segunda-feira, 1 de julho de 2024

REAÇÃO: Alterar PL do Estupro é 'artimanha política' da bancada fundamentalista, criticam feministas

Lideranças feministas reagiram à declaração do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) de que a polêmica proposta que equipara o aborto ao homicídio será alterada para "evitar desgastes desnecessários". Uma das vozes mais estridentes da bancada evangélica no Congresso Nacional e coautor da medida, o parlamentar diz que agora irá propor que não haja pena de prisão para vítimas de estupro que queiram interromper a gestação após 22 semanas de desenvolvimento fetal. Esse aspecto é um dos mais sensíveis entre os que tocam o debate em torno do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, apelidado de "PL do Estupro", e tem sido bastante alvejado pelos críticos da proposta.

"Não vejo nenhuma mudança que possa ser aceita, nada que possa fazer esse PL se tornar digerível para as mulheres porque, em qualquer que seja o aspecto, ele retira direitos em um campo em que nós precisamos avançar. Não há amenização ou mudança possível. Esse PL simplesmente não pode passar, e o que esperamos é que a sociedade barre essa atrocidade", critica a militante Elizabeth Hernandes, do movimento Espíritas à Esquerda, um dos grupos religiosos que têm se levantado contra a proposta.

No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez é permitida em casos de gestação com risco de vida para a mãe, estupro e fetos anencéfalos. O PL invalida essas permissões ao criminalizar o aborto após após 22 semanas de gravidez em qualquer que seja o cenário.

No campo progressista, parlamentares e lideranças populares veem a última manifestação de Sóstenes e aliados como uma tentativa de conter o desgaste midiático que o PL causou ao grupo. A bancada fundamentalista agora recalcula a rota de atuação e tenta fazer o projeto avançar na Câmara, onde o texto deve ser avaliado por uma comissão especial no segundo semestre. Representantes de diferentes segmentos têm reagido à nova empreitada da ala reacionária, como é o caso do coletivo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD).

"A gente vê com muita preocupação que o deputado Sóstenes esteja agora fazendo essa artimanha política por ter visto que esse PL não tem nenhum apelo social. A sociedade brasileira recusa ampliar qualquer tipo de criminalização para pessoas que já sofrem diversas violências, como é o caso de crianças estupradas", ressalta a militante do CDD Tabata Tesser.

A declaração da ativista encontra referência em diferentes estudos que aferem a opinião pública diante desse tipo de questão. Pesquisa divulgada pelo Datafolha no último dia 21, por exemplo, mostrou que 58% dos brasileiros acima de 16 anos se dizem contrários à proibição do aborto em qualquer tipo de situação, mesmo que esse grupo tenha divergências internas sobre os rumos que deveriam ser dados à questão. Já quando se trata especificamente do PL 1904/2024, o Datafolha mostra um índice de rejeição ainda maior: 66% da população discordam do teor do projeto.

"É também por isso que o Brasil deveria estar discutindo o combate à exploração infantil, ao estupro, aos alarmantes números de gravidez na adolescência, mas o que a gente vê é, na verdade, um oportunismo político. Eles perceberam que houve uma mobilização na sociedade porque muitas pessoas foram às ruas se manifestar dizendo que crianças não são mães e que seria um absurdo que o Brasil se ajoelhasse diante do profundo fundamentalismo do Sóstenes pra aprovar um projeto que está do lado do estuprador. Na verdade, eles não estão melhorando o PL. Estão acuados pela mobilização das mulheres e da opinião pública, que denunciaram a gravidade desse projeto", acrescenta Tabata Tesser.

Sóstenes Cavalcante diz ter supostamente mudado de opinião após um vídeo divulgado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) nas redes sociais no começo desta semana. Na publicação, a esposa de Jair Bolsonaro (PL) sugere mudanças no projeto de lei, com aumento das penalidades hoje impostas a estupradores, o cumprimento integral da pena "sem progressão de regime e sem saidinhas", exceto nos casos em que, depois de cumprir dois terços da pena, o detento passe por um processo de "castração química". Na manifestação, Michelle defende que crianças ou mulheres vítimas de estupro não sejam punidas. A iniciativa da ex-primeira-dama levantou novas críticas.

"As mulheres brasileiras não são idiotas. A dobradinha de Michelle Bolsonaro com o propositor do PL do Estupro mudou o foco: se antes nos queriam presas, agora nos querem mortas. Eles dizem que agora a pena seria somente para os profissionais de saúde que realizarem o procedimento, ou seja, impedem esses profissionais de fazerem o aborto acima de 22 semanas [de gestação]. E o que eles estão dizendo pra essas mulheres e crianças, então, é que elas não podem fazer o procedimento. Ou elas vão fazer sozinhas?", criticou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), em vídeo publicado via Instagram.

