Trump agora mira
etanol brasileiro e pode impor novas barreiras comerciais
O governo de
Donald Trump pode estar preparando novas barreiras comerciais contra o etanol
brasileiro, em uma medida que pode ampliar a disputa entre os dois países no
setor sucroalcooleiro. A informação foi revelada
pela Folha de S. Paulo, que teve acesso a um documento do Itamaraty
registrando um alerta feito por um executivo da Raízen à embaixada brasileira
em Washington.
Segundo o
documento, Paulo Macedo, diretor global de Relações Internacionais da gigante
do setor, informou à diplomacia brasileira que a Casa Branca já discute
possíveis restrições ao etanol nacional. “O tema [tarifas sobre etanol] já
estaria em tratamento na Casa Branca, segundo informações recebidas dos
consultores da empresa”, aponta o relatório oficial.
Caso se confirme, a
ofensiva norte-americana representaria um novo capítulo da longa disputa
comercial entre Brasil e EUA no setor. Washington há anos pressiona o Brasil
para reduzir a tarifa de 18% imposta sobre o etanol americano, produzido a
partir do milho. Por outro lado, o combustível brasileiro, derivado da
cana-de-açúcar, entra nos EUA sem tarifas significativas. O tema tem forte
impacto político, sobretudo no Meio-Oeste dos Estados Unidos, reduto eleitoral
de Trump, onde estão os principais produtores do etanol norte-americano.
Aliados do
ex-presidente consideram a política brasileira uma prática comercial injusta,
um argumento frequentemente utilizado por Trump em suas críticas ao comércio
internacional. No Brasil, fontes do governo rebatem a acusação e afirmam que o
país enfrenta barreiras ainda maiores para exportar açúcar aos EUA, um antigo
pleito brasileiro que nunca foi atendido. Além disso, um aumento da exposição
ao etanol norte-americano afetaria diretamente produtores do Nordeste, o que
adiciona uma camada de sensibilidade política ao tema.
<><> Retaliação
à vista?
Ainda não há
clareza sobre quais medidas Trump poderia adotar caso retorne à Casa Branca. O
governo brasileiro avalia a possibilidade de aumento de tarifas ou até de
restrições indiretas ao etanol nacional. Qualquer sanção teria impacto direto
nas exportações do Brasil, que em 2023 enviou US$ 181,8 milhões em etanol aos
EUA, seu segundo maior mercado externo, atrás apenas da Coreia do Sul.
A preocupação
aumentou após a audiência de confirmação no Senado dos EUA de Jamieson Greer,
indicado para o cargo de representante de Comércio do país. Em 6 de fevereiro, durante
sua sabatina, Greer classificou a relação comercial do etanol como
"injusta" e indicou que o governo poderia adotar medidas agressivas
para pressionar o Brasil.
“Você poderia
certamente procurar os brasileiros e dizer: ‘Vocês precisam consertar isso’.
Mas isso precisa vir acompanhado de um senão. Isso é um pouco duro, mas
precisamos ter alavancagem. E, se for necessário ganhar alavancagem por meio de
ações investigativas ou outras ações, faremos isso. Preferimos muito mais fazer
isso com base em negociações, mas faremos o que for necessário para tentar
resolver essa situação”, disse Greer.
Segundo fontes
diplomáticas citadas pela Folha, o governo Lula acompanha a situação com
atenção e avalia estratégias para mitigar os impactos de uma eventual nova rodada
de sanções comerciais por parte dos EUA. A experiência recente com o aço e o
alumínio – setores que foram alvo de aumento tarifário por Trump – serve de
alerta. Na segunda-feira (10), o governo norte-americano anunciou um novo
aumento para 25% nas tarifas sobre esses produtos, alegando o aumento da
importação de aço chinês via Brasil.
Diante desse
cenário, o governo brasileiro já elabora um mapeamento de setores que podem ser
atingidos por novas ações protecionistas dos EUA. O objetivo é antecipar possíveis
retaliações e estabelecer instrumentos de resposta para defender os interesses
do país.
¨ As
políticas protecionistas de Trump e o projeto nacional. Por José Alvaro de Lima
Cunha
Donald
Trump anunciou a imposição de uma tarifa de 25% sobre todas as importações de
aço e alumínio dos EUA, medida que entra em vigor em 12 de março de 2025. Isso
podia ser esperado, em seu primeiro mandato o presidente estadunidense já havia
estabelecido tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio. Naquela
ocasião, em 2028, definiu também tarifas sobre inúmeros produtos chineses, em
áreas sensíveis como eletrônicos, móveis e eletrodomésticos. Essa política
compõe um plano de retomada da indústria no país, que passa também por outras
medidas: política de atração de empresas industriais estrangeiras, concessão de
incentivos fiscais, ofertas de terras federais para plantas industriais e a
criação de zonas especiais com impostos reduzidos para produção industrial
(tipo Zona Franca de Manaus).
