Rubens Pinto Lyra: ‘Democracia – valor
estratégico’
Minha geração, na sua
juventude, acreditou que a revolução estivesse batendo à porta, ao alcance da
mão. O advento da ditadura militar de 1964, implantada sem quase nenhuma
resistência, fez com que esse sonho desmoronasse. Passou-se então a crer que
seria possível alcançar, ainda que por etapas, o socialismo, sendo o PT o
principal instrumento dessa transição.
Mas a “correlação de
forças” não evoluiu linearmente – longe disso – como durante muito tempo se
acreditou – em favor das “forças progressistas”. Poder-se-ia até dizer que se
deu o contrário. Primeiramente, com a derrocada dos países supostamente socialistas,
gerando desmobilização e desilusão em relação ao futuro por parte dos
adversários do capitalismo. Em seguida, com o crescimento exponencial da
direita, tanto no Brasil quanto nas democracias mais avançadas, sendo o
resultado das últimas eleições, em Portugal e na França uma confirmação dessa
tendência.
O entendimento hoje
dominante dos que apostam nas possibilidades de avanço social e democrático é
de que se impõe, antes de tudo, a busca da consolidação e o aperfeiçoamento da
democracia representativa, historicamente desqualificada por parte significativa
das esquerdas. E que uma das melhores formas de fortalecê-la é complementá-la
com institutos de democracia participativa, como o orçamento democrático,
conselhos de políticas públicas e ouvidorias, autônomas e democráticas.
Com efeito, no Brasil
a valorizam, quando mostram a necessidade de preservá-la e aprimorá-la, face ao
advento e consolidação do bolsonarismo e de outras variantes neofascistas. Mas
a depreciam alhures, como nos Estados Unidos e nas demais democracias ocidentais.
Não apontam suas importantes limitações, intrínsecas à democracia no
capitalismo, mas praticamente a desconsideram, a ponto de não verem diferenças
significativas em relação entre ela e regimes como o russo, que transita entre
o autoritarismo e a ditadura tout court.
Entendo que a
democracia no capitalismo, mesmo com deformações, é qualitativamente distinta
de um regime como o da Rússia, e isto tem consequências práticas de monta.
Putin ameaça com uma guerra nuclear as potências ocidentais, caso contrariem
suas políticas – e ninguém pode garantir que não seja uma bravata. Nessa
hipótese, teria quem o impedisse de concretizar os seus propósitos?
Nas democracias
ocidentais, o risco de um indivíduo comprometer a paz mundial, ou as
instituições do seu país, em razão de posturas voluntaristas, é certamente
muito menor. Segundo livro dos repórteres do Washington Post, nos Estados
Unidos, as Forças Armadas estavam preparadas para não cumprirem ordens do então
Presidente Trump, caso as considerassem ilegais (O Globo, 2021).
Mas as principais
garantias do regime democrático residem nas liberdades individuais e coletivas
asseguradas por esse regime, no peso da opinião pública, com a possibilidade de
expressá-la, inclusive através de protestos e manifestações de massa, no pluralismo
da mídia (mesmo longe do ideal) e last but not least, no exercício soberano do
sufrágio universal, fatores capazes de inibir veleidades autoritárias ou
golpistas.
Muitos esquerdistas
não entendem tão significativa diferença por acreditarem que a democracia
somente se edifica a partir da implantação do socialismo, quando, na realidade,
sua construção difícil e paulatina, ainda se dá sob a égide do Capital.
Mesmo diante de tantas
dificuldades avançar é possível, tendo o socialismo como inspiração, na medida
em que a democracia seja valorizada na teoria e na prática política de seus
militantes. E sempre que estratégias anticapitalistas possam ter em conta as
limitações atualmente existentes, sem abrir mão de um projeto que, a médio e
longo prazo, aponte para uma alternativa socialista.
Possam a atual e as
novas gerações, assim procedendo, palmilharem o caminho em direção a uma nova
sociedade “em que a vida não carecerá de nenhuma justificativa, dada pelo
sucesso ou por qualquer outra coisa, em que o indivíduo não será manipulado por
nenhuma força alheia, que seja o Estado, o sistema econômico ou interesses
materiais espúrios. Uma sociedade em que os interesses materiais do homem não
se limitem à interiorização de exigências externas, mas que provenham realmente
deles e exprimam objetivos oriundos do seu próprio ego” (FROMM: 1970, p, 130).
• Novo coronelismo usa iletramento digital
para caçar votos de cabresto, diz Pochmann
Presidente do IBGE, o
economista e professor Márcio Pochmann publicou um texto nas redes sociais
neste sábado (20) em que compara o antigo coronelismo ao avanço do neofascismo,
que se utiliza da ignorância digital para caçar "votos de cabresto" e
eleger governos neoliberais pelo mundo.
"Mesmo com
reformas eleitorais realizadas, a política sob a prevalência liberal permaneceu
praticamente intacta, com fakes news e fraudes predominando, próprias da
subordinação da esfera pública aos altos interesses privados", diz
Pochmann.
O presidente do IBGE,
que gosta de usar as plataformas digitais para dar aulas sobre economia, lembra
que "a experiência do liberalismo no Brasil, marcado pela estrutura
econômica primária-exportadora e assentado na quase absoluta população analfabeta,
foi muito bem descrita por Victor N. Leal em 1949 no clássico livro:
Coronelismo, enxada e voto".
"No contexto
daquela época, os eleitores exerciam, por sua dependência generalizada aos
coronéis que lideravam a estrutura produtiva primário-exportadora, a fidelidade
e ação subserviente materializada pelo denominado voto de cabresto",
explica.
Segundo ele, o voto
soberano foi fortalecido com o avanço da alfabetização e das estruturas de
representação, como sindicatos, durante a Era Industrial, que deixou o
eleitorado "menos dependente da antiga fidelidade e subserviente vontade
do coronelismo liberal-agrarista".
"Na atual
passagem para a Era Digital, o já longevo domínio do neoliberalismo no Brasil
patrocina o crescente descrédito democrático do sistema eleitoral",
prossegue, relacionando o sistema neoliberal ao advento do neofascismo
bolsonarista no Brasil, propagado por meio de fake News e discursos de ódio nas
redes.
Segundo ele, o sucesso
da ultradireita fascista nas redes "transcorre em plena população com
imenso iletramento digital, submetida à crescente proliferação de fake news e
fraudes de toda a espécie".
"Assim, a
necessária profundidade dos debates sobre a realidade nacional e as
alternativas de superação dos seus problemas cede lugar à superficialidade cada
vez mais rebaixada pela ignorância do próprio iletramento digital",
emenda.
Por fim, Pochmann
afirma que a submissão dos governos frente aos "altos interesses
privatistas", sobretudo no pagamento de juros ao sistema financeiro - o
chamado "rentismo" - constrói uma nova realidade coronelista no país,
que surfa na ignorância digital dos eleitores.
"Aos eleitores,
constituídos por multidões de sobrantes sem destino, conferem desconfiança à
retórica política desprovida de prática, enquanto o novo coronelismo se
estrutura no lastro do iletramento digital", conclui.
Fonte: A Terra é
Redonda/Fórum
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