terça-feira, 23 de julho de 2024

A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na China

A competição capitalista é a força mais elementar que move o processo das inovações tecnológicas, e estas inovações são a chave do sucesso das grandes corporações na sua disputa permanente por “posições monopólicas” e “lucros extraordinários” em uma economia de mercado. A pesquisa tecnológica de “ponta” e as inovações tecnológicas revolucionárias verdadeiramente disruptivas sempre contaram com o apoio dos Estados nacionais, e foram orientadas por suas respectivas estratégias de defesa e preparação para a guerra.

Essas inovações e tecnologias não nascem da simples competição de mercado, e é por isso que elas se concentram invariavelmente nos países que ocupam as posições de maior poder dentro do sistema internacional, as chamadas “grandes potências”. Já os países que ocupam as posições inferiores na hierarquia do poder internacional, por sua vez, costumam acessar as novas tecnologias através da cópia, da importação ou de pequenas adaptações incrementais, obtidas mediante pagamento de “direitos de propriedade intelectual”. E é exatamente por isso que todos os países que se propõem, em algum momento, a mudar sua posição dentro da hierarquia internacional do poder, enfrentam resistências e bloqueios, sendo obrigados a reorganizar seus sistemas nacionais de pesquisa e inovação.

Foi o que aconteceu também com a China, que foi obrigada a deixar para trás rapidamente sua estratégia de “cópia tecnológica” dos anos 70 e 80, e montar um novo sistema de inovação tecnológica voltado para as “tecnologias duais”, pautadas, em última instância, pelas necessidades de seu sistema de defesa. Sobretudo após 1996, quando os chineses foram obrigados a suspender suas manobras militares de “protesto”, por dois porta-aviões norte-americanos enviados para o Estreito de Taiwan, depois que o novo presidente da Ilha, Lee Teng, recém-eleito e empossado, manifestou seu desejo de levar à frente o seu projeto de independência de Taiwan com relação à China Continental.

A partir daquele momento, a China mudou progressivamente sua estratégia de defesa e inovação tecnológica, adotando um modelo similar ao norte-americano de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias “duais” orientadas – na maioria dos casos – pelas necessidades estratégicas do país e utilizadas ao mesmo tempo por sua economia civil. No caso do “modelo norte-americano”, a colagem dos sistemas de inovação e de defesa aconteceu de forma definitiva durante a II Guerra Mundial, com a criação do National Defense Research Council (NDRC), o grande responsável pelo projeto Manhattan e pela reorganização da pesquisa cientifica nas universidades e empresas privadas reunidas em um mesmo “complexo-militar-industrial-acadêmico” estruturado a partir da competição geopolítica e estratégica com a União Soviética.

Neste sentido, pode-se afirmar que a Guerra Fria foi a força motora dos principais avanços tecnológicos norte-americanos, da segunda metade do século XX, no campo aeroespacial e da energia nuclear, nos setores da computação, das fibras óticas e dos transistores, assim como da química, da genética e da biotecnologia. Em todos esses casos, a estratégia militar dos Estados Unidos funcionou como a bússola e o primeiro motor das novas tecnologias “duais” que revolucionaram a economia mundial a partir dos anos 50. Hoje, a “Agência de Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa” (DARPA) – que responde ao Departamento de Defesa dos EUA – conta com um orçamento de mais de 3 bilhões de dólares e financia investigações em todo e qualquer setor considerado estratégico para a segurança americana, independentemente do seu objeto específico, bastando se propor a obter “inovações radicais” situadas, sempre, na fronteira do conhecimento humano.

No caso da China, como vimos, o novo modelo é instalado a partir dos anos 90, mas se acentua e aprofunda radicalmente nas duas primeiras décadas do século XXI, quando os chineses tomam consciência da necessidade de modernizar seu sistema de defesa para poder assegurar sua soberania e competir dentro do seu novo habitat, o “sistema interestatal capitalista” inventado pelos europeus. O passo inicial foi dado com a criação da “Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a Defesa Nacional”, mas o verdadeiro salto aconteceu em 1990, quando foi criado o “Programa 863” de financiamento à pesquisa de “ponta” e, em particular, em 2001, quando foi lançado o “Projeto de Segurança Estatal 998”, com o objetivo explícito de desenvolver a capacidade chinesa de contenção das forças norte-americanas no Mar do Sul da China.

