Lula a golpistas e ultraliberais sobre
América do Sul: "não há atalhos à democracia na região"
Em discurso nesta
segunda-feira (8) na abertura da Cúpula do Mercosul em Assunção, no Paraguai, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou um recado a golpistas e
"ultraliberais" que atuam para fragilizar a democracia e dividir os
países da América Latina.
Em recado direto à ultradireita
e o chamado "mercado", que aderiu ao fascismo nos últimos anos para
impor medidas neoliberais, Lula citou a reação aos golpes no Brasil, em 2023, e
na Bolívia, no último dia 26 de maio, para pedir "vigilância" aos
chefes de Estado presentes.
"Retornar à
cidade onde o Mercosul foi lançado, em Assunção, sempre nos motiva a refletir
sobre o estado da integração. Há menos de 15 dias, um membro de nosso bloco
sofreu uma tentativa de golpe. A democracia prevaleceu graças à firmeza do
governo boliviano, à mobilização de seu povo e ao rechaço da comunidade
internacional. O Mercosul permaneceu unido em defesa do estado de direito. A
reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram
que não há atalhos à democracia em nossa região. Mas é preciso permanecer
vigilantes", afirmou.
Em mensagem velada a
Javier Milei, que esteve em Santa Catarina neste fim de semana para participar
de evento conservador com Jair Bolsonaro (PL) e não foi à cúpula do Mercosul,
Lula falou dos "falsos democratas que tentam solapar as instituições e colocá-las
a serviço de interesses reacionários".
"Falsos
democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses
reacionários. Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais no mundo, a
estabilidade política continuará ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam
lado a lado", disse o presidente brasileiro.
Em atrito com o
"autônomo" Banco Central do Brasil e seu presidente, o bolsonarista
Roberto Campos Neto, Lula lembrou a história da América Latina, que sempre
necessitou de Estados fortes para indução da economia, e rechaçou as tentativas
fascistas de impor os projetos liberais.
"Os bons
economistas sabem que o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade.
Quem conhece a história da América Latina, reconhece o papel do Estado como
planejador e indutor do desenvolvimento. No mundo globalizado não faz sentido
recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista. Tampouco a justificativa para
resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram a desigualdade em
nossa região", afirmou.
O brasileiro ainda
pregou a união dos países que compõem o bloco.
"Esta é a 19ª
Cúpula do Mercosul de que participo como chefe de Estado. Nunca nos deparamos
com tantos desafios, seja no âmbito regional, seja em nível global. A questão
que se impõe é se nossos países querem se integrar ao mundo unidos ou separados.
Minha aposta no Mercosul como plataforma de inserção internacional e de
desenvolvimento do Brasil permanece inabalável. Nosso bloco é um projeto
ambicioso e que gerou muitos frutos desde seu lançamento. O comércio entre nós
multiplicou-se dez vezes e hoje já é de 49 bilhões de dólares", disse.
• Mercosul e Lucho Arce
O Mercosul foi criado
há 33 anos, por meio do Tratado de Assunção e, de acordo ao Protocolo de Ouro
Preto, a presidência pro tempore do bloco é exercida pelos Estados Partes, em
rodízio e em ordem alfabética, por seis meses. Na cúpula, o presidente do Paraguai,
Santiago Peña, passará a presidência do bloco ao presidente do Uruguai, Luis
Lacalle Pou.
O bloco econômico
atualmente representa o equivalente à 7ª maior economia mundial, com PIB de US$
2,86 trilhões, e engloba 67% do território da América do Sul. Em 2023, o Brasil
exportou US$ 23,56 bilhões para o bloco e importou US$ 17,09 bilhões, com superávit
de quase US$ 6,5 bilhões. A maior parte das exportações brasileiras foi
composta por produtos manufaturados, e as principais mercadorias
comercializadas entre os membros do bloco são automóveis, peças automotivas,
energia e soja.
Após a reunião do
Mercosul, Lula segue para Santa Cruz de La Sierra, onde se encontrará com o
presidente boliviano Luis "Lucho" Arce.