Assim,
os aumentos de tarifas estão no contexto de um plano mais geral de recuperação
da indústria norte-americana, que hoje responde por 17,9% do PIB e 19% da força
de trabalho. Mesmo para os EUA a reindustrialização do país é um grande
desafio, porque a política vigente nas últimas décadas era a de importar
produtos industriais baratos da China e outros países. Ademais, o custo da mão
de obra, apesar de ter caído nos últimos anos, é alto em comparação com outros
países concorrentes. Além disso, a própria política de aumento de tarifas deve
pressionar a inflação e levar a retaliações comerciais de outros países, que
irão responder aos ataques, ou já o estão fazendo.
Os EUA
produzem aço e alumínio, mas abaixo da necessidade de sua economia. Por
exemplo, no ano passado o país importou 26,4 milhões de toneladas de aço,
ficando na condição de segundo maior importador mundial (atrás apenas da União
Europeia). No setor de alumínio é a mesma coisa. Apesar do país ter uma
produção elevada (860 mil toneladas, mais 3,4 milhões de toneladas em reciclagem,
em 2023), a demanda é suprida através de grandes volumes de importação. Em
2024, os principais fornecedores de aço para os EUA foram:
·
Canadá: 5,95 milhões de
toneladas (22,7% das importações americanas).
·
Brasil: 4,08 milhões de
toneladas (15,6%).
·
México: 3,19 milhões de
toneladas (12,2%).
·
Coreia do Sul: 2,55
milhões de toneladas (9,7%).
·
Vietnã: 1,24 milhão de
toneladas (4,7%).
O
quadro da produção de aço no mundo em 2024, por sua vez, dá o tom das
dificuldades que terão os EUA pela retomada da produção industrial:
1.
China: 1,01 bilhão de
toneladas
2.
Índia: 149,6 milhões de
toneladas
3.
Japão: 84 milhões de
toneladas
4.
Estados Unidos: 79,4
milhões de toneladas
5.
Rússia: 70,7 milhões de
toneladas
6.
Coreia do Sul: 63,5
milhões de toneladas
7.
Turquia: 36,9 milhões de
toneladas
8.
Brasil: 33,7 milhões de
toneladas
9.
Irã: 30,9 milhões de
toneladas
10. Vietnã: 22,1
milhões de toneladas
No
ranking acima, destaque absoluto para os países asiáticos e para os países que
compõem o BRICS (com China muito à frente), bloco que, para a política de
Trump, é o “inimigo a ser batido” (ou abatido).
Ao
praticar políticas que visam proteger a economia norte-americana da
concorrência, o presidente dos EUA tenta promover uma espécie de
“desglobalização”. Não apenas através de aumento de tarifas, mas também da
renegociação de acordos comerciais e da retirada dos EUA de tratados
internacionais. Foi o caso da saída do Acordo de Paris, feita com a alegação de
que o pacto prejudicava a economia norte-americana e beneficiava países
concorrentes, restringindo o desenvolvimento da indústria e resultando em perda
de empregos no país.
Não se
sabe se a política protecionista de Trump terá muito fôlego, porque mesmo
dentro dos EUA já há muita oposição em relação a ela. Nos meios empresariais,
na imprensa, no meio acadêmico e no interior do próprio Partido Republicano, há
muitas manifestações contra essas medidas, especialmente em relação aos riscos
de retaliações de outros países e de aumento de custos para consumidores e
empresas. É muito cedo para prognósticos taxativos, mas se a política
protecionista de Trump progredir, pode levar a uma reconfiguração na forma de
produção, com impactos importantes nas cadeias de produção globais. Por
exemplo, o aumento de tarifas eleva os custos de insumos para indústrias que
dependem do aço e alumínio importados, no setor automobilístico e da construção
civil, impactando no lucro destes setores. Por outro lado, as grandes empresas
multinacionais, que têm muitos recursos para contornar os efeitos do aumento de
tarifas, podem, por exemplo, realocar investimentos em países não impactados
pelas medidas, ou mesmo priorizar fornecedores locais.
Do
ponto de vista dos países subdesenvolvidos, ou mesmo dos demais países
imperialistas, a resposta adequada para a política de Trump seria proteger a
indústria nacional, da mesma forma. Claro, procurando sempre equilibrar as
ações de proteção à indústria nacional com o cuidado para que a população não
pague os custos da política, seja por uma maior inflação ao consumidor, seja
pelo aumento do desemprego. Substituir importações com critérios cuidadosos
pode reduzir custos e reter no país uma maior parte da riqueza produzida. Pode
inclusive aumentar o nível de nacionalização da economia, com o estímulo, por
exemplo, da criação de empresas em determinadas áreas. Nos países
subdesenvolvidos a globalização veio associada ao processo de desnacionalização
e vendas de empresas fundamentais para grandes grupos multinacionais. O Brasil
mostra bem isso, pois na década de 1990, combinou a privatização de empresas
estatais fundamentais, com a venda de empresas privadas importantes para grupos
multinacionais, processo que se intensificou após a crise financeira de 2008.