"Se elas fizerem sem a assistência de um profissional de saúde, será que têm alguma chance de sobrevivência? Isso é ainda mais cruel do que a proposta original. Eles acham que somos burras. A gente sabe exatamente qual é o objetivo deles: inviabilizar a lei que desde 1940 garante que as mulheres não são obrigadas a levarem adiante uma gestação dos seus estupradores. Nós vamos até o fim na mobilização, não só contra o PL 1904, mas na defesa incondicional de que a lei de 1940 seja cumprida", emendou Sâmia.

•           Cenário

O aceno da ex-primeira-dama em relação ao PL 1904 surge depois de a ala bolsonarista, entusiasta da medida, enfrentar duras críticas até mesmo entre nomes do campo da direita. A ampla reação popular ao PL constrangeu inclusive o "centrão", grupo majoritário de parlamentares que tradicionalmente se alinham a pautas de teor punitivista.

Assinado por outros deputados de perfil fundamentalista além de Sóstenes, o PL prevê reclusão de seis a 20 anos para mulheres e crianças que interrompam a gravidez, mesmo em casos de estupro. A pena é maior que a imposta atualmente pelo Código Penal para estupradores, que pegam de seis a dez anos de cadeia. A proposta de Michelle para ampliar a pena para quem pratica violência sexual também não agradou grupos feministas.

"Isso não ameniza o PL. Pelo contrário, até pode piorar porque o que ela propõe não vai no sentido do acolhimento das vítimas de estupro. A ideia dela não é permitir o aborto – hoje já garantido em lei – para essas vítimas. Com a proposta dela, mulheres e crianças ainda seriam obrigadas a levar uma gestação adiante mesmo ela tendo resultado de violência sexual. E a Michelle propõe a retirada de pena sobre essas mulheres, mas criminaliza os médicos que realizem o aborto. Essa proposta empurra, então, as vítimas para o aborto clandestino, atentando contra as suas vidas", examina a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Clara Wardi.

•           B.O.

Para a especialista, o discurso agora entoado por Michelle, Sóstenes e correligionários retrocede ainda em outro aspecto: o grupo advoga pela exigência de Boletim de Ocorrência (B.O.) para a garantia de aborto legal. A legislação atual não impõe essa obrigatoriedade. Clara Wardi aponta que essa exigência "fragiliza a palavra da mulher diante do aparelho do Estado".

"E nós sabemos, por meio de análises de políticas públicas, que muitas vezes a apresentação do B.O. afasta as vítimas de violência sexual dos serviços de saúde porque elas têm receio de quais seriam os impactos dessa denúncia na sua vida. Nesse momento, as mulheres estão querendo um acolhimento dentro dos serviços de saúde, e não uma política policialesca que foque na punição do agressor em vez de focar no cuidado com suas vidas", argumenta a assessora do Cfemea.

•           Protestos

O PL 1904/2024 teve a urgência votada às pressas no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 13 e depois desacelerou após a forte reação popular contra o texto. Puxada por movimentos feministas, a campanha de rejeição envolveu setores da classe média, artistas, movimentos populares, especialistas e outros atores, que se uniram em diferentes mobilizações nas redes sociais e nas ruas. Emparedado diante das muitas críticas que surgiram, o presidente Arthur Lira (PP-AL), fiador da votação de urgência do texto, acabou adiando a análise do mérito do PL e anunciou a instalação da comissão especial para daqui a alguns meses.

A militante Elizabeth Hernandes projeta que a tendência é de sequenciamento das ações de rua até que o projeto de lei seja derrotado nas eventuais votações da Câmara ou mesmo arquivado, como defendem os grupos feministas. "No Congresso, eles sempre conseguem brecha para passar o que querem, mas vejo que as mulheres estão muito dispostas a seguirem mobilizadas. Esse revés do PL até ajudou a gente a se reorganizar, inclusive. Vejo mais ações adiante."

•           Michelle Bolsonaro quer criminalizar médicos também, diz Silas Malafaia

Após uma derrota contundente do PL do Estupro, o pastor bolsonarista Silas Malafaia disse que Michelle Bolsonaro (PL) vai “propor” um novo projeto de lei que inverta a abordagem da criminalização, que tanto apoiaram. Os dois agora propõem que não se penalize a mulher estuprada, mas sim os médicos que realizarem o procedimento de interrupção de gestação resultante de violência sexual.