Entre 1991 e 2001, o gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre 2001 e 2010, 13%. Hoje a China possui o segundo maior orçamento militar do mundo, mas o que importa, neste caso, é que os gastos com a “defesa” já alcançam cerca de 30% de todo o gasto governamental com pesquisa e inovação, e foram os grandes responsáveis pelo avanço dos chineses nas três últimas décadas em todos os setores da economia estrategicamente vinculados ao seu sistema de defesa. Mais à frente, o “Plano de Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo”, para o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica nas tecnologias “duais”, com o objetivo central de conquistar a autonomia econômica e a soberania militar da China. E embora os chineses sigam utilizando as cadeias produtivas e comerciais globais, a verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nas últimas três décadas.

Durante o governo de Barack Obama (2009-2017), mais precisamente em 2012, a secretária de Estado Norte-Americana, Hilary Clinton, apresentou a nova Estratégia dos Estados Unidos voltada para a Ásia (“Pivot to East Asia”). Depois disto, a administração de Donald Trump (2017-2021) declarou uma verdadeira “guerra econômica” contra a China (através de sanções financeiras e bloqueios comerciais), que prosseguiu durante o governo Biden. Simultaneamente, Joe Biden intensificou o cerco militar da China, através de sua inciativa “Quadrilateral Security Dialogue” – QUAD (com Japão, Índia e Austrália), e do seu “pacto de segurança estratégica” – AUKUS entre os próprios Estados Unidos, a Inglaterra e a Austrália. Um cerco econômico e militar que se somou ao impacto econômico da Covid-19, elevando à enésima potência entre tecnológica as duas potências, concentrando-se agora na tentativa de bloqueio americano e europeu do acesso chinês às tecnologias de informação e comunicação indispensáveis para a produção dos semicondutores utilizados no desenvolvimento da infraestrutura digital da industrial civil e militar da China.

Muitos analistas econômicos consideram quase impossível que a China possa alcançar e superar os Estados Unidos, ou mesmo que possa apenas alcançar sua autonomia neste campo indispensável para o desenvolvimento contínuo do seu sistema de defesa e exploração espacial. O que a história nos diz, entretanto, é que depois de 30 anos de esforço concentrado, a China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro, nos setores de defesa, aeroespacial, robótica, microeletrônica, telecomunicação, energia nuclear, meio ambiente, química, biotecnologia, inteligência artificial, materiais avançados e tecnologia quântica. Por isso, não é improvável que mais cedo do que tarde a China logre superar esta barreira fundamental para seu desenvolvimento econômico e militar autônomo. Sabe-se, contudo, que os norte-americanos e seus aliados consideram esta possibilidade como uma verdadeira “linha vermelha” na sua disputa com os chineses pelo poder global.

¨      Como a China conseguiu evitar o pior do colapso tecnológico global

Enquanto a maior parte do mundo lidava com a temida tela azul da morte na sexta-feira, um país que conseguiu escapar em grande parte ileso foi a China.

A razão é bastante simples: o CrowdStrike é pouco utilizado lá. Poucas organizações compram software de uma empresa americana que, no passado, tem sido crítica em relação à ameaça cibernética representada por Pequim.

Além disso, a China não depende tanto da Microsoft quanto o resto do mundo. Empresas domésticas como Alibaba, Tencent e Huawei dominam o setor de serviços em nuvem.

Portanto, os relatos de interrupções na China, quando ocorreram, foram principalmente em empresas ou organizações estrangeiras. Em sites de mídia social chineses, por exemplo, alguns usuários reclamaram que não conseguiam fazer check-in em cadeias internacionais de hotéis como Sheraton, Marriott e Hyatt nas cidades chinesas.

Nos últimos anos, organizações governamentais, empresas e operadores de infraestrutura têm substituído cada vez mais os sistemas de TI estrangeiros por nacionais. Alguns analistas chamam essa rede paralela de "splinternet".

"É um testemunho da estratégia da China no gerenciamento das operações tecnológicas estrangeiras," afirma Josh Kennedy White, um especialista em cibersegurança baseado em Singapura.

