terça-feira, 23 de julho de 2024

Precarização do trabalho em Angra 1 e 2 é receita para acidentes nucleares, dizem especialistas

Precarização dos contratos de trabalho, corte de benefícios e acelerada terceirização colocam em risco cultura de segurança nas usinas nucleares brasileiras em Angra dos Reis. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, governo federal é omisso e se ausenta diante de tragédia anunciada.

Com apoio do BNDES, Eletronuclear está confiante na retomada das obras da usina nuclear de Angra 3 ainda neste ano, informou o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, neste sábado (20). A retomada do projeto com conclusão prevista para 2030 será decidida em setembro, mediante aprovação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

"O estudo do BNDES está 99,9% pronto para que em setembro isso vá para o CNPE", disse o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, à TV Canal Energia. "Para desistir de Angra 3 é necessário aportar muito dinheiro. Será caro construir [Angra 3]. Serão cerca de R$ 20 bilhões, garantindo a geração de 1,4 giga de energia firme, perto do centro de carga. Mas, para não construir Angra 3, são necessários no mínimo R$ 14 bilhões, sem nenhum benefício."

O advogado Lycurgo, que assumiu a presidência da Eletronuclear há menos de um ano, lembra que, de 2009 a 2023, cerca de R$ 12 bilhões já foram investidos na construção de Angra 3, notando que "uma obra inconcluída é o pior cenário, já que são investidos rios de dinheiro, sem que ela produza riqueza alguma".

O executivo defendeu que Angra 3 gerará demanda essencial para outras empresas-chave do programa nuclear brasileiro, como a Indústrias Nucleares Nacional (INB), que fornece combustível nuclear, e a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), responsável pelo maquinário.

A determinação de Lycurgo em concluir as obras de Angra 3 contrasta com a instabilidade interna da empresa, que tem efetuado cortes de gastos e renegociado acordos coletivos de trabalho. Dependente de mão de obra qualificada para gerir as usinas de Angra 1 e 2, a Eletronuclear aposta na flexibilização para resolver seus problemas de caixa.

"Temos uma precarização significativa das condições de trabalho na Eletronuclear, com redução da massa salarial prevista para ser implementada em pelo menos 20%", relatou o engenheiro de sistemas em Angra 1, Paulo Artur Pimentel Tavares, à Sputnik Brasil. "Está sendo realizado um achatamento salarial brutal, com grande prejuízo para as famílias dos funcionários das usinas."

Além da redução da massa salarial, a empresa propõe o comprometimento dos salários indiretos, frutos de negociações entre a Eletronuclear e seus funcionários, a fim de compensá-los por repetidas faltas de reajustes para cobrir processos inflacionários.

Em recente simpósio sobre energia nuclear, o atual presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, elogiou o nível de segurança das usinas nucleares brasileiras, conforme reportou a Eletronuclear. Para ele, uma boa maneira de avaliar a confiabilidade de Angra 1 e 2 é observar a confiança que os próprios funcionários têm nos níveis de segurança das usinas.

"Se fosse inseguro, o nosso pessoal moraria a 1 km de distância do reator? Eles mais do que ninguém conhecem tudo o que é feito dentro da central nuclear e, mesmo assim, moram nas vilas residenciais com seus familiares há quase 40 anos", disse o presidente da empresa.

No entanto, Lycurgo omitiu do seu discurso o fato de que os funcionários da Eletronuclear passarão a arcar, pela primeira vez na história, com os custos de manutenção das vilas residenciais. A garantia de moradia é um benefício que garante não só o recrutamento de mão de obra de qualidade, mas também a segurança das usinas nucleares, que conta com técnicos disponíveis 24h a poucos metros de distância, em caso de necessidade.

"A empresa está agindo como uma administradora de imóveis", lamentou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica nos Municípios de Paraty e Angra dos Reis (Stiepar), Dalberto de Andrade à mídia local. "A empresa priorizou a retirada de conquistas históricas dos trabalhadores, que constam nos ACTs (Acordo Coletivo de Trabalho) desde a sua criação."

No passado, dificuldades para arcar com os custos de mão de obra de Angra 1 e 2 levaram presidentes a economizar, interrompendo as obras da usina de Angra 3, relatou Pimentel Tavares à Sputnik Brasil. Segundo ele, durante a presidência do patrono do programa nuclear brasileiro, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, a cultura de segurança era priorizada.

