SBPC vislumbra um novo pacto com a natureza
Começou neste domingo
a 76ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
realizada pela terceira em Belém (PA). A escolha do local não é nada aleatória
diante do mote escolhido para o encontro deste ano: “por um novo contrato social
com a natureza”.
Como explica o
presidente do órgão, Renato Janine Ribeiro, o conceito dialoga com a própria
fundação das democracias modernas, num momento em que este mesmo contrato
social parece em processo de dissolução. “Nós pensamos um contrato com a
natureza, mas um contrato não de indivíduos ou da espécie, mas da sociedade
humana com a natureza. Esse é o ponto e, por isso mesmo, nós entendemos que a
discussão do meio ambiente tem de estar articulada com a discussão política e
social”.
Neofascismos e
destruição ambiental estão diretamente associados, o que no Brasil foi perfeitamente
simbolizado no governo Bolsonaro e no avanço brutal da destruição dos biomas
brasileiros. “Os recentes alagamentos no Sul do país, a seca no Amazonas em
2023 e no Pantanal este ano, são resultado de um descaso com a natureza, que
está nos custando caro. O momento de mudar, de reivindicar políticas públicas
que tomem por base o conhecimento científico acumulado por décadas, é agora”,
escreveu o ex-ministro da Educação no editorial oficial do evento, no site da
SPBC.
Dessa forma, a SBPC
pretende colocar em pauta a possibilidade de um novo tipo de relação entre o
ser humano e a natureza. Implica um desafio epistemológico: entender os méritos
dos povos que souberam preservar os ecossistemas ao longo de milênios, enquanto
o atual modelo socioeconômico conseguiu colapsá-lo em um par de séculos.
No entanto, entre uma
visão ousada e inovadora da política de ciência e tecnologia e sua
viabilização, há uma distância. Por um lado, parece haver um interesse genuíno
do governo em sustentar que “a ciência voltou”; de outro, ainda prevalece uma
racionalidade predatória do desenvolvimento socioeconômico.
Além disso, com o
adiamento da 5ª. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a
reunião anual da SBPC tem a oportunidade de ser um espaço de formulação de
propostas concretas e imediatas ao governo. O próprio motivo do adiamento da
Conferência, a catástrofe climática do Rio Grande do Sul, amplifica a urgência
de se colocar este campo numa posição melhor em termos de políticas públicas e
financiamento.
E há uma questão
social envolvida neste giro. “O desenvolvimento sustentável tem de incluir os
pobres, porque senão a economia verde pode ser simplesmente uma fonte de mais
lucro para quem já tem bastante e deixar de lado as populações que, ao longo
dos séculos, talvez, mais do que séculos, milênios, garantiram manutenção e manejo da floresta. A ciência
tem de estar a serviço de um desenvolvimento sustentável para todos”, diz
Renato Janine.
Com 17 mil inscritos e
presença recorde de ministros de Estado, a reunião da SBPC também coloca em
pauta a necessidade de popularizar a ciência e seus debates, num contexto de
emergência climática cada vez mais reconhecida pela população em geral. Isso significa
que deve fazer parte do cotidiano de todos. Para tanto, uma exposição com
presença de diversas instituições de fomento à ciência faz parte do evento, num
pavilhão de mais 4000 metros quadrados, no campus Guamá da UFPA, sede do
evento.
Este papel pedagógico
e político é destacado por Renato Janine. “Sermos beneficiados pela ciência é
uma coisa; outra coisa é tomar consciência da ciência. E tomar consciência da
ciência é o passo significativo que temos de dar. Portanto, é preciso que o debate
científico seja popularizado, que as pessoas saibam o que está na ciência, o
que a ciência traz, mas também que isso esteja presente nos debates públicos,
nas organizações políticas, partidárias ou não, os movimentos sociais e todo o
ativismo”, pondera ele.
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Confira a seguir a entrevista completa do presidente da SBPC
• Qual a importância da Reunião Anual da
SBPC de 2024, em Belém, diante do atual contexto político e social brasileiro?
A reunião anual é o
principal evento científico não só do Brasil como da América Latina. No que diz
respeito ao nosso país, é o momento em que toda a comunidade científica se
reúne para uma discussão política, no melhor sentido da palavra. Isto é, no sentido
de traduzir o que cada área deseja para si e pode oferecer para a sociedade em
termos de políticas públicas. Essa é a importância de toda a reunião anual.
Em 2024, em Belém, ela
é particularmente significativa porque vamos colocar a questão do meio
ambiente, da sustentabilidade, do aquecimento global, da descarbonização da
economia. Da mesma forma que é relevante considerar os povos da floresta como
protagonistas da sua história, uma vez que devemos ao manejo que ao longo de
séculos, talvez milênios, esses povos fazem da Floresta Amazônia. E, além do
mais, como no ano que vem se realizará a COP30 em Belém do Pará, a nossa
reunião poderá servir também como um ensaio geral para isso tudo.
• Como o evento dialoga com a 5ª.
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, evento oficial de
Estado, a ser realizada em Brasília? Qual sua expectativa para a conferência?
