A disputa de Taiwan e a inovação
tecnológica na China
A competição
capitalista é a força mais elementar que move o processo das inovações
tecnológicas, e estas inovações são a chave do sucesso das grandes corporações
na sua disputa permanente por “posições monopólicas” e “lucros extraordinários”
em uma economia de mercado. A pesquisa tecnológica de “ponta” e as inovações
tecnológicas revolucionárias verdadeiramente disruptivas sempre contaram com o
apoio dos Estados nacionais, e foram orientadas por suas respectivas
estratégias de defesa e preparação para a guerra.
Essas inovações e
tecnologias não nascem da simples competição de mercado, e é por isso que elas
se concentram invariavelmente nos países que ocupam as posições de maior poder
dentro do sistema internacional, as chamadas “grandes potências”. Já os países
que ocupam as posições inferiores na hierarquia do poder internacional, por sua
vez, costumam acessar as novas tecnologias através da cópia, da importação ou
de pequenas adaptações incrementais, obtidas mediante pagamento de “direitos de
propriedade intelectual”. E é exatamente por isso que todos os países que se
propõem, em algum momento, a mudar sua posição dentro da hierarquia
internacional do poder, enfrentam resistências e bloqueios, sendo obrigados a
reorganizar seus sistemas nacionais de pesquisa e inovação.
Foi o que aconteceu
também com a China, que foi obrigada a deixar para trás rapidamente sua
estratégia de “cópia tecnológica” dos anos 70 e 80, e montar um novo sistema de
inovação tecnológica voltado para as “tecnologias duais”, pautadas, em última
instância, pelas necessidades de seu sistema de defesa. Sobretudo após 1996,
quando os chineses foram obrigados a suspender suas manobras militares de
“protesto”, por dois porta-aviões norte-americanos enviados para o Estreito de
Taiwan, depois que o novo presidente da Ilha, Lee Teng, recém-eleito e
empossado, manifestou seu desejo de levar à frente o seu projeto de
independência de Taiwan com relação à China Continental.
A partir daquele
momento, a China mudou progressivamente sua estratégia de defesa e inovação
tecnológica, adotando um modelo similar ao norte-americano de pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias “duais” orientadas – na maioria dos casos –
pelas necessidades estratégicas do país e utilizadas ao mesmo tempo por sua
economia civil. No caso do “modelo norte-americano”, a colagem dos sistemas de
inovação e de defesa aconteceu de forma definitiva durante a II Guerra Mundial,
com a criação do National Defense Research Council (NDRC), o
grande responsável pelo projeto Manhattan e pela reorganização da pesquisa
cientifica nas universidades e empresas privadas reunidas em um mesmo
“complexo-militar-industrial-acadêmico” estruturado a partir da competição
geopolítica e estratégica com a União Soviética.
Neste sentido, pode-se
afirmar que a Guerra Fria foi a força motora dos principais avanços
tecnológicos norte-americanos, da segunda metade do século XX, no campo
aeroespacial e da energia nuclear, nos setores da computação, das fibras óticas
e dos transistores, assim como da química, da genética e da biotecnologia. Em
todos esses casos, a estratégia militar dos Estados Unidos funcionou como a
bússola e o primeiro motor das novas tecnologias “duais” que revolucionaram a
economia mundial a partir dos anos 50. Hoje, a “Agência de Projetos Avançados
de Pesquisa em Defesa” (DARPA) – que responde ao Departamento de Defesa dos EUA
– conta com um orçamento de mais de 3 bilhões de dólares e financia
investigações em todo e qualquer setor considerado estratégico para a segurança
americana, independentemente do seu objeto específico, bastando se propor a
obter “inovações radicais” situadas, sempre, na fronteira do conhecimento
humano.
No caso da China, como
vimos, o novo modelo é instalado a partir dos anos 90, mas se acentua e
aprofunda radicalmente nas duas primeiras décadas do século XXI, quando os
chineses tomam consciência da necessidade de modernizar seu sistema de defesa
para poder assegurar sua soberania e competir dentro do seu novo habitat,
o “sistema interestatal capitalista” inventado pelos europeus. O passo inicial
foi dado com a criação da “Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a
Defesa Nacional”, mas o verdadeiro salto aconteceu em 1990, quando foi criado o
“Programa 863” de financiamento à pesquisa de “ponta” e, em particular, em
2001, quando foi lançado o “Projeto de Segurança Estatal 998”, com o objetivo
explícito de desenvolver a capacidade chinesa de contenção das forças
norte-americanas no Mar do Sul da China.
