José Luís
Fiori: ‘Plano Real – os moedeiros falsos’
Entre
os dias 14 e 16 de janeiro de 1993, o Institute for International
Economics, destacado “think tank” de Washington, tendo à frente Fred
Bergsten, reuniu cerca de cem especialistas em torno do documento escrito por
John Williamson, “In Search of a Manual for Technopols” (Em Busca de um
Manual de ‘Tecnopolíticos’), num seminário internacional cujo tema foi: “The
Political Economy of Policy Reform” (A Política Econômica da Reforma
Política).
Durante
dois dias de debates, executivos de governo, dos bancos multilaterais e de
empresas privadas, junto com alguns acadêmicos, discutiram com representantes
de 11 países da Ásia, África e América Latina “as circunstâncias mais
favoráveis e as regras de ação que poderiam ajudar um ‘technopol’ a obter o
apoio político que lhe permitisse levar a cabo com sucesso” o programa de
estabilização e reforma econômica, que o próprio Williamson, alguns anos antes,
havia chamado de “Washington Consensus” (Consenso de Washington).
Um
plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado, hoje, pelo
FMI e pelo Bird em mais de 60 países de todo mundo. Estratégia de
homogeneização das políticas econômicas nacionais operada em alguns casos, como
em boa parte da África (começando pela Somália no início dos anos 1980),
diretamente pelos técnicos próprios daqueles bancos; em outros, como por
exemplo na Bolívia, Polônia e mesmo na Rússia até bem pouco tempo atrás, com a
ajuda de economistas universitários norte-americanos; e, finalmente, em países
com corpos burocráticos mais estruturados, pelo que Williamson apelidou de “technopols“:
economistas capazes de somar ao perfeito manejo do seu “mainstream”
(evidentemente neoclássico e ortodoxo) à capacidade política de implementar nos
seus países a mesma agenda e as mesmas políticas do “Consensus”, como é ou foi
o caso, por exemplo, de Aspe e Salinas no México, de Cavallo na Argentina, de
Yegor Gaidar na Rússia, de Lee Teng-hui em Taiwan, Manmohan Singh na Índia, ou
mesmo Turgut Ozal na Turquia e, a despeito de tudo, Zélia e Kandir no Brasil.
Um
programa ou estratégia sequencial em três fases: a primeira consagrada à
estabilização macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit
fiscal primário envolvendo invariavelmente a revisão das relações fiscais
intergovernamentais e a reestruturação dos sistemas de previdência pública; a
segunda, dedicada ao que o Banco Mundial vem chamando de “reformas
estruturais”: liberalização financeira e comercial, desregulação dos mercados,
e privatização das empresas estatais; e a terceira etapa, definida como a da
retomada dos investimentos e do crescimento econômico.
Foi
ainda nos anos 1980 que o reiterado insucesso das políticas monetaristas de
estabilização introduziu nos debates econômicos a importância crucial para o
sucesso no combate antiinflacionário do “fator credibilidade”, e teve como
consequência a canonização de uma heterodoxia, a da re-regulação do câmbio ou
“dolarização”. Logo à frente, já nos anos 1990, as novas avaliações
pessimistas, tanto do FMI como do Bird, puseram em destaque a importância
decisiva do “fator poder político” no sucesso ou fracasso de seu programa
econômico.
Esta
nova preocupação dos intelectuais e gestores do Consenso de Washington é que
explica não só a realização do Seminário de Bergsten e Williamson, como a
presença nele de dois cientistas políticos, Joan Nelson e Stephan Haggard,
responsáveis por um dos mais abrangentes estudos comparativos já feitos sobre
este assunto nos Estados Unidos.
No
seu documento introdutório, Williamson resume as perguntas e hipóteses centrais
relativas às dificuldades próprias de cada uma das etapas do plano e sobre as
respostas alternativas encontradas pelos diferentes países. Porque reconhece os
perversos efeitos sociais e econômicos das medidas de austeridade e
liberalização sobre as economias e populações nacionais, o autor também
entende, com este programa, como fica difícil eleger e sustentar um governo
minimamente estável. De onde surgiram várias táticas ou artifícios políticos
capazes de fazer os eleitores aceitarem os desastres sociais provocados em todo
lugar pelo programa neoliberal como sendo transitórios ou necessários em nome
de um bem maior e de longo prazo.
