terça-feira, 9 de julho de 2024

Crise, pânico ou mera especulação? Entenda o vaivém do dólar no Brasil

O Brasil passou por um vaivém cambial na semana que passou. A cotação do dólar, que já vinha subindo desde o início do ano, aumentou de R$ 5,60 para 5,70 de segunda para terça-feira (2). Até sexta-feira (5), ela caiu para R$ 5,50.

A oscilação levantou preocupações sobre a economia nacional, já que alta do dólar pode elevar a inflação no país e ter outros efeitos colaterais. Mas o que, de fato, justifica esse sobe-e-desce, considerando que a economia brasileira mantém desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um desempenho acima das expectativas?

O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explicou que os movimentos têm, basicamente, três explicações: uma externa, ligada à economia dos Estados Unidos; outra interna, relacionada a uma suposta crise brasileira; e uma terceira, ligada à dinâmica de especulação do mercado financeiro.

•        Fator EUA

Roncaglia disse que a economia estadunidense opera hoje sob uma taxa básica de juros alta para seus padrões. Está em até 5,5% ao ano desde julho do ano passado – em 2022, chegou a estar em 0,5%. Com juros elevados, mais investidores decidem aplicar recursos em títulos do tesouro americano do que em outros investimentos disponíveis mundo afora. Isso reduz a oferta de dólar fora dos EUA e pressiona a cotação da moeda para cima.

“Há um fluxo maior de capitais para os títulos públicos norte-americanos. Com isso, o dólar fica mais valorizado perante outras moedas. O real está sujeito a isso”, reforçou Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento.

Neste ano, numa cesta de 118 moedas, 84 perderam valor ante ao dólar. A cotação do real também caiu. Está, inclusive, entre as que mais se desvalorizaram.

•        Questão nacional

Essa desvalorização acima da média tem explicações internas, segundo economistas. Ela tem relação com uma desconfiança de agentes econômicos sobre a capacidade de o governo cumprir seus compromissos fiscais e controle de gastos.

O governo havia prometido, no ano passado, gastar menos do que arrecadaria em 2025. Essa meta foi adiada para 2026 em abril, em meio a discursos de Lula de que gastos sociais e investimentos precisam ser preservados. Para quem defende gastos reduzidos a qualquer custo, isso criou uma crise, mesmo com indicadores mostrando a saúde da economia nacional.

"Eles [do mercado] contam uma história de que o Brasil está às portas do precipício, muito endividado, correndo risco de quebrar, de que as contas públicas estão em situação de insolvência", reclamou a economista Juliane Furno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato. "Nada, absolutamente nada, aponta para descontrole das principais variáveis macroeconômicas."

As previsões mais atualizadas sobre a economia nacional apontam para um crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 – no início do ano, a previsão era de 1,5%. A inflação deste primeiro semestre diminuiu quando comparada com os seis primeiros meses de 2023, passando de 3,16% para 2,52%. A taxa de desemprego de 7,1% registrada no trimestre encerrado em maio é a menor dos últimos dez anos.

•        Especulação

Desse temor infundado nasceu a possibilidade de especular para ganhar dinheiro. Esta é a terceira explicação para o vai-e-vem do dólar. O real é uma moeda integrada ao mercado financeiro. Existem investidores "apostando" na sua alta ou queda para ganhar dinheiro. Alguns viram a suposta crise fiscal do país como um motivo para apostar em sua queda, o que tende a impactar no seu preço real.

"Tudo isso tem um componente de tentativa de manipulação do mercado", disse Cantelmo. "Tem até uma atuação de Roberto Campos Neto [presidente do Banco Central] para que isso ocorra."

Cantelmo lembrou que Campos Neto afirmou publicamente que o Banco Central (BC) não iria intervir na cotação do dólar, algo que seria uma estratégia comum considerando a busca pela estabilidade no país e as altas reservas cambiais que o país detém.

O BC administra reservas US$ 355 bilhões. Pode vender parte disso quando o dólar sobe para aumentar a oferta da moeda, derrubar sua cotação e ainda aproveitar a oportunidade de ganhos financeiros.

"Campos Neto deveria ter ficado quieto. Não deveria ter falado que não iria intervir", ratificou Pedro Faria, também economista. "E há agentes de mercado se aproveitando da fala dele e da conjuntura mundial da alta do dólar para ganhar com isso."

•        Calmante

Enquanto Campo Neto abriu espaço para mais especulações com o dólar, Lula resolveu acalmar o mercado na quarta-feira. Convocou uma reunião da equipe econômica do governo em meio à alta do dólar e reforçou seu compromisso com o controle dos gastos.

"A gente não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é uma palavra, é um compromisso deste governo desde 2003", disse Lula.

No mesmo dia, o governo anunciou o bloqueio de R$ 25 bilhões em despesas para o cumprimento das regras do novo arcabouço fiscal. Tudo isso reduziu a pressão contra o real e derrubou a cotação do dólar.

