nenhum país ainda tem uma lei que esteja em vigor. Está todo mundo nessa discussão.

·         A discussão está focada também no processo das eleições?

Isso, no processo eleitoral. Porque a inteligência artificial é uma tecnologia de propósito geral, então ela afeta todos os setores, afetando também o processo eleitoral.

Alguns candidatos na Coreia do Sul criaram avatares de inteligência artificial para responder aos eleitores. Então, como a pessoa física não é onipresente, obviamente, eles criaram avatares por inteligência artificial. E isso pode gerar um certo descontrole.

Você tem as deepfakes também, que são as notícias falsas ou as fotos, vídeos falsos com o uso da inteligência artificial. A gente tem a imagem do Trump sendo preso, que era falsa. Nas eleições da Eslováquia, fizeram deepfake dos candidatos. No Reino Unido também, com o candidato a primeiro-ministro, falando mal da população cigana.

Enfim, a inteligência artificial pode desinformar, pode enganar eleitores, ela pode ser usada para criar áudios, textos, imagens e conteúdos que vão manipular as campanhas e colocar discursos na boca das pessoas que, na verdade, elas não falaram.

·         Já vimos alguns efeitos de deepfakes, de disparos em massa, influenciando a disputa eleitoral. O que mudou com o aparecimento da IA generativa? Qual a diferença, por exemplo, quando a gente fala de deepfakes com o uso da IA generativa?

Você tem [exemplos], desde 2016, com o escândalo da Cambridge Analytica, algoritmos criados por essa empresa para influenciar comportamentos e votos produzindo conteúdos personalizados. Era uma inteligência artificial que a gente diz que é preditiva. O que ela faz? Ela vai pegar um monte de dados do passado e prever, com base nos comportamentos do passado, a probabilidade de comportamentos futuros.

Ela pega, por exemplo, as suas pegadas digitais na rede social e vai prever ‘olha, ela é uma pessoa mais à esquerda, mais à direita, ela gosta desse tipo de discurso, ela quer ver o direito X ou Y, ela precisa, por exemplo, de um direito à saúde. Então, vamos colocar aqui, oferecer isso aqui, esse conteúdo para ela’. E aí você vai influenciando comportamentos e votos, levando conteúdos personalizados a partir de uma inteligência artificial que prevê gostos para influenciá-los a partir dos dados do passado.

A inteligência artificial generativa já existia, mas em novembro de 2022, a OpenAI, principalmente, conseguiu desenvolver a versão 3 do ChatGPT, e isso influenciou várias outras. E a IA generativa, ela muda um pouco porque ela vai produzir conteúdos, ela vai gerar áudio, textos, imagens que podem ser desinformativos.

E isso, mais uma vez, afeta várias áreas. A gente tem o exemplo aqui no Brasil, do comercial da Volkswagen com a Elis Regina, que o CONAR, que é o órgão que conduz o marketing no Brasil, chegou a notificar a Volkswagen dizendo que aquele conteúdo poderia enganar os consumidores porque não dizia, não informava aos consumidores, que a Elis Regina era produzida por uma inteligência artificial.

Imagina, então, um conteúdo que é produzido por inteligência artificial generativa, que vai gerar um áudio, um texto, uma imagem e vai disparar isso para várias pessoas. Se hoje tem disparo em massa de mentiras feitas à mão, com a inteligência artificial, que gera conteúdos muito mais facilmente… Existem estudos que dizem que bastam três segundos de áudio de qualquer pessoa para que você reproduza a voz dela em termos de inteligência artificial.

Então, imagina, você grava um áudio, finge que está gravando um áudio de um candidato e espalha isso. Como que isso não é perigoso? Não existe nenhum mecanismo hoje que vá, nenhum software, nenhuma inteligência artificial que vai identificar que aquele conteúdo é produzido por inteligência artificial.

·         Inclusive, um dos pontos que foi falado na CTIA é sobre a integração de blockchain na inteligência artificial com a finalidade de garantir a integridade do conteúdo original. Como você vê isso, as tentativas para deixar o conteúdo mais original, para poder preservar a integridade da informação?