Nos
países subdesenvolvidos a desnacionalização da economia veio acompanhada do
enfraquecimento do Estado, o que debilitou ainda mais a inserção externa desses
países. Um processo de substituição de importações só pode ser realizado por um
Estado minimamente fortalecido, que tenha massa crítica para planejar o
processo, e capacidade política para implementar tal política econômica. A
China tem muito o que ensinar nessa área, pois conseguiu aproveitar a onda
mundial de globalização, para alavancar muito o seu desenvolvimento. O
desenvolvimento econômico está longe de ser uma consequência natural de uma
política econômica “adequada”. Os países que conseguiram se desenvolver o
fizeram por ter encarado a luta pela soberania nacional e pelo desenvolvimento.
Além, é claro, de aproveitarem, de forma estratégica, as “janelas” de
oportunidades que se apresentam a cada conjuntura mundial específica.
Em
2024 os produtos do agronegócio representaram 48% do total de exportações
brasileiras, além de outras commodities, como petróleo bruto e minério de
ferro, que também têm participações significativas na pauta exportadora. As
exportações de óleo bruto de petróleo, por exemplo, assumiram a primeira
posição na lista dos principais produtos exportados, seguido da soja com 12,7%.
A dependência das exportações de commodities trazem problemas conhecidos: seus
preços são flutuantes, requerem geralmente trabalho não qualificado, têm
salários flexíveis (geralmente para baixo), e criam poucas sinergias entre os
setores da economia.
Somente
nos últimos 5 anos, até 2024, o déficit comercial acumulado dos EUA foi de
aproximadamente US$ 4,7 trilhões. A equipe de Trump sabe que, mesmo sendo os
EUA o emissor do dólar, essa é uma posição de fragilidade da economia
norte-americana. Uma das formas de melhorar esse desempenho é substituir
importações por produção nacional, especialmente em setores estratégicos que
possam gerar renda, empregos de maior qualificação e sinergias entre os
segmentos da economia. É conhecido que as políticas neoliberais e a
globalização foram muito destrutivas em todo o mundo, especialmente para os
países subdesenvolvidos. Porém, conforme avaliação da própria equipe econômica
de Donald Trump, nem o país mais rico do mundo escapou dos efeitos nocivos
desse tipo de política, o que também indica a gravidade da crise mundial.
A
resposta adequada ao protecionismo de Trump, seria uma política semelhante para
o Brasil, elaborada de forma inteligente e célere (não há tempo a perder). Como
a China está fazendo, com muito planejamento, articulado com um conjunto de
políticas fundamentais. O problema é que, além dos produtos básicos
representarem quase metade das exportações, os semimanufaturados (produtos que
passaram por algum processamento industrial, mas ainda não estão prontos para o
consumo final) respondem por cerca de 13% do valor exportado (são itens como
celulose, ferro-ligas e semimanufaturados de ferro ou aço).
A
decisão do governo norte-americano traz essa contradição aos países
subdesenvolvidos. Ao mesmo tempo em que tira o país da acomodação das
exportações de commodities, pode impulsionar a reindustrialização. Porém, como
a balança comercial brasileira, em boa medida, está ao serviço da necessidade
do mercado internacional e das grandes multinacionais, é muito difícil o Brasil
converter esse problema que Trump coloca ao mundo, em uma alavanca para fomentar
a indústria e o desenvolvimento.
Além
do conhecido exemplo da Rússia, que cresceu quase 8% nos últimos dois anos,
apesar do brutal bloqueio econômico que sofre – contra 1,2% da União Europeia
no mesmo período - há o caso da Venezuela. As sanções econômicas impostas ao
país vizinho, a partir de 2014, fez com que a economia venezuelana recuasse
mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2013 e 2023. Segundo estudo da
agência classificadora Austin Rating, o PIB da Venezuela (em preços correntes)
caiu de US$ 258,93 bilhões, em 2013, para US$ 97,12 bilhões, em 2023.
Com a
economia jurada de morte pelas criminosas sanções impostas ao país, o governo
adotou uma série de políticas econômicas, que incluem a flexibilização do
controle cambial e a abertura para investimentos externos em setores
estratégicos. Aliadas ao fortalecimento das políticas de segurança alimentar,
através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), implementados em
2016, comitês comunitários responsáveis pela distribuição de alimentos básicos
a preços subsidiados diretamente às famílias. Em 2021 a Venezuela começou a dar
sinais de recuperação, crescendo 1,9% naquele ano. Nos dois anos seguintes o
PIB acumulou 14,5% de crescimento, um dos melhores desempenhos entre as
economias da América do Sul.
As
políticas protecionistas de Donald Trump, podem ser um problema para o Brasil,
mas são principalmente uma oportunidade para discutir políticas de
desenvolvimento. Os exemplos no mundo todo, mostram uma combinação de políticas
macroeconômicas adequadas, com ações de desenvolvimento da indústria, e uma
postura soberana, de defesa dos interesses do país. Nesse sentido, o panorama
no Brasil é pouco animador.
Fonte: Brasil 247
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