"Em 2015 enfrentamos problema similar de falta de verba. O almirante Othon preferiu interromper as obras de Angra 3 para honrar os compromissos da empresa", lembrou Pimentel Tavares. "Muita gente acha que as obras de Angra 3 foram interrompidas em função da Operação Lava Jato, mas não foram. Foram interrompidas para equalizar um problema similar ao que temos hoje."

Uberização do setor elétrico

A redução da massa salarial, corte de benefícios coletivos e terceirização de setores inteiros da manutenção de Angra 1 e 2, como o de calibração, são a tônica do setor elétrico brasileiro desde a privatização da Eletrobras em 2022, declarou o presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, Ikaro Chaves.

"O Brasil tem vivido uma realidade de precarização do trabalho em todos os setores. Então, é natural que essas pressões cheguem ao setor elétrico, que aliás é um dos mais precarizados do país", disse Chaves à Sputnik Brasil. "Observamos um aumento no número de acidentes de trabalho, inclusive com óbitos, porque é justamente na precarização do trabalho que as empresas privadas buscam lucro, reduzindo os custos de qualquer jeito."

Segundo ele, os acidentes no setor elétrico de maneira geral geram "repercussões graves, com regiões inteiras afetadas com a falta de energia, além dos grandes prejuízos em relação aos equipamentos, normalmente caros."

"Agora, quando falamos do setor nuclear, esses riscos são elevados de maneira exponencial", considerou Chaves. "Acidentes nucleares, por menor que sejam, trazem consequências muito graves, afetando o país inteiro, sem considerar que Angra é uma região com centenas de milhares de moradores e um meio ambiente extremamente rico."

Para o presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, o governo federal e a Eletronuclear devem responder às preocupações dos trabalhadores de Angra 1 e 2, a fim de garantir a manutenção das operações das usinas nucleares de maneira responsável.

"As denúncias que têm sido feitas pelos trabalhadores das usinas nucleares precisam, efetivamente, ser avaliadas, e respondidas pela gestão da empresa, pelo próprio governo, pela própria Eletrobras, que também é sócio naquele empreendimento. Isso é algo que traz, além de risco para a segurança desses trabalhadores, um risco intolerável para as comunidades", acredita Chaves.

Estado ausente

No entanto, sucessivos governos federais parecem pouco empenhados em desenvolver o programa nuclear brasileiro. Exemplo eloquente é a própria obra da usina de Angra 3, cuja construção avançou somente 2% entre 2018 e 2024, relatou o engenheiro da Eletronuclear, Pimentel Tavares.

"Infelizmente, não há comprometimento do governo federal para transformar o programa nuclear brasileiro em um programa de Estado", lamentou Pimentel Tavares. "O Brasil não segue o exemplo de países que tem programas nucleares bem-sucedidos, como a Coreia do Sul, o Japão, a França, os EUA, o Reino Unido e a Rússia."

Segundo ele, a crise na Eletronuclear poderia ter sido evitada, caso acordos de cooperação com empresas de Rússia e China para a conclusão da construção de Angra 3 tivessem sido mantidos pelo governo federal.

"Ainda no governo de Michel Temer, acordos com a empresa russa Rosatom e as chinesas CNNC e SNPTC foram firmados. Em 2018 tínhamos uma estratégia pronta e redonda para retomar as obras de Angra 3", relatou Pimentel Tavares. "Mas Bolsonaro chegou ao poder e recusou capital de Rússia e China no empreendimento, dizendo que a prioridade deveria ser dada aos EUA."

No entanto, os EUA não demonstraram interesse na conclusão das obras, que se manteve inconclusa. A falta de solução para o setor nuclear e energético brasileiro levou a gestão Bolsonaro a optar pela privatização da Eletrobras, com consequências abrangentes para o país.

Com a privatização, o governo brasileiro reduziu sua participação na Eletrobras de 65% para 42% perdendo, de fato, o controle da empresa. Apesar de operar em ramo sensível, sujeito ao monopólio estatal, a Eletronuclear se manteve subordinada à Eletrobras, agora uma empresa privada.

"Atualmente temos uma situação inusitada, na qual 65% do capital da Eletronuclear é de uma empresa privada", disse Chaves. "A Eletrobras só permaneceu como sócia da Eletronuclear por uma questão societária, a fim de evitar que o governo pagasse uma indenização altíssima à Eletrobras, que inviabilizaria economicamente a privatização. Então fizeram esse arranjo esquisito, que foi entregar as usinas nucleares brasileiras para uma empresa privada, o que aliás é inconstitucional."