É muito importante, e uma regulação pode vir para trazer incentivos, inclusive também às empresas desenvolvedoras, para investir em tecnologia que seja capaz de criptografar ou de codificar, de tornar aquela imagem, som, texto com um selo ou com algum tipo de aviso.

O eleitorado jovem tem aumentado cada vez mais e os jovens estão ali nos aplicativos. O TikTok, por exemplo, é um aplicativo que bombou há mais ou menos quatro anos. Quer dizer, tem uma eleição no máximo que você tem [a presença] do TikTok, e o aumento [do aplicativo] é cada vez maior.

Essas demandas, como eu falei, vão chegar no judiciário, no Tribunal Superior Eleitoral, nos tribunais eleitorais, e o Estado vai precisar se virar para responder. Se a gente não regula, pode ser que tenhamos decisões muito diferentes de cada juiz, e isso pode gerar insegurança.

·         Como você avalia o uso da inteligência artificial no setor público, seus potenciais ou riscos?

Olha, a inteligência artificial tem sido utilizada no setor público em larga escala. O gestor público que escolhe usar a inteligência artificial, ele o faz em nome do princípio constitucional do artigo 37, que é a eficiência da administração.

Mas há uma certa crítica no sentido democrático, na afetação da democracia, porque você tem inteligência artificial no setor público, por exemplo, no uso de reconhecimento facial. Você tem São Paulo tentando colocar o SmartSampa para resolver o problema da Cracolândia, na segurança pública, para ingresso de pessoas na migração do país, na alfândega. O próprio INSS, existem dados dizendo que 40% das aposentadorias no Brasil já são decididas por robôs do INSS. No judiciário brasileiro; tem uma pesquisa da FGV que diz que 44 dos 92 tribunais estão desenvolvendo inteligência artificial.

Tem o caso polêmico também de algumas escolas públicas no Paraná que estão usando inteligência artificial para reconhecimento facial e análise dos sentimentos e emoções — práticas que são, pelo projeto da Europa, banidas. Porque imagina, se você usa isso para uma criança, para um trabalho, isso pode gerar sérias discriminações. Você dizer, ‘olha, essa criança aqui, ela não tem jeito não’.

Isso mexe com a democracia no sentido de que essas aplicações, a população, a sua maioria, nem sabe que está tendo essas coisas negadas, ela não tem capacidade e nem possibilidade de recorrer.

Por exemplo, se você não ingressa num país ou se você tem uma concessão de benefício negada pelo INSS, os sistemas de inteligência artificial são opacos, então você não consegue nem explicar e recorrer, porque nem o próprio desenvolvedor vai saber como aquele sistema chegou àquela decisão. Não há uma transparência de, por exemplo, ‘a administração pública, ela gastou X, que é um X alto, mas ao mesmo tempo ela está conseguindo economizar ou isso está trazendo de retorno para a população duas vezes’.

Não há uma transparência também no sentido de explicar no que que isso está melhorando ou piorando a vida da população. Isso tudo afeta a democracia porque é o Estado que está promovendo ou deixando de promover políticas públicas para o cidadão, e aí você fica com todas essas questões afetadas, falta de transparência, opacidade.

·         Sabendo da fidelidade das imagens e dos áudios criados por inteligência artificial, o que você considera principal para mitigar o impacto na disseminação de notícias falsas, em especial no contexto das eleições?

Olha, eu acho que o principal, e a gente já está atrás nessa corrida, é trabalhar o letramento digital ou desalienação das pessoas. A principal questão é promoção de educação, de entender quais os riscos, de entender que existem, que essas coisas podem ser produzidas, não confiar, buscar sempre a fonte, mas paralelamente o Estado precisa se preparar para responder de forma segura.

A gente tem duas maneiras de colocar isso legislativamente: ou na reforma do Código Eleitoral ou no próprio projeto de lei. Fazendo como os Estados Unidos, por exemplo, vetando que candidatos utilizem inteligência artificial, proibindo que eles usem inteligência artificial para enganar as pessoas ou para colocar discursos falsos, exigindo que as empresas desenvolvam tecnologias que vão gerar algum tipo de aviso às pessoas de que aquele conteúdo não é real, que aquilo é um conteúdo gerado por inteligência artificial.