Listam-se
ali, como condições mais favoráveis, quando o programa consegue ser ampliado
depois de alguma grande catástrofe (guerra ou hiperinflação) capaz de minar
toda e qualquer resistência; quando os “technopols” conseguem
defrontar-se com uma oposição desacreditada ou desorganizada; quando, além
disto, eles disponham de uma liderança forte capaz de “insularizá-los” com
relação às demandas sociais.
Condições
que não dispensaram, entretanto, em todas as situações conhecidas, a formação
prévia de uma coalizão de poder suficientemente forte para aproveitar as
condições favoráveis e assumir, por um longo período de tempo, o controle de
governos sustentados por sólidas maiorias parlamentares. Esta, sim, uma
condição considerada indispensável para poder transmitir “credibilidade” aos
atores que realmente interessam, neste caso: os “analistas de risco” das
grandes empresas de consultoria financeira, responsáveis, em última instância,
pela direção em que se movem os capitais “globalizados”.
Poucos
ainda têm dúvidas de que o Plano Real, a despeito de sua originalidade
operacional, integra a grande família dos planos de estabilização discutidos na
reunião de Washington, onde o Brasil esteve representado pelo ex-ministro
Bresser Pereira. E aí se inscreve não apenas por haver sido formulado por um
grupo paradigmático de “technopols“, mas por sua concepção estratégica
de longo prazo, anunciada por seus autores, desde a primeira hora, como
condição inseparável de seu sucesso no curto prazo: ajuste fiscal, reforma
monetária, reformas liberalizantes, desestatizações, etc., para que só depois
de restaurada uma economia aberta de mercado possa dar-se então a retomada do
crescimento.
Neste
sentido, os seus “technopols“, como bons aprendizes, sabem que a
dolarização inicial da economia será sempre um artifício inócuo se não estiver
assegurada por condições de poder inalteráveis por um período prolongado de
tempo.
Desde
este seu ponto de vista, aliás, o Plano Real não foi concebido para eleger FHC,
foi FHC que foi concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz
de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI, e dar
viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo
Banco Mundial.
Por
isto, não surpreende a confusão popular frente à candidatura de FHC e suas
relações sinergéticas com o Plano Real. O que surpreende, sim, é a confusão
ainda maior que reina entre os intelectuais que criticam ou justificam
emocional ou ideologicamente as suas atuais preferências políticas.
Erro
que não cometeria o FHC professor, lógico e realista, se não estivesse impedido
de recorrer a si mesmo e ao que ainda melhor explica suas preferências
políticas atuais: os seus próprios ensaios sobre o empresariado industrial e a
natureza associada e dependente do capitalismo brasileiro, datados dos anos
1960. Eles permitem entender e acompanhar de forma perfeitamente racional o
caminho lógico que levou FHC à sua posição atual no xadrez político-ideológico
brasileiro. Mas é verdade que, ao mesmo tempo, contêm o libelo mais duro,
veemente e essencial contra a sua própria opção.
Em
termos muito sintéticos: (a) O trabalho acadêmico de FHC pode ser todo ele
definido como uma busca incansável dos “nexos científicos” entre os interesses
e objetivos desenhados pelas situações “histórico-estruturais” e os caminhos
possíveis que vão sendo construídos politicamente nas sociedades concretas
pelos grupos sociais e suas coalizões de poder.
(b)
Com esta perspectiva, FHC foi um dos pioneiros a investigar e concluir, de
maneira implacável, já em 1963, que “a burguesia industrial nacional estava
impedida, por motivos estruturais, de desempenhar o papel que a ideologia
nacional-populista lhe atribuía” e que, por isto, “havia optado pela ordem,
isto é, por abdicar de uma vez por todas de tentar a hegemonia plena da
sociedade, satisfazendo-se com a condição de sócio-menor do capitalismo
ocidental.”
Constatação
que lhe permitiu redescobrir muito cedo no empresariado brasileiro uma condição
universal do capitalismo: a de que pode estar associado, indiferentemente,
segundo as circunstâncias, a um discurso ideológico protecionista ou
livre-cambista, estatista ou anti-estatista, obedecendo apenas ao interesse
maior da liberdade de movimento do capital e dos desdobramentos geoeconômicos e
políticos da sua continuada internacionalização.
Esta
descoberta foi responsável direta pelo seu passo seguinte e mais original: para
FHC, se a condição periférica do capitalismo se definia pela ausência de moeda
conversível e capacidade endógena de progresso tecnológico, a sua “condição
dependente” se definia pela forma peculiar de associação econômica e política
do empresariado nacional com os capitais internacionais e o Estado. Tripé de
sustentação econômica da fase de “internacionalização do mercado interno” (em
que as empresas multinacionais assumiram a liderança em quase todos os setores
de ponta, responsabilizando-se por cerca de 40% do produto industrial) e de um
tipo de “industrialização associada”, tão viável quanto inevitável do ponto de
vista da “burguesia industrial brasileira.”