 

•        Considerações e dados sobre a economia política do governo Lula. Por Miguel do Rosário

O debate sobre economia política no Brasil tem sido tumultuado por muita desinformação, vindo de vários espectros políticos.

A direita, por exemplo, tenta emplacar a narrativa de que o país vive uma situação econômica desastrosa.

A maioria dos indicadores, no entanto, sinaliza exatamente o oposto: emprego em alta, PIB crescendo, e inflação sob controle.

Não se trata aqui de opinião do jornalista. O debate político no país, sobretudo em assuntos de economia, precisa estar fundamentado em dados, ou então se torna uma discussão vulgar de botequim (com todo o respeito às discussões de botequim).

<><> PIB em alta

Em primeiro lugar, falemos do Produto Interno Bruto, o famoso PIB. A saudosa Maria da Conceição Tavares dizia que a gente não come PIB, no que estava correta, mas não podemos esquecer que a recíproca não é verdadeira. Ou seja, o PIB, quando tem fome, come o brasileiro. 

Segundo o IBGE, o PIB do Brasil, no primeiro trimestre de 2024, cresceu 2,5% sobre o mesmo período de 2023. É um ótimo crescimento, sobretudo porque atingido com inflação dentro da meta (abaixo de 4% ao ano).

Além disso, foi um crescimento com qualidade, porque se registrou uma expressiva alta, de 2,7%, na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), um nome complicado para o que é conhecido mais popularmente como investimento. E também porque foi puxado sobretudo pelo consumo das famílias, que avançou impressionantes 4,4% (sempre comparando com o mesmo período de 2023).

Outro fator positivo do PIB brasileiro no primeiro trimestre foi o crescimento da indústria, que avançou 2,8% na comparação com o mesmo período de 2023. Por aí se vê, a propósito, a contribuição do setor industrial para a estabilidade econômica do país, pois se dependessemos apenas da agropecuária, que registrou queda de 3% no primeiro trimestre, o PIB poderia ter ficado negativo.

A propósito, os números da indústria, apesar de um recuo na média geral em maio, ainda mantém um crescimento acumulado de 2,5% no ano, com destaque para a recuperação do setor de bens de capital, que acumula alta de 4,1% nestes cinco primeiros meses do ano. Tudo indica que a indústria brasileira terá mais um bom ano, e até mesmo a alta do dólar deve lhe beneficiar, porque deixa os manufaturados nacionais mais competitivos, tanto para o consumidor brasileiro quanto para o resto do mundo.

Na comparação com o trimestre imediatamente anterior, o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2024 foi de 0,8%, o que também é um excelente número.

A inflação é motivo de acaloradas discussões nas redes, mas é preciso desfazer algumas confusões. A mais comum é confundir os altos e baixos nos preços de alguns produtos específicos com a taxa média da inflação no país.

Nos últimos meses, houve alta de preço de alguns alimentos importantes, como o arroz, mas as carnes e pescados seguem com preços bem menores do que há alguns anos.

Houve um repique inflacionário em fevereiro, sobretudo, quando o IPCA chegou a 0,83%, mas a partir de março a situação normalizou-se. Na média de 12 meses, a inflação ainda vive dias tranquilos, situando-se em 3,93%, abaixo do teto da meta, que é 4%.

<><> Exportações continuam a bater recordes históricos

A dissonância cognitiva de quem vê um “desastre econômico” no Brasil se torna mais evidente quando olhamos para nosso comércio exterior, que está mais pujante do que nunca.

Nos últimos 12 meses, até junho, o saldo comercial do país bateu um novo recorde histórico (para o período jul/jun) e chegou a quase 100 bilhões de dólares, ou mais precisamente 97 bilhões de dólares

As exportações geraram receita de 342 bilhões de dólares nos 12 meses terminados em junho. Ao contrário do senso comum, que pinta o Brasil apenas como um “fazendão”, exportador unicamente de produtos primários, 51% das exportações brasileiras são produtos manufaturados, classificados como indústria de transformação.

Esse é nosso mais sólido e indestrutível seguro contra ataques especulativos à nossa moeda. Por isso também não faz sentido nenhum pânico cambial.

O problema das oscilações cambiais bruscas é que elas tumultuam os negócios. Um dólar um pouco mais alto pode pressionar alguns itens importantes para a inflação, como remédios, pão, serviços de tecnologia e transportes. Mas também beneficia a indústria brasileira, como já falamos lá em cima, porque deixa nossos produtos mais competitivos no mercado internacional. Ou seja, os próprios fundamentos da economia brasileira garantem uma moeda estável, porque se o real se desvalorizasse muito, nossas exportações iriam aumentar tanto, nossas importações iriam cair tanto, que pressionariam pela revalorização da nossa moeda (pois estaria entrando mais dólar, pela exportação em alta, e saindo menos dólar, pela importação em baixa).

