Roberto Amaral: Os EUA e o mundo sob sua
regência
No teatro elisabetano,
o coro era figura sem presença na trama, inventada para anunciar ou esclarecer
passagens futuras na tragédia ou no drama.
Com a tosca aparição
nas telas da CNN, no último 15 de junho, os atuais postulantes da Casa Branca
ilustraram a decadência política da sociedade estadunidense, da qual são fruto
legítimo, assim como foi produto inevitável o lento e previsível declínio do
império romano, ensandecido pela loucura do poder supremo e universal.
Qualquer que seja o
resultado das eleições dos EUA no próximo 5 de novembro, o constrangedor debate
(pelo que anunciou) já pode se candidatar como um dos fatos históricos mais
relevantes da década.
Porque, na sua comédia
e na sua tragédia, a cena bufa de atores medíocres mais do que revelar, em
imagem de corpo inteiro, o declínio do império, projetou o inevitável fim de
sua hegemonia, que não tem data para tomar forma, tanto quanto não se sabe o preço
que ainda cobrará à humanidade, em sua marcha presente para um “fascismo de
outro tipo”, que a imprensa e a academia batizaram de extrema-direita.
Sendo o epicentro, os
EUA não encerram, porém, o universo das nuvens cinzas.
A história presente
nos acena com um processo político cujas pinças se espalham pelo mundo e
ameaçam engolfar a Europa, fazendo-nos rever os anos 20-30 do século passado
–desta vez, porém, com um elemento distintivo crucial: se naquele então os EUA
cumpriam o papel militar e ideológico de esteio democrático, hoje, mil vezes
mais poderosos, são a fortaleza da reversão protofascista, que, na loucura do
dever missionário auto-atribuído, procuram levar ao mundo inteiro, porque seu
código de valores mudou nas pegadas do capitalismo financeiro monopolista.
O débil presidente de
direita e o meliante que o desafia carecem de relevância. Desgraçadamente,
Trump, tanto quanto Biden, ou quem venha substituí-lo na campanha mal iniciada,
não constituem um ponto fora da curva na história política do império norte-americano.
A política, na parte
do mundo que nos toca, regida pelos mesmos astros, marcha na toada dos tempos.
Após o suicídio já
quase longínquo da URSS, seguem-se a derrocada da socialdemocracia e o avanço
continuado ora da direita, ora da extrema-direita. O sinal mais trágico já nos
foi enviado pela Itália, e pode ser repetido por franceses no próximo domingo,
como pelos alemães no ano que vem.
O Fratelli d’Italia
alçado ao poder pelo voto democrático – como antes foram Mussolini e Hitler,
como foram recentemente as caricaturas Bolsonaro e Milei –-, colocou na chefia
do governo a neofascista Giorgia Meloni.
Na Alemanha, a
socialdemocracia desmorona enquanto crescem os grupos nazistas (que também já
proliferam por aqui). Lá, até os verdes são de direita.
As eleições gerais
para renovação do Bundestag devem ocorrer em 2025, e além da derrota do
primeiro-ministro Olaf Scholz, e de seu SPD, que nas pesquisas recentes ocupa o
terceiro lugar nas referências dos eleitores, é previsível a ascensão de uma
direita patologicamente intoxicada pelo chorume nazista que nos levou ao que
todos sabem, porque falou à alma profunda do pangermanismo, como o Duce
sintetizou, com o fascismo, o sonho italiano de reviver as glórias de um
império perdido nas brumas da história.
As eleições
norte-americanas não alterarão o processo histórico: navegam em sua vaga.
O governo de Meloni,
que acompanha as diretrizes dos EUA na OTAN, não tem término aprazado. O
movimento está na França, com o fim já proclamado da hegemonia do Em Marche de
Emmanuel Macron, que, todavia, permanecerá mais três anos habitando o Palais de
l’Élysée, qualquer que seja o anúncio das eleições de domingo. É delas,
portanto, que devemos tratar.