Durante
os anos 1970, o trabalho intelectual de FHC consistiu em demonstrar que esta
“situação estrutural” não impedia o crescimento econômico nem o associava
necessariamente a um só modelo social e político. Concluindo, logo antes de
entrar para a vida política, que o caráter predatório, excludente e autoritário
do capitalismo brasileiro era a marca própria que a coalizão conservadora de
poder imprimira ao Estado desenvolvimentista brasileiro.
Não
é difícil estender e atualizar a análise de FHC à nova “situação estrutural”,
definida por uma internacionalização mais avançada ou globalizada do
capitalismo, associada ao aumento de nossa “sensibilidade” interna às mudanças
da economia mundial. Sobretudo porque a nova realidade ultrapassa, mas não
invalida, o que de essencial FHC escreveu nos anos 1960 e 1970. E a sua
inteligência lhe impede repetir bobagens e lhe permite saber que o que
interessa para o Brasil no novo contexto globalizado não tem nada a ver com a
queda do Muro de Berlim nem tampouco com o esgotamento do modelo de
substituição de importações que já ocorrera nos anos 60/70…
Nessa
atualização, basta ter claro que a globalização não é um processo completamente
apolítico, envolvendo desde os anos 1980 pressões crescentes de governos e
organismos multilaterais sobre a condução doméstica das economias periféricas.
Por isto, os ajustes nacionais tampouco são puramente econômicos. Os Estados
nacionais têm que optar e decidir como se conectam à nova redefinição das
coalizões interna e externa de poder.
No
nosso caso, o velho tripé econômico e sua aliança com as elites políticas
regionais entrou em crise e precisa ser refeito. Dos antigos aliados, a velha
elite política está esfacelada regionalmente; o sócio internacional
“financeirizou-se”; o empresariado local, que já se “ajustou” a nível
microeconômico, mantém sua velha opção ainda quando tenha encontrado seu exato
lugar enquanto “sócio menor associado”, e por isto já se alinhou plenamente com
o livre-cambismo anti-estatista do “Washington Consensus“; e, por fim, o
Estado, falido financeiramente, já foi além disto destruído de forma
absolutamente irracional e ideológica pelo governo Collor.
FHC
sabe como ninguém que mudar ou refazer esta articulação econômica e aliança
política é o problema central que hoje está posto no cenário brasileiro. E,
frente a esse desafio, tomou sua primeira e decisiva decisão: resolveu
acompanhar a posição do seu velho objeto de estudo, o empresariado brasileiro,
e assumiu como um fato irrecusável as atuais relações de poder e dependência
internacionais. Deixou seu idealismo reformista e ficou com seu realismo
analítico abdicando dos “nexos científicos” para se propor como “condottiere”
da sua burguesia industrial, capaz de reconduzi-la a seu destino manifesto de
sócia-menor e dependente do mesmo capitalismo associado, renovado pela terceira
revolução tecnológica e pela globalização financeira.
Como
consequência natural, aderiu à estratégia de ajustamento do FMI e do Banco
Mundial. Mas sua opção mais importante não foi esta. Dispunha de um elenco de
alternativas políticas para implementar essa mesma estratégia. Mas, diante da
hipótese de uma aliança de centro-esquerda que poderia revolucionar o sistema
político e social brasileiro aproximando-o do social-liberalismo de Felipe
González, FHC preferiu o caminho de Oraxi, Vargas Llosa ou Mitsotakis, e
decidiu-se por uma aliança de centro-direita com o PFL que lhe garante o apoio
natural dos demais partidos conservadores num eventual segundo turno. Uma
aliança que, obviamente, não se explica por razões puramente eleitorais, pois
afinal Collor e Berlusconi já demonstraram que nesse campo é possível obter
melhores resultados por caminhos mais diretos e “modernos”.
O
que a nova aliança de FHC se propõe, na verdade, é algo mais sério e
definitivo: remontar a tradicional coalizão em que se sustentou o poder
conservador no Brasil. Este o verdadeiro significado direitista de sua decisão
que, aliás, não é de hoje, mas data de maio de 1991, quando apoiou a
reorganização do governo Collor em aliança com o próprio PFL de ACM e
Bornhausen.