Diante desses números, inequivocamente positivos, a direita passou a tocar o tambor do terrorismo fiscal. Neste caso, ela conta com a ajuda de sua velha aliada nestes assuntos, a mídia corporativa, que ajuda a promover desinformação e pânico.

Na verdade, todavia, as contas públicas estão sólidas. A receita total do governo central, no acumulado de 12 meses, foi de 2,53 trilhões de reais, um recorde histórico incrível. E os recordes estão vindo, sobretudo, nos últimos meses.

O problema, naturalmente, é o resultado primário, que é a soma de receitas e despesas. Em 12 meses, o resultado primário ficou negativo (ou seja, virou déficit primário) em 268 bilhões de reais. O déficit nominal, que inclui a conta de juros, chegou a R$ 1 trilhão em maio último.

Esses são os números que a mídia usa para falar em “rombo fiscal”.

Acontece que esses números, em si mesmos, não fazem muito sentido. É preciso olhar sobretudo para o percentual do resultado primário sobre o PIB, porque uma economia maior pode suportar, sem maiores problemas, níveis maiores de endividamento público.

O déficit primário em maio de 2024, no acumulado de 12 meses, correspondia a 2,42% do PIB. A previsão do mercado, porém, é que ele baixe para próximo de 1% do PIB até o fim do ano. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está comprometido em zerar o déficit neste ano ou em 2025.

Podemos até fazer uma comparação com outros momentos ruins, como a crise política vivida pelo governo Dilma em 2015 e 2016, e com a pandemia de 2020 e 2021, mas não nos termos em que a direita tem feito.

Tanto na crise de 2025 quanto na pandemia, o PIB estava em declínio, o desemprego explodindo e o Brasil não tinha um saldo comercial de quase 100 bilhões de dólares. Hoje o PIB está em ascensão, o nível de emprego se mantém firme e o comércio exterior bate recordes.

Por fim, precisamos falar de algumas críticas injustas vindas da própria esquerda, fruto também de falta de informação – e neste sentido o governo deve ter alguma responsabilidade.

A principal delas, a meu ver, é a acusação de que o governo Lula é neoliberal, e de que a gestão de Haddad à frente do ministério da Fazenda é austericida.

Eu acho que, neste caso, as pessoas confundem a linguagem de Haddad, que precisa manter um diálogo com agentes do mercado e do setor produtivo, e o que, na prática, ele vem fazendo.

O governo Lula III pode ser tudo, menos neoliberal.

Os números não mentem. O governo Lula não está adotando, definitivamente, uma política de austeridade fiscal. Aliás, é justamente por isso que o governo vem enfrentando pesados ataques da mídia e do mercado financeiro, por se recusar a cortar despesas, especialmente aquelas de cunho social.

Os gastos federais com Bolsa Família, Saúde e Educação, no acumulado de 12 meses encerrado em maio último cresceram fortemente em relação aos 12 meses do último ano de Bolsonaro. Usamos aqui, naturalmente, valores devidamente deflacionados, ajustados pelo IPCA do IBGE de maio de 2024. E somamos gastos obrigatórios e discricionários.

O gasto federal com Bolsa Família, nos 12 meses até maio deste ano, totalizou 172 bilhões de reais, 180% acima do valor gasto pelo governo Bolsonaro em seu último ano.

Com educação, as despesas federais totalizaram R$ 45,7 bilhões nos 12 meses encerrados em maio último, um aumento de 160% sobre o último ano de Bolsonaro!

As despesas federais com saúde, por sua vez, chegaram a R$ 196 bilhões no acumulado de 12 meses até maio de 2024, um aumento de 132% sobre 2022, último ano da administração anterior.

Os gráficos abaixo ilustram bem o aumento impressionante das despesas federais com esses três itens fundamentais para a questão social: bolsa família, saúde e educação.

No caso da educação, chama atenção a forte queda dessas despesas no governo Bolsonaro. Por aí se entende a situação difícil vivida pelas universidades federais, e o tamanho do problema que explodiu em mãos do ministro Camilo Santana.

Aliás, até mesmo na saúde, se nota que os gastos caíram muito durante o governo Bolsonaro, mesmo com a pandemia pressionando dramaticamente o serviço público.

Como percentual do PIB, as despesas federais com educação caíram fortemente desde o início da crise política provocada pela Lava Jato, em 2014 e 2015, acentuando-se após o golpe de 2016, e caindo ainda mais durante o governo Bolsonaro. Em dezembro de 2022, último mês da administração anterior, as despesas federais com educação haviam caído para o mínimo histórico de 0,28% do PIB.

Desde que o governo Lula assumiu seu terceiro mandato, porém, os gastos com educação voltaram a subir, e agora já estão em 0,41% do PIB.

<><> Conclusão

O debate sobre a economia política do governo Lula deve ser feito com dados, porque essa é a única maneira de fazer as críticas corretas, mesmo construtivas.

 

Fonte: Brasil de Fato/O Cafezinho

 

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