Precisa haver algum tipo de punição para os candidatos que utilizam esse recurso sem avisar aos seus eleitores, sob pena de a gente cair num discurso desinformativo, aumentar também a polarização, enfim.

·         Você comentou que houve a criação da CTIA, há essas discussões sobre a regulamentação, mas há medidas mais práticas, atuais, para evitar o uso, ou para diminuir o impacto do uso da inteligência artificial na disputa eleitoral, ou para que a IA seja usada na checagem de informações?

Pois é, essa é uma notícia triste que eu tenho para te dar. Não existe, e por isso é importante o letramento digital. Por exemplo, a inteligência artificial generativa é usada na educação. Já tem professor dizendo assim, ‘eu tenho um software aqui que denuncia o conteúdo gerado por inteligência artificial’. Você como aluno pode dizer ‘não é verdade’. Hoje não existe, infelizmente, nenhum conteúdo, nenhum software, nenhuma inteligência artificial capaz de reconhecer que aquilo é produto da IA.

Então, o que a gente pode fazer em termos de regulação hoje é o letramento digital, estabelecer obrigações preventivas aos candidatos, estabelecer estímulos para que as empresas façam relatórios de avaliação de impacto daquelas tecnologias, regras de governança, para que também o cidadão tenha confiabilidade naqueles sistemas e o próprio mercado.

Você também pode estimular que as empresas desenvolvam essa tecnologia, talvez por meio de blockchain ou NFT, para que identifique mais facilmente que aquele é um produto de inteligência artificial para evitar a desinformação.

E também a gente tem o PL das Fake News, que ficou um pouco morto, mas que de toda forma tenta regular e modificar um pouco o modelo de negócios das Big Techs, mais na área dessa bolha algorítmica que favorece um clima polarizado.

Então, para você evitar que conteúdos de cunho desinformativo ou de cunho odioso, recebam pelo tráfego, você pode tomar essa medida que o PL das Fake News está tentando, mas que nunca engrena.

 

Fonte: Por Bianca Muniz, da Agencia Pública

 

André Márcio Neves Soares: O fim da ONU?

Se a ONU, caro leitor, não conseguir um meio de parar esse massacre de Israel contra os palestinos, temo que ela tenha se tornado obsoleta de uma vez por todas. A questão não é que não existam esforços para barrar o genocídio e o plano de Israel de expulsar os palestinos da região. O problema está no modelo adotado desde o fim da Segunda Guerra Mundial de existir apenas cinco países no mundo com o poder de vetar, unilateralmente, qualquer assunto que precisar da aprovação unânime deles. Resta mais do que claro que no atual mundo multipolar, com novos atores em ascensão e uma grave crise humanitária que se alastra pelo globo, não é mais possível que apenas 5 países tenham o cadeado das decisões mais importantes e que mais afetam todos os seres vivos do nosso planeta. Nesse sentido, a guerra é só um dos diversos temas polêmicos que estão a nos assolar. Podemos citar aqui também a questão climática, o drama interminável dos refugiados e dos migrantes mundo afora, a aceleração desenfreada da tecnologia e seus efeitos malévolos para o mundo do trabalho, o potencial para novas pandemias devido à destruição do meio ambiente, entre outros.

Nesse diapasão, vamos correlacionar nesse breve texto apenas a questão do conflito bélico entre Israel e o Hamas por uma questão de espaço. Antes disso, uma breve digressão: se voltarmos um pouco no tempo, exatamente nas chamadas “Guerra do Golfo”, “Guerra da Bósnia” e “Guerra do Kosovo ”, durante toda a década de 1990, é possível verificar a fragilidade desse modelo dos 5 países “senhores das armas”. Mesmo antes, como na invasão da Hungria pela então União Soviética ou na famigerada Guerra do Vietnã – para não falar nas guerras regionais na época da descolonização africana e asiática – quando um desses 5 países queria entrar em conflito, os outros se calavam, apoiavam ou simplesmente vetavam alguma medida mais humanitária, porém esse veto nunca evitou na prática a intervenção militar, se isso fosse da vontade desses países.

