Precarização do trabalho em Angra 1 e 2 é
receita para acidentes nucleares, dizem especialistas
Precarização dos
contratos de trabalho, corte de benefícios e acelerada terceirização colocam em
risco cultura de segurança nas usinas nucleares brasileiras em Angra dos Reis.
Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, governo federal é omisso e se ausenta
diante de tragédia anunciada.
Com apoio do BNDES,
Eletronuclear está confiante na retomada das obras da usina nuclear de Angra 3
ainda neste ano, informou o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, neste
sábado (20). A retomada do projeto com conclusão prevista para 2030 será decidida
em setembro, mediante aprovação do Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE).
"O estudo do
BNDES está 99,9% pronto para que em setembro isso vá para o CNPE", disse o
presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, à TV Canal Energia. "Para
desistir de Angra 3 é necessário aportar muito dinheiro. Será caro construir
[Angra 3]. Serão cerca de R$ 20 bilhões, garantindo a geração de 1,4 giga de
energia firme, perto do centro de carga. Mas, para não construir Angra 3, são
necessários no mínimo R$ 14 bilhões, sem nenhum benefício."
O advogado Lycurgo,
que assumiu a presidência da Eletronuclear há menos de um ano, lembra que, de
2009 a 2023, cerca de R$ 12 bilhões já foram investidos na construção de Angra
3, notando que "uma obra inconcluída é o pior cenário, já que são investidos
rios de dinheiro, sem que ela produza riqueza alguma".
O executivo defendeu
que Angra 3 gerará demanda essencial para outras empresas-chave do programa
nuclear brasileiro, como a Indústrias Nucleares Nacional (INB), que fornece
combustível nuclear, e a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), responsável
pelo maquinário.
A determinação de
Lycurgo em concluir as obras de Angra 3 contrasta com a instabilidade interna
da empresa, que tem efetuado cortes de gastos e renegociado acordos coletivos
de trabalho. Dependente de mão de obra qualificada para gerir as usinas de
Angra 1 e 2, a Eletronuclear aposta na flexibilização para resolver seus
problemas de caixa.
"Temos uma
precarização significativa das condições de trabalho na Eletronuclear, com
redução da massa salarial prevista para ser implementada em pelo menos
20%", relatou o engenheiro de sistemas em Angra 1, Paulo Artur Pimentel
Tavares, à Sputnik Brasil. "Está sendo realizado um achatamento salarial
brutal, com grande prejuízo para as famílias dos funcionários das usinas."
Além da redução da
massa salarial, a empresa propõe o comprometimento dos salários indiretos,
frutos de negociações entre a Eletronuclear e seus funcionários, a fim de
compensá-los por repetidas faltas de reajustes para cobrir processos
inflacionários.
Em recente simpósio
sobre energia nuclear, o atual presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo,
elogiou o nível de segurança das usinas nucleares brasileiras, conforme
reportou a Eletronuclear. Para ele, uma boa maneira de avaliar a confiabilidade
de Angra 1 e 2 é observar a confiança que os próprios funcionários têm nos
níveis de segurança das usinas.
"Se fosse
inseguro, o nosso pessoal moraria a 1 km de distância do reator? Eles mais do
que ninguém conhecem tudo o que é feito dentro da central nuclear e, mesmo
assim, moram nas vilas residenciais com seus familiares há quase 40 anos",
disse o presidente da empresa.
No entanto, Lycurgo
omitiu do seu discurso o fato de que os funcionários da Eletronuclear passarão
a arcar, pela primeira vez na história, com os custos de manutenção das vilas
residenciais. A garantia de moradia é um benefício que garante não só o recrutamento
de mão de obra de qualidade, mas também a segurança das usinas nucleares, que
conta com técnicos disponíveis 24h a poucos metros de distância, em caso de
necessidade.
"A empresa está
agindo como uma administradora de imóveis", lamentou o presidente do
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica nos Municípios de
Paraty e Angra dos Reis (Stiepar), Dalberto de Andrade à mídia local. "A
empresa priorizou a retirada de conquistas históricas dos trabalhadores, que
constam nos ACTs (Acordo Coletivo de Trabalho) desde a sua criação."
No passado,
dificuldades para arcar com os custos de mão de obra de Angra 1 e 2 levaram
presidentes a economizar, interrompendo as obras da usina de Angra 3, relatou
Pimentel Tavares à Sputnik Brasil. Segundo ele, durante a presidência do
patrono do programa nuclear brasileiro, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva,
a cultura de segurança era priorizada.