"A Microsoft opera na China através de um parceiro local, a 21Vianet, que gerencia seus serviços de forma independente da sua infraestrutura global. Esse arranjo isola os serviços essenciais da China - como bancos e aviação - de interrupções globais."

Pequim vê a redução da dependência de sistemas estrangeiros como uma forma de fortalecer a segurança nacional.

Isso é semelhante à maneira como alguns países ocidentais baniram a tecnologia da empresa chinesa Huawei em 2019, ou a decisão do Reino Unido de proibir o uso do TikTok, de propriedade chinesa, em dispositivos governamentais em 2023.

Desde então, os Estados Unidos lançaram um esforço concentrado para proibir a venda de tecnologias avançadas de chips semicondutores para a China, além de tentar impedir que empresas americanas investam em tecnologia chinesa.

O governo dos EUA afirma que todas essas restrições são motivadas por questões de segurança nacional.

Um editorial publicado no sábado pelo jornal estatal Global Times fez uma referência velada àsrestrições impostas à tecnologia chinesa.

"Alguns países falam constantemente sobre segurança, generalizam o conceito de segurança, mas ignoram a verdadeira segurança; isso é irônico", afirmou o editorial.

O argumento é que os EUA tentam ditar as regras sobre quem pode usar a tecnologia global e como ela deve ser usada, enquanto uma de suas próprias empresas causou um caos global devido à falta de cuidado.

O Global Times também criticou os gigantes da internet que "monopolizam" a indústria: "Confiar exclusivamente nas principais empresas para liderar os esforços de segurança na rede, como alguns países defendem, pode não apenas prejudicar o compartilhamento inclusivo dos resultados de governança, mas também introduzir novos riscos de segurança."

A referência ao "compartilhamento" provavelmente alude ao debate sobre propriedade intelectual, já que a China é frequentemente acusada de copiar ou roubar tecnologia ocidental. Pequim insiste que isso não é o caso e defende um mercado global de tecnologia aberto, embora mantenha um controle rigoroso sobre o cenário doméstico.

No entanto, nem tudo na China ficou totalmente imune. Um pequeno número de trabalhadores expressou agradecimento a um gigante do software americano por encerrar sua semana de trabalho mais cedo.

"Obrigado, Microsoft, por uma férias antecipada" foi tendência na rede social Weibo na sexta-feira, com usuários postando fotos de telas de erro azul.

¨      Sucessos chineses no setor de energia renovável deixam os EUA 'cada vez mais preocupados'

A China tem o dobro de projetos de desenvolvimento de energias renováveis em seu portfólio do que o resto do mundo, dominando o setor, escreve o meio de comunicação 'Oilprice'. Esta liderança de Pequim deixa Washington cada vez mais inquieto, acrescenta a publicação.

De acordo com um relatório recente do Global Energy Monitor (GEM), uma organização não governamental que cataloga projetos de combustíveis fósseis e energias renováveis ​​em todo o mundo, a China tem atualmente 180 GW de energia solar e 159 GW de energia eólica em construção.

Isto a coloca "muito à frente de qualquer outro país", incluindo os Estados Unidos, que tem 40 GW em construção. Pesa ainda a favor da China o fato de que o relatório foca em grandes projetos de 20 MW ou mais, sem levar em conta a enorme variedade de projetos menores em desenvolvimento, destaca a Oilprice.

De acordo com o artigo, a China tem vindo a aumentar a sua capacidade de energia renovável ano após ano, instalando mais energia solar entre 2023 e 2024 do que nos três anos anteriores combinados, e mais do que a capacidade global total criada em 2023.

Desta forma, o gigante asiático está no caminho para atingir uma capacidade instalada de energia eólica e solar de 1.200 GW até ao final do ano [2024], "seis anos antes do objetivo governamental", destaca.

O portal ressalta, no entanto, que dada a expansão de diversas indústrias no país e a crescente procura de energia, entre 2020 e 2023 apenas 30% do crescimento do consumo de energia foi coberto com recursos renováveis, face ao objetivo de 50%.

Apesar disso, os esforços do governo para expandir o setor das energias renováveis ​​demonstram que "mais pode ser alcançado" com "apoio e financiamento estatal", prevê o portal.

