Samuel
Kirlsjtajn: Crime e castigo - para os europeus, os muçulmanos são mesmo o
novo câncer da humanidade
Tive
a oportunidade de ler Crime e castigo enquanto estava passando
férias penais, aos 20 anos de idade, por ter ousado me contrapor à indecente,
ilegal e terrorista Ditadura militar no Brasil durante os chamados anos de
chumbo – lugar e idade muito apropriados para a leitura desse denso volume da
literatura clássica internacional. Eram os anos da Guerra Fria, e os países
ocidentais democráticos achavam por bem fomentar ditaduras militares e
sanguinárias nos países da América Latina para evitar que eles migrassem para o
bloco soviético.
Mas
Fiódor Dostoievsky não é exatamente o meu autor preferido, meu autor de
cabeceira sempre foi Liev Tolstói, indignado com o uso da guilhotina em pleno
século XIX, pelo país que exportou os lemas liberdade, igualdade e fraternidade
e que preza, como nenhum outro país ocidental, a beleza e a qualidade de vida.
Em 1857, Liev Tolstói presenciou a cabeça de Français Richeux rolar em frente a
15 mil parisienses.
Liev
Tolstói já havia vivido os horrores da guerra no Cáucaso e na Criméia, mas não
conseguiu se recuperar do trauma de ver, no país de René Descartes, a cabeça
sendo separada do corpo de um homem por uma máquina engenhosa e elegante,
decepado de forma fria, calma e instantaneamente. A partir desta experiência,
Liev Tolstói passou a considerar que todo Estado era uma conspiração com vistas
a corromper seus cidadãos e decidiu que não serviria mais a nenhum governo, em
qualquer tempo e lugar.
Com
a Revolução industrial, os europeus, que já haviam “descoberto” as Américas e
promovido a imigração compulsória de africanos, tornaram-se os donos do mundo.
Para respaldar o seu direito à posse do globo, os europeus desenvolveram
teorias sobre raças humanas que justificavam a sua superioridade em relação aos
demais habitantes do planeta, incluindo, entre estes, os irreverentes e
indesejados judeus.
Para
os europeus cristãos, os judeus arrivistas eram o câncer da Europa e, embora
representassem uma pequena minoria, intrometiam-se em todas as áreas da
manifestação humana, desde a ciência, a música e as finanças até os movimentos
socialistas em formação.
No
final do século XIX, tendo como referência os pogroms no Império Russo e o Caso
Dreyfus na França, Theodor Herzl fundou o moderno sionismo político, porque
acreditava que o antissemitismo estava arraigado à cultura dos europeus
cristãos, que odiavam os judeus tanto pelos seus defeitos como pelas suas
qualidades (e, aqui, diga-se de passagem, o prognóstico de Theodor Herzl era
premonitório).
O
racismo e o antissemitismo ganharam status científico e viraram moda. Nos
Estados Unidos, os europeus exterminaram os indígenas e subjugaram os negros; a
Argentina, depois de dizimar os nativos, livrou-se de seus ex-escravos negros
na Guerra do Paraguai; o Brasil exterminou os indígenas, promoveu a imigração
compulsória de africanos e depois, para melhorar a raça, embranquecê-la, barrou
a imigração de negros e judeus; a Austrália liquidou os aborígenes e impediu a
imigração dos vizinhos asiáticos etc.
O
que os europeus não imaginavam era que os alemães, que primam pela eficiência,
levariam o antissemitismo às suas últimas consequências, instalando fábricas
para o extermínio em massa dos indesejáveis subumanos judeus.
Quando
a Segunda Guerra Mundial acabou, as teorias racistas foram desacreditadas,
abandonadas e ficaram fora de moda. E a Europa cristã sentiu-se culpada pelo
extermínio dos judeus europeus em massa. Os julgamentos de Nuremberg,
incriminando as atrocidades nazistas, ganharam vasta cobertura internacional.
Primo Levi recebeu cartas de alemães que declaravam que nunca souberam nada
sobre discriminação a judeus; franceses colaboracionistas passaram a se
declarar filossemitas; e os austríacos e poloneses responsabilizaram os alemães
por todas as suas incursões antissemitas.
Entretanto,
as cotas para a absorção dos judeus do Leste Europeu que sobreviveram ao
Holocausto continuaram limitadas na grande maioria dos países. Para as Nações
Unidas era preferível aprovar a criação de um estado judeu na Palestina de
maioria árabe muçulmana do que absorver os judeus sobreviventes. Juden
raus! Auf nach Palastina!
A
União Soviética via com bons olhos a criação de um estado judeu no Oriente
Médio dominado pela Inglaterra e pela França; e os países ocidentais fizeram
vista grossa para a expulsão dos árabes da Palestina, de modo a criar um estado
de maioria judia na região. Uma versão romanceada das atrocidades cometidas
pelos israelenses foi fabricada de modo a encobrir a expulsão dos palestinos de
sua terra natal, transformando-a em um épico heroico judeu.