"Em 2015
enfrentamos problema similar de falta de verba. O almirante Othon preferiu
interromper as obras de Angra 3 para honrar os compromissos da empresa",
lembrou Pimentel Tavares. "Muita gente acha que as obras de Angra 3 foram
interrompidas em função da Operação Lava Jato, mas não foram. Foram
interrompidas para equalizar um problema similar ao que temos hoje."
Uberização do setor
elétrico
A redução da massa
salarial, corte de benefícios coletivos e terceirização de setores inteiros da
manutenção de Angra 1 e 2, como o de calibração, são a tônica do setor elétrico
brasileiro desde a privatização da Eletrobras em 2022, declarou o presidente da
Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, Ikaro Chaves.
"O Brasil tem
vivido uma realidade de precarização do trabalho em todos os setores. Então, é
natural que essas pressões cheguem ao setor elétrico, que aliás é um dos mais
precarizados do país", disse Chaves à Sputnik Brasil. "Observamos um
aumento no número de acidentes de trabalho, inclusive com óbitos, porque é
justamente na precarização do trabalho que as empresas privadas buscam lucro,
reduzindo os custos de qualquer jeito."
Segundo ele, os
acidentes no setor elétrico de maneira geral geram "repercussões graves,
com regiões inteiras afetadas com a falta de energia, além dos grandes
prejuízos em relação aos equipamentos, normalmente caros."
"Agora, quando
falamos do setor nuclear, esses riscos são elevados de maneira
exponencial", considerou Chaves. "Acidentes nucleares, por menor que
sejam, trazem consequências muito graves, afetando o país inteiro, sem
considerar que Angra é uma região com centenas de milhares de moradores e um
meio ambiente extremamente rico."
Para o presidente da
Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, o governo federal
e a Eletronuclear devem responder às preocupações dos trabalhadores de Angra 1
e 2, a fim de garantir a manutenção das operações das usinas nucleares de maneira
responsável.
"As denúncias que
têm sido feitas pelos trabalhadores das usinas nucleares precisam,
efetivamente, ser avaliadas, e respondidas pela gestão da empresa, pelo próprio
governo, pela própria Eletrobras, que também é sócio naquele empreendimento.
Isso é algo que traz, além de risco para a segurança desses trabalhadores, um
risco intolerável para as comunidades", acredita Chaves.
Estado ausente
No entanto, sucessivos
governos federais parecem pouco empenhados em desenvolver o programa nuclear
brasileiro. Exemplo eloquente é a própria obra da usina de Angra 3, cuja
construção avançou somente 2% entre 2018 e 2024, relatou o engenheiro da
Eletronuclear, Pimentel Tavares.
"Infelizmente,
não há comprometimento do governo federal para transformar o programa nuclear
brasileiro em um programa de Estado", lamentou Pimentel Tavares. "O
Brasil não segue o exemplo de países que tem programas nucleares bem-sucedidos,
como a Coreia do Sul, o Japão, a França, os EUA, o Reino Unido e a
Rússia."
Segundo ele, a crise
na Eletronuclear poderia ter sido evitada, caso acordos de cooperação com
empresas de Rússia e China para a conclusão da construção de Angra 3 tivessem
sido mantidos pelo governo federal.
"Ainda no governo
de Michel Temer, acordos com a empresa russa Rosatom e as chinesas CNNC e SNPTC
foram firmados. Em 2018 tínhamos uma estratégia pronta e redonda para retomar
as obras de Angra 3", relatou Pimentel Tavares. "Mas Bolsonaro chegou
ao poder e recusou capital de Rússia e China no empreendimento, dizendo que a
prioridade deveria ser dada aos EUA."
No entanto, os EUA não
demonstraram interesse na conclusão das obras, que se manteve inconclusa. A
falta de solução para o setor nuclear e energético brasileiro levou a gestão
Bolsonaro a optar pela privatização da Eletrobras, com consequências abrangentes
para o país.
Com a privatização, o
governo brasileiro reduziu sua participação na Eletrobras de 65% para 42%
perdendo, de fato, o controle da empresa. Apesar de operar em ramo sensível,
sujeito ao monopólio estatal, a Eletronuclear se manteve subordinada à
Eletrobras, agora uma empresa privada.
"Atualmente temos
uma situação inusitada, na qual 65% do capital da Eletronuclear é de uma
empresa privada", disse Chaves. "A Eletrobras só permaneceu como
sócia da Eletronuclear por uma questão societária, a fim de evitar que o
governo pagasse uma indenização altíssima à Eletrobras, que inviabilizaria
economicamente a privatização. Então fizeram esse arranjo esquisito, que foi
entregar as usinas nucleares brasileiras para uma empresa privada, o que aliás
é inconstitucional."
