sábado, 15 de fevereiro de 2025

STF acumula decisões que reforçam combate à intolerância religiosa

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado nesta terça-feira (21/1), foi instituído pela Lei 11.635/2007 em homenagem à ialorixá Mãe Gilda de Ogum, como era conhecida a religiosa e ativista social Gildásia dos Santos e Santos.

Considerada um símbolo de luta contra a violência religiosa, ela, sua família e o terreiro que fundou no bairro de Itapoã, em Salvador, foram alvos de vandalismo e violência, que a levaram a morrer de infarto em 21 de janeiro de 2000. Sete anos depois, foi editada a lei federal que incluiu a data no Calendário Cívico da União como símbolo da luta pela diversidade religiosa.

O direito à liberdade de crença é uma garantia constitucional que ainda enfrenta desafios. Sempre que acionado, o Supremo Tribunal Federal procura responder conforme a Constituição Federal e a legislação específica, para assegurar o exercício desse direito — que inclui até mesmo a ausência de religiosidade. O artigo 3º prevê a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação de qualquer natureza. Já o inciso VI do artigo 5º torna inviolável a liberdade de consciência e de crença, assim como o livre exercício religioso e a proteção dos locais de culto e de liturgias.

·        Denúncias e violações

Em 2024, a Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania recebeu 2.472 denúncias e constatou 3.853 violações à liberdade religiosa. Os dados revelam o descumprimento desse direito fundamental, exercido dentro e fora de mais de 579 mil estabelecimentos religiosos (igrejas, templos e outros), conforme o Censo 2022 do IBGE.

Confira, abaixo, julgamentos do STF sobre liberdade religiosa, respeito à pluralidade de crenças, religiões e correntes filosóficas e o sentido democrático de que toda fé deve ser respeitada.

·        Recusa por convicções religiosas

Em setembro de 2024, o STF decidiu que Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue. Também decidiu que o Estado deve oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que seja necessário recorrer a outras localidades. A posição do Plenário foi de que o direito à liberdade religiosa exige que o Estado garanta as condições adequadas para que as pessoas vivam de acordo com ritos, cultos e dogmas de sua fé, sem coerção ou discriminação. A opção pelo tratamento alternativo deve ser tomada de forma livre, consciente e informada sobre as consequências e abrange apenas o paciente.

O entendimento foi firmado no julgamento dos Recursos Extraordinários 979.742 e 1.212.272, com repercussão geral. Portanto, as teses fixadas devem ser aplicadas aos casos semelhantes em todas as instâncias do Judiciário.

·        Sábado sagrado

Em novembro de 2020, o Tribunal reconheceu a possibilidade de realização de etapas de concurso público em datas e locais diferentes dos previstos em edital por motivos de crença religiosa do candidato, desde que garantida a igualdade entre todos os participantes. O caso concreto (RE 611.874) envolveu um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que teria de fazer uma prova física num sábado, dia reservado por sua crença para descanso, adoração e ministério. O entendimento foi o de que constranger a pessoa de modo a levá-la a renunciar à sua fé representa desrespeito à diversidade de ideias e à própria diversidade espiritual.

Na mesma ocasião, o colegiado considerou possível que a administração pública estabeleça critérios alternativos para o cumprimento dos deveres funcionais, inclusive durante o estágio probatório, por servidores que apontem impedimento por motivos de crença religiosa. O processo (Recurso Extraordinário com Agravo 1.099.099) envolveu uma professora adventista reprovada no estágio probatório por não trabalhar entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o de sábado. Os dois casos têm repercussão geral.

·        Roupas e acessórios em documentos

Em abril de 2024, o STF também permitiu o uso de roupas e acessórios relacionados à crença ou à religião em fotos de documentos oficiais, como carteiras de identidade, habilitação e trabalho, desde que o rosto esteja visível e não atrapalhe a identificação da pessoa. A decisão foi tomada no julgamento do RE 859.376 (Tema 953 da repercussão geral), na análise da situação de uma freira impedida de utilizar o hábito religioso na foto para renovar sua carteira nacional de habilitação (CNH). Para a Corte, a liberdade religiosa engloba o direito de viver em conformidade com a sua crença e assegura a manifestação pública da fé, inclusive por meio de roupas e acessórios condizentes com ela.

·        Símbolos religiosos

Em novembro de 2024, o STF decidiu que o uso de símbolos religiosos em prédios públicos está relacionado ao aspecto histórico-cultural do país. Ao julgar o ARE 1.249.095 (Tema 1.086 da repercussão geral), o Tribunal entendeu que a presença desses símbolos não fere a laicidade do Estado e a impessoalidade da administração pública, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira.