Depois, participa de
cerimônia de assinatura de atos e faz declaração conjunta à imprensa. Na parte
da tarde, Lula participa de encontro com empresários.
A embaixadora Gisela
Padovan ressaltou que a visita à Bolívia é muito importante porque o Brasil
está num esforço de reconstrução das relações bilaterais na região, que foram
abandonadas em grande parte durante o governo anterior. “A Bolívia é um país importantíssimo
para nós", finalizou a embaixadora.
• Sem citar Milei, Lula diz que
"diversidade de opiniões é bem-vinda" no Mercosul, mas "sem
extremismos e intolerância"
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a pluralidade de opiniões entre os países do
Mercosul, desde que elas não expressem "extremismos" ou
"intolerância”. “O Mercosul é resiliente e tem sobrevivido aos difíceis
anos de desintegração. Pensar igual nunca foi critério para engajamento
construtivo nas tarefas do bloco. A diversidade de opiniões, sem extremismos e
intolerância, é bem-vinda porque fortalece nossas democracias e nos conduz a
escolhas melhores”, disse o presidente durante a 64ª Cúpula de Chefes de Estado
do Mercosul e de Estados Associados, realizada em Assunção, Paraguai.
Em sua fala, Lula
evitou citar diretamente o presidente argentino de extrema direita, Javier
Milei, que não compareceu à reunião. No final de semana, Milei esteve no Brasil
para participar do Cpac, conferência que reuniu conservadores e representantes
da extrema direita em Balneário Camboriú (SC).
Ainda segundo Lula, “o
Mercosul é e seguirá sendo a grande aposta de inserção internacional e de
desenvolvimento do Brasil”. “O querido presidente Pepe Mujica [ex-presidente do
Uruguai] costuma dizer que ‘é preciso construir vínculos em nossa região para
que possamos, juntos, ser ouvidos em nível internacional. Os desafios que temos
como humanidade requerem, mais do que nunca, esforços coletivos e propostas
inovadoras’. Que suas palavras inspirem todos nós a olhar para o Mercosul como
fonte de soluções para os nossos desafios e desenvolvimento”, destacou Lula
mais à frente.
Confira a íntegra do
discurso do presidente Lula na 64ª Cúpula de chefes de Estado do Mercosul e de
Estados Associados:
"Quero agradecer
de coração a calorosa acolhida dispensada à minha delegação e a mim pelo
presidente Santiago Peña e sua equipe.
Retornar à cidade onde
o MERCOSUL foi lançado sempre nos motiva a refletir sobre o estado da
integração.
Há menos de quinze
dias, um membro de nosso bloco sofreu uma tentativa de golpe.
A democracia
prevaleceu graças à firmeza do governo boliviano, à mobilização do seu povo e
ao rechaço da comunidade internacional.
O MERCOSUL permaneceu
mais uma vez unido em defesa da plena vigência do estado de direito, consagrada
no Protocolo de Ushuaia.
A reação unânime ao 26
de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram que não há atalhos à
democracia em nossa região.
Mas é preciso
permanecer vigilantes.
Falsos democratas
tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses
reacionários.
Enquanto nossa região
seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá
ameaçada.
Democracia e
desenvolvimento andam lado-a-lado.
Os bons economistas
sabem que o livre-mercado não é uma panaceia para a humanidade.
Quem conhece a
história da América Latina reconhece o valor do estado como planejador e
indutor do desenvolvimento.
No mundo globalizado
não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista.
Tampouco há
justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram
as desigualdades em nossa região.
Esta é a décima nona
Cúpula do MERCOSUL de que participo como chefe de Estado.
Nunca nos deparamos
com tantos desafios, seja no âmbito regional, seja em nível global.
Nos últimos anos,
permitimos que conflitos e disputas, muitas vezes alheios à região, se
sobreponham à nossa vocação de paz e cooperação.
Voltamos a ser uma
região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si própria.