“Nesse projeto do deputado Sóstenes, a mulher também é criminalizada como homicida. Tanto a mulher quanto o médico que faz o aborto. A Michelle vem e apresenta um argumento lógico: a mulher é vítima. Se ela é vítima, ela não pode ser criminosa, então tira a mulher de qualquer idade de qualquer penalidade, porque na verdade quem faz o aborto é o médico. Criminaliza como homicida o médico que quer ajudar”, diz ele.

Nesta segunda-feira (24), e ex-primeira-dama afirmou que pretendia oferecer "sugestões" ao PL de Sóstenes. "Alguns pontos do projeto de lei precisariam ser melhor abordados e outros necessitariam ser reformulados", afirmou em um vídeo publicado nas redes sociais. "Os legisladores devem encontrar formas de impedir o aborto punindo o aborteiro”.

Com um movimento estratégico nos bastidores, o pastor Silas Malafaia, "conselheiro espiritual" de Jair Bolsonaro (PL), vem utilizando o PL 1904/2024 para promover sua agenda política. Em outro vídeo publicado essa semana, Malafaia havia dito que mulheres usam a lei atual para mentir que foram estupradas e, dessa forma, “fazerem o aborto legal”.

 "Escute: estava na Lei que uma mulher que sofre um estupro tem que ir na delegacia, fazer um registro, denunciar o estuprador, para o médico fazer o aborto. O que a esquerda fez? Retirou isso para proteger o estuprador. E qual a desculpa? É para a mulher chegar diante do médico e mentir. É só ela dizer: fui estuprada. Pronto, se faz o aborto", mentiu ele.

Ao final do vídeo, parabeniza Sóstenes Cavalcante e Arthur Lira pela tramitação do projeto. "Parabéns, Arthur Lira, presidente da Câmara, que deu urgência ao projeto, a sua coragem. Parabéns, deputado Sóstenes Cavalcante, pelo projeto de proteger indefesos e a vida", diz o pastor, que usou o termo - "abortistas" - para atacar os críticos do projeto.

Vale lembrar que a legislação estabelece, em seu artigo 3º, inciso III, medidas para facilitar o registro da ocorrência e encaminhamento às autoridades competentes, como órgãos de medicina legal e delegacias especializadas, com informações essenciais para identificação do agressor e comprovação da violência sexual. Além disso, a lei garante atendimento prioritário às mulheres, que têm o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez após realizar a denúncia.

 

•           PL do Estupro: Atletas da seleção de basquete são atacadas após demissão de preparador

Clarissa dos Santos e Damiris Dantas, jogadoras da seleção brasileira de basquete, além de seus familiares, estão recebendo ataques, nas redes sociais, depois da demissão do preparador físico Diego Falcão.

O profissional foi desligado da comissão técnica após as atletas manifestarem indignação com o fato de Falcão ter se posicionado favoravelmente ao PL do Estupro, que tramita na Câmara dos Deputados.

As mensagens de ódio tiveram início depois que o deputado federal bolsonarista Luiz Lima (PL-RJ) divulgou, em suas redes sociais, o perfil das jogadoras.

<><> Relembre o caso

A decisão de demitir Diego Falcão recebeu apoio das próprias atletas, que pediram pela saída do preparador após ele fazer postagens favoráveis ao PL do Estupro. A Confederação Brasileira de Basquete (CBB) anunciou a saída do profissional no sábado (22).

“Inacreditável que um profissional, que trabalha com o feminino, demonstre esse tipo de posicionamento nas redes sociais. O estupro é um crime grave. Que as mulheres tenham o direito de decidir e expressar sua opinião sobre isso. É essencial que nossa confederação se posicione de forma clara e adequada a esse assunto tão sério”, afirmou Damiris, atleta da WNBA.

“Uma coisa que fica muito difícil de engolir é que o post não estava falando sobre vida, mas sobre morte psicológica através de uma violência, que é o estupro. Morte psicológica pensando nas que sobrevivem, porque muitas morrem. É triste porque é difícil entender que tem pessoas desse tipo trabalhando com o basquete feminino”, declarou Clarissa.

<><> Ex-nadador olímpico bolsonarista expõe jogadoras

Não satisfeito com a medida, o deputado bolsonarista Luiz Lima, ex-nadador olímpico, publicou, nas redes sociais, que a postura da CBB foi “vergonhosa” e que protocolou junto à Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados um convite ao presidente da CBB, Guy Peixoto Jr., para esclarecimentos.

José Neto, técnico da seleção brasileira de basquete, curtiu a postagem, o que aumentou ainda mais o desconforto entre as jogadoras. A CBB informou que não irá se posicionar a respeito do caso.

 

Fonte: Brasil de Fato/Fórum

 

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