Sociólogo mapeia conexões entre
empresários, organizações e políticos da direita porto-alegrense
Após sucessivas
gestões vinculadas à esquerda política – da eleição do pedetista Alceu Collares
em 1985 à sequência de quatro mandatos petistas a partir de 1989 –, Porto
Alegre foi governada por mandatários liberal-conservadores nos anos mais
recentes. Sobretudo na última década, uma articulação da direita local foi
capaz de impor os rumos da cidade que se colocava como uma vanguarda dos
valores igualitários no final do século passado.
Para o sociólogo e
professor Marcelo Kunrath Silva, uma parte desse processo pode ser explicada
pelo vínculo de uma rede entre agentes – pessoas, empresas e organizações – que
“elegem representantes políticos, alteram legislações, instituem políticas públicas,
controlam processos decisórios e fazem negócios que impactam profundamente o
presente e o futuro da cidade”. A descrição foi apresentada em um artigo
intitulado “Os ‘donos’ de Porto Alegre”, publicado em junho pelo grupo de
pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, no qual mapeia as conexões desse ecossistema.
O estudo identificou
uma rede composta por 532 pontos – pessoas, organizações sociais, empresas,
partidos políticos, instituições de ensino, eventos e instituições estatais –
que compõem 944 relações entre si. Trata-se de um relatório que apresenta resultados
preliminares de uma pesquisa que está em andamento, segundo o professor.
Um desses nós é o
próprio prefeito Sebastião Melo (MDB). Segundo o pesquisador, há “íntimas e
intensas relações” entre pessoas e empresas com políticos que representam seus
interesses no Executivo e no Legislativo. “São esses agentes que têm atuado
ativamente na mudança ou instituição de leis e políticas”, resume. O prefeito é
quem tem mais vínculos – são 35 – com esse ecossistema. Essas conexões são
evidenciadas pela campanha vitoriosa de Melo em 2020, na qual os principais
doadores vinham de famílias como Gerdau, Ling, Goldsztein, Hertz e Melnick –
algo que já havia sido mostrado em capítulo do livro Reforma Urbana e Direito à
Cidade, organizado pelo Observatório das Metrópoles.
Exemplo desse vínculo
se dá em um contrato de comodato – isto é, um empréstimo gratuito – entre a
prefeitura e a construtora Melnick, acordo que ainda não foi divulgado pela
administração pública, mas ao qual a Matinal teve acesso. A empresa emprestará
mobília de escritório ao Executivo – uma ação “necessária à gestão da crise
ocasionada pelo estado de calamidade pública decretada em virtude das enchentes
de maio de 2024”, segundo justifica a Procuradoria-Geral do Município (PGM), em
um documento interno.
De acordo com uma
fonte da prefeitura que preferiu não se identificar, os móveis serão usados no
Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática da cidade. Recém-criado, o
órgão é dominado por cargos comissionados do alto escalão do governo Melo,
conforme revelado pela Matinal.
A mesma fonte relata
ainda que há uma disputa de bastidores entre integrantes do governo pela
obtenção da Gratificação de Resultado Fazendário e de Programação Orçamentária
(GRFPO). Terão direito a esse bônus os nomeados para o escritório de forma
integral ou mesmo parcial. O valor, acumulável, é de 9.200,38 reais (para
cargos em comissão (CCs) de nível 7) e de R$ 10.120,4. Segundo a fonte, para
instalar o Escritório de Reconstrução, será restringido o uso do vestiário e da
cozinha, até então utilizados por servidores e pelo pessoal terceirizado da
sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade
(Smamus). “Só vai poder usar copa e banheiros novos quem fizer parte desse
escritório e pessoas de fora que forem participar de reuniões”, disse.
A Smamus, por sua vez,
diz que outras secretarias foram realocadas para a sede da pasta, no bairro
Três Figueiras, em razão da enchente no centro da cidade, desde maio. “No
momento de emergência, foram emprestados, em regime de comodato, alguns itens
de mobiliário pela empresa Melnick. Não há outros empréstimos na secretaria”,
afirmou em nota.
• Políticos, empresas, organizações
Dados obtidos pela
pesquisa mostram que existe uma centralidade na participação de famílias da
elite porto-alegrense, com vínculos evidenciados pela participação em grupos
empresariais com visibilidade e prestígio na cidade e no estado. Na ordem do
grau de importância calculada por um software chamado Social Network
Visualizer, estão os grupos Gerdau Johannpeter (com André Bier Gerdau
Johannpeter, Jorge Gerdau Balbi Johannpeter, Richard Gerdau Johannpeter e Klaus
Gerdau Johannpeter), Ling (com William Ling e Wilson Ling), Goldsztein (com
Claudio Nudelman Goldsztein), Fração (com Luiz Leonardo Abelin Fração),
Vontobel (com Rodrigo Vontobel), Zaffari (com Bruno Zaffari) e Logemann (com
Eduardo Logemann).
Um dos conectores
desses empresários é o Instituto Cultural Floresta (ICF), organização
não-governamental (ONG) conservadora, composta por 55 donos de grandes
companhias gaúchas, que direciona políticas públicas de segurança no estado.
O ICF é também
composto por entidades que investem ou apoiam o Instituto de Estudos
Empresariais (IEE), think thank liberal gaúcha que organiza anualmente o Fórum
da Liberdade. A holding Évora S.A., da família Ling, e a Gerdau figuram entre
as empresas conectadas à organização – em conjunto com a produtora bolsonarista
Brasil Paralelo.