Comandada pelas leis
de mercado, a Eletrobras tem se demonstrado pouco interessada em investir na
Eletronuclear, gerando questionamentos não só sobre as obras de Angra 3, mas
também sobre a extensão da vida útil de Angra 1.
"Essa é uma
questão de segurança nacional, de segurança ambiental e das pessoas que vivem
no entorno de Angra. E esses investimentos estão sendo postergados, colocados
em risco por causa da situação societária que vive a Eletronuclear após a
privatização", concluiu Chaves.
Próxima de completar
40 anos de operação, a usina nuclear de Angra 1 aguarda parecer da Comissão
Nacional de Energia Nuclear para estender a sua operação por mais 20 anos. De
acordo com o superintendente de operações de Angra 1, Abelardo Vieira, a renovação
deve ser obtida nos próximos meses, reportou a Agência Brasil.
¨
Avanços tecnológicos
do BRICS 'desafiam a dominância do G7 em inovação', diz Dilma em evento do G20
Ocorre nesta
segunda-feira (22) o primeiro dia do States of the Future, evento realizado no
âmbito do G20 que visa descaracterizar a atuação estatal para o próximo século.
Temas como a ascensão do Sul Global e a ordem multipolar foram os principais
destaques.
O evento foi realizado
em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o Ministério das
Relações Exteriores e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços.
O encontro contou com
a presença de nomes como Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento (NDB) e ex-presidente do Brasil, Michelle Bachelet, ex-alta
comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ex-presidente do Chile,
além do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e Esther Dweck, ministra da
Gestão.
Em sua fala de
abertura, Mercadante destacou a encruzilhada em que o Brasil e o restante da
América Latina se encontram.
Políticas de
protecionismo comercial e subsídios voltaram a ser o centro das ações dos
Estados Unido, da Europa e da China, que concentraram 73% das políticas
industriais ao redor do mundo.
"Estamos
assistindo um desacoplamento, […] uma fragmentação" entre as economias
orientais e ocidentais, afirmou Mercadante. "É o maior deslocamento das
cadeias globais de valor."
"E os países do
Sul enfrentam um gigantesco dilema […], que é como se posicionar e como
participar desse reordenamento econômico global."
Nesse sentido, o BRICS
tem um "papel decisivo" na geopolítica mundial, "sendo mais
importante, do ponto de vista econômico, do que o próprio G7".
"Além disso, os
avanços tecnológicos de alguns dos países do BRICS […] China,
Um campo no qual essas
nações desafiam a hegemonia ocidental, exemplifica a presidente do NBD, é no
desenvolvimento de soluções contra o uso do dólar enquanto arma, como se tornou
o SWIFT.
"É o caso da
plataforma mBridge, que articula países da Ásia, do Oriente Médio e da nossa
América Latina; da UPI [Unified Payments Interface; Interface de Pagamentos
Unificada, em tradução livre], que é uma plataforma baseada na Índia; e o
próprio SPFS [Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras] da
Rússia."
<><> 'Não
pode ser o Estado mínimo'
Nesse contexto,
"o papel do Estado voltou a ser um tema de debates mundo afora",
declara Rousseff.
"O denominado
pensamento único que construiu a falsa oposição entre Estado e mercado e impôs
ao Sul Global o preconceito contra a atuação do Estado vem sendo questionado
pela própria atuação das economias desenvolvidas."
"O Consenso de
Washington […] não é mais consenso nem em Washington e, pelo que me consta, nem
em Chicago [cidade que nomeia a escola de economia neoliberal mais proeminente
dos EUA]", resume Mercadante.
As medidas de
protecionismo e subsídios industriais não são o único aspecto desse retorno ao
Estado enquanto ator econômico. Nos últimos anos, as economias desenvolvidas
têm se baseado em uma "brutal elevação da dívida" como forma de
manter o crescimento econômico. A dívida pública dos EUA atingiu os US$ 34
trilhões (R$ 188,9 trilhões), lembra Dilma.
O caso norte-americano
ainda enfraquece o desenvolvimento dos demais países, uma vez que
"sequestra liquidez internacional e atrai uma parte significativa dos
recursos internacionais", que estariam disponíveis para as economias
emergentes.
"A mão que
deveria ser invisível se transforma na mão mais visível do Estado, praticando
uma política industrial ativa e uma clara intervenção, seja na economia
doméstica, seja na internacional".
"Na realidade,
não é que estão chutando a escada. Tem gente querendo derrubar o prédio",
crava Mercadante. "O Estado, para construir um novo futuro, não pode ser o
Estado mínimo."
Fonte: Sputnik Brasil
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