sábado, 6 de julho de 2024

'Todos têm interesse na Avibras, menos o governo brasileiro', diz ativista sobre venda da empresa

A venda da empresa do setor de defesa Avibras desperta o interesse de atores de peso, como China, Austrália e EUA, mas não do governo brasileiro. O embate entre as empresas chinesa Norinco e australiana DefendTex contrasta com a inação de Brasília que, ao que tudo indica, deixará a empresa ser vendida para grupos do exterior.

De acordo com a Agência Brasil, o governo não demonstra disposição em assumir a dívida da Avibras, estimada em R$ 700 milhões, e estatizar a empresa, responsável pela fabricação de lançadores de foguetes essenciais para as operações do Exército brasileiro.

"A possibilidade de estatização da empresa exigiria um recurso que o governo hoje não dispõe", disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Não há condições, nesse momento, de financeiramente o governo entrar nessa. Seria uma solução, já que nenhuma empresa nacional se interessou até agora, mas é importante ter a empresa funcionando."

Para o presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Weller Gonçalves, a inação do governo brasileiro levará o país a ceder quadros, tecnologia e investimentos a países estrangeiros, em detrimento da sua segurança nacional.

"Nos preocupamos com a venda da empresa pelo ponto de vista do segredo comercial. Muitos dos produtos que a Avibras fabrica foram desenvolvidos graças ao investimento de dinheiro por parte do Estado", disse Gonçalves à Sputnik Brasil. "Então é o acervo tecnológico que pode ser entregue para outro país, o que, para nós, significa um crime lesa-pátria."

O sindicalista ainda questiona a perda de postos de trabalho qualificados no Brasil, caso a empresa seja entregue a grupos estrangeiros. Os trabalhadores da Avibras estão há mais de 15 meses sem receber salários, com poucas perspectivas de auxílio governamental no abatimento desses passivos trabalhistas.

"O mais provável é que a empresa seja vendida, porque ao longo desses dois anos e meio de luta não vimos nenhum interesse do governo em investir na empresa, o que para a gente é uma vergonha", disse Gonçalves. "Vemos empresas de outros países interessadas, a mídia internacional cobrindo a venda, todo mundo querendo a Avibras, menos o governo federal. Isso é um escândalo."

A falta de interesse de Brasília é a norma desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas continuou sob Lula, afirma Gonçalves. Representantes do sindicato foram recebidos pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e pelo ministro da Defesa José Múcio, mas "nenhuma atitude concreta foi tomada por parte do governo para resolver o problema".

Fundada em 1961 por engenheiros formados no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), a Avibras se destacou na área de foguetes de artilharia, tanto terra-terra, quanto ar-terra. O desenvolvimento do sistema de artilharia de saturação de área Astro II na década de 1980 levou a empresa ao seu apogeu nacional e internacional.

Até os dias de hoje, 85% das receitas da Avibras são advindas das suas vendas ao exterior, com destaque para países do Oriente Médio e África. Dentre os atuais clientes da empresa estão Forças Armadas da Arábia Saudita, Catar, Malásia e Indonésia. No entanto, a empresa alega problemas financeiros impostos pela pandemia, que teria inviabilizado a manutenção de seus contratos internacionais.

Setor estratégico

O descaso do Palácio do Planalto com a Avibras reflete visão equivocada sobre a natureza das indústrias de defesa, acredita o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, Robinson Farinazzo. Segundo ele, esse setor estratégico não funciona como empresas comuns e depende de investimentos governamentais para crescer.

"Nenhuma empresa de defesa sobrevive sem o apoio do governo. Os EUA, líderes do setor, investem bilhões em suas empresas, como a Lockheed Martin, a Raytheon ou a Boeing", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Os EUA adquirem aeronaves F-15 da Boeing, apesar de serem ultrapassados, somente para manter a empresa operando. E isso é uma visão estratégica."

O oficial da reserva da Marinha lembra que empresas de defesa demandam anos não só para desenvolver os seus produtos, mas também seus quadros, já que "até os funcionários de chão de fábrica das empresas de defesa são técnicos altamente qualificados."

"O investimento para a defesa é investimento a fundo perdido. Não interessa se há lucro ou prejuízo imediato, porque o ativo da indústria de defesa é estratégico, vai além dos simples resultados econômicos", disse Farinazzo. "O valor produzido por esse setor é imaterial, representa a nossa capacidade de defesa, segurança e soberania. E esses valores estão sendo tratados de forma leviana no Brasil."

Exemplo clássico da importância do papel do Estado na consolidação de empresas de defesa é a Embraer, que foi parcialmente vendida após obter sucesso na área de aviação civil e militar, competindo com empresas líderes do setor como a Boeing e Airbus.