Como os astros e as
pesquisas aparentemente científicas anteciparam, o primeiro turno confirmou o
avanço do ultradireitista Front National, de Marine Le Pen, mas sem
assegurar-lhe a maioria absoluta no parlamento (faltaram-lhe preciosos nove
votos).
A prevista derrota das
esquerdas (comunistas, socialistas, ecologistas, progressistas) todavia, não se
deu. O desempenho eleitoral da Frente de Esquerda surpreendeu, colocando-a em
segundo lugar, a cinco pontos de Le Pen.
O grande derrotado,
qualquer que seja o resultado de domingo, é Macron. Esta é a única unanimidade
entre os analistas e Marine Le Pen, anunciada candidata à sua sucessão, insinua
a conveniência da renúncia do presidente em face de eventual derrota acachapante.
Inábil jogador de
xadrez, embaralhou as pedras com a dissolução da Assembleia e a consequente
convocação das eleições, na frustrada expectativa de repetir o lance usual nas
táticas da direita: apresentar-se como a alternativa salvadora entre a ameaça
dos extremos.
No momento em que
escrevo, o professor Marco Antônio Rodrigues Dias lembra a inutilidade de
qualquer tentativa de antevisão do segundo turno, por absoluta ausência de
segurança empírica. Valem tanto quanto a quiromancia.
Ademais, por que tanta
aflição se estamos já a um passo do pleito? Tratemos, pois, daquilo que,
segundo nosso ponto de vista, parece hoje definido.
Deve ser tido como
favas contadas o avanço da extrema-direita, e, seja nosso consolo, a
sobrevivência da esquerda, desta feita se superando numa política de frente que
interrompe o divisionismo de muitas eras, vencido no Brasil em 2022. Melhorou
seu desempenho em face das últimas eleições.
O medo, como se vê,
pode ser bom conselheiro. Descartada a vitória do En Marche, a única
alternativa será a coabitação – repetindo as experiências do socialista
François Mitterrand (1986-1988) com a centro-direita de Jacques Chirac, e
Chirac-Jospin (1997-2002) – trazendo à tona a quase certeza da instabilidade
política que, partindo da França (que com a Alemanha constitui seu centro
econômico-político hegemônico) pode atingir a Comunidade Europeia e mesmo a
OTAN.
É preciso, porém, pôr
de manifesto o distanciamento político daquelas passadas coabitações,
compreendendo esquerda e centro-direita, com a expectativa do lamentável
encontro da direita de Macron com a extrema direita protofascista.
A querida Rosa Freire
d’Aguiar lembra que a França da Liberté, Égalité, Fraternité é a mesma que a
menos de oitenta anos foi governada por um primeiro-ministro fascista, Pierre
Laval, isso na “República de Vichy” chefiada pelo Marechal Philippe Pétain, a
serviço do exército alemão invasor.
A humilhante derrota
para a Alemanha é muitas vezes invocada para explicar a indigência moral. Mas o
que dizer de hoje, quando boa parte dos franceses pode estar elegendo um novo
Vichy?
Tímida aragem chega da
Grã-Bretanha, com a confirmação da derrocada do Partido Conservador, após 14
anos de mando e desmandos.
Mas o Partido
Trabalhista que controlará a Câmara dos Comuns e nomeará o primeiro-ministro
não guarda raízes com o Labour Party de Jaremy Corbyn. A política externa
permanecerá intocável, e o novo governo se limitará a enfrentar as
consequências da desastrada saída da Comunidade Europeia.
O ex-império está tão
doente quanto a família real, e permanecerá como província de sua ex-colônia.
Nosso continente vive
seus abalos. O Brasil, graças ao carisma e ao sacrifício de Lula, conteve a
continuidade da extrema-direita.
Teve, porém, o PT, na
campanha e no governo, de aliar-se a setores conservadores, e, minoritário,
enfrenta a oposição ativa do mais reacionário Congresso de quantos conheceu a
República.