Nessa toada, o mundo assiste hoje uma reação mil vezes desproporcional de Israel ao ataque (quase) suicida do Hamas a algumas cidades que fazem fronteira com a faixa de Gaza. É verdade que alguns foguetes foram lançados mais longe, até Tel Aviv, mas foram poucos que chegaram ao seu destino. A verdade é que o Hamas mordeu a isca de vez lançada por Israel. De fato, desde que a ala mais conservadora dos sionistas voltou com toda a força ao poder em Israel nos últimos anos, a narrativa de domínio judaico sobre a região outrora ocupada pelos palestinos se intensificou, bem como o incremento dos assentamentos de colonos judeus em terras que não deveriam ser ocupadas por eles. Sem força militar comparável a Israel, nem voz política no cenário internacional que consiga barrar essas ações condenáveis, o que restou aos palestinos? Alguém que acompanhe minimamente os acontecimentos do mundo foi pego de surpresa com as ações do Hamas? Sinceramente, acredito que não. Talvez a surpresa tenha sido o êxito inicial e as atrocidades cometidas pelos integrantes dessa organização que a própria ONU não caracteriza como terrorista.

Por conseguinte, mais de duas mil crianças palestinas já morreram devido aos bombardeios incessantes de Israel na Faixa de Gaza. É duro ver um genocídio desses e ainda ter que engolir o discurso da grande mídia de que Israel tem o “direito de se defender”. Israel não está se defendendo. Está atacando, isso sim. Está matando pessoas que, na sua grande maioria, apenas lutam para sobreviver num pedaço exíguo de terra inóspita. De forma semelhante, mais de 6 mil prédios já foram atacados por bombas vindas do céu, sem (quase) nenhuma artilharia antiaérea, deixando centenas de pessoas sob escombros.

Mas, e a ONU? No exato momento em que Israel se prepara para lançar a ofensiva terrestre na faixa de Gaza, com potencial para quintuplicar o número de mortes já registradas, por que a ONU se limita apenas a tentar estabelecer corredores humanitários? Infelizmente, a resposta não é tão simples. Basta ver que a ONU foi criada, primordialmente, para evitar uma terceira guerra mundial. Mas não apenas para isso. A ONU possui muitos outros objetivos além de manter a segurança e a paz mundial, como estimular os direitos humanos, ajudar no desenvolvimento econômico e no progresso social, defender o meio ambiente, além de outras ações mais marginais de proteção contra desastres naturais, tentar evitar conflitos armados e ajudar aos mais necessitados contra a fome endêmica nos países mais pobres do globo.

Ao ler essa lista de atribuições que os países delegaram para esse organismo intergovernamental, é possível perguntar o quão todos esses objetivos foram realmente alcançados. A verdade é que ainda não tivemos uma terceira guerra mundial. Mas o crédito maior deve ser dado ao poder de destruição do planeta pelas bombas atômicas que as principais potências do mundo possuem, do que à capacidade da ONU de manter a segurança e a paz mundial.

Nessa circunstância, onde estão os direitos humanos dos migrantes mundo afora, em campos insalubres de refugiados por guerras promovidas, direta ou indiretamente, pelos mesmos países que têm o poder de veto no Conselho de Segurança da própria ONU? Da mesma maneira, cadê o desenvolvimento econômico e o progresso social dos países mais necessitados, especialmente no continente africano, ao longo dos últimos 80 anos, desde que a ONU foi criada? E o que dizer sobre o aquecimento global e o aumento da destruição do meio ambiente, com a expansão das commodities de monocultura e o incremento da exploração da indústria petrolífera, e agora a corrida pelo Lítio, componente básico para os veículos movidos por energia elétrica?