Em contexto de aumento das tensões internacionais e da intensidade dos conflitos bélicos, a vendas de empresas do setor de defesa brasileiro deixam o país ainda mais vulnerável. No contexto atual, os armamentos produzidos pela Avibras teriam papel relevante na recomposição da frota de submarinos brasileiros, que seriam armados com foguetes de alcance de até 300 km, aumentando sobremaneira a potência da Marinha brasileira.

A venda ou privatização de empresas de defesa nacionais não têm mostrado bons resultados historicamente. Exemplo eloquente é o da Ucrânia, que, após o golpe de Estado de Maidan, em 2014, entregou boa parte de sua indústria de defesa a atores privados, com consequências desastrosas para o país.

"Até 2013, a Ucrânia mantinha uma das melhores indústrias de defesa do mundo, com cerca de 245 empresas. O primeiro porta-aviões da China, por exemplo, foi produzido na Ucrânia", relatou Farinazzo. "O neoliberalismo fechou essas empresas e hoje a Ucrânia depende totalmente do fornecimento de armas estrangeiras. É um mau exemplo."

Após o fim da Guerra Fria, a falta de investimento na área de defesa já custou ao Brasil empresas importantes, como a Bernardini, que produzia o tanque MB-3 Tamoyo para o Exército brasileiro com alto grau de conteúdo nacional, e a antiga empresa automobilística bélica Engesa, produtora do carro de combate EE-T1 Osório.

Os próprios EUA tiveram experiências negativas após reduzir o papel do Estado em indústrias estratégicas. Na década de 80, a retirada dos subsídios públicos aos estaleiros norte-americanos levou a falência de dezenas de unidades, "e hoje a Marinha norte-americana não consegue acompanhar o ritmo de construção da chinesa".

Nesse sentido, o oficial da reserva Farinazzo é indiferente quanto à nacionalidade da empresa que adquirir a Avibras: seja uma empresa chinesa ou australiana, o ônus para a segurança brasileira será o mesmo.

"Agora, quando a venda da Avibras estava sendo feita para a Austrália, não havia o furor que vemos agora que uma empresa chinesa entrou no negócio. Uma pode, a outra não pode? Tem algo errado aí", questionou Farinazzo. "A verdade é que existe um interesse muito grande em deixar que países ligados à OTAN fiquem no controle da indústria de defesa brasileira."

O governo dos EUA reagiu à manifestação de interesse da empresa chinesa Norinco, que propôs adquirir 49% da Avibras. De acordo com a Folha de São Paulo, diplomatas dos EUA já teriam pressionado o governo Lula a evitar o envolvimento da Norinco na transação.

O desenvolvimento das Forças Armadas e indústria de defesa brasileiro não interessa a Washington e seus aliados, que temem a formação de um polo de poder na América do Sul, capaz de contestar sua hegemonia hemisférica.

"A ideia é nos manter como compradores de equipamentos obsoletos e sem capacidade militar nenhuma. A intenção é destruir a capacidade militar do Brasil, por ele ser uma peça importante do BRICS, com capacidade para fortalecer o Sul Global", concluiu Farinazzo.

¨      Após interesse chinês pela Avibras, chegou a hora de o Brasil abrir o olho para as sanções?

O Brasil recebeu alertas de Washington após considerar a venda de 49% da Avibras, empresa do ramo de Defesa, à chinesa Norinco, que está sob sanções norte-americanas. Depois desse puxão de orelha, será que chegou a hora de o Brasil levar a sério a ameaça das sanções ocidentais?

Por muito tempo acreditou-se que o Brasil, com sua postura diplomática, dificilmente seria alvo de sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e seus aliados europeus. A notícia de possíveis sanções a uma empresa brasileira chega, então, como um balde de água fria para as autoridades brasileiras, que veem agora que o país pode estar na mira do Ocidente.

Esta não é nem a primeira vez que a nação brasileira foi afetada por sanções ocidentais a outros países, afirma Marcos Cordeiro Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A Embraer, em 2006, foi proibida pelos Estados Unidos de vender seu modelo Super Tucano à Venezuela, na época governada por Hugo Chávez.

Um caso mais recente foi quando, em 2019, dois navios de grãos iranianos ficaram presos por cinco semanas no porto de Paranaguá, no estado do Paraná, "porque a Petrobras se recusava a abastecê-los por receio de burlar sanções impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos", detalha.

Outro "desconforto" internacional, ainda mais recente, ocorreu neste ano, quando houve dúvidas sobre se o reabastecimento do avião do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, infringiria as sanções anti-Rússia de Washington. No final, Lavrov, que estava de visita ao Brasil, teve de fazer parte do trajeto em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).

No entanto a ameaça estadunidense de sancionar uma empresa brasileira, como a Avibras, é inédita e, segundo Pires, "grave". "Existe uma longa aliança das forças militares brasileiras com o Pentágono, além de o país estar sob a área de responsabilidade do Comando Sul [dos Estados Unidos, USSOUTHCOM]", explica.

