Saúde Pública: 5 dados que explicam por que
arma de fogo virou crise na saúde nos EUA
A maioria dos
americanos ou de seus familiares já viveram incidentes relacionados a violência armada.
Este é um dos dados de
um relatório inédito apresentado pela autoridade máxima de saúde dos Estados
Unidos, Vivek Murthy, que foi base para a decisão de declarar a violência
armada uma crise de saúde pública no país.
No texto, Murthy
explica que o objetivo da medida é reduzir o número de vítimas nos EUA,
que lidera estatísticas mundiais de mortes por disparos com armas de
fogo.
Ele sugere que uma
abordagem de saúde pública poderia ser eficaz, como foi a implementação de
cintos de segurança nos carros e os avisos sobre os riscos do tabagismo.
Segundo especialistas,
o relatório é simbólico e não força mudanças em políticas públicas, mas é um
passo na direção de mudar o debate em torno das armas no país e tentar frear as
mortes.
Segundo o estudo, a
crise é impulsionada pelo aumento dos homicídios com armas de fogo na última
década e dos suicídios com armas de fogo nas últimas duas décadas.
Abaixo, veja cinco
dados que revelam a dimensão dessa crise nos Estados Unidos.
·
1. Principal causa de
morte de crianças e jovens
As mortes por armas de
fogo nos Estados Unidos aumentaram e, em 2021, chegaram a um recorde histórico
nas últimas três décadas.
Desde 2020, esse tipo
de violência é a principal causa de morte de crianças e adolescentes entre 1 e
19 anos, superando as mortes por acidentes de trânsito, câncer e overdose de
drogas ou intoxicações por medicamentos.
Em comparação com
outros países, nos EUA, para cada um milhão de pessoas com idades entre 1 e 19
anos, são registradas 36,4 mortes por armas de fogo.
Para efeito de
comparação, no Japão esse índice é de 0,3 e, no Reino Unido, é de 0,5 mortes
por armas de fogo na mesma faixa etária.
Segundo o relatório,
desde 2022, um total de 48.204 pessoas morreram por ferimentos causados por armas de fogo, incluindo suicídios, homicídios e mortes acidentais. Trata-se de mais 8.000 mortes que em
2019 e quase 16.000 a mais que em 2010.
Dentro desses números,
estima-se que os suicídios tenham aumentado 20% entre a população jovem.
·
2. Metade da população
já foi vítima de violência armada
A violência armada já
afetou direta ou indiretamente mais de metade dos habitantes dos EUA.
No país, 54% dos
adultos, ou de suas famílias, já vivenciaram um incidente com armas de fogo, de
acordo com dados de uma pesquisa nacional mencionada no relatório.
Entre os entrevistados
na pesquisa:
- 21% foram ameaçados com arma de fogo
- 19% têm familiares que foram mortos por arma de fogo
(incluindo suicídio)
- 17% testemunharam um tiroteio
- 4% já usaram uma arma de fogo para sua própria defesa
- 4% foram feridos por uma arma de fogo
Murthy destacou, em
entrevista à BBC em março, que além das vidas perdidas, há vítimas baleadas que
carregam consequências para a sua saúde física e mental, "familiares que
choram a perda de um ente querido, testemunhas destes incidentes e milhões de
pessoas que lêem e ouvem sobre de violência armada todos os dias nos
jornais".
Ou seja, a crise afeta
não somente as vítimas, mas também a comunidade do entorno. E uma das
principais consequências é o declínio da saúde mental, segundo especialistas.
A exposição à
violência armada pode contribuir para níveis mais elevados de stress, além de
impactar a sensação de segurança. Em comunidades onde há tiroteio ou múltiplos
tiroteios, o uso de serviços de emergência aumenta 50% por motivos de saúde
mental 30 dias após o incidente.
E o medo constante de
virar uma vítima de violência armada é algo com que os americanos convivem
diariamente.
Seis em cada dez
adultos nos EUA dizem que se preocupam com a possibilidade de alguém da sua
família ou uma pessoa próxima tornar-se vítima de violência armada.
Mais de um terço dos
adultos no país temem a possibilidade de um tiroteio em massa, e um em cada
três adultos afirma que o medo os impede de ir a determinados locais ou
eventos.
A crise, porém, não
afeta a todos da mesma forma. As comunidades negras foram as mais atingidas em
2022, com o maior número de homicídios com armas de fogo registrados em todas
as faixas etárias.
Entre os jovens que
vivem nas grandes cidades americanas, negros e latinos têm até 7 vezes mais
chances de sofrer ou testemunhar violência armada.
·
3. O país rico com o
maior número de mortes por armas de fogo
A taxa de mortalidade
por armas de fogo é 11,4 vezes maior nos EUA que em 28 outros países de alta
renda, o que faz da questão um problema especialmente americano.
Embora os EUA
representem apenas 31% da população total dos 29 países estudados, o país é
responsável por 83,7% de todas as mortes relacionadas a armas de fogo nesses
países.