Entre 1991 e 2001, o
gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre 2001 e 2010, 13%. Hoje a China
possui o segundo maior orçamento militar do mundo, mas o que importa, neste
caso, é que os gastos com a “defesa” já alcançam cerca de 30% de todo o gasto governamental
com pesquisa e inovação, e foram os grandes responsáveis pelo avanço dos
chineses nas três últimas décadas em todos os setores da economia
estrategicamente vinculados ao seu sistema de defesa. Mais à frente, o “Plano
de Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo”,
para o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica nas tecnologias “duais”,
com o objetivo central de conquistar a autonomia econômica e a soberania
militar da China. E embora os chineses sigam utilizando as cadeias produtivas e
comerciais globais, a verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nas últimas
três décadas.
Durante o governo de
Barack Obama (2009-2017), mais precisamente em 2012, a secretária de Estado
Norte-Americana, Hilary Clinton, apresentou a nova Estratégia dos Estados
Unidos voltada para a Ásia (“Pivot to East Asia”). Depois disto, a
administração de Donald Trump (2017-2021) declarou uma verdadeira “guerra
econômica” contra a China (através de sanções financeiras e bloqueios
comerciais), que prosseguiu durante o governo Biden. Simultaneamente, Joe Biden
intensificou o cerco militar da China, através de sua inciativa “Quadrilateral
Security Dialogue” – QUAD (com Japão, Índia e Austrália), e do seu “pacto
de segurança estratégica” – AUKUS entre os próprios Estados Unidos, a
Inglaterra e a Austrália. Um cerco econômico e militar que se somou ao impacto
econômico da Covid-19, elevando à enésima potência entre tecnológica as duas
potências, concentrando-se agora na tentativa de bloqueio americano e europeu
do acesso chinês às tecnologias de informação e comunicação indispensáveis para
a produção dos semicondutores utilizados no desenvolvimento da infraestrutura
digital da industrial civil e militar da China.
Muitos analistas
econômicos consideram quase impossível que a China possa alcançar e superar os
Estados Unidos, ou mesmo que possa apenas alcançar sua autonomia neste campo
indispensável para o desenvolvimento contínuo do seu sistema de defesa e
exploração espacial. O que a história nos diz, entretanto, é que depois de 30
anos de esforço concentrado, a China já é hoje a líder mundial em 37 das 44
tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e
militar do futuro, nos setores de defesa, aeroespacial, robótica,
microeletrônica, telecomunicação, energia nuclear, meio ambiente, química,
biotecnologia, inteligência artificial, materiais avançados e tecnologia
quântica. Por isso, não é improvável que mais cedo do que tarde a China
logre superar esta barreira fundamental para seu desenvolvimento econômico e
militar autônomo. Sabe-se, contudo, que os norte-americanos e seus aliados
consideram esta possibilidade como uma verdadeira “linha vermelha” na sua
disputa com os chineses pelo poder global.
¨ Como a China conseguiu evitar o pior do colapso tecnológico
global
Enquanto a maior parte
do mundo lidava com a temida tela azul da morte na sexta-feira, um país que
conseguiu escapar em grande parte ileso foi a China.
A razão é bastante simples:
o CrowdStrike é
pouco utilizado lá. Poucas organizações compram software de uma empresa
americana que, no passado, tem sido crítica em relação à ameaça cibernética
representada por Pequim.
Além disso, a China
não depende tanto da Microsoft quanto o resto do mundo. Empresas domésticas
como Alibaba, Tencent e Huawei dominam o setor de serviços em nuvem.
Portanto, os relatos
de interrupções na China, quando ocorreram, foram principalmente em empresas ou
organizações estrangeiras. Em sites de mídia social chineses, por exemplo,
alguns usuários reclamaram que não conseguiam fazer check-in em cadeias internacionais
de hotéis como Sheraton, Marriott e Hyatt nas cidades chinesas.
Nos últimos anos,
organizações governamentais, empresas e operadores de infraestrutura têm
substituído cada vez mais os sistemas de TI estrangeiros por nacionais. Alguns
analistas chamam essa rede paralela de "splinternet".
"É um testemunho
da estratégia da China no gerenciamento das operações tecnológicas
estrangeiras," afirma Josh Kennedy White, um especialista em
cibersegurança baseado em Singapura.