Se
ali não teve sucesso, foi por obra do destino ou de Mário Covas, mas as cartas
já estavam lançadas. Desde então, costurou de forma brilhante e eficiente a
adesão de quase toda a grande imprensa e do empresariado, mas sobretudo os
apoios internacionais que faltaram a Collor, haja vista, além das avaliações de
risco das grandes consultoras financeiras publicadas pela imprensa
internacional, o desfile recente de personalidades mundiais (públicas e
privadas) do neoliberalismo que têm vindo dar apoio ao programa de
estabilização e reformas de FHC. Faltam-lhe ainda, contudo, duas coisas: o
apoio das lideranças políticas regionais que vêm negociando com imensa
dificuldade a partir do PFL e, sobretudo, o dos eleitores que pretende obter
através do sucesso instantâneo de seu Plano Real.
Em
síntese, FHC optou por sustentar a estratégia do Consenso de Washington,
valendo-se da mesma coalizão de poder que construiu e destruiu o estado
desenvolvimentista de forma igualmente excludente e autoritária. E, com isto,
em nome do seu realismo, na verdade está se propondo, ainda uma vez, a refundar
a economia sem refundar o Estado brasileiro. E aqui sim, contradiz um ponto
essencial de suas ideias e de seu passado reformista.
Não
nos interessa discutir aqui porque o programa FMI/Bird pode ser virtuoso para o
empresariado e catastrófico para um país continental e desigual como o Brasil,
mas apenas nos ater aos dilemas internos e específicos de tal proposta, e de
sua experimentação concreta, para assim esclarecer o significado mais radical
da opção de FHC. Mas para isto devemos voltar brevemente a Washington.
Não
mais às sugestões práticas do seminário de John Williamson, mas às conclusões
do estudo comparativo de J. Nelson e S. Haggard, sobre um grupo de 25 países
que antecederam o Brasil na adesão ao “Washington Consensus”. E aqui todas as
experiências apontam numa mesma direção: se o projeto não avança sem
“credibilidade”, não há credibilidade possível sem governos com autoridade
centralizada e forte. Mas por que chegaram a esta conclusão de que era
indispensável recorrer à política e a Estados fortes para alcançar o “mercado
quase perfeito”?
Primeiro,
porque na maioria dos países que já aplicaram as políticas e fizeram as
reformas recomendadas não houve a esperada recuperação dos investimentos. E
isso porque, em segundo lugar, o apoio empresarial, interno e externo, não
passa do entusiasmo retórico para a cooperação ativa, indispensável inclusive
para a primeira etapa da estabilização sem ter garantias sobre as reformas
liberalizantes.
Em
terceiro lugar, como consequência, aliás, todos os países que lograram vencer a
etapa da estabilização contaram com uma ajuda externa politicamente orientada;
no caso chileno, 3% do PIB durante cinco anos, de ajuda pública mais um aporte
equivalente, durante três anos, por parte dos bancos comerciais; 5% do PIB
durante cinco anos no caso da Bolívia; 2% do PIB durante seis anos no caso do
México, etc.
Mas,
em quarto lugar, mesmo quando obtiveram ajuda externa e se estabilizaram, estas
economias “reformadas” atravessaram profundas recessões, perdas significativas
da massa salarial e aumento geométrico do desemprego, os famosos “custos
sociais” da estabilização.
Em
quinto lugar, mesmo ali onde houve retomada do crescimento, esse tem sido lento
e absolutamente incapaz de recuperar os empregos destruídos pela reestruturação
e abertura das economias. Sendo que para culminar, em sexto lugar, no caso das
experiências bem-comportadas, as etapas de estabilização e reformas tomaram de
três a quatro anos cada uma, e até uma década para a retomada efetiva do
crescimento.
Neste
quadro, como é óbvio, fica difícil obter credibilidade para as políticas
neoliberais junto ao empresariado, seu aliado indispensável, e pior ainda,
junto aos trabalhadores. Segue-se daí a conclusão inevitável: a longa espera
pelos eventuais resultados positivos das políticas e reformas preconizadas pelo
FMI e Bird demandam uma estabilização prolongada da situação de poder favorável
às reformas. Solução que desemboca, entretanto, num novo problema: o da
viabilização eleitoral duradoura da coalizão “reformista”. Eis aí a questão:
como fazer com que o povo compreenda e apoie por um longo período de tempo, e
apesar de sua dura penalização, a verdade dos “technopols”? Ou em termos mais
diretos: nestas condições, como ganhar eleições e manter tanto tempo uma sólida
maioria no Congresso Nacional?
