Rosângela Trajano: Por que estamos trocando
árvores por concreto?
Quero ser a voz das
árvores neste pequeno ensaio onde penso chamar a atenção de quem ainda tem
tempo para ler um texto que pode falar apenas simplicidades, mas que pede
socorro pelas árvores da minha cidade e do mundo inteiro porque o passarinho
que sou virou árvore antes do poema do meu querido Manoel de Barros que nos diz
“Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore. / Meu irmão aceitou de
ser a árvore daquele passarinho. / No estágio de ser essa árvore, meu irmão
aprendeu de sol, / de céu e de lua mais do que na escola…”
Que muitas crianças
possam aprender e exercitar ser uma árvore por um instante na vida, sentindo as
dores da faculdade de uma existência que parece ter deixado de ser boniteza num
mundo de concreto feito de cimento, areia e pedras. As árvores são crianças
abandonadas que não sabem onde se amparar da chuva, do sol e da maldade humana.
Estão adoecendo e morrendo de tristezas as mais diversas porque perderam a
briga para o concreto faz alguns anos.
A beleza dos canteiros
de uma cidade está nas suas árvores com galhos enormes espalhados pelos quatro
cantos de uma avenida dando-nos sombra e frescor com o vento nas suas folhas.
Eu que amo as árvores sei bem do que é abraçar uma delas e receber um acalanto
na alma daquelas que pouco recebem de nós e nos dão tantas coisas boas.
As árvores deveriam
ser imortais e nunca derrubadas pelos homens. As crianças precisam aprender
desde cedo a respeitarem as árvores assim como idosos e adultos. Outro dia, eu
vi uma mulher grávida quase dar à luz a uma criança embaixo de uma velha árvore
na periferia da minha cidade. Nas periferias é onde a vida acontece de verdade,
leitor lindo.
Fico me questionando
por que algumas pessoas ainda insistem em dizer que as árvores sujam as ruas e
atrapalham o trânsito nas grandes cidades se elas chegaram primeiro, a história
é meio parecida com a colonização do nosso país, pois os indígenas estavam aqui
bem antes dos portugueses, mas isso é outra história que quero contar outro
dia.
Hoje quero falar para
vocês de que os homens estão ficando malucos com essa ideia de desenvolvimento,
inteligência artificial, smartphones e compras pela internet. Vi uma pessoa
comprar uma plantinha num site até fofinho, mas planta a gente consegue em qualquer
canteiro, não é mesmo? Pois acreditem isso não acontece mais. Os canteiros
estão deixando de existir. Nos lugares das árvores placas de sinalizações,
postes de iluminação pública ou radares de segurança e outras bugigangas que os
homens inventam para prejudicar a si próprios.
Se quisermos ter uma
plantinha dentro de casa teremos que ir a um site e comprarmos porque elas já
não estão mais onde deveriam estar: espalhadas pela cidade. Nos seus lugares
estradas de concreto, edifícios enormes, supermercados e até mesmo escolas para
crianças derrubam árvores para construírem seus prédios.
O mundo virou um
concreto e o verde já não está mais no seu lugar. Se você olhar atentamente
verá poucas ou nenhuma árvore na sua cidade caso more numa metrópole. Os homens
esqueceram que o verde da natureza nos traz ar puro e é necessário para a vida
humana, trocando-o por concreto.
Eles dizem que é
preciso desenvolver as cidades, que é preciso acompanhar o mundo contemporâneo,
que é necessário se igualar as grandes megalópoles. Ora, ora, e o nosso
desenvolvimento sustentável? Fica somente no papel, leitor. Na hora de
construir um prédio de vinte ou trinta andares aquelas cinco lindas árvores são
esquecidas no que diz respeito aos seus benefícios para os pulmões dos
engenheiros e pedreiros. Elas são derrubadas violentamente por grandes carros
que parecem mais umas geringonças de fazer medo a qualquer criança. Já teve um
tempo que quis nascer árvore, mas hoje teria medo, muito medo.
Os homens estão
fazendo com as árvores o mesmo que o prefeito da província romana da Judeia,
Pôncio Pilatos, fez com Jesus Cristo, ou seja, forçando-as a pagarem um pecado
que nunca cometeram. Estou cansada demais para continuar a minha luta pelas
árvores e seus encantos, pelos seus mundos imaginários que nos mostram o quanto
é lindo ver o desenho de uma criança brincando debaixo de uma delas.
Estamos trocando as
nossas árvores por concreto porque somos humanos demasiados humanos ratificando
o que diz o livro do grande filósofo Nietzsche, ou seja, a ausência da
liberdade, as ações humanas são contingentes e precisas num mundo de caos e
político masoquista.
A liberdade das
árvores de poderem reivindicar os seus direitos; os homens têm sido meio
animais cheios de instintos regidos por uma coisa chamada: desenvolvimento. As
árvores estão com taquicardia, com ansiedade, com depressão e todos os
problemas mentais que um ser vivo pode ter neste último grande século em que
estamos vivendo porque temem os malditos corações dos homens de paletó e
gravata.
