Ricardo Nêggo Tom: ‘O capitalismo acabou
com o futebol brasileiro’
Serei tão breve quanto
a participação da seleção brasileira de futebol na Copa América 2024 para falar
sobre a vergonha que o nosso futebol anda exibindo orgulhosamente como troféu
há mais de duas décadas. Não apenas pelo vexame da recente eliminação para o
Uruguai, mas, principalmente, pelo contexto social e político no qual a
Confederação Brasileira de Futebol se encontra. Uma instituição corrupta,
comandada por gente corruptível e que nunca teve um projeto para manter
minimamente estruturado o esporte mais praticado no país. A CBF é o Rio de
Janeiro das confederações de futebol, onde os seus governantes, se já não foram
afastados ou presos, ainda serão. E ninguém consegue acreditar na inocência
deles.
O processo de
transição da era Tite – que foi um grande fiasco, diga-se de passagem – para o
atual momento, que tem tudo para superar o fiasco anterior, foi de um
amadorismo varzeano. Primeiro, a promessa de trazer Carlo Ancelotti, algo que
eu nunca acreditei que aconteceria, e colocar Fernando Diniz como interino.
Dois estilos de jogo completamente diferentes, mas que, na opinião do senhor
Ednaldo Rodrigues, havia coerência na escolha. Ancelotti não veio, Diniz não
durou 6 meses no cargo, e Dorival Júnior, que há dois anos era treinador do
modesto Ceará, foi escolhido como a nova salvação da lavoura arcaica chamada
CBF. Um técnico que é considerado muito gente boa no meio, mas não tem colhões
o suficiente para se impor sobre o “neymarizado”, mimado e superestimado grupo
de jogadores que ele se vê obrigado a convocar.
Uma prova de que
Dorival não tem moral entre os atletas é a cena onde ele aparece fora da
rodinha dos jogadores antes das cobranças de pênalti, tentando se fazer ouvir
por eles. Foi constrangedor ver o comandante do grupo levantando o dedinho
indicador timidamente para pedir a palavra, enquanto os seus autossuficientes
jogadores decidiam o que fazer, erguendo as mãos para o céu e rezando, talvez
para que o deus capital os ajudasse a vencer a disputa. Provavelmente, a
decisão de escalar o zagueiro Éder Militão como o primeiro batedor tenha
partido dos atletas. É bem provável também que Dorival nem tenha escalado os
demais batedores. Ainda sobre o jogar rezando ou orando, como queiram, é
preciso pontuar que, desde que essa chatice oportunista e religiosamente
sistêmica, travestida de fé, se espalhou no meio do nosso futebol, não ganhamos
mais nada. Saudade do tempo em que jogadores comemoravam seus gols com os
punhos cerrados ou socando o ar.
Neymar é o símbolo
máximo do atual futebol brasileiro. Tanto por ser tecnicamente o melhor jogador
surgido no país nos últimos 15 anos, como por emprestar o seu nome para o
sistema político, social e econômico vigente neste mesmo futebol. A
“neymarização” da maior paixão nacional é a principal causa do insucesso da
seleção brasileira. E nem Guardiola daria jeito nisso. Neymar também se diz
100% Jesus, em que pese ele seja 1000% capital e não esteja nem um pouco
preocupado em conquistar títulos importantes com a seleção do seu país. Nunca
esteve, e não estará agora em final de carreira. Diferentemente de Messi, que
conquistou a sua tão sonhada Copa do Mundo aos 45 do segundo tempo, e Cristiano
Ronaldo, que entrega a alma jogando por sua seleção.
O comportamento dos
atuais jogadores da seleção, e também do futebol brasileiro, é pautado na
figura de Neymar. Gabigol, do Flamengo, é um exemplo. Por ter conquistado
alguns títulos importantes pelo clube, começou a posar de pop star e a se achar
maior do que a instituição. Foi devidamente enquadrado pela direção e está de
saída da Gávea. Neymar se acha maior do que a seleção brasileira porque o
capitalismo que garante o seu altíssimo poder econômico o faz pensar assim.
Aliás, ele se acha maior do que o povo do seu próprio país, ao defender a
privatização de praias para expandir ainda mais os seus negócios e
potencializar ad eternum o seu poder econômico. Neymar não se acha um deus, ele
tem certeza que é. E os jogadores da seleção estão indo pelo mesmo caminho de
soberba e arrogância, tendo o capital financeiro como profissão de fé.
O menino Ney, apesar
de sua figura socialmente execrável, ainda pode ostentar qualidade técnica. Os
demais, não. São apenas bons jogadores, quando muito, superestimados pelo poder
do capital que compra os seus passes por valores absurdos e os transformam em
robôs táticos a serviço dos clubes que passam a defender. Precisamos falar
sobre a colonização do futebol brasileiro, onde os nossos jogadores são
desconstruídos de sua essência técnica na Europa, e não conseguem jogar pela
seleção o que se espera deles. Essa história de que o futebol mudou e de que
não tem mais bobo no futebol é o bicho-papão do comunismo que come criancinha e
o cérebro de adultos alienados. Ainda existem bobos no futebol sim, e o Brasil
está se tornando um deles quando visa apenas o lucro na venda de jovens
jogadores, fortalecendo o futebol europeu, enfraquecendo a sua tradição e
destruindo a sua história de melhor futebol do mundo.
O nosso futebol arte
não existirá mais, assim como o Maracanã, que um dia foi o maior estádio do
mundo, também não existe mais com tamanha grandeza. Diminuímos o nosso gigante
para cabermos dentro da pequenez do futebol capitalista europeu. Uma Europa que
só é considerada primeiro mundo graças à exploração de outros continentes e à
escravização de seus povos para o seu progresso econômico. Da mesma forma, o
futebol europeu só é considerado o melhor do mundo graças à presença de
jogadores oriundos desses continentes historicamente colonizados. O futebol
brasileiro acabou. Conformemo-nos. A maioria dos jogadores da atual seleção
pode andar tranquilamente pelas ruas que não será reconhecida. Eu, que
acompanho futebol há algum tempo, não reconheceria metade deles.
Da mesma forma, eles
não se reconhecem mais como jogadores brasileiros. Isso explica a falta de
sinergia e identificação entre eles e a torcida. Temos um craque que nunca será
um ídolo, pois não tem postura social para tal. Seu carisma é negativo. Quase ninguém
mais assiste aos jogos da seleção, por causa dessa “neymarização” sistêmica.
Jogadores comendo carne folheada a ouro em “nome de Jesus” e sendo eliminados
pela possante Croácia em nome da falta de futebol. Capitalismo 7x1 Futebol. Nem
o Galvão Bueno indignado e soltando o verbo após mais uma eliminação vergonhosa
nós temos mais. Nos sobra um narrador bajulador e preocupado em não
desvalorizar o péssimo produto que a emissora precisa vender. Acabaram-se os
jogadores, acabou o encanto, acabou a identidade, acabou o respeito pela nossa
essência futebolística, acabou a vergonha, acabou o futebol brasileiro. Fim.
Fonte: Brasil 247
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