O grupo mais afetado
segue sendo o de crianças e jovens.
Os números são ainda
mais dramáticos se compararmos os dados desses países relacionados a mortes de
jovens e crianças entre zero e 14 anos. Em 2015, 9 em cada 10 crianças que
morreram devido à violência armada viviam nos EUA.
O número de tiroteios
também tem aumentado no país, embora representem apenas 1% das mortes com armas
de fogo.
Segundo o Gun Violence
Archive, mais de 600 tiroteios em massa ocorreram todos os anos, entre 2020 e
2023, em comparação com a média de menos de 400 entre 2015 e 2018.
·
4. Metade das mortes
não intencionais ocorre em casa
Ter uma arma de fogo
em casa pode parecer sinônimo de segurança para muitos, mas as estatísticas
mostram o contrário.
Isso está associado a
um maior risco de ser vítima de homicídio ou suicídio para quem mora na mesma
casa.
Segundo o relatório,
numa situação tensa, é mais provável que uma arma seja usada, o que pode ter
consequências fatais.
O suicídio, por
exemplo, pode ocorrer minutos ou horas após a decisão ter sido tomada. Assim, o
acesso a uma arma pode transformar um episódio de crise num momento fatal.
O fácil acesso a armas
em casa e o mau armazenamento levam a mortes acidentais, de acordo com
especialistas.
Segundo uma análise
dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de 2023, foi em casa que
aconteceram 56% das mortes não intencionais por armas de fogo entre crianças e
adolescentes de até 17 anos entre 2003 e 2021.
O problema se agrava
quando a arma é armazenada carregada ou sem medidas de segurança.
Cerca de dois terços
daqueles que atiraram brincavam com a arma ou mostravam o objeto a outras
pessoas quando ela disparou.
Uma arma acessível em
casa está associada a um maior risco de suicídio ou tiroteio intencional entre
crianças e adolescentes. Armas guardadas destravadas foram mais comumente
encontradas embaixo do travesseiro, na cama, embaixo do colchão ou em cima da mesa
de cabeceira, que são lugares de fácil acesso para crianças.
·
5. Alta preocupação
com tiroteios em escolas
O medo e a preocupação
com a violência armada são constantes entre os adolescentes, principalmente
quando se trata de tiroteios em escolas.
O relatório mostra que
51% dos adolescentes de 14 a 17 anos preocupam-se com a possibilidade de haver
um tiroteio em suas escolas, e a maioria deles relatou pensar sobre o que
aconteceria se uma pessoa armada entrasse em sua escola ou em uma escola próxima.
E esse medo tem
consequências.
O absenteísmo escolar,
ou a ausência dos alunos, é um dos principais. Os adolescentes evitam
frequentar as aulas porque não se sentem seguros.
Nos meses após o
tiroteio de Columbine, por exemplo, o número de alunos que disseram que
faltavam às aulas por temerem por sua segurança dobrou.
A saúde mental e o
desenvolvimento das crianças também são afetados.
De acordo com o
relatório, a exposição infantil a incidentes com armas de fogo tem sido
associada ao aumento das probabilidades de porte de armas de fogo na
adolescência.
Além disso, a
exposição cumulativa à violência armada pode prejudicar o desenvolvimento e
contribuir para problemas mentais e comportamentais.
"Não temos que
continuar neste caminho e não temos que submeter nossos filhos ao horror
contínuo da violência com armas de fogo nos Estados Unidos", disse Murthy.
·
Enfrentando a
violência armada
Murthy acredita ser
possível eliminar a politização do tema, que tem dividido os legisladores, e
substituí-la por informações sobre as consequências, com dados.
Aqueles que são a
favor de um uso mais seguro das armas mostraram-se otimistas com o anúncio, que
eles enxergam como um passo para mudar a opinião pública sobre o assunto.
"Essa não é uma
questão política", disse Chethan Sathya, diretor do Centro de Prevenção da
Violência Armada da Northwell Health, à BBC. "Trata-se de comunidades mais
seguras, segurança no uso de armas e prevenção da violência".
Sathya acredita que o
relatório "legitima" um debate sobre a utilização de recursos de
pesquisa e de saúde pública para resolver o problema com soluções de saúde
pública.
"Precisamos de
uma política e de uma estratégia com muitas nuances diferentes para podermos
abordar essa questão de uma forma que faça sentido para todos os
americanos".
Um grande passo está
relacionado a reconhecer a magnitude do problema, diz o relatório.
Embora dez grandes
associações médicas nacionais tenham endossado o relatório de Murthy, a reação
de grupos conservadores não foi positiva.
Em suas contas em
redes sociais, a Associação Nacional do Rifle, a mais poderosa entidade lobista
nos Estados Unidos a favor da comercialização e posse de armas, respondeu ao
que chamou de "uma extensão da guerra do governo Biden contra os proprietários
de armas que cumprem a lei".
Fonte: BBC News Mundo
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