A lista é grande, caro leitor. A fome cresce num mundo abarrotado de produtos supérfluos, assim como temos nesse exato momento mais de uma dezena de conflitos armados ao redor do planeta, sendo os principais a Guerra entre Israel e Hamas, o conflito entre Azerbaijão x Armênia em Nagorno-Karabakh (Já finalizado), a Guerra Rússia x Ucrânia, a Guerra da Síria e a Guerra civil no Iêmen.

Diante do exposto, será que ainda existe alguém que aposta no prolongamento temporal da ONU como organização extraterritorial capaz de manter o mundo em condições adequadas para a vida prosperar? Ou seremos capazes de imaginar uma outra alternativa de sociedade mais eficaz para barrar a aniquilação de todas as vidas do planeta em um futuro não muito distante? Basta lembrar que uma em cada dez espécies pode ser extinta até o final desse século. A principal causa? O homem!

Destarte, insisto porque é imperioso para o futuro do planeta essa questão, a saber, um novo organismo supranacional que contemple todos os povos com suas culturas, economias, religiões e, acima de tudo, uma política de bem-estar geral. O atual secretário-geral da ONU, António Guterres, tem apresentado algumas propostas interessantes, porém ainda tímidas para o objetivo maior citado acima. Realmente, não é mais concebível uma entidade como a ONU baseada, na sua essência, no Tratado de Westfália, em 1648. Estamos no século XXI, CARAMBA!!! Não existem mais continentes a ser descobertos, muito menos isolamento territorial. A Pangeia humana já é fato há séculos. O avançar da tecnologia reduz e embrutece cada vez mais um mundo que já foi bonito pelas suas longas distâncias, idiossincrasias de cada povo e naturezas intocadas. Tudo isso acabou! Talvez o mais subjetivo que temos hoje seja a tela do celular de cada ser humano. Se tudo isso não for levado em conta para o estabelecimento de um novo acordo global entre as nações, corremos o risco de, enfim, desembocarmos nas mãos do “Grande Irmão” orwelliano. E se isso acontecer, a Palestina não existirá mais! 

 

·         O “fim de jogo” da guerra entre Israel e Hamas. Por Richard Galant

 

Em um livro de 2009, Gideon Rose escreveu que os americanos pensam nas guerras como “lutas de rua em grande escala, cujo desafio estratégico central é como derrotar os bandidos”.

Os líderes militares concentram-se nos combates, prestando pouca atenção às consequências a longo prazo. “Mas, em algum momento, toda guerra entra no que pode ser chamado de ‘fim de jogo’ ou ‘fase final’, e então quaisquer questões políticas que possam ter sido ignoradas voltam com força total.”

No livro, intitulado “How Wars End” (“Como As Guerras Terminam”), Rose descobriu que a incapacidade de refletir plenamente sobre as questões políticas marcou o envolvimento dos Estados Unidos em seis conflitos, desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra do Iraque.

Na semana passada, enquanto Israel continuava a sua resposta militar ao ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro, os seus objetivos políticos – e potencial fim de jogo – continuaram a ser uma fonte de enorme controvérsia.

Os EUA apoiaram o direito de Israel de se defender, mas o presidente Joe Biden, sob pressão de alguns membros do seu partido, apelou a uma “pausa” na guerra por razões humanitárias.

O especialista em poder aéreo e terrorismo, Robert A. Pape, da Universidade de Chicago, lembrou que “Israel invadiu o sul do Líbano com cerca de 78 mil soldados de combate e quase 3 mil tanques e veículos blindados em junho de 1982”.

“O objetivo era esmagar os terroristas da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e Israel alcançou um sucesso significativo no curto prazo. No entanto, esta operação militar causou a criação do Hezbollah em julho de 1982, levou a um vasto apoio local ao Hezbollah e a ondas de ataques suicidas e, finalmente, levou à retirada do Exército de Israel de grande parte do sul do Líbano em 1985 e ao crescimento do Hezbollah desde então.”

Na guerra contra o Hamas, acrescentou, “a visão estratégica de Israel tem sido avançar fortemente militarmente primeiro e depois descobrir o processo político”.