Eu queria mesmo era
que as árvores deixassem de ser generosas e fizessem uma revolução no mundo
inteiro saindo em passeatas pelas ruas das cidades dizendo aos homens más que
eles precisam delas, que elas são indispensáveis à vida. Deus criou a árvore da
vida, quem foi lá e a derrubou? O homem pecador. O homem cruel. Certamente um
homem que queria o desenvolvimento do seu lugar de moradia.
Na minha cidade todos
os dias árvores são derrubadas para serem construídos prédios, viadutos,
estacionamentos, shopping centers e ninguém diz nada. Todos ficam calados com
medo de serem expulsos do paraíso do concreto onde atrás dos muros que se
escondem têm uma vida pacata. Não precisam brigar por sombra ou água fresca
porque compram com o dinheiro se possível até mesmo a vida imagine uma árvore.
Isso é coisa de gente que não tem com o que se preocupar ficar brigando por uma
árvore.
Porque toda árvore que
é derrubada nas cidades grandes é para o bem do seu povo, alegam as
autoridades. Só que elas não sabem que o bem do povo é conservar o verde das
florestas e saber conviver com a natureza e os prédios num lugar só. Acho que
ninguém ousa perguntar se é preciso mesmo derrubar árvores para construir um
shopping em uma dessas reuniões chiques de engenheiros e empresários. Quem vai
perder tempo com uma arvorezinha qualquer? Elas não são nada para esses homens
loucos por dinheiro e mentirosos ao ponto de dizerem que praticam o
desenvolvimento sustentável.
Eu conheço bem as
árvores. Sou amiga íntima de várias delas, principalmente as das periferias da
minha cidade, as que ninguém dá nada por elas, aquelas que o povo tem mania de
colocar entulhos e lixos nos seus troncos e a prefeitura com raiva prefere derrubar
a árvore para impedir que essas coisas aconteçam. As árvores estão com medo de
continuarem sendo elas mesmas, e já começam a se vestirem de monstros para
assustarem esses homens ambiciosos que só pensam em dinheiro.
Nos livros didáticos
das crianças a gente vê muito desenho de árvore, mas quantas delas não foram
necessárias serem derrubadas para a fabricação do papel daquele livro? Que
adianta insistir com as crianças de que a natureza é linda se já não damos o
verdadeiro exemplo para elas de cuidado e respeito com as árvores ao nosso
redor? As árvores vão morrer de infarto qualquer dia desses porque seus
corações não resistirão a maldade humana.
Num lugarzinho serrano
do meu Estado foram derrubadas várias árvores para a construção de um hotel. Eu
fiquei bastante triste quando soube disso e fui lá, fiz um trabalho com as
crianças sobre as árvores onde elas brincavam e que tinham sido derrubadas para
a construção do tal hotel, mas elas foram enganadas pelos seus pais e
responsáveis que lhes disseram que no hotel teriam parquinho de diversões,
piscinas e áreas de lazer para elas se divertirem à vontade. Já viu criança
pobre entrar em hotel de luxo?
Mentem para as
crianças, mentem para os idosos, mentem para a sociedade e assim vão derrubando
as nossas árvores para construírem seus prédios com muros altos e portarias
cheias de seguranças onde ninguém se aproxima sem se identificar. Nem as
árvores são bem-vindas em alguns desses prédios, pois elas sujam muito com as
suas folhas e será preciso contratar um jardineiro para cuidar delas, um gasto
desnecessário para muitos moradores.
As árvores perderam a
batalha contra o concreto até nas cidades pequenas. A grama de um estádio de
futebol moderno é sintética e não real como a grama do campinho do bairro de
dona Maria. O verde perdeu a sua audácia, a sua estada, o seu oceano, a sua
Terra e a sua dignidade. E quando se perde a dignidade não nos resta mais nada
a não ser morrermos para o mundo. Nos silenciar e deixar que as coisas
aconteçam conforme a necessidade dos homens que controlam as armas nucleares
capazes de fazer deixar de nascer plantas e gente em lugares aonde elas
chegarem por vários anos.
Estamos todos mortos,
principalmente as árvores. Delas vão sobrar alguns poucos desenhos de crianças
que ainda podem brincar com elas na casa dos avós que não as derrubaram para
cimentar o quintal de casa e assim ficar mais fácil a limpeza. Até os avós estão
usando cimento no lugar de grama nas suas casinhas de sapê.
Para encerrar este
pequeno ensaio um pouco tristonha, mas sabendo que a minha luta pela vida das
árvores continua ainda mais forte deixo vocês com o poema de António Gedeão que
nos diz “…As árvores, não. / Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol
silenciosamente. / Não pensam, não suspiram, não se queixam. /Estendem os
braços como se implorassem; / com o vento soltam ais como se suspirassem; / e
gemem, mas a queixa não é sua…”
Ao contrário do que
diz o poema de António Gedeão eu acredito que a queixa das árvores é o silêncio
de estar presente num mundo que era seus e hoje pertence ao concreto dos homens
ambiciosos que só pensam em construir prédios e fazer estradas para irem onde
nunca saberão.
Fonte: EcoDebate
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