Num contexto de
acirramento da competição geoestratégica, a questão que se impõe é se nossos
países querem se integrar ao mundo unidos ou separados.
Não vejo contradição
entre participar da economia global e cooperar entre vizinhos.
Minha aposta no
MERCOSUL como plataforma de inserção internacional e de desenvolvimento do
Brasil permanece inabalável.
Nosso bloco é um
projeto ambicioso e que gerou muitos frutos desde seu lançamento.
O comércio entre nós
multiplicou-se dez vezes e hoje já é de 49 bilhões de dólares.
É preciso pensar
grande, como nossos antecessores ousaram fazer nesta capital há 33 anos.
O MERCOSUL será o que
quisermos que seja.
Não nos cabe
apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente
Nossos esforços de
atualização devem apontar para outra direção.
Temos uma agenda
inacabada, que envolve dois importantes setores de nossas economias excluídos
do livre comércio.
Os avanços para a
inclusão do setor automotivo ainda são insuficientes.
No setor açucareiro,
que engloba o desenvolvimento dos biocombustíveis, não logramos sair das
discussões teóricas.
Precisamos de uma
integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de
ciência, tecnologia e inovação para geração de emprego e renda.
A adesão plena da
Bolívia tem enorme valor estratégico e faz do nosso bloco ator incontornável no
contexto da transição energética.
Somos ricos em
recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata.
Temos tudo para nos
tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis
solares.
Podemos formar uma
aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do
processamento desses recursos fiquem em nossos países.
A governança regional
de dados no MERCOSUL é vital para nossa soberania futura e para o
desenvolvimento da Inteligência Artificial.
É preciso habilitar
nossa região a desenvolver capacidade própria de coletar, processar e armazenar
dados, insumo fundamental para avançar no desenvolvimento tecnológico e na
digitalização da indústria regional.
Atualização do bloco
também implica em uma ambiciosa agenda comercial externa.
Na presidência
brasileira, assinamos o acordo de livre comércio com Singapura, o primeiro
entre o nosso bloco e um país asiático.
Sob a liderança do
presidente Santiago Peña, foi lançado processo de negociação com os Emirados
Árabes Unidos.
Só não concluímos o
Acordo com a União Europeia porque os europeus ainda não conseguiram resolver
suas próprias contradições internas.
Nos orgulhamos de ser
o primeiro país do bloco a ratificar o Acordo de Livre Comércio com a
Palestina, mas não posso deixar de lamentar que isso ocorra no contexto em que
o povo palestino sofre com as consequências de uma guerra totalmente
irracional.
Espero que neste ano
possamos aprofundar o diálogo sobre um acordo abrangente com a China.
Aprimorar o Sistema de
Pagamentos em Moeda Local será importante tarefa da próxima presidência pro
tempore.
Maior harmonização nos
procedimentos adotados pelos nossos bancos centrais para esse tipo de operação
reduzirá custos e beneficiará sobretudo pequenas e médias empresas do nosso
continente.
O FOCEM permanece
instrumento chave para a redução das nossas disparidades e assimetrias. Cabe
aproveitá-lo em todo seu potencial.
O Brasil saldou, no
ano passado, a totalidade de sua dívida com o Fundo, permitindo uma nova rodada
de projetos.
Já selecionamos oito
iniciativas no valor de 70 milhões de dólares, contemplando saneamento,
desenvolvimento produtivo para geração de emprego e renda, mobilidade urbana e
infraestrutura social para aldeias indígenas.
É isso que faz a
diferença na vida das pessoas.
Um pseudo
“aggiornamento” que afasta o MERCOSUL de suas bases sociais nos enfraquece.
Apagar a palavra
gênero de documentos só agrava a violência cotidiana sofrida por mulheres e
meninas.
Para superar flagelos
como a fome, a pobreza e as desigualdades, é importante contar com um Instituto
Social forte, com meios para estabelecer metas e ações concretas.
O Instituto de
Políticas Públicas de Direitos Humanos deve dispor dos recursos necessários
para apoiar nossos países na complexa tarefa de garantir diretos e dignidade.