Assim, a onda incessante de construção garante que a China continuará a liderar a instalação de energia eólica e solar num futuro próximo, "bem à frente do resto do mundo".

De acordo com a Oilprice, o sucesso de Pequim deve-se a investimentos "grandes e precoces" de fundos estatais em energia solar e eólica, com um crescimento constante no setor desde o início dos anos 2000.

Em comparação com a maioria dos outros países, o amplo envolvimento e apoio do Estado chinês à indústria das energias renováveis ​​facilita o acesso ao financiamento e evita os morosos processos de licenciamento que muitas vezes atrasam o desenvolvimento nos outros países, o que permite que estes projetos sejam realizados "mais rápida e eficientemente".

Da mesma forma, os investidores chineses estão apostando "na energia renovável para os seus investimentos de curto prazo no estrangeiro, em detrimento de outras tecnologias convencionais de geração de energia", explicou Xiaoyang Li, especialista em energia da Wood Mackenzie.

Em suas palavras, "na última década, mais de cem projetos eólicos e solares foram desenvolvidos no âmbito do mercado da Iniciativa Cinturão e Rota".

Como consequência, os investimentos pioneiros da China em energias renováveis, apoiados por ajudas estatais e políticas industriais, posicionam-na como líder mundial no setor, tornando os Estados Unidos "cada vez mais preocupados com o domínio chinês", diz a Oilprice.

¨      Apesar de alertas chineses, Taiwan realiza exercícios militares para 'tomar decisões em tempo real'

Explorando performances que simulam cenários realistas, Taiwan está realizando o tradicional exercício anual Han Kuang visando se preparar contra uma suposta ameaça da China, apesar dos alertas de Pequim contra a escalada na região.

De acordo com o Financial Times (FT), um alto oficial militar taiwanês informou que "desta vez, estamos treinando a capacidade de pequenas unidades operarem no caso de serem isoladas do comando superior", visando se adaptar a diferentes situações no caso de um conflito na região.

Desde 1984, as manobras Han Kuang têm sido o culminar do ciclo anual de treino militar de Taiwan. Com exercícios de mesa e simulações de computador para comandantes no início do ano, julho tem sido tradicionalmente reservado para uma semana de atividades práticas intensas.

Embora estes sejam objetivos padrão para a maioria das forças armadas modernas, o exercício de cinco dias, que começa na segunda-feira (22), marca uma mudança revolucionária: segundo analistas de defesa, esta será a primeira vez que a simulação será levada muito a sério.

O exercício ocorre em meio a tensões crescentes na região. A China já alertou repetidas vezes que os separatistas que defendem a "independência de Taiwan" estão fadados à derrota diante do Exército de Libertação Popular (ELP). Por esta razão, o ELP tem aumentado as operações perto da ilha, incluindo a utilização de um número recorde de aeronaves perto de Taiwan este mês.

De acordo com especialistas ouvidos pela apuração da FT, as mudanças propostas neste exercício rompem com uma abordagem vista com muito hierárquica e rígida dos militares de Taiwan, trazendo elementos que estimulam a tomada de decisão em tempo real com base nos desafios que se apresentam no campo de batalha. Esta tática de guerra assimétrica visa explorar as fraquezas de um inimigo militarmente superior com recursos mais numerosos e móveis.

Há anos que os EUA pressionam Taiwan a adotar a assimetria, mas os esforços nesse sentido, liderados pelo antigo chefe do Estado-Maior de Taiwan, almirante Lee Hsi-min, foram abandonados após a sua reforma em 2019.

Mas nada disso seria possível se os EUA não estivessem deliberadamente rompendo com entendimentos políticos anteriores, como o princípio de Uma Só China, no qual Washington reconhece a ilha como parte de Pequim. Ao contrário, Washington tem ampliado cada vez mais seus laços com o governo da ilha de forma unilateral, em oposição à postura chinesa, apesar dos inúmeros alertas da República Popular.

Ainda assim, analistas têm chamado a atenção para a inferioridade da prontidão taiwanesa em comparação com a do Exército chinês no caso de um conflito real, o que tornaria a defesa da ilha extremamente dependente de um apoio exterior dos EUA.

 

Fonte: Por Luiz Carlos Fiori, em A Terra é Redonda/BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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