Frente
a este desafio, descartada a “alternativa Menem” (usar um programa para a
campanha eleitoral e outro no governo) defendida entusiasticamente no seminário
de Washington por Nicolas Barlette do International Center for Economic
Growth, os estudos apontam para três caminhos conhecidos: (a) o dos
partidos capazes de assegurarem a vitória e a maioria parlamentar por mais de
uma década, o que em geral se deu em sociedades com menores índices de inflação
e/ou de desigualdade social; (b) o da existência de condições excepcionais, de
guerra ou recuperação democrática, favoráveis ao logro de acordos sociais e
políticos entre partidos, sindicatos e empresários; (c) ou então, como os
estudos mencionados indicam em quase todos os casos dos países com economias de
alta inflação, grande fragilidade externa e extrema desigualdade social, o
apelo a regimes autoritários permanentes ou “cirúrgicos”, como foi o caso da
Turquia no início dos 1980 e do Peru mais recentemente.
FHC,
desde 1991, pelo menos, optou claramente por este projeto de modernização
neoliberal e por um bloco de sustentação de centro-direita. Neste sentido,
segundo nos relata a experiência, optou por uma estratégia socioeconômica que
tem gerado ou aprofundado os níveis preexistentes de desigualdade e exclusão
social. E além disto, para culminar, também optou para levar à frente este
projeto anti-social e quase sempre autoritário, através de uma coalizão
política que foi sempre autoritária e que já logrou forjar, antes e durante a
era desenvolvimentista, esta nossa sociedade que ocupa hoje o penúltimo lugar
mundial em termos de concentração de renda.
Neste
sentido é que se pode concluir, sem ofender a lógica, que FHC realmente aderiu
a um projeto de “aggiornamento” do autoritarismo anti-social de nossas
elites.
Mas
agora o jogo já começou e as coisas já evoluíram. Hoje, FHC se transformou em
refém de seus próprios “technopols“. Como sua proposta neolibeal
satisfaz o empresariado mas deixa pouca margem para costurar as alianças com as
velhas elites políticas regionais, e como a situação dos eleitores piorou
enormemente desde que assumiu o Ministério da Fazenda, só lhe resta esperar
pelo milagre dos três meses prometidos pelas cabeças “iluminadas” de sua equipe
econômica.
Neste
ponto, aliás, o Brasil produz uma novidade que talvez possa ser relatada no
próximo seminário de Washington: em vez de silenciar sobre os efeitos perversos
do programa, faz-se de seu sucesso antecipado de curtíssimo prazo a grande arma
para obter a vitória eleitoral… Mas é por isto também que neste caso o plano de
estabilização já nasceu de forma autoritária, de tal forma que, desde agora, a
condução independe do conhecido senso público do ministro Ricupero.
Lançado
num período eleitoral quando, por definição, as escolhas são livres e os
resultados indeterminados, o pré-anunciado sucesso do Plano supõe que só possa
haver um ganhador, ou pior, supõe que, quem quer que seja o ganhador, terá que
se submeter aos “technopols“, a menos que queira enfrentar uma
hiperinflação explícita, com fuga de capitais, sobrevalorização cambial e
desequilíbrio fiscal gerado pelas altas taxas de juros.
Para
não falar que, nestes três meses de engodo, tudo o que faz parte normal de uma
campanha eleitoral será considerado subversivo do ponto de vista do Plano…
Sendo desnecessário acrescentar, neste momento, que mesmo que FHC ganhe as
eleições dificilmente terá a maioria parlamentar de que falam, o que nos
candidata fortemente, segundo a experiência relatada, a prolongarmos no tempo a
concepção originariamente autoritária do Plano.
Neste
sentido, ao contrário do que alguns defendem, FHC está dando uma nova e
sofisticada colaboração para a irracionalidade da política brasileira.
E
quanto à moeda que nasce, depois de chegar a Brasília protegida pelos tanques
do Exército, seguirá sendo uma moeda virtual ancorada numa paridade cambial,
que, por sua vez, está atrelada a futuro político impossível de ser assegurado
de antemão. Sorte teríamos neste sentido se sobre ela pudéssemos apenas
parafrasear Helmut Schmidt (quando disse aqui no Brasil, comentando a
possibilidade de sucesso imediato das reformas liberais no Leste europeu):
“Ter-se-ia que ser professor de Harvard para crer nestas tolices”. Nossa
situação é ainda mais triste, porque temos que reconhecer que nossos
“technopols” conseguem reunir à “tolice dos professores de Harvard” a
irresponsabilidade dos moedeiros falsos do André Gide.
Fonte:
A Terra é Redonda
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