“Mas é provável que isto integre cada vez mais o Hamas à população local e produza mais terroristas, em vez de matar. Existe uma alternativa: iniciar agora o processo político rumo a um caminho para um Estado palestino e criar uma alternativa política viável para os palestinos que não seja o Hamas.”

DJ Rosenthal, que atuou como diretor de contraterrorismo no Conselho de Segurança Nacional dos EUA durante a administração Obama, escreveu:

“Israel deve garantir que a prossecução dos seus objetivos contra o Hamas seja conduzida com o máximo cuidado para minimizar as baixas civis. Embora seja verdade que o Hamas utiliza civis como escudos humanos para criar uma complicação tática significativa para a missão de Israel, a desumanidade do Hamas não constitui uma base sobre a qual Israel possa afastar-se das suas obrigações de minimizar as baixas civis.”

“Não o fazer é correr o risco de minar os interesses de segurança de Israel na região, o apoio ocidental e a sua legitimidade”, disse.

“Tomemos, por exemplo, o ataque das Forças de Defesa de Israel ao campo de refugiados de Jabalya, em Gaza, na terça-feira (31). Embora as FDI tenham dito que visavam a liderança do alto escalão do Hamas, o que poderia tornar os ataques legais ao abrigo do direito internacional, Israel não deve ignorar as implicações da realpolitik”, escreveu ainda.

“A Bolívia, o Chile e a Colômbia tomaram medidas diplomáticas drásticas contra Israel, e a Jordânia chamou de volta o seu embaixador em Tel Aviv. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken visita novamente Israel, sem dúvida para exercer pressão privada sobre o governo israelense para evitar vítimas civis. Os impactos diplomáticos para Israel só continuarão a aumentar se estes tipos de ataques persistirem”, completou.

Shai Davidai, professor assistente de administração na Columbia Business School, explicou por que foi visto chorando em um vídeo viral gravado no campus da universidade.

“Após o terrível massacre em Israel perpetrado por terroristas do Hamas em 7 de outubro, senti uma dor intensa e implacável. Luto pelos milhares de civis baleados, assassinados, mutilados, estuprados e decapitados. Luto pela morte intencional de bebês, alguns queimados de forma irreconhecível. Luto pelas crianças confusas arrastadas sob a mira de armas por homens violentos para o cativeiro em Gaza.”

“No entanto, havia uma dor mais profunda e sombria. Uma dor que emanava de uma ferida que pensei estar curada. Uma dor que vem do trauma escondido no fundo do coração de cada judeu. Uma dor que vem de ver, mais uma vez, o povo judeu ser alvo de ataques em suas casas e comunidades”, disse.

Em Gaza, Nadia AbuShaban participou de uma festa de aniversário do seu sobrinho Hashem, de 12 anos. “Com tão poucas oportunidades em Gaza, o que ele se tornará quando crescer? Que efeito todo esse medo e violência terão em sua mente jovem e em desenvolvimento? Quando as realidades da vida aqui se estabelecerão? E, claro, ele viverá para ver seu próximo aniversário?”.

 

·         Condenar Israel ou Hamas é inútil, o problema é europeu, diz Bassem Youssef

 

O humorista e cirurgião egípcio Bassem Youssef viralizou ao protagonizar mais um episódio em que nos faz refletir sobre o que acontece no Oriente Médio, e principalmente em Gaza. Em entrevista concedida ao apresentador britânico Piers Morgan, Youssef inicia a análise pontuando a inutilidade do debate centrado na condenação de Israel ou Hamas. 

Segundo ele, mesmo que as condenações ocorram, isso não irá resolver o problema da guerra. “Condenar o Hamas ou Israel? Completamente inútil. Eu condeno o Hamas e você Israel, a entrevista acaba e o que acontece? Nada. É apenas um ponto de controle da moralidade”. 

·         A visão e o radicalismo do ocidente

O controle da moralidade a que Youssef se refere está no ciclo vicioso alimentado pelo radicalismo do ocidente, que enxerga apenas o que lhe convém, conforme a situação se agrava. É preciso olhar para a história e ver que “o problema não é um problema judeu, não é um problema do Oriente Médio, não é um problema árabe, é um problema europeu”. 