A Conferência Nacional
de CT&I deveria ter ocorrido um mês atrás, de modo que nós iríamos fazer o
seu balanço. Com o adiamento, devido à calamidade do Rio Grande do Sul, nós
vamos discutir o que devemos propor para a Conferência Nacional. Também nesse
caso, nós vamos ter uma discussão bastante abrangente de quais são as
principais questões que consideramos prioritárias na definição de uma política
nacional de ciências e tecnologia.
• O que pensa da atuação do ministério
chefiado por Luciana Santos até aqui? O que você destacaria, positiva e
negativamente?
Nós consideramos que,
antes de mais nada, houve uma recuperação dos valores, especialmente do Fundo
Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, dos valores também
destinados ao orçamento do Ministério, que estava bastante insuficiente no
governo Bolsonaro.
Fora isso,
consideramos também que algumas medidas teriam que ser tomadas com mais
rapidez. Recentemente, nós pedimos à ministra que acelerasse a indicação de
diretores, de conselhos técnicos científicos, de várias unidades de pesquisa,
que ainda estão sem uma direção definitiva.
Esperamos a
oportunidade de uma reunião presencial da ministra com as sociedades
científicas. São pontos que nós queremos tocar para aumentar o diálogo entre o
Ministério e a comunidade científica.
• Como avalia o governo Lula no campo da
ciência, tecnologia e inovação? Para além dos discursos oficiais, percebe uma
recuperação do espaço do campo científico?
Há uma sinalização
forte do governo em relação a todas as áreas, como também cultura, saúde,
educação, mas nós sentimos que certas medidas têm sido meio vagarosas. Por
exemplo, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da
República, do qual a SBPC faz parte na pessoa de seu presidente como membro
nato, deveria se reunir duas vezes por ano.
No ano passado, houve
apenas uma solenidade em instalação e, este ano, na única reunião não dada a
palavra aos conselheiros, mas apenas àqueles que o próprio governo escolheu.
Até aqui, não houve uma discussão ampla das políticas. Queremos ser ouvidos. Esse
é o ponto principal.
• O mote da Reunião da SBPC é “Por um novo
contrato com a natureza”. Isso parece evidentemente associado a eventos
históricos, como a destruição do Rio Grande do Sul, pra não falar da questão
incontornável das mudanças climáticas globais. Dessa forma, não é urgente
passar temas como meio ambiente e ciência à “primeira prateleira” das políticas
públicas?
Pensamos a
Universidade Federal do Pará para propor ciência para o desenvolvimento da
Amazônia. Entendemos que, embora o que ocorra na Amazônia seja muito
importante, nós devemos fazer algo para o Brasil todo, para não dizer o mundo
todo. Nós pensamos em ciência para um desenvolvimento sustentável.
A UFPA observou com
muita propriedade que o desenvolvimento não pode ser apenas um desenvolvimento
sustentável, tem que incluir os pobres, porque senão a economia verde pode ser
simplesmente uma fonte de mais lucro para quem já tem bastante e deixar de lado
as populações que, ao longo dos séculos, talvez, mais do que séculos, milênios,
garantiram manutenção e manejo da
floresta. Em função disso nós pensamos ciência para um desenvolvimento
sustentável.
Quanto ao novo
contrato social com a natureza, tem um pouco a ver até com a minha área, que é
de filosofia política, na qual surge, no século 17, o conceito de contrato
social, e ao longo do tempo se destacou e tornou base para a democracia
moderna. Nós pensamos um contrato com a natureza, mas um contrato não de
indivíduos ou da espécie, mas da sociedade humana com a natureza. Esse é o
ponto e, por isso mesmo nós entendemos que a discussão do meio ambiente tem de
estar articulada com a discussão política e social.
• Que contribuições acredita que a SBPC
terá a oferecer na formulação deste novo contrato social?
A SBPC sempre fornece
várias contribuições. A primeira é o diálogo intenso entre as várias áreas da
ciência. A segunda é a divulgação científica. Temos 17 mil inscritos e o número
deve subir, de maneira que teremos um grande público leigo que vai se beneficiar
do conhecimento científico aqui difundido. A SBPC é um dos principais atores na
definição de políticas públicas para o Brasil.
• É necessário popularizar o debate
científico, inseri-lo nas grades pedagógicas e ocupar maior espaço nas
organizações políticas, partidárias, movimentos sociais e ativismos diversos?
É inteiramente
necessário que a ciência esteja presente não apenas nas roupas que vestimos,
nos nossos benefícios, mas na nossa consciência. Dizendo de outro modo, na sua
roupa, naquilo que toca o seu corpo, você e cada uma das pessoas, hoje, têm
alguma inovação científica muito recente. Pode ser um material novo na roupa,
pode ser uma forma nova de produzir, pode ser uma forma nova de distribuir, mas
nós vestimos inovação científica.
Porém, sermos beneficiados
pela ciência é uma coisa; outra coisa é tomar consciência da ciência. E tomar
consciência da ciência é o passo significativo que temos de dar. Portanto,
nesse sentido é preciso que o debate científico seja popularizado, que as
pessoas saibam o que está na ciência, o que a ciência traz, mas também que isso
esteja presente nos debates públicos, nas organizações políticas, partidárias
ou não, os movimentos sociais e todo o ativismo.
Fonte: Por Gabriel
Brito e Outra Saúde
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