"A Microsoft opera na China
através de um parceiro local, a 21Vianet, que gerencia seus serviços de forma
independente da sua infraestrutura global. Esse arranjo isola os serviços
essenciais da China - como bancos e aviação - de interrupções globais."
Pequim vê a redução da
dependência de sistemas estrangeiros como uma forma de fortalecer a segurança
nacional.
Isso é semelhante à
maneira como alguns países ocidentais baniram a tecnologia da empresa chinesa
Huawei em 2019, ou a decisão do Reino Unido de proibir o uso do TikTok, de
propriedade chinesa, em dispositivos governamentais em 2023.
Desde então, os
Estados Unidos lançaram um esforço concentrado para proibir a venda de
tecnologias avançadas de chips semicondutores para a China, além de tentar
impedir que empresas americanas investam em tecnologia chinesa.
O governo dos EUA
afirma que todas essas restrições são motivadas por questões de segurança
nacional.
Um editorial publicado
no sábado pelo jornal estatal Global Times fez uma referência velada
àsrestrições impostas à tecnologia chinesa.
"Alguns países
falam constantemente sobre segurança, generalizam o conceito de segurança, mas
ignoram a verdadeira segurança; isso é irônico", afirmou o editorial.
O argumento é que os
EUA tentam ditar as regras sobre quem pode usar a tecnologia global e como ela
deve ser usada, enquanto uma de suas próprias empresas causou um caos global
devido à falta de cuidado.
O Global Times também
criticou os gigantes da internet que "monopolizam" a indústria:
"Confiar exclusivamente nas principais empresas para liderar os esforços
de segurança na rede, como alguns países defendem, pode não apenas prejudicar o
compartilhamento inclusivo dos resultados de governança, mas também introduzir
novos riscos de segurança."
A referência ao
"compartilhamento" provavelmente alude ao debate sobre propriedade
intelectual, já que a China é frequentemente acusada de copiar ou roubar
tecnologia ocidental. Pequim insiste que isso não é o caso e defende um mercado
global de tecnologia aberto, embora mantenha um controle rigoroso sobre o
cenário doméstico.
No entanto, nem tudo
na China ficou totalmente imune. Um pequeno número de trabalhadores expressou
agradecimento a um gigante do software americano por encerrar sua semana de
trabalho mais cedo.
"Obrigado,
Microsoft, por uma férias antecipada" foi tendência na rede social Weibo
na sexta-feira, com usuários postando fotos de telas de erro azul.
¨ Sucessos chineses no setor de energia renovável deixam os EUA
'cada vez mais preocupados'
A China tem o dobro de
projetos de desenvolvimento de energias renováveis em seu portfólio do que o
resto do mundo, dominando o setor, escreve o meio de comunicação 'Oilprice'.
Esta liderança de Pequim deixa Washington cada vez mais inquieto, acrescenta a
publicação.
De acordo com um
relatório recente do Global Energy Monitor (GEM), uma organização não
governamental que cataloga projetos de combustíveis fósseis e energias
renováveis em todo o mundo, a China tem atualmente 180 GW de energia solar
e 159 GW de energia eólica em construção.
Isto a coloca
"muito à frente de qualquer outro país", incluindo os Estados Unidos,
que tem 40 GW em construção. Pesa ainda a favor da China o fato de que o
relatório foca em grandes projetos de 20 MW ou mais, sem levar em conta a
enorme variedade de projetos menores em desenvolvimento, destaca a Oilprice.
De acordo com o
artigo, a China tem vindo a aumentar a sua capacidade de energia renovável ano
após ano, instalando mais energia solar entre 2023 e 2024 do que nos três anos
anteriores combinados, e mais do que a capacidade global total criada em 2023.
Desta forma, o gigante
asiático está no caminho para atingir uma capacidade instalada de energia
eólica e solar de 1.200 GW até ao final do ano [2024], "seis anos antes do
objetivo governamental", destaca.
O portal ressalta, no
entanto, que dada a expansão de diversas indústrias no país e a crescente
procura de energia, entre 2020 e 2023 apenas 30% do crescimento do consumo de
energia foi coberto com recursos renováveis, face ao objetivo de 50%.
Apesar disso, os
esforços do governo para expandir o setor das energias renováveis demonstram que "mais pode ser alcançado" com "apoio e financiamento
estatal", prevê o portal.
