'Todos têm
interesse na Avibras, menos o governo brasileiro', diz ativista sobre venda da
empresa
A
venda da empresa do setor de defesa Avibras desperta o interesse de atores de
peso, como China, Austrália e EUA, mas não do governo brasileiro. O embate
entre as empresas chinesa Norinco e australiana DefendTex contrasta com a
inação de Brasília que, ao que tudo indica, deixará a empresa ser vendida para
grupos do exterior.
De
acordo com a Agência Brasil, o governo não demonstra disposição em assumir a
dívida da Avibras, estimada em R$ 700 milhões, e estatizar a empresa,
responsável pela fabricação de lançadores de foguetes essenciais para as
operações do Exército brasileiro.
"A
possibilidade de estatização da empresa exigiria um recurso que o governo hoje
não dispõe", disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Não
há condições, nesse momento, de financeiramente o governo entrar nessa. Seria
uma solução, já que nenhuma empresa nacional se interessou até agora, mas é
importante ter a empresa funcionando."
Para
o presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos,
Weller Gonçalves, a inação do governo brasileiro levará o país a ceder quadros,
tecnologia e investimentos a países estrangeiros, em detrimento da sua
segurança nacional.
"Nos
preocupamos com a venda da empresa pelo ponto de vista do segredo comercial.
Muitos dos produtos que a Avibras fabrica foram desenvolvidos graças ao
investimento de dinheiro por parte do Estado", disse Gonçalves à Sputnik
Brasil. "Então é o acervo tecnológico que pode ser entregue para outro
país, o que, para nós, significa um crime lesa-pátria."
O
sindicalista ainda questiona a perda de postos de trabalho qualificados no
Brasil, caso a empresa seja entregue a grupos estrangeiros. Os trabalhadores da
Avibras estão há mais de 15 meses sem receber salários, com poucas perspectivas
de auxílio governamental no abatimento desses passivos trabalhistas.
"O
mais provável é que a empresa seja vendida, porque ao longo desses dois anos e
meio de luta não vimos nenhum interesse do governo em investir na empresa, o
que para a gente é uma vergonha", disse Gonçalves. "Vemos empresas de
outros países interessadas, a mídia internacional cobrindo a venda, todo mundo
querendo a Avibras, menos o governo federal. Isso é um escândalo."
A
falta de interesse de Brasília é a norma desde o governo do ex-presidente Jair
Bolsonaro, mas continuou sob Lula, afirma Gonçalves. Representantes do
sindicato foram recebidos pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e
pelo ministro da Defesa José Múcio, mas "nenhuma atitude concreta foi
tomada por parte do governo para resolver o problema".
Fundada
em 1961 por engenheiros formados no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA),
a Avibras se destacou na área de foguetes de artilharia, tanto terra-terra,
quanto ar-terra. O desenvolvimento do sistema de artilharia de saturação de
área Astro II na década de 1980 levou a empresa ao seu apogeu nacional e
internacional.
Até
os dias de hoje, 85% das receitas da Avibras são advindas das suas vendas ao
exterior, com destaque para países do Oriente Médio e África. Dentre os atuais
clientes da empresa estão Forças Armadas da Arábia Saudita, Catar, Malásia e
Indonésia. No entanto, a empresa alega problemas financeiros impostos pela
pandemia, que teria inviabilizado a manutenção de seus contratos
internacionais.
Setor
estratégico
O
descaso do Palácio do Planalto com a Avibras reflete visão equivocada sobre a
natureza das indústrias de defesa, acredita o especialista militar e oficial da
reserva da Marinha do Brasil, Robinson Farinazzo. Segundo ele, esse setor
estratégico não funciona como empresas comuns e depende de investimentos
governamentais para crescer.
"Nenhuma
empresa de defesa sobrevive sem o apoio do governo. Os EUA, líderes do setor,
investem bilhões em suas empresas, como a Lockheed Martin, a Raytheon ou a
Boeing", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Os EUA adquirem aeronaves
F-15 da Boeing, apesar de serem ultrapassados, somente para manter a empresa
operando. E isso é uma visão estratégica."
O
oficial da reserva da Marinha lembra que empresas de defesa demandam anos não
só para desenvolver os seus produtos, mas também seus quadros, já que "até
os funcionários de chão de fábrica das empresas de defesa são técnicos
altamente qualificados."
"O
investimento para a defesa é investimento a fundo perdido. Não interessa se há
lucro ou prejuízo imediato, porque o ativo da indústria de defesa é
estratégico, vai além dos simples resultados econômicos", disse Farinazzo.
"O valor produzido por esse setor é imaterial, representa a nossa
capacidade de defesa, segurança e soberania. E esses valores estão sendo
tratados de forma leviana no Brasil."
Exemplo
clássico da importância do papel do Estado na consolidação de empresas de
defesa é a Embraer, que foi parcialmente vendida após obter sucesso na área de
aviação civil e militar, competindo com empresas líderes do setor como a Boeing
e Airbus.