Fortalecer a relação
com o PARLASUL também contribuirá tanto na internalização e implementação de
normas do bloco, como na aproximação com diferentes segmentos sociais.
Não podemos vir a cada
Cúpula de Chefes de Estado apenas para discursar. É preciso ouvir.
Por isso, o Brasil
defende o fortalecimento da Cúpula Social, que é uma das principais plataformas
de interação com representantes da sociedade civil.
Meus amigos, minhas
amigas,
A crise climática nos
aproxima muito rapidamente de um cenário catastrófico.
No último um ano e
meio, vivemos secas históricas na Amazônia, nos Pampas e no Pantanal brasileiro
e boliviano, que também padeceram com incêndios nos últimos dias.
Há poucas semanas, o
Rio Grande do Sul sofreu enormes perdas humanas e materiais com inundações sem
precedentes, que também impactaram o Uruguai.
Além de agradecer a
solidariedade de todos os sócios do MERCOSUL que ofereceram prontamente os mais
diversos tipos de ajuda humanitária, quero fazer um chamado por maior
engajamento e ambição climática.
É muito oportuna a
adesão do MERCOSUL, nesta Cúpula, ao Memorando de Entendimento sobre cooperação
em gestão integral de risco de desastres.
Somos o continente com
a maior floresta tropical e as maiores reservas de água doce do mundo.
Este ano, na COP-16,
em Cáli, mostraremos também a magnitude da biodiversidade sul-americana.
No próximo, o Brasil
sediará COP 30, em Belém.
Serão oportunidades
para o MERCOSUL e a América do Sul apresentar uma visão coletiva sobre os
desafios do desenvolvimento sustentável.
Temos a autoridade
moral para nos fazer ouvir e a responsabilidade histórica de liderar pelo
exemplo.
Já estamos na metade
da presidência brasileira do G20.
A lamentável reversão
dos avanços no combate à pobreza e à fome dos últimos anos é uma preocupação
compartilhada.
Em duas semanas farei
a apresentação da Aliança contra a Fome e a Pobreza no âmbito do Grupo, que
será aberta em breve a todos os países.
Espero contar com o
apoio de todos vocês como membros da Aliança.
Senhoras e senhores,
O MERCOSUL é
resiliente e tem sobrevivido aos difíceis anos de desintegração.
Pensar igual nunca foi
critério para engajamento construtivo nas tarefas do bloco.
A diversidade de
opiniões, sem extremismos e intolerância, é bem-vinda porque fortalece nossas
democracias e nos conduz a escolhas melhores.
O MERCOSUL é e seguirá
sendo a grande aposta de inserção internacional e de desenvolvimento do Brasil.
Quero, por fim,
parabenizar a presidência paraguaia pelo comando firme e pragmático dos
trabalhos do MERCOSUL ao longo deste semestre e desejar ao meu colega Lacalle
Pou sucesso na sua presidência a partir de agora.
O querido presidente
Pepe Mujica costuma dizer que “é preciso construir vínculos em nossa região
para que possamos, juntos, ser ouvidos em nível internacional. Os desafios que
temos como humanidade requerem, mais do que nunca, esforços coletivos e propostas
inovadoras”
Que suas palavras
inspirem todos nós a olhar para o MERCOSUL como fonte de soluções para os
nossos desafios e desenvolvimento.
Precisamos de um mundo
de paz.
Essa é a razão do
nosso engajamento em prol de uma solução para o conflito entre Rússia e Ucrânia
que efetivamente envolva as duas partes.
O apoio do Brasil à
África do Sul em sua ação na Corte Internacional de Justiça visa a por fim à
matança indiscriminada de mulheres e crianças em Gaza.
Encerro com o registro
da vitória das forças progressistas nas recentes eleições no Reino Unido e na
França. Ambas são fundamentais para a defesa da democracia e da justiça social
contra as ameaças do extremismo.
Muito obrigado".
Fonte: Fórum/Brasil
247
Nenhum comentário:
Postar um comentário