“O que é que o público ocidental vê? Vê pessoas regozijarem-se com a morte de civis em Israel. Foi isto que os árabes viram durante anos. Por exemplo, se procurarmos ‘Sderot Cinema’, isto foi em 2014, quando Israel esteve a bombardear Gaza como habitual, e os israelitas em Sderot, nos kibbutz ou nos Colonatos, foram para uma colina e tinham pipocas e bebidas para ver o espetáculo, e aplaudiam cada míssil que caía [em Gaza]”, argumenta.

·         Olhar para a história

Youssef pauta o século XIX, onde haviam os judeus orientais na Ucrânia e na Rússia, e os judeus ocidentais na Europa. À época, os judeus do leste tiveram de emigrar e foram expulsos. 

“E a certa altura, as pessoas no Ocidente, especialmente na Inglaterra [disseram] ‘temos demasiados judeus, precisamos de uma solução’. Uma solução para que? ‘Para o problema judaico’. Como se precisássemos nos livrar deles. E acabaram por dizer ‘muito bem, vamos para a Palestina’”, acrescenta.

Quando chegaram à Palestina, já em 1914, 700.000 pessoas viviam ali, 3% das quais eram judias. Youssef rememora a declaração do então ministro britânico das Relações Exteriores, Arthur Balfour, que chamou o povo judeu na Inglaterra de raça estranha e hostil, em 1917. “O único membro do parlamento inglês que os designou como cidadãos britânicos foi o Lord Montagu”, aponta Youssef. 

“Então, empurraram-no [povo judeu], mas não estava a ir suficientemente depressa, e vieram os nazis, e, nessa altura, já não se tratava de uma solução. Era a última solução, a solução final de Hitler, porque precisava de uma resposta para a questão judaica, a ‘Judenfrage’. E depois como vêem, aconteceu o Holocausto. O genocídio mais orquestrado, industrializado e horrível dos nossos tempos moderno, morreram 6 milhões de judeus”.  

Assim que a situação se alarmou, relembra o entrevistado, os judeus deixaram o Leste Europeu e foram para a Europa Ocidental e América, depois de acusados, seguiram para a Palestina. Então, em 1948, mesmo antes da declaração de Israel, viviam ali 2 milhões de pessoas. “Apenas 30% deles eram judeus. Então toda a ideia de uma terra sem povo, um povo sem terra era marketing, já haviam os palestinos”, refuta Youssef.

“Bem, ponha-se do lado árabe, em 1948 constituíam 70% da população, e de repente, a ONU dá-vos 48% da terra. E esta é uma questão muito importante, porque na mente do público ocidental, eles sempre pensaram na resistência palestiniana, ou o lado palestino como militante, islâmico”. complementa.

 

·         José Genoino: Israel está usando armas proibidas pela convenção internacional. Quem é terrorista nesta história?

 

O ex-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoìno, em entrevista à TV 247, expressou profunda preocupação e fez um apelo emocionado diante da trágica situação em Gaza. Em suas palavras, ele destacou a urgência de ação internacional para evitar uma catástrofe humanitária, que inclui a morte de crianças na região.

Uma das principais denúncias de Genoino é o uso de armas proibidas pela convenção internacional por parte de Israel, as bombas de fósforo branco. Essas armas, muitas vezes letais e destrutivas, estão causando um impacto devastador sobre a população civil em Gaza. Em meio a esse cenário, ele levanta uma questão contundente: "Quem é o terrorista nesta história?".

O ex-presidente também enfatizou a importância de uma postura unitária da esquerda em solidariedade ao povo palestino. Ele condenou veementemente o que descreveu como o "estado sionista, assassino e agressor de Israel". Essa declaração reflete a visão de que a solidariedade internacional é crucial para pressionar por uma resolução justa do conflito.

 

Fonte: Jornal GGN/CNN Brasil/Brasil 247