·        Rituais com animais

Também em respeito à liberdade religiosa, o STF validou lei do Rio Grande do Sul que não enquadra como maus-tratos o sacrifício de animais em rituais de religiões de matriz africana. A decisão se deu no julgamento do RE 494.601, com repercussão geral. Para o Plenário, a proteção específica desses cultos é compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, requer especial atenção do Estado.

·        Ensino religioso

A discussão sobre o ensino religioso nas escolas públicas chegou ao STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.439 e foi tema de audiência pública com especialistas, em junho de 2015. Dois anos depois, a Corte validou a oferta de ensino religioso confessional como disciplina facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental. A decisão levou em consideração a expressa previsão constitucional de que a matrícula nesse caso é voluntária, mas proíbe o favorecimento de uma religião em detrimento das outras.

·        Bíblia nas escolas

Ao julgar as ADIs 5.256 e 5.258, o STF declarou inconstitucionais leis de Mato Grosso do Sul e do Amazonas que obrigavam a manutenção de exemplares da Bíblia nas unidades escolares da rede estadual de ensino e nas bibliotecas públicas. Para o Supremo, a medida viola os princípios da isonomia, da liberdade religiosa e da laicidade estatal.

·        Discriminação religiosa e liberdade de expressão

Em março de 2018, a 2ª Turma do STF negou o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 146.303, em que um pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo buscava trancar ação penal em que foi condenado por praticar e incitar discriminação religiosa na internet contra autoridades públicas e seguidores de diversas crenças religiosas — católica, judaica, islâmica, espírita, wicca, umbandista e outras.

Para o colegiado, a incitação ao ódio público não está protegida nem amparada pela cláusula constitucional que assegura liberdade de expressão. Assim, a conduta do pastor não consistiu apenas na defesa da própria religião, mas em um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé diferente.

 

¨      Inclusão do Oxê no STF: igualdade de tratamento e  reconhecimento do multiculturalismo religioso. Por Hédio Silva Jr. e Ana Luíza Teixeira Nazário

A recente iniciativa promovida pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), juntamente com diversas Iyalorixás e lideranças religiosas, trouxe à tona um debate relevante sobre a inclusão de símbolos religiosos em espaços públicos. O pedido oficial, protocolado perante o Supremo Tribunal Federal no dia 5 de fevereiro, solicita a afixação do Oxê, símbolo da Justiça na cultura Yorubá, no plenário da Suprema Corte.

O Oxê possui profunda relevância espiritual e cultural, estando relacionado à divindade Xangô, tradicionalmente considerada o Rei da Justiça. A solicitação, além de destacar a importância do reconhecimento da diversidade religiosa no Brasil, busca materializar a igualdade de tratamento entre diferentes tradições religiosas, já que símbolos de outras crenças, como o crucifixo, estão presentes em muitos espaços públicos.

Esse pleito ocorre em meio à recente decisão de repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.249.095, em que o STF fixou a tese de que “a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”. Essa orientação jurisprudencial consolida o entendimento de que a presença de tais símbolos, quando justificada por seu valor cultural e histórico, é compatível com o regime constitucional brasileiro de Estado laico.

A relevância do pedido também se insere no contexto de intensificação da intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. A crescente depredação de templos, ameaças a sacerdotes e a imposição de práticas religiosas específicas em escolas públicas, noticiadas em várias regiões do país, revelam a necessidade urgente de garantir proteção efetiva aos direitos fundamentais dessas comunidades. A exclusão histórica das religiões afro-brasileiras de espaços de representação institucional reflete um preconceito que ainda persiste, apesar das previsões constitucionais de igualdade e liberdade religiosa.

<><> Em busca de equidade

A jurisprudência do STF já reconheceu a necessidade de proteção especial a essas tradições religiosas, como destacado no julgamento do RE 494.601, no qual foi reafirmado, por unanimidade, que a proteção dos cultos de matriz africana é compatível com o princípio da igualdade, em razão da perseguição sistemática e crônica que historicamente os afeta.

Dessa forma, o pedido de inclusão do Oxê no plenário do STF não é uma pretensão de privilégio, mas sim de equidade. A presença desse símbolo no mais alto tribunal do país seria um marco no reconhecimento do pluralismo religioso e na reafirmação do compromisso constitucional com a diversidade cultural. Para a comunidade jurídica, tal medida reforça o papel do Poder Judiciário como guardião dos direitos fundamentais, especialmente no que se refere à tutela das minorias sociológicas, e fortalece o princípio do Estado Democrático de Direito.

A inclusão do Oxê no STF simbolizaria um avanço na proteção dos direitos culturais e religiosos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, plural e inclusiva. Esse debate, portanto, transcende o aspecto meramente simbólico e assume uma dimensão normativa central na consolidação do respeito à dignidade humana e à igualdade de condições para todas as tradições religiosas.

 

Fonte: Conjur

 

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