Quem são os Koryoins e por que retorno
deles à Coreia do Sul não é bem-vindo
"Se eu não
traduzir para o russo, as outras crianças não entenderão as lições", diz
Kim Yana, uma aluna de 11 anos da Escola Primária Dunpo, em Asan, uma cidade
que fica próxima à capital sul-coreana, Seul.
Yana é quem melhor
fala coreano na turma – a maioria dos 22 colegas fala russo, e o coreano deles
é irregular.
Na verdade, quase 80%
dos alunos desta escola são considerados "estudantes multiculturais",
o que significa que são estrangeiros ou têm pais que não são cidadãos coreanos.
"É difícil obter
os números exatos porque os pais têm nacionalidades e status de residência
diferentes", diz Chu Dae-yeol, professor sênior que supervisiona assuntos
acadêmicos, "mas acredita-se que a maioria dos estudantes multiculturais sejam
Koryoins".
Koryoins são coreanos
étnicos cujos ancestrais migraram da Coreia para o extremo leste do Império
Russo no final do século 19 e início do século 20.
Muitas das famílias
foram deportadas para a Ásia Central na década de 1930, como parte da política
de "limpeza de fronteiras" do líder soviético Joseph Stalin
(1878-1953). Eles viveram em antigos estados soviéticos como o Uzbequistão e o
Cazaquistão e, ao longo das gerações, pararam de falar coreano porque era
proibido.
A família de Yana
voltou para a Coreia do Sul há sete anos e atualmente muitas outros estão
fazendo o mesmo. "Aprendi coreano naturalmente brincando com amigos
coreanos na pré-escola, mas hoje há muito mais crianças na escola que não falam
coreano", diz ela.
Na escola de Escola
Primária Dunpo, 26,6% dos alunos eram considerados multiculturais em 2018. Este
ano, são 79,3%.
Não é nenhuma surpresa
– a população de etnia coreana com cidadania estrangeira aumentou mais
rapidamente em Asan do que em qualquer outro lugar da Coreia do Sul. Em 2010,
menos de 300 deles viviam na cidade, mas em 2023 o número era 52 vezes
superior.
A Coreia do Sul
começou a conceder residência a coreanos étnicos que viviam na China e em
antigos estados soviéticos após uma decisão histórica do tribunal
constitucional que ampliou a definição de "compatriotas" em 2001. Mas
o número de migrantes Koryoin começou a crescer rapidamente em 2014, quando
eles foram autorizados a trazer familiares.
No passado, a maior
parte dos imigrantes étnicos coreanos era da China e falava coreano. Mas o
número de Koryoins que não fala coreano aumentou de forma acentuada. No ano
passado, havia cerca de 105 mil Koryoins vivendo no país – quase cinco vezes
mais do que há uma década.
A Coreia do Sul
enfrenta uma crise demográfica. Apesar das generosas doações em dinheiro e do
apoio à habitação, o país tem a taxa de fertilidade mais baixa do mundo, que
cai ano após ano.
Em 2023, a taxa de
natalidade era de 0,72, muito aquém da taxa de natalidade de 2,1 necessária
para manter uma população estável sem imigração. Estimativas sugerem que, se a
tendência continuar, a população da Coreia do Sul poderá cair à metade até
2100.
O país precisará de
mais 894 mil trabalhadores, especialmente na indústria de serviços, para
"alcançar as projeções de crescimento econômico a longo prazo" na
próxima década, de acordo com o Ministério do Emprego e Trabalho da Coreia do
Sul.
"Embora o visto
coreano para o estrangeiro seja muitas vezes visto como uma forma de apoio aos
coreanos étnicos, ele tem servido principalmente para fornecer mão-de-obra
estável para a indústria de transformação", afirma Choi Seori, pesquisador
do Centro de Investigação e Formação Migratória.
Em Asan, muitos
Koryoins vivem perto do parque industrial que abriga fábricas administradas por
subcontratados da Hyundai Motors.
Ni Denis, do
Cazaquistão, é um deles. "Hoje em dia não vejo coreanos na fábrica",
diz ele. "Eles acham o trabalho difícil, então vão embora rapidamente.
Mais de 80% das pessoas com quem trabalho são Koryoins."
"Sem Koryoins,
essas fábricas não funcionariam", diz Lee, um recrutador que pediu para
ser identificado apenas pelo sobrenome.
A maioria dos outros
trabalhadores migrantes, que não são de etnia coreana, possuem vistos de
emprego de curta duração, que só permitem permanecer por quatro anos e 10
meses.
Para renovar os
vistos, eles precisam retornar ao país de origem e lá permanecer por pelo menos
seis meses. Mas os Koryoins podem prolongar a permanência na Coreia a cada três
anos sem terem que sair do país.
• Segregação na escola e fora dela
Os Koryoins também
estão se estabelecendo em outras cidades industriais, como Gwangju e Incheon.
Mas, como descobriram Asan e a Escola Primária Dunpo, a imigração pode trazer
desafios.
"As crianças
coreanas só brincam com coreanos, e as crianças russas só brincam com russos
porque não conseguem se comunicar", diz Kim Bobby, um estudante local de
12 anos. Yana concorda, acrescentando que muitas vezes eles brigam porque não
conseguem se entender.