Em
1960, Exodus de Liev Uris ganhou as telas dos cinemas, em uma
superprodução hollywoodiana estrelada por Paul Newman. Os judeus que haviam
caminhado como carneiros para o matadouro europeu cristão transformaram-se em
militarizados heróis viris frente a indefesa população palestina, na forma de
um segundo capítulo, enfim vitorioso, do suicida levante do Gueto de Varsóvia,
com o alvo trocado.
Isaac
Deutscher escreveu que a população natural da Palestina foi castigada, teve que
pagar pelos crimes cometidos pela Europa cristã em Auschwitz. Theodor Herzl, no
final do século XIX, já havia declarado que, para a Europa, os judeus na
Palestina constituiriam um posto avançado da civilização contra a barbárie. Com
a criação do Estado de Israel, o tempo dos judeus, que até então conviviam em
harmonia com os muçulmanos, terminou nos países do Oriente Médio e do norte da
África.
O
sentimento de culpa pelo extermínio dos judeus, contudo, não impediu os países
europeus de continuarem subjugando suas colônias ultramarinas. A França,
enquanto se lamentava pela sorte dos judeus franceses durante a Segunda Guerra
Mundial, empenhou-se patrioticamente para manter suas colônias no sudeste
asiático e norte da África. Em 1957, cem anos depois de degolar Français
Richeux, a França levou Fernand Iveton à guilhotina por um atentado não
consumado em prol da libertação da Argélia (a guilhotina continuou a ser usada
na França até 1977).
Os
movimentos de emancipação das colônias portuguesas na África fizeram o favor de
libertar os portugueses da ditadura e do atraso de vida a que Salazar submeteu
Portugal. Os atuais conflitos na África e no Oriente Médio e o afluxo de
refugiados são decorrentes da divisão arbitrária destas regiões promovida pela
Europa, que está sendo agora chamada para pagar a sua conta.
Embora
continuem a existir europeus antissemitas, a maior parte da população e dos
governos europeus passaram a valorizar a contribuição dos judeus para a ciência
e para as artes. Os judeus agora são considerados exemplares cidadãos europeus.
A culpa que sentem pela sorte dos judeus durante o Holocausto faz com que os
europeus sintam empatia pelos judeus e perdoem qualquer deslize em seu
comportamento.
Para
os europeus, os judeus agora podem fazer tudo, porque foram anteriormente
considerados párias e vitimados. Aos judeus tudo é permitido, inclusive
expulsar os palestinos de sua terra natal (o que até poupa os europeus de ter
que aturar um maior número de judeus arrivistas em seu meio). Na maior parte
dos países europeus, os palestinos não podem sequer manifestar a sua indignação
pelo massacre em curso, qualquer manifestação pró-Palestina vem sendo
criminalizada como antissemita.
Os
europeus são hoje filossemitas-judeus e antissemitas-muçulmanos. Aliás, para os
europeus, os muçulmanos são mesmo o novo câncer da humanidade e pode-se até
perdoar o exército israelense por atear fogo nos palestinos, que ardam no
inferno. Os israelenses estão fazendo mesmo um grande favor aos europeus, estão
desempenhando, com competência, o papel de posto avançado da civilização contra
a barbárie.
¨
Os militares de Israel
estão cansados de Netanyahu?
Um
aviso das Forças de Defesa de Israel (FDI), juntamente com a saída de Benny
Gantz, general de reserva que abandonou o gabinete de guerra do governo,
poderia ser um sinal de que os militares estão cansados da guerra indefinida de
Tel Aviv em Gaza, relata o portal Conversation.
A
disputa do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com a equipe do
presidente norte-americano, Joe Biden, sobre o atraso no fornecimento de armas
e suas ameaças de expandir o conflito até a fronteira libanesa, contra o
Hezbollah, procuram distrair o público dos fracassos militares na Faixa de
Gaza, segundo o colunista do Conversation Scott Lucas, professor da
Universidade de Dublin.
Segundo
Lucas, os militares israelenses alertaram anteriormente a Netanyahu que é
impossível eliminar o Hamas, algo que o primeiro-ministro se esforça para
concluir ao mesmo tempo que rejeita repetidas propostas de cessar-fogo de
atores regionais e globais.
"Esse
negócio de destruir o Hamas, fazer desaparecer o Hamas, é simplesmente atirar
areia nos olhos do público. O Hamas é uma ideia, o Hamas é um partido. Está
enraizado nos corações das pessoas, qualquer um que pense que podemos eliminar
o Hamas está errado", disse o porta-voz das FDI, o contra-almirante Daniel
Hagari, a uma emissora israelense em 19 de junho.
Por
um lado, o aviso indica o que os analistas previram, que a guerra total de
Netanyahu em Gaza não só não conseguiria eliminar o Hamas, mas ajudaria o grupo
político a se apresentar como o único protetor dos civis de Gaza, observou o
acadêmico.
Por
outro, a declaração nada mais é do que um "desafio" dos altos
escalões israelenses a Netanyahu, acredita Lucas.
Antes
dos comentários de Hagari, o ex-comandante das FDI e político israelense Benny
Gantz deixou o gabinete de guerra montado por Netanyahu após o
primeiro-ministro rejeitar suas "exigências estratégicas".