Assim, a onda
incessante de construção garante que a China continuará a liderar a instalação
de energia eólica e solar num futuro próximo, "bem à frente do resto do
mundo".
De acordo com a
Oilprice, o sucesso de Pequim deve-se a investimentos "grandes e
precoces" de fundos estatais em energia solar e eólica, com um crescimento
constante no setor desde o início dos anos 2000.
Em comparação com a
maioria dos outros países, o amplo envolvimento e apoio do Estado chinês à
indústria das energias renováveis facilita o
acesso ao financiamento e evita os morosos processos de licenciamento que
muitas vezes atrasam o desenvolvimento nos outros países, o que permite que estes projetos sejam
realizados "mais rápida e
eficientemente".
Da mesma forma, os
investidores chineses estão apostando "na energia renovável para os seus
investimentos de curto prazo no estrangeiro, em detrimento de outras
tecnologias convencionais de geração de energia", explicou Xiaoyang Li,
especialista em energia da Wood Mackenzie.
Em suas palavras,
"na última década, mais de cem projetos eólicos e solares foram
desenvolvidos no âmbito do mercado da Iniciativa Cinturão e Rota".
Como consequência, os
investimentos pioneiros da China em energias renováveis, apoiados por ajudas
estatais e políticas industriais, posicionam-na como líder mundial no setor,
tornando os Estados Unidos "cada vez mais preocupados com o domínio chinês",
diz a Oilprice.
¨ Apesar de alertas chineses, Taiwan realiza exercícios militares
para 'tomar decisões em tempo real'
Explorando
performances que simulam cenários realistas, Taiwan está realizando o
tradicional exercício anual Han Kuang visando se preparar contra uma suposta
ameaça da China, apesar dos alertas de Pequim contra a escalada na região.
De acordo com o
Financial Times (FT), um alto oficial militar taiwanês informou que "desta
vez, estamos treinando a capacidade de pequenas unidades operarem no caso de
serem isoladas do comando superior", visando se adaptar a diferentes
situações no caso de um conflito na região.
Desde 1984, as
manobras Han Kuang têm sido o culminar do ciclo anual de treino militar de
Taiwan. Com exercícios de mesa e simulações de computador para comandantes no
início do ano, julho tem sido tradicionalmente reservado para uma semana de
atividades práticas intensas.
Embora estes sejam
objetivos padrão para a maioria das forças armadas modernas, o exercício de
cinco dias, que começa na segunda-feira (22), marca uma mudança revolucionária:
segundo analistas de defesa, esta será a primeira vez que a simulação será levada
muito a sério.
O exercício ocorre em
meio a tensões crescentes na região. A China já alertou repetidas vezes que os
separatistas que defendem a "independência de Taiwan" estão fadados à
derrota diante do Exército de Libertação Popular (ELP). Por esta razão, o ELP
tem aumentado as operações perto da ilha, incluindo a utilização de um número
recorde de aeronaves perto de Taiwan este mês.
De acordo com
especialistas ouvidos pela apuração da FT, as mudanças propostas neste
exercício rompem com uma abordagem vista com muito hierárquica e rígida dos
militares de Taiwan, trazendo elementos que estimulam a tomada de decisão em
tempo real com base nos desafios que se apresentam no campo de batalha. Esta
tática de guerra assimétrica visa explorar as fraquezas de um inimigo
militarmente superior com recursos mais numerosos e móveis.
Há anos que os EUA
pressionam Taiwan a adotar a assimetria, mas os esforços nesse sentido,
liderados pelo antigo chefe do Estado-Maior de Taiwan, almirante Lee Hsi-min,
foram abandonados após a sua reforma em 2019.
Mas nada disso seria
possível se os EUA não estivessem deliberadamente rompendo com entendimentos
políticos anteriores, como o princípio de Uma Só China, no qual Washington
reconhece a ilha como parte de Pequim. Ao contrário, Washington tem ampliado
cada vez mais seus laços com o governo da ilha de forma unilateral, em oposição
à postura chinesa, apesar dos inúmeros alertas da República Popular.
Ainda assim, analistas
têm chamado a atenção para a inferioridade da prontidão taiwanesa em comparação
com a do Exército chinês no caso de um conflito real, o que tornaria a defesa
da ilha extremamente dependente de um apoio exterior dos EUA.
Fonte: Por Luiz Carlos
Fiori, em A Terra é Redonda/BBC News Mundo/Sputnik Brasil
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