“Praticamente todas as
famílias e indivíduos com maior centralidade na rede têm vínculos diretos com o
IEE, com seus membros ocupando posições na diretoria do Instituto ao longo do
tempo. Alguns casos exemplificam essa articulação: Luiz Leonardo Abelin Fração,
atual presidente do ICF, foi presidente do IEE nas gestões 2003-2004 e
2009-2010; Bruno Zaffari, conselheiro do ICF, ocupou a presidência do IEE na
gestão 2013-2014; e William Ling presidiu o IEE nas duas primeiras gestões, em
1984-1985 e 1985-1986”, diz o trabalho.
Outra organização com
vínculos numerosos com os “donos de Porto Alegre” é o Instituto Caldeira,
organização fundada em 2021 por 42 grandes empresas “com o propósito de
impulsionar transformações através da inovação”, segundo diz seu site. Conforme
reportagem da revista Exame, essas instituições são responsáveis por 15% do
produto interno bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. Localizado no 4º Distrito,
ficou sob dois metros de água na enchente de maio. Entre seus criadores estão
empresas como Gerdau, Évora, Zaffari, SLC e Neugebauer, com presença também do
Grupo RBS.
O Caldeira tem vínculo
financeiro também com a prefeitura de Porto Alegre: a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET) aluga uma sala na sede do
instituto, ao custo anual (dados de maio de 2024) de R$ 550.344,96. O aluguel
do espaço coincide com uma série de leilões de imóveis próprios pelo governo
Melo. De 2022 para cá foram colocados à venda 95 bens, em uma lista de 147
prédios ou terrenos cuja venda foi autorizada pela Câmara Municipal.
Para o sociólogo que
assina o estudo, se as políticas conduzidas pelo ecossistema da direita
porto-alegrense reduziram a capacidade de resposta ao evento climático extremo
que atingiu a cidade, a reconstrução será levada adiante pelos mesmos grupos.
As propostas governamentais “indicam a continuidade da ação articulada da rede
identificada na pesquisa”, que tem lugar privilegiado nas propostas e
definições. “(São) os mesmos interesses que têm produzido imensos custos e
problemas sociais e ambientais”, conclui.
• Sem limites para as chuvas: dilúvios
extremos e o futuro do clima. Por Roberto Malvezzi
Havia caído perto de
280 mm de chuva em poucos dias no vale do Taquari. Outras informações dão mais
de 700 mm em poucos dias. Será que as pessoas fazem ideia do volume de água que
esses números representam?
Aqui no Nordeste,
quando construímos uma cisterna no pé da casa para as famílias, sempre tem um
debate para que as pessoas entendam a tecnologia e como ela deve ser cuidada. E
começa pela área de captação da água, o telhado. Então, se uma pessoa tem um telhado
de 5 x 8 metros, ela tem um telhado de 40 m2. Ela vai aprender que cada
milímetro de chuva que cai em um m2 está captando 1 litro de água. Então, se a
chuva for de 50 mm, é só multiplicar por 40 que ela terá recolhido 2 mil litros
de água na sua cisterna só naquela chuva.
[Choveu] 7 trilhões e
280 bilhões de litros de água no vale do Taquari em aproximadamente 3 dias -
Roberto Malvezzi (Gogó)
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Imaginem 280 mm em 26
mil km2, como é o caso do vale do Taquari. Um km2 tem 1 milhão de metros
quadrados. Então, mais uma vez é só fazer as contas, isto é, 1.000.000 de m2,
vezes 26 mil km2, vezes 280 mm de chuva. Equação: 1.000.000 x 26000 x 280 =
7.280.000.000.000 litros de água, isto é, 7 trilhões e 280 bilhões de litros de
água caíram no vale do Taquari em aproximadamente 3 dias. Dividido por mil,
dará 7 bilhões e 280 milhões de m3 de água. Só para efeito de comparação, todos
os reservatórios do Rio Grande do Norte somados tem capacidade para armazenar
4.438.663.499 m3 de água. Logo, a chuva que caiu em 3 dias no vale do Taquari é
quase o dobro de toda capacidade de armazenamento do Rio Grande do Norte.
É um dilúvio em
qualquer lugar do mundo. As famosas Monções Asiáticas chegam a 160 mm e já são
descomunais.
Mas, o desafio não
para aí. Até aqui em Uauá, sertão da Bahia, nascente do Vaza Barris, caiu uma
chuva perto de 200 mm em 24 horas. Exatamente a área em que alguns cientistas
do clima disseram que está se desertificando, embora nós da sociedade civil tenhamos
certa desconfiança porque essa questão é debatida há muito tempo e agora
aparece como a descoberta da pólvora.
A questão é que não há
mais limite para as chuvas. Com maior aquecimento global, maior será a
evaporação e dilúvios como esses irão se repetir com mais frequência e mais
intensidade. Se já estamos espantados com o Rio Grande do Sul de hoje, muito
mais veremos com o passar dos anos. Como diz a meme da internet: “Dindinha já
dizia, vocês vão ver coisas…”
Em tempo, não basta
constatar o fenômeno e não é suficiente nos sensibilizarmos com o sofrimento
das pessoas. As mudanças climáticas são o resultado da emissão dos gases de
efeito estufa na atmosfera, causadas sobretudo pelos combustíveis fósseis e a
derrubada e queima das florestas. Nem vamos falar das impermeabilizações,
devastações e mudanças na legislação ambiental para facilitar a vida do capital
predador.
O Brasil é quarto
poluidor mundial, atrás apenas dos EEUU, China e Rússia. E não há nenhum sinal
de controle sobre o agronegócio e as explorações petroleiras no país. Portanto,
temos todos os ingredientes para séculos de tempestades descomunais.
Fonte: Por Gregório
Mascarenhas, no Matinal/EcoDebate
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