E, pela primeira vez,
assistimos, em país flagrantemente dividido, uma extrema-direita organizada e
mobilizada, enraizada em grandes setores populares, alimentada por setores da
ordem econômica, apoio que se reflete na oposição que os grandes meios de comunicação
movem contra o governo de centro-esquerda.
O Paraguai segue na
estabilidade dos governos de direita. O Partido Colorado permanece no poder
praticamente desde 1887.
São desanimadoras as
perspectivas do Peru e do Equador.
Na Bolívia, vítima de
guerra híbrida, o governo conseguiu conter mais uma tentativa de golpe militar.
Mas a guerrilha inexplicada entre Evo Morales e Luís Arce poderá afastar a
esquerda nas próximas eleições, além de constituir um desserviço para a educação
política das massas.
Há, contudo, o que
comemorar, como as indicações de que a Frente Ampla de José Mujica pode voltar
ao poder no Uruguai. O grande feito, de qualquer modo, é a eleição de Claudia
Sheinbaum no México, com 60% dos votos e conquistando dois terços o Congresso.
Que esse panorama
ajude a esquerda e as forças populares de um modo geral a compreenderem o
desafio político-ideológico das nossas eleições municipais deste ano.
• Trump zomba de Biden e diz que ele deve
“seguir” com campanha
O ex-presidente dos
Estados Unidos Donald Trump disse no sábado (6) que acha que o presidente Joe
Biden deve seguir com sua campanha presidencial em meio a apelos de alguns
democratas para que Biden desista.
“O desonesto Joe Biden
deve ignorar seus muitos críticos e seguir em frente, com entusiasmo e força,
com sua campanha poderosa e de longo alcance”, escreveu Trump em um post
sarcástico no Truth Social.
Trump zombou de Biden
e fez várias reivindicações infundadas sobre as políticas do presidente e
chamou a campanha de Biden de “Destruição Americana.”
“Ele deve ser afiado,
preciso e enérgico, assim como ele estava no Debate, na venda de suas políticas
de Fronteiras Abertas (onde milhões de pessoas, incluindo números terroristas,
são autorizados a entrar em nosso país, de prisões e instituições mentais,
totalmente sem controle e sem veto!), para acabar com a Previdência Social,
Homens jogando em esportes femininos, altos impostos, altas taxas de juros,
incentivando militares, inflação incontrolável, crime recorde, apenas veículos
elétricos, subserviência à China e outros países, guerras intermináveis,
colocando a América por último, perdendo nosso padrão baseado em dólares e
muito mais. Sim, Joe Dorminhoco deve continuar sua campanha de Destruição
Americana e, FAÇA CHINA GRANDE NOVAMENTE!”
O post de Trump vem
quando ele e seus aliados estão tentando determinar o que o democrata seria
realmente para a campanha de Trump, e alguns republicanos acreditam que o
caminho de volta para a Casa Branca provavelmente seria mais fácil com Biden no
topo da lista.
“O caos é nosso
amigo”, disse uma pessoa próxima a Trump.
Como disse um
pesquisador republicano, Trump “prefere ir com o diabo que ele conhece do que o
diabo que ele não conhece.”
• 'Não temos' presidente dos EUA 'há muito
tempo', diz Musk
O empreendedor
aparentemente se referiu a Joe Biden após este ter falhado recentemente o
debate com Donald Trump, o provável candidato republicano nas eleições
presidenciais dos EUA neste ano.
Os EUA há muito tempo
que não têm presidente, diz o empresário americano Elon Musk.
Ele comentou na rede
social X uma coluna de opinião de sexta-feira (5) do jornal norte-americano The
New York Times intitulada "Os Estados Unidos precisam de um
presidente?".
"Boa pergunta...
já que obviamente não temos um há muito tempo", escreveu Musk.
Joe Biden, presidente
dos EUA, admitiu seu fracasso no recente debate com o concorrente republicano
Donald Trump, mas garantiu ter condições para seguir como candidato democrata
nas eleições presidenciais em novembro de 2024.
Fonte: Viomundo/CNN
Brasil/Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário