STF acumula
decisões que reforçam combate à intolerância religiosa
O Dia Nacional de
Combate à Intolerância Religiosa, celebrado nesta terça-feira (21/1), foi
instituído pela Lei
11.635/2007 em
homenagem à ialorixá Mãe Gilda de Ogum, como era conhecida a religiosa e
ativista social Gildásia dos Santos e Santos.
Considerada um
símbolo de luta contra a violência religiosa, ela, sua família
e o terreiro que fundou no bairro de Itapoã, em Salvador, foram alvos de
vandalismo e violência, que a levaram a morrer de infarto em 21 de janeiro de
2000. Sete anos depois, foi editada a lei federal que incluiu a data no
Calendário Cívico da União como símbolo da luta pela diversidade religiosa.
O direito à
liberdade de crença é uma garantia constitucional que ainda enfrenta desafios.
Sempre que acionado, o Supremo Tribunal Federal procura responder conforme a
Constituição Federal e a legislação específica, para assegurar o exercício
desse direito — que inclui até mesmo a ausência de religiosidade. O artigo 3º
prevê a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação de qualquer
natureza. Já o inciso VI do artigo 5º torna inviolável a liberdade de
consciência e de crença, assim como o livre exercício religioso e a proteção
dos locais de culto e de liturgias.
·
Denúncias
e violações
Em 2024, a
Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania recebeu
2.472 denúncias e constatou 3.853 violações à liberdade religiosa. Os dados
revelam o descumprimento desse direito fundamental, exercido dentro e fora de
mais de 579 mil estabelecimentos religiosos (igrejas, templos e outros),
conforme o Censo 2022 do IBGE.
Confira, abaixo,
julgamentos do STF sobre liberdade religiosa, respeito à pluralidade de
crenças, religiões e correntes filosóficas e o sentido democrático de que toda
fé deve ser respeitada.
·
Recusa
por convicções religiosas
Em setembro de
2024, o STF decidiu que Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes têm o
direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue. Também
decidiu que o Estado deve oferecer procedimentos alternativos disponíveis no
Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que seja necessário recorrer a outras
localidades. A posição do Plenário foi de que o direito à liberdade religiosa
exige que o Estado garanta as condições adequadas para que as pessoas vivam de acordo
com ritos, cultos e dogmas de sua fé, sem coerção ou discriminação. A opção
pelo tratamento alternativo deve ser tomada de forma livre, consciente e
informada sobre as consequências e abrange apenas o paciente.
O entendimento foi
firmado no julgamento dos Recursos Extraordinários 979.742 e 1.212.272, com
repercussão geral. Portanto, as teses fixadas devem ser aplicadas aos casos
semelhantes em todas as instâncias do Judiciário.
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Sábado
sagrado
Em novembro de
2020, o Tribunal reconheceu a possibilidade de realização de etapas de concurso
público em datas e locais diferentes dos previstos em edital por motivos de
crença religiosa do candidato, desde que garantida a igualdade entre todos os
participantes. O caso concreto (RE 611.874) envolveu um membro da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, que teria de fazer uma prova física num sábado, dia
reservado por sua crença para descanso, adoração e ministério. O entendimento
foi o de que constranger a pessoa de modo a levá-la a renunciar à sua fé
representa desrespeito à diversidade de ideias e à própria diversidade
espiritual.
Na mesma ocasião, o
colegiado considerou possível que a administração pública estabeleça critérios
alternativos para o cumprimento dos deveres funcionais, inclusive durante o
estágio probatório, por servidores que apontem impedimento por motivos de
crença religiosa. O processo (Recurso Extraordinário com Agravo 1.099.099)
envolveu uma professora adventista reprovada no estágio probatório por não
trabalhar entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o de sábado. Os dois casos têm
repercussão geral.
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Roupas
e acessórios em documentos
Em abril de 2024, o
STF também permitiu o uso de roupas e acessórios relacionados à crença ou à
religião em fotos de documentos oficiais, como carteiras de identidade,
habilitação e trabalho, desde que o rosto esteja visível e não atrapalhe a
identificação da pessoa. A decisão foi tomada no julgamento do RE 859.376 (Tema
953 da repercussão geral), na análise da situação de uma freira impedida de
utilizar o hábito religioso na foto para renovar sua carteira nacional de
habilitação (CNH). Para a Corte, a liberdade religiosa engloba o direito de
viver em conformidade com a sua crença e assegura a manifestação pública da fé,
inclusive por meio de roupas e acessórios condizentes com ela.
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Símbolos
religiosos
Em novembro de
2024, o STF decidiu que o uso de símbolos religiosos em prédios públicos está
relacionado ao aspecto histórico-cultural do país. Ao julgar o ARE 1.249.095
(Tema 1.086 da repercussão geral), o Tribunal entendeu que a presença desses
símbolos não fere a laicidade do Estado e a impessoalidade da administração
pública, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da
sociedade brasileira.
·
Rituais
com animais
Também em respeito
à liberdade religiosa, o STF validou lei do Rio Grande do Sul que não enquadra
como maus-tratos o sacrifício de animais em rituais de religiões de matriz
africana. A decisão se deu no julgamento do RE 494.601, com repercussão geral.
Para o Plenário, a proteção específica desses cultos é compatível com o
princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito
estrutural, requer especial atenção do Estado.
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Ensino
religioso
A discussão sobre o
ensino religioso nas escolas públicas chegou ao STF por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.439 e foi tema de audiência pública com especialistas,
em junho de 2015. Dois anos depois, a Corte validou a oferta de ensino
religioso confessional como disciplina facultativa nas escolas públicas de
ensino fundamental. A decisão levou em consideração a expressa previsão
constitucional de que a matrícula nesse caso é voluntária, mas proíbe o
favorecimento de uma religião em detrimento das outras.
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Bíblia
nas escolas
Ao julgar as ADIs
5.256 e 5.258, o STF declarou inconstitucionais leis de Mato Grosso do Sul e do
Amazonas que obrigavam a manutenção de exemplares da Bíblia nas
unidades escolares da rede estadual de ensino e nas bibliotecas públicas. Para
o Supremo, a medida viola os princípios da isonomia, da liberdade religiosa e da
laicidade estatal.
·
Discriminação
religiosa e liberdade de expressão
Em março de 2018, a
2ª Turma do STF negou o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 146.303, em que um
pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo buscava trancar ação penal em
que foi condenado por praticar e incitar discriminação religiosa na internet
contra autoridades públicas e seguidores de diversas crenças religiosas —
católica, judaica, islâmica, espírita, wicca, umbandista e outras.
Para o colegiado, a
incitação ao ódio público não está protegida nem amparada pela cláusula
constitucional que assegura liberdade de expressão. Assim, a conduta do pastor
não consistiu apenas na defesa da própria religião, mas em um ataque ao culto
alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé
diferente.
¨ Inclusão do Oxê no STF: igualdade de tratamento e reconhecimento do multiculturalismo
religioso. Por Hédio Silva Jr. e Ana Luíza Teixeira
Nazário
A recente
iniciativa promovida pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões
Afro-Brasileiras (Idafro), juntamente com diversas Iyalorixás e lideranças
religiosas, trouxe à tona um debate relevante sobre a inclusão de símbolos
religiosos em espaços públicos. O pedido oficial, protocolado perante o Supremo
Tribunal Federal no dia 5 de fevereiro, solicita a afixação do Oxê, símbolo da
Justiça na cultura Yorubá, no plenário da Suprema Corte.
O Oxê possui
profunda relevância espiritual e cultural, estando relacionado à divindade
Xangô, tradicionalmente considerada o Rei da Justiça. A solicitação, além de
destacar a importância do reconhecimento da diversidade religiosa no Brasil,
busca materializar a igualdade de tratamento entre diferentes tradições
religiosas, já que símbolos de outras crenças, como o crucifixo, estão
presentes em muitos espaços públicos.
Esse pleito ocorre
em meio à recente decisão de repercussão geral no Recurso Extraordinário com
Agravo (ARE) 1.249.095, em que o STF fixou a tese de que “a presença de
símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o
objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola
os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”.
Essa orientação jurisprudencial consolida o entendimento de que a presença de
tais símbolos, quando justificada por seu valor cultural e histórico, é
compatível com o regime constitucional brasileiro de Estado laico.
A relevância do
pedido também se insere no contexto de intensificação da intolerância religiosa
contra religiões de matriz africana. A crescente depredação de templos, ameaças
a sacerdotes e a imposição de práticas religiosas específicas em escolas
públicas, noticiadas em várias regiões do país, revelam a necessidade urgente
de garantir proteção efetiva aos direitos fundamentais dessas comunidades. A
exclusão histórica das religiões afro-brasileiras de espaços de representação
institucional reflete um preconceito que ainda persiste, apesar das previsões
constitucionais de igualdade e liberdade religiosa.
<><> Em
busca de equidade
A jurisprudência do
STF já reconheceu a necessidade de proteção especial a essas tradições
religiosas, como destacado no julgamento do RE 494.601, no qual foi reafirmado,
por unanimidade, que a proteção dos cultos de matriz africana é compatível com
o princípio da igualdade, em razão da perseguição sistemática e crônica que
historicamente os afeta.
Dessa forma, o
pedido de inclusão do Oxê no plenário do STF não é uma pretensão de privilégio,
mas sim de equidade. A presença desse símbolo no mais alto tribunal do país
seria um marco no reconhecimento do pluralismo religioso e na reafirmação do
compromisso constitucional com a diversidade cultural. Para a comunidade
jurídica, tal medida reforça o papel do Poder Judiciário como guardião dos direitos
fundamentais, especialmente no que se refere à tutela das minorias
sociológicas, e fortalece o princípio do Estado Democrático de Direito.
A inclusão do Oxê
no STF simbolizaria um avanço na proteção dos direitos culturais e religiosos,
contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, plural e inclusiva.
Esse debate, portanto, transcende o aspecto meramente simbólico e assume uma
dimensão normativa central na consolidação do respeito à dignidade humana e à
igualdade de condições para todas as tradições religiosas.
Fonte: Conjur
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