Em
contexto de aumento das tensões internacionais e da intensidade dos conflitos
bélicos, a vendas de empresas do setor de defesa brasileiro deixam o país ainda
mais vulnerável. No contexto atual, os armamentos produzidos pela Avibras
teriam papel relevante na recomposição da frota de submarinos brasileiros, que
seriam armados com foguetes de alcance de até 300 km, aumentando sobremaneira a
potência da Marinha brasileira.
A
venda ou privatização de empresas de defesa nacionais não têm mostrado bons
resultados historicamente. Exemplo eloquente é o da Ucrânia, que, após o golpe
de Estado de Maidan, em 2014, entregou boa parte de sua indústria de defesa a
atores privados, com consequências desastrosas para o país.
"Até
2013, a Ucrânia mantinha uma das melhores indústrias de defesa do mundo, com
cerca de 245 empresas. O primeiro porta-aviões da China, por exemplo, foi
produzido na Ucrânia", relatou Farinazzo. "O neoliberalismo fechou
essas empresas e hoje a Ucrânia depende totalmente do fornecimento de armas
estrangeiras. É um mau exemplo."
Após
o fim da Guerra Fria, a falta de investimento na área de defesa já custou ao
Brasil empresas importantes, como a Bernardini, que produzia o tanque MB-3
Tamoyo para o Exército brasileiro com alto grau de conteúdo nacional, e a
antiga empresa automobilística bélica Engesa, produtora do carro de combate
EE-T1 Osório.
Os
próprios EUA tiveram experiências negativas após reduzir o papel do Estado em
indústrias estratégicas. Na década de 80, a retirada dos subsídios públicos aos
estaleiros norte-americanos levou a falência de dezenas de unidades, "e
hoje a Marinha norte-americana não consegue acompanhar o ritmo de construção da
chinesa".
Nesse
sentido, o oficial da reserva Farinazzo é indiferente quanto à nacionalidade da
empresa que adquirir a Avibras: seja uma empresa chinesa ou australiana, o ônus
para a segurança brasileira será o mesmo.
"Agora,
quando a venda da Avibras estava sendo feita para a Austrália, não havia o
furor que vemos agora que uma empresa chinesa entrou no negócio. Uma pode, a
outra não pode? Tem algo errado aí", questionou Farinazzo. "A verdade
é que existe um interesse muito grande em deixar que países ligados à OTAN
fiquem no controle da indústria de defesa brasileira."
O
governo dos EUA reagiu à manifestação de interesse da empresa chinesa Norinco,
que propôs adquirir 49% da Avibras. De acordo com a Folha de São Paulo,
diplomatas dos EUA já teriam pressionado o governo Lula a evitar o envolvimento
da Norinco na transação.
O
desenvolvimento das Forças Armadas e indústria de defesa brasileiro não
interessa a Washington e seus aliados, que temem a formação de um polo de poder
na América do Sul, capaz de contestar sua hegemonia hemisférica.
"A
ideia é nos manter como compradores de equipamentos obsoletos e sem capacidade
militar nenhuma. A intenção é destruir a capacidade militar do Brasil, por ele
ser uma peça importante do BRICS, com capacidade para fortalecer o Sul
Global", concluiu Farinazzo.
¨
Após interesse chinês
pela Avibras, chegou a hora de o Brasil abrir o olho para as sanções?
O
Brasil recebeu alertas de Washington após considerar a venda de 49% da Avibras,
empresa do ramo de Defesa, à chinesa Norinco, que está sob sanções norte-americanas.
Depois desse puxão de orelha, será que chegou a hora de o Brasil levar a sério
a ameaça das sanções ocidentais?
Por
muito tempo acreditou-se que o Brasil, com sua postura diplomática,
dificilmente seria alvo de sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e
seus aliados europeus. A notícia de possíveis sanções a uma empresa brasileira
chega, então, como um balde de água fria para as autoridades brasileiras, que
veem agora que o país pode estar na mira do Ocidente.
Esta
não é nem a primeira vez que a nação brasileira foi afetada por sanções
ocidentais a outros países, afirma Marcos Cordeiro Pires, professor de relações
internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A
Embraer, em 2006, foi proibida pelos Estados Unidos de vender seu modelo Super
Tucano à Venezuela, na época governada por Hugo Chávez.
Um
caso mais recente foi quando, em 2019, dois navios de grãos iranianos ficaram
presos por cinco semanas no porto de Paranaguá, no estado do Paraná,
"porque a Petrobras se recusava a abastecê-los por receio de burlar
sanções impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos",
detalha.
Outro
"desconforto" internacional, ainda mais recente, ocorreu neste ano,
quando houve dúvidas sobre se o reabastecimento do avião do ministro das
Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, infringiria as sanções
anti-Rússia de Washington. No final, Lavrov, que estava de visita ao Brasil,
teve de fazer parte do trajeto em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
No
entanto a ameaça estadunidense de sancionar uma empresa brasileira, como a
Avibras, é inédita e, segundo Pires, "grave". "Existe uma longa
aliança das forças militares brasileiras com o Pentágono, além de o país estar
sob a área de responsabilidade do Comando Sul [dos Estados Unidos,
USSOUTHCOM]", explica.