Na tentativa de
superar a barreira do idioma, a Escola Primária Dunpo oferece duas horas de
aulas de coreano por dia para estudantes estrangeiros. Mas a medida não é
suficiente para reduzir a preocupação da professora Kim Eun-ju. "Acredito
que muitas das crianças mal entendem as lições à medida que avançam de
série", diz ela.
Outras aulas são
ministradas em coreano, e Yana diz que "o tempo passa rápido" porque
muitos alunos precisam que as aulas sejam traduzidas.
A competição acadêmica
na Coreia do Sul é notoriamente forte, e a escola está perdendo estudantes
locais, uma vez que os pais temem que o aprendizado dos filhos esteja sendo
prejudicado.
"Fiquei um pouco
preocupado quando transferi a minha filha para esta escola", diz Park
Hana, cuja família é de Asan. Ela matriculou a filha de oito anos na Dunpo no
ano passado. "Mesmo que a escola vizinha esteja superlotada, muitos pais locais
preferem mandar seus filhos para lá."
O vice-diretor Kim
Guen-tae diz que administrar uma escola onde cerca de 80% dos alunos são
classificados como multiculturais pode ser difícil e que no passado, quando
havia menos alunos, era mais fácil aprender coreano fora da sala de aula, pois
a maioria tinha um familiar coreano.
A taxa de matrícula no
ensino médio de estudantes multiculturais é ligeiramente inferior à dos
habitantes locais, de acordo com um levantamento nacional oficial realizado em
2021.
Park Min-jung,
pesquisador do Centro de Investigação e Formação Migratória, teme que mais
estudantes Koryoin abandonem a escola caso não obtenham o apoio que precisam.
"Se isso
continuar, me preocupo com a forma como as crianças poderão viver na Coreia no
futuro", afirma o professor sênior Chu.
A segregação
estende-se para além da escola. Em Asan, por exemplo, mais Koryoins estão
morando na cidade velha, enquanto os habitantes locais se mudam para a cidade
nova.
Ni, o trabalhador de
fábrica que veio do Cazaquistão para a Coreia do Sul com a mulher e os cinco
filhos em 2018, diz ter notado que muitos de seus vizinhos coreanos saíram dos
seus edifícios.
"Os coreanos
parecem não gostar de ter Koryoins como vizinhos", diz ele com uma risada
estranha. "Às vezes os coreanos nos perguntam por que não sorrimos para
eles. É o nosso jeito, não é porque estamos chateados. Mas as pessoas que não
nos conhecem pensam que estamos chateados."
Ele diz que tem havido
desentendimento entre as crianças em seu bairro e ouviu falar de casos em que
crianças Koryoin foram "difíceis" nesses momentos. "Depois
disso, os pais coreanos dizem aos filhos para não brincarem com crianças Koryoin.
Acho que é assim que acontece a segregação."
• Falta de política de imigração
A experiência de Asan
na gestão de um influxo de coreanos étnicos de fora do país coloca em evidência
desafios mais amplos da Coreia do Sul relacionados à imigração – uma questão
controversa num país que é um dos mais etnicamente homogêneos do mundo.
"Já existe uma
resistência psicológica significativa ao influxo de coreanos étnicos que não
parecem diferentes de nós. Fico preocupado com como a Coreia será capaz de
aceitar outros imigrantes no futuro", diz Seong Dong-gi, da Universidade
de Inha, especialista em Koryoin.
Lee Chang-won, diretor
do Centro de Investigação e Formação em Migração, concorda: "Não existe um
plano claro para a imigração a nível de governo nacional. Resolver o problema
populacional do país com estrangeiros foi uma reflexão tardia."
No ano passado, havia
cerca de 760 mil coreanos étnicos da China e de países de língua russa vivendo
na Coreia do Sul, que compunham cerca de 30% da população estrangeira do país.
A Coreia do Sul é
também um destino popular para trabalhadores migrantes de locais como Nepal,
Camboja e Vietnã, e em 2023 havia cerca de 2,5 milhões de estrangeiros vivendo
no país.
A maioria deles
trabalha em empregos manuais, com apenas 13% em funções profissionais.
Lee diz que a atual
política de imigração é "fortemente orientada para os trabalhadores pouco
qualificados", levando a uma "visão comum" de que os
estrangeiros só trabalham na Coreia do Sul durante algum tempo e depois vão
embora.
Como resultado, ele
diz que tem havido pouca discussão sobre a permanência de longo prazo para
todos os imigrantes.
"Espero que a
sensação de crise que está passando em relação à população possa ser um
catalisador para que a nossa sociedade olhe para a imigração de forma
diferente", diz o pesquisador Choi. "Agora é a hora de pensar em como
integrá-los."
Apesar de enfrentar
alguns desafios, Ni não se arrependeu da decisão de se mudar para a Coreia do
Sul. "Para meus filhos, esta é a nossa casa. Quando visitamos o
Cazaquistão, perguntaram: 'Porque estamos aqui? Queremos voltar para a
Coreia.'"
Fonte: BBC Coreia
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