As
seis exigências de Gantz priorizavam o regresso dos reféns e a instalação de
uma nova liderança política em Gaza, em vez de procurarem a
"destruição" completa do Hamas.
Depois
de Netanyahu ter rejeitado as suas propostas, Gantz acusou o primeiro-ministro
de colocar os seus interesses pessoais e políticos à frente da segurança e das
necessidades existenciais de Israel.
Até
ao momento, o ministro da Defesa,Yoav Gallant, não manifestou tais
preocupações, mas é claro que o governo israelense não tem um plano B para
acabar com a guerra "perpétua" na Faixa de Gaza, sublinhou Lucas.
"Então,
sem um plano B, o que Netanyahu faz para conter a pressão sobre ele vinda de
dentro e de fora de Israel? Ele tenta ganhar tempo. Na semana passada,
Netanyahu disse que apoia apenas um acordo 'parcial' de reféns com o Hamas,
então Israel poderia retomar os combates depois que suas mulheres, idosos e
doentes fossem libertados", escreveu o professor.
O
cerne da questão é que, uma vez que Netanyahu anuncie um cessar-fogo, ele
estará em perigo político e jurídico, a menos que o Hamas deixe de existir,
sublinhou Lucas.
"Provavelmente
ocorrerão eleições antecipadas em Israel, e ele está muito atrás de Gantz e sua
aliança Unidade Nacional nas pesquisas. Talvez mais importante ainda, ele
enfrentará acusações de suborno que foram efetivamente suspensas pela guerra."
¨
O que Hagari quis
dizer com ‘Destruir o Hamas não é possível’?
O
exército israelense sempre se sentiu frustrado com Netanyahu, mesmo antes do
início da guerra. Porém, desde 7 de outubro, o racha entre as instituições
militares e políticas atingiu novos patamares.
“Quem
pensa que é possível destruir o Hamas está enganado”, disse o porta-voz do
exército israelense, Daniel Hagari, em uma entrevista ao Canal 13 de Israel na
quarta-feira.
“Dizer
que é possível destruir o Hamas e fazê-lo desaparecer é jogar poeira nos olhos
do público”, acrescentou Hagari.
A
última declaração é totalmente diferente de todos os anúncios que o próprio
Hagari fez sobre os objetivos de guerra de Israel em Gaza. Em suas declarações
diárias à imprensa, Hagari descreveu o que parecia ser a destruição sistemática
das capacidades militares do Hamas em toda a Faixa de Gaza.
As
palavras recentes de Hagari também contradizem a última afirmação do
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em que ele, mais uma vez,
insistiu em uma “vitória total” em Gaza.
As
contradições podem ser facilmente atribuídas ao crescente conflito entre o
exército israelense e o establishment político de Netanyahu e seus ministros de
extrema-direita em Tel Aviv.
De
fato, em um episódio sem precedentes, o exército israelense declarou uma “pausa
tática” no sul de Gaza sem consultar sua liderança política, uma decisão que
provocou a ira de Netanyahu e seus aliados.
“Temos
um país com um exército, não um exército com um país”, disse ele durante uma
reunião do gabinete em 16 de junho.
O
exército israelense sempre se sentiu frustrado com Netanyahu, mesmo antes do
início da guerra. Porém, desde 7 de outubro, o rompimento entre as instituições
militares e políticas atingiu novos patamares.
Ainda
assim, grande parte dessa tensão era frequentemente contida devido ao fato de
que as guerras israelenses – em Gaza e no Líbano – eram em grande parte
administradas por um conselho de guerra, que envolvia líderes da oposição e
indivíduos com alta credibilidade dentro da instituição militar.
A
renúncia antecipada do líder da oposição israelense, Benny Gantz – que foi
chefe do Estado-Maior do exército israelense em 2014 – Gadi Eisenkot e outros,
e o subsequente desmantelamento do conselho de guerra mudaram a dinâmica
política que governou Israel nos últimos nove meses.
O
exército agora se sente encorajado e está expressando abertamente sua
frustração devido à falta de um plano político pós-guerra.
Também
é preciso afirmar que, embora, de fato, o exército israelense tenha
desempenhado um papel central na própria fundação de Israel, um conflito dessa
natureza não tem precedentes.
Historicamente,
os generais israelenses são incorporados ao establishment político quando se
aposentam ou tendem a atuar como consultores nas principais empresas
israelenses de fabricação militar.
A
nova formação política de Netanyahu, no entanto, deliberadamente deixou de lado
o establishment militar.
A
liderança militar israelense deve ter percebido que o cenário pós-guerra em
Israel deve incluir o retorno de seu papel político como parte do establishment
político. Para isso, personagens de extrema-direita, como os ministros Itamar
Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, ambos sem experiência militar, não podem fazer
parte da formação política do cenário do “dia seguinte”.
Isso
deve explicar o contexto da atual rivalidade em curso em Israel, cujas
consequências certamente serão de longo alcance.
Fonte:
A Terra é Redonda/Sputnik Brasil/A Nova Democracia
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