terça-feira, 23 de julho de 2024

Rubens Pinto Lyra: ‘Democracia – valor estratégico’

Minha geração, na sua juventude, acreditou que a revolução estivesse batendo à porta, ao alcance da mão. O advento da ditadura militar de 1964, implantada sem quase nenhuma resistência, fez com que esse sonho desmoronasse. Passou-se então a crer que seria possível alcançar, ainda que por etapas, o socialismo, sendo o PT o principal instrumento dessa transição.

Mas a “correlação de forças” não evoluiu linearmente – longe disso – como durante muito tempo se acreditou – em favor das “forças progressistas”. Poder-se-ia até dizer que se deu o contrário. Primeiramente, com a derrocada dos países supostamente socialistas, gerando desmobilização e desilusão em relação ao futuro por parte dos adversários do capitalismo. Em seguida, com o crescimento exponencial da direita, tanto no Brasil quanto nas democracias mais avançadas, sendo o resultado das últimas eleições, em Portugal e na França uma confirmação dessa tendência.

O entendimento hoje dominante dos que apostam nas possibilidades de avanço social e democrático é de que se impõe, antes de tudo, a busca da consolidação e o aperfeiçoamento da democracia representativa, historicamente desqualificada por parte significativa das esquerdas. E que uma das melhores formas de fortalecê-la é complementá-la com institutos de democracia participativa, como o orçamento democrático, conselhos de políticas públicas e ouvidorias, autônomas e democráticas.

Com efeito, no Brasil a valorizam, quando mostram a necessidade de preservá-la e aprimorá-la, face ao advento e consolidação do bolsonarismo e de outras variantes neofascistas. Mas a depreciam alhures, como nos Estados Unidos e nas demais democracias ocidentais. Não apontam suas importantes limitações, intrínsecas à democracia no capitalismo, mas praticamente a desconsideram, a ponto de não verem diferenças significativas em relação entre ela e regimes como o russo, que transita entre o autoritarismo e a ditadura tout court.

Entendo que a democracia no capitalismo, mesmo com deformações, é qualitativamente distinta de um regime como o da Rússia, e isto tem consequências práticas de monta. Putin ameaça com uma guerra nuclear as potências ocidentais, caso contrariem suas políticas – e ninguém pode garantir que não seja uma bravata. Nessa hipótese, teria quem o impedisse de concretizar os seus propósitos?

Nas democracias ocidentais, o risco de um indivíduo comprometer a paz mundial, ou as instituições do seu país, em razão de posturas voluntaristas, é certamente muito menor. Segundo livro dos repórteres do Washington Post, nos Estados Unidos, as Forças Armadas estavam preparadas para não cumprirem ordens do então Presidente Trump, caso as considerassem ilegais (O Globo, 2021).

Mas as principais garantias do regime democrático residem nas liberdades individuais e coletivas asseguradas por esse regime, no peso da opinião pública, com a possibilidade de expressá-la, inclusive através de protestos e manifestações de massa, no pluralismo da mídia (mesmo longe do ideal) e last but not least, no exercício soberano do sufrágio universal, fatores capazes de inibir veleidades autoritárias ou golpistas.

Muitos esquerdistas não entendem tão significativa diferença por acreditarem que a democracia somente se edifica a partir da implantação do socialismo, quando, na realidade, sua construção difícil e paulatina, ainda se dá sob a égide do Capital.

Mesmo diante de tantas dificuldades avançar é possível, tendo o socialismo como inspiração, na medida em que a democracia seja valorizada na teoria e na prática política de seus militantes. E sempre que estratégias anticapitalistas possam ter em conta as limitações atualmente existentes, sem abrir mão de um projeto que, a médio e longo prazo, aponte para uma alternativa socialista.

Possam a atual e as novas gerações, assim procedendo, palmilharem o caminho em direção a uma nova sociedade “em que a vida não carecerá de nenhuma justificativa, dada pelo sucesso ou por qualquer outra coisa, em que o indivíduo não será manipulado por nenhuma força alheia, que seja o Estado, o sistema econômico ou interesses materiais espúrios. Uma sociedade em que os interesses materiais do homem não se limitem à interiorização de exigências externas, mas que provenham realmente deles e exprimam objetivos oriundos do seu próprio ego” (FROMM: 1970, p, 130).

 

•        Novo coronelismo usa iletramento digital para caçar votos de cabresto, diz Pochmann

Presidente do IBGE, o economista e professor Márcio Pochmann publicou um texto nas redes sociais neste sábado (20) em que compara o antigo coronelismo ao avanço do neofascismo, que se utiliza da ignorância digital para caçar "votos de cabresto" e eleger governos neoliberais pelo mundo.

"Mesmo com reformas eleitorais realizadas, a política sob a prevalência liberal permaneceu praticamente intacta, com fakes news e fraudes predominando, próprias da subordinação da esfera pública aos altos interesses privados", diz Pochmann.

O presidente do IBGE, que gosta de usar as plataformas digitais para dar aulas sobre economia, lembra que "a experiência do liberalismo no Brasil, marcado pela estrutura econômica primária-exportadora e assentado na quase absoluta população analfabeta, foi muito bem descrita por Victor N. Leal em 1949 no clássico livro: Coronelismo, enxada e voto".

"No contexto daquela época, os eleitores exerciam, por sua dependência generalizada aos coronéis que lideravam a estrutura produtiva primário-exportadora, a fidelidade e ação subserviente materializada pelo denominado voto de cabresto", explica.

Segundo ele, o voto soberano foi fortalecido com o avanço da alfabetização e das estruturas de representação, como sindicatos, durante a Era Industrial, que deixou o eleitorado "menos dependente da antiga fidelidade e subserviente vontade do coronelismo liberal-agrarista".

"Na atual passagem para a Era Digital, o já longevo domínio do neoliberalismo no Brasil patrocina o crescente descrédito democrático do sistema eleitoral", prossegue, relacionando o sistema neoliberal ao advento do neofascismo bolsonarista no Brasil, propagado por meio de fake News e discursos de ódio nas redes.

Segundo ele, o sucesso da ultradireita fascista nas redes "transcorre em plena população com imenso iletramento digital, submetida à crescente proliferação de fake news e fraudes de toda a espécie".

"Assim, a necessária profundidade dos debates sobre a realidade nacional e as alternativas de superação dos seus problemas cede lugar à superficialidade cada vez mais rebaixada pela ignorância do próprio iletramento digital", emenda.

Por fim, Pochmann afirma que a submissão dos governos frente aos "altos interesses privatistas", sobretudo no pagamento de juros ao sistema financeiro - o chamado "rentismo" - constrói uma nova realidade coronelista no país, que surfa na ignorância digital dos eleitores.

"Aos eleitores, constituídos por multidões de sobrantes sem destino, conferem desconfiança à retórica política desprovida de prática, enquanto o novo coronelismo se estrutura no lastro do iletramento digital", conclui.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Fórum

 

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