"Nesse
aspecto, há um veto explícito à presença de 'potências extrarregionais' no
sistema de defesa dos países latino-americanos."
·
BRICS deve se posicionar contra as sanções
Em
junho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, pediu que os
países parceiros do BRICS tivessem um papel mais ativo contra as sanções. Hoje
vários países do BRICS enfrentam algum tipo de sanções por parte dos Estados
Unidos, mas nenhum tanto quanto a Rússia, a China e o Irã.
Marina
Moreno Farias, mestranda em economia política internacional pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista residente no think tank Observa
China e integrante do Laboratório de Estudos em Economia Política da China
(LabChina), explica que, diferentemente de outras armas militares, "a
bomba-dólar não pode ser replicada por nenhum outro país".
"Por
mais que outros países possam aplicar sanções, a maneira pela qual as sanções
norte-americanas são aplicadas é singular."
Segundo
Farias, isso se deve ao papel que o dólar americano tem na economia mundial,
atuando como unidade de conta que denomina os pagamentos e os contratos:
"as obrigações financeiras do mundo".
Utilizando
o dólar como sua principal arma no mundo atual, os EUA conseguem
"efetivamente fechar a comunicação econômica e financeira de outros países
e estrangular essas economias. Essa é a sanção financeira, realizada,
geralmente através do sistema SWIFT".
O
SWIFT, explica a pesquisadora, "não é um mecanismo de pagamentos",
mas sim uma plataforma que padroniza as comunicações interbancárias ao redor do
mundo. Logo, quando um país tem seu acesso negado ao sistema, ele "terá
que lidar com a impossibilidade de comunicação entre os seus bancos comerciais
e os bancos de outros países".
Dentre
as principais consequências disso está seu isolamento comercial e o
congelamento das reservas internacionais dos bancos centrais, "que incluem
títulos do tesouro e depósitos bancários".
"O
país que não puder acessar essas reservas vai ter um estrangulamento dessa
economia, uma depreciação da moeda e vai poder mergulhar numa crise econômica
profunda."
Foi
o caso de Cuba e do Irã, que tiveram suas economias drenadas tanto por sanções
comerciais, como tarifas e proibições de venda e compra de mercadorias, e
financeiras com sua exclusão de mecanismos como o SWIFT e sua desconexão do
resto da economia mundial.
No
entanto, aponta Farias, isso não aconteceu com a Rússia nem com a China.
"Inclusive a Rússia é uma economia que cresce mais do que a
Alemanha", destaca.
A
verdade é que a envergadura de ambas as economias permitem contornar as sanções
ocidentais, que são muito mais amplas no caso da Rússia que viu desde bloqueios
comerciais, sanções a indivíduos e o congelamento de suas reservas, enquanto na
China se tratam mais de sanções à empresas específicas para que o país não
desenvolva determinadas tecnologias.
"As
sanções econômicas só funcionam se foram impostas em um país economicamente
mais frágil, que não tem caminhos, iniciativas e ferramentas próprias ou
conjuntas fora do âmbito do dólar. É o que a Rússia tem nos mostrado."
Para
Marcos Cordeiro Pires, no entanto, dentro do âmbito do BRICS há dois estados
mais vulneráveis a possíveis sanções norte-americanas, o Brasil e a África do
Sul, "pois estes não possuem capacidades estratégicas e estão fortemente
vinculados economicamente, politicamente e culturalmente com os
estadunidenses."
"Nesse
contexto, como o Brasil não pode mudar sua posição geográfica, é preciso que
nossos dirigentes tenham uma visão estratégica pragmática para lutar contra a
polarização que não interessa à população brasileira."
"No
entanto", diz o professor, "as sanções podem muito, mas não podem
tudo".
"A
utilização do dólar como arma está forçando a criação de um sistema monetário
alternativo."
E
até mesmo o Irã, ressalta, "está conseguindo resistir às sanções
ocidentais por maior comércio com os países da Ásia, como China, Índia e
Rússia".
Há,
então, sublinha Farias "uma 'falência' da sanção enquanto arma
econômica" que embora não tenha dado os resultados desejado,
"continua sendo implementada".
Nesse
sentido, diagnostica a pesquisadora, é justamente a constante ameaça
norte-americana de sanções financeira que "dão um grande empurrão para que
os outros países pensem em formas alternativas de lidar com suas
economias".
"Para
que outros países como o Brasil começassem a falar em desdolarização, porque se
pode criar, impor sanções a esses países dessa magnitude, por que não fariam
comigo?", questionou.
Como
grande exemplo dessa nova ordem multipolar "anti-imperialista", ambos
analistas apontam para a ascensão do BRICS, que tem conseguido mais e mais uma
proeminência no cenário global.
"Isso
cria um protagonismo maior para o grupo que se coloca como alternativa àquilo
que tínhamos estabelecido por tantos anos, que é basicamente a unipolaridade
americana, com a Europa ali sendo basicamente só uma apoiadora dos Estados
Unidos."
Fonte:
Sputnik Brasil
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