Comandada pelas leis de mercado, a Eletrobras tem se demonstrado pouco interessada em investir na Eletronuclear, gerando questionamentos não só sobre as obras de Angra 3, mas também sobre a extensão da vida útil de Angra 1.

"Essa é uma questão de segurança nacional, de segurança ambiental e das pessoas que vivem no entorno de Angra. E esses investimentos estão sendo postergados, colocados em risco por causa da situação societária que vive a Eletronuclear após a privatização", concluiu Chaves.

Próxima de completar 40 anos de operação, a usina nuclear de Angra 1 aguarda parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear para estender a sua operação por mais 20 anos. De acordo com o superintendente de operações de Angra 1, Abelardo Vieira, a renovação deve ser obtida nos próximos meses, reportou a Agência Brasil.

 

¨      Avanços tecnológicos do BRICS 'desafiam a dominância do G7 em inovação', diz Dilma em evento do G20

Ocorre nesta segunda-feira (22) o primeiro dia do States of the Future, evento realizado no âmbito do G20 que visa descaracterizar a atuação estatal para o próximo século. Temas como a ascensão do Sul Global e a ordem multipolar foram os principais destaques.

O evento foi realizado em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O encontro contou com a presença de nomes como Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e ex-presidente do Brasil, Michelle Bachelet, ex-alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ex-presidente do Chile, além do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e Esther Dweck, ministra da Gestão.

Em sua fala de abertura, Mercadante destacou a encruzilhada em que o Brasil e o restante da América Latina se encontram.

Políticas de protecionismo comercial e subsídios voltaram a ser o centro das ações dos Estados Unido, da Europa e da China, que concentraram 73% das políticas industriais ao redor do mundo.

"Estamos assistindo um desacoplamento, […] uma fragmentação" entre as economias orientais e ocidentais, afirmou Mercadante. "É o maior deslocamento das cadeias globais de valor."

"E os países do Sul enfrentam um gigantesco dilema […], que é como se posicionar e como participar desse reordenamento econômico global."

Nesse sentido, o BRICS tem um "papel decisivo" na geopolítica mundial, "sendo mais importante, do ponto de vista econômico, do que o próprio G7".

"Além disso, os avanços tecnológicos de alguns dos países do BRICS […] China,

Um campo no qual essas nações desafiam a hegemonia ocidental, exemplifica a presidente do NBD, é no desenvolvimento de soluções contra o uso do dólar enquanto arma, como se tornou o SWIFT.

"É o caso da plataforma mBridge, que articula países da Ásia, do Oriente Médio e da nossa América Latina; da UPI [Unified Payments Interface; Interface de Pagamentos Unificada, em tradução livre], que é uma plataforma baseada na Índia; e o próprio SPFS [Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras] da Rússia."

<><> 'Não pode ser o Estado mínimo'

Nesse contexto, "o papel do Estado voltou a ser um tema de debates mundo afora", declara Rousseff.

"O denominado pensamento único que construiu a falsa oposição entre Estado e mercado e impôs ao Sul Global o preconceito contra a atuação do Estado vem sendo questionado pela própria atuação das economias desenvolvidas."

"O Consenso de Washington […] não é mais consenso nem em Washington e, pelo que me consta, nem em Chicago [cidade que nomeia a escola de economia neoliberal mais proeminente dos EUA]", resume Mercadante.

As medidas de protecionismo e subsídios industriais não são o único aspecto desse retorno ao Estado enquanto ator econômico. Nos últimos anos, as economias desenvolvidas têm se baseado em uma "brutal elevação da dívida" como forma de manter o crescimento econômico. A dívida pública dos EUA atingiu os US$ 34 trilhões (R$ 188,9 trilhões), lembra Dilma.

O caso norte-americano ainda enfraquece o desenvolvimento dos demais países, uma vez que "sequestra liquidez internacional e atrai uma parte significativa dos recursos internacionais", que estariam disponíveis para as economias emergentes.

"A mão que deveria ser invisível se transforma na mão mais visível do Estado, praticando uma política industrial ativa e uma clara intervenção, seja na economia doméstica, seja na internacional".

"Na realidade, não é que estão chutando a escada. Tem gente querendo derrubar o prédio", crava Mercadante. "O Estado, para construir um novo futuro, não pode ser o Estado mínimo."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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