Alagoana se destacou como liderança negra
entre as sufragistas na década de 1930
"Eu sempre, por
instinto, me revoltei contra a desigualdade de direitos entre homem e
mulher." A frase foi dita pela alagoana Almerinda Farias Gama (1899-1999),
uma mulher negra que se destacou ao atuar como liderança no movimento
sufragista na década de 1930.
Atuou como jornalista
e utilizou da função para difundir a discussão sobre a condição feminina,
pleiteou cargos importantes com a chegada da Assembleia que elaborou a
Constituição de 1934 e consolidou-se como uma das principais representações
negras na conquista de mais direitos para as mulheres.
Nascida em Maceió, em
16 de maio de 1899, ela se mudou para o Pará, aos 8 anos de idade, após a morte
do pai. Em uma entrevista para o documentário "Almerinda, Uma Mulher de
Trinta", de Joel Zito Araújo, a alagoana conta que passou a infância com
muito amor e harmonia.
Quando se mudou para a
casa de uma tia, no Pará, ficou nove anos sem ir à escola. No período, aprendeu
prendas bordado, crochê e costura e a tocar piano.
Em 1923, casou-se com
um primo, mas ele morreu de tuberculose dois anos depois. Almerinda teve um
filho do relacionamento, que também morreu quando criança.
No ano de 1929,
Almerinda mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de arrumar um emprego
que a pagasse melhor. Nesse período, ela era datilógrafa.
Ao chegar à então
capital federal, entrou para a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino,
liderada por Bertha Lutz, e deu continuidade em sua atuação pelos direitos das
mulheres iniciada em Belém.
A alagoana, que também
atuava como jornalista e já tinha uma experiência na imprensa contribuindo com
artigos sobre a condição feminina, passou a redigir reportagens sobre a questão
feminista.
"Foi assim que,
então, eu continuei na imprensa sempre a lutar pela emancipação da mulher, e,
pelo lado prático, fazendo questão que pagassem sempre o valor do meu
trabalho", afirmou no documentário.
"Almerinda era
uma mulher que assumiu muitas funções no grupo [das sufragistas], sendo, a
principal delas, um tipo de assessora de imprensa da federação", afirmou
Cibele Tenório, jornalista e doutoranda em história pela UnB (Universidade de
Brasília).
Isso porque um dos
campos de batalha do movimento, à época, era conquistar a opinião pública.
Logo, a imprensa era um lugar em que as feministas precisavam marcar presença.
"Ela era uma
pessoa que tinha um domínio da datilografia, que era uma tecnologia do começo
do século 20. Escrever à máquina com destreza, como a Almerinda sabia, trazia
agilidade para o nível da produção que as sufragistas tinham de nota, de
reportagem e de artigos que escreviam."
A pesquisadora, que
dedicou a sua tese de mestrado sobre a trajetória de Almerinda, afirma que no
ano que vem se completarão dez anos em que iniciou o estudo. Na época, pouco se
sabia sobre a trajetória da alagoana.
Segundo a
historiadora, sempre que se falava no movimento sufragista as primeiras imagens
que vinham eram de mulheres brancas de classe média, como eram também os grupos
sufragistas de outros países.
"No Brasil, as
pesquisas mostravam que havia poucas mulheres negras [no movimento], mas, o
caso da Almerinda mostra que tínhamos também mulheres negras no núcleo duro das
entidades", afirma Cibele.
"Acho que é
importante falar isso, porque havia muita gente junto. Falar da Almerinda é
falar do protagonismo negro e das mulheres negras dentro do movimento
sufragista."
Em 1933, Almerinda e
Bertha Lutz fundaram o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos profissão, à época, majoritariamente feminina, e a alagoana foi a primeira presidente da
entidade.
Cibele diz que nesse
período houve uma experiência política que nunca mais aconteceu na história do
país. Foi a representação de deputados classistas na Assembleia Constituinte.
Os presidentes de sindicatos, oficializados juntos ao governo, tinham direito a
algumas cadeiras no Parlamento.
"Na
impossibilidade de ser indicada por um sindicato de categoria masculina ninguém aceitava uma mulher como presidente, Almerinda e Bertha fundam o sindicato das
datilógrafas e a alagoana
participa da eleição, em
1933", afirma Cibele.
O pleito ocorreu um
ano depois de as mulheres conquistarem o direito ao voto. Almerinda entra para
a história como a única mulher, entre 272 candidaturas, a participar daquela
eleição.
No ano seguinte, em
1934, ela se candidatou para a Câmara dos Deputados, mas não conseguiu ser
eleita. Porém a sua participação naquele momento foi um marco na história das
mulheres na política.
"Eu achava que o
voto era uma arma que nós tínhamos para poder ingressar no recinto onde se
discutiam esses assuntos", afirmou Almerinda em uma entrevista, disponível
no minidocumentário "Almerinda, A Luta Continua", do CPDoc/FGV (Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas).
A professora da FGV
Thais Blank coordenou o documentário. O roteiro foi escrito pela Cibele
Tenório.
O filme usou material
de um pequeno acervo da Almerinda que o CPDoc possui, com fotografias,
manuscritos e a gravação de uma entrevista que a alagoana concedeu para um
projeto chamado "Velhos Militantes", em 1984.
Para Blank, Almerinda
se destacou, primeiro, por ter atuado em várias frentes. "Ela foi
tradutora, jornalista, membro da Associação Brasileira pelo Progresso Feminino,
delegada do Sindicato dos Datilógrafos e participou da Assembleia Nacional
Constituinte de 1934".
Segundo, por ter sido
uma mulher negra e alagoana que impôs o seu desejo de participar da política em
um momento em que as mulheres conquistavam esse espaço, até então masculino.
A professora afirma
também que uma fala de Almerinda, dita na entrevista e que está no filme, a
chamou atenção. "Ela diz que, como não tinha herdeiros, queria deixar o
seu legado para as futuras gerações. Era uma pessoa que estava preocupada com
essa atuação para o futuro, do que ela podia deixar para as novas gerações, que
eu acho muito incrível", concluiu.
Fonte: FolhaPress
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