"Nesse aspecto, há um veto explícito à presença de 'potências extrarregionais' no sistema de defesa dos países latino-americanos."

·        BRICS deve se posicionar contra as sanções

Em junho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, pediu que os países parceiros do BRICS tivessem um papel mais ativo contra as sanções. Hoje vários países do BRICS enfrentam algum tipo de sanções por parte dos Estados Unidos, mas nenhum tanto quanto a Rússia, a China e o Irã.

Marina Moreno Farias, mestranda em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista residente no think tank Observa China e integrante do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina), explica que, diferentemente de outras armas militares, "a bomba-dólar não pode ser replicada por nenhum outro país".

"Por mais que outros países possam aplicar sanções, a maneira pela qual as sanções norte-americanas são aplicadas é singular."

Segundo Farias, isso se deve ao papel que o dólar americano tem na economia mundial, atuando como unidade de conta que denomina os pagamentos e os contratos: "as obrigações financeiras do mundo".

Utilizando o dólar como sua principal arma no mundo atual, os EUA conseguem "efetivamente fechar a comunicação econômica e financeira de outros países e estrangular essas economias. Essa é a sanção financeira, realizada, geralmente através do sistema SWIFT".

O SWIFT, explica a pesquisadora, "não é um mecanismo de pagamentos", mas sim uma plataforma que padroniza as comunicações interbancárias ao redor do mundo. Logo, quando um país tem seu acesso negado ao sistema, ele "terá que lidar com a impossibilidade de comunicação entre os seus bancos comerciais e os bancos de outros países".

Dentre as principais consequências disso está seu isolamento comercial e o congelamento das reservas internacionais dos bancos centrais, "que incluem títulos do tesouro e depósitos bancários".

"O país que não puder acessar essas reservas vai ter um estrangulamento dessa economia, uma depreciação da moeda e vai poder mergulhar numa crise econômica profunda."

Foi o caso de Cuba e do Irã, que tiveram suas economias drenadas tanto por sanções comerciais, como tarifas e proibições de venda e compra de mercadorias, e financeiras com sua exclusão de mecanismos como o SWIFT e sua desconexão do resto da economia mundial.

No entanto, aponta Farias, isso não aconteceu com a Rússia nem com a China. "Inclusive a Rússia é uma economia que cresce mais do que a Alemanha", destaca.

A verdade é que a envergadura de ambas as economias permitem contornar as sanções ocidentais, que são muito mais amplas no caso da Rússia que viu desde bloqueios comerciais, sanções a indivíduos e o congelamento de suas reservas, enquanto na China se tratam mais de sanções à empresas específicas para que o país não desenvolva determinadas tecnologias.

"As sanções econômicas só funcionam se foram impostas em um país economicamente mais frágil, que não tem caminhos, iniciativas e ferramentas próprias ou conjuntas fora do âmbito do dólar. É o que a Rússia tem nos mostrado."

Para Marcos Cordeiro Pires, no entanto, dentro do âmbito do BRICS há dois estados mais vulneráveis a possíveis sanções norte-americanas, o Brasil e a África do Sul, "pois estes não possuem capacidades estratégicas e estão fortemente vinculados economicamente, politicamente e culturalmente com os estadunidenses."

"Nesse contexto, como o Brasil não pode mudar sua posição geográfica, é preciso que nossos dirigentes tenham uma visão estratégica pragmática para lutar contra a polarização que não interessa à população brasileira."

"No entanto", diz o professor, "as sanções podem muito, mas não podem tudo".

"A utilização do dólar como arma está forçando a criação de um sistema monetário alternativo."

E até mesmo o Irã, ressalta, "está conseguindo resistir às sanções ocidentais por maior comércio com os países da Ásia, como China, Índia e Rússia".

Há, então, sublinha Farias "uma 'falência' da sanção enquanto arma econômica" que embora não tenha dado os resultados desejado, "continua sendo implementada".

Nesse sentido, diagnostica a pesquisadora, é justamente a constante ameaça norte-americana de sanções financeira que "dão um grande empurrão para que os outros países pensem em formas alternativas de lidar com suas economias".

"Para que outros países como o Brasil começassem a falar em desdolarização, porque se pode criar, impor sanções a esses países dessa magnitude, por que não fariam comigo?", questionou.

Como grande exemplo dessa nova ordem multipolar "anti-imperialista", ambos analistas apontam para a ascensão do BRICS, que tem conseguido mais e mais uma proeminência no cenário global.

"Isso cria um protagonismo maior para o grupo que se coloca como alternativa àquilo que tínhamos estabelecido por tantos anos, que é basicamente a unipolaridade americana, com a Europa ali sendo basicamente só uma apoiadora dos Estados Unidos."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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