O supercomputador que mudará previsão do
tempo no Brasil e recolocará país no mapa da meteorologia
Por trás de previsões
do tempo e do clima precisas, estão sistemas de computação com alta capacidade
de processamento e armazenamento.
São os chamados
supercomputadores, máquinas de alta performance capazes de rodar milhares de
equações matemáticas complexas, para fornecer informações cada vez mais
estratégicas em um mundo de crise climática, como a intensidade de chuvas
fortes ou a duração de uma seca.
Agora, depois de anos
de atraso, o Brasil está prestes a renovar seu sistema de supercomputação para
melhorar a previsão climática.
Na primeira semana de
julho, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicou o edital para a
aquisição de um novo supercomputador.
O equipamento será
instalado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do
instituto, em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, e será responsável
por fornecer previsões de curto, médio e longo prazo para o tempo e o clima.
A nova tecnologia
também deve reposicionar o Brasil de forma competitiva no cenário
internacional.
"Temos uma
situação de emergência climática, com aumento da frequência e intensidade de
eventos extremos — ondas de calor, chuvas extremas — causando prejuízos e
colocando a sociedade civil em risco”, explica o físico Saulo Ribeiro de
Freitas, chefe de Divisão de Modelagem Numérica do Sistema Terrestre do Inpe.
"O que acontece é
que o Brasil perdeu muito em termos de capacidade de fornecer informações de
alta relevância, acuradas e no tempo certo na comparação com outros centros do
mundo."
O novo sistema
substituirá dois supercomputadores que não conseguem mais realizar todas as
operações de previsão meteorológica e de pesquisa de que o país necessita.
Um deles, o famoso
Tupã, foi parcialmente desligado sem alarde em novembro de 2023. Outra parte
dele, o subsistema de armazenamento de dados, deve ser desligada ainda neste
mês.
Já o outro
supercomputador, anexado ao Tupã em 2018, é um sistema complementar que não tem
capacidade para realizar as operações diárias de previsão meteorológica e, ao
mesmo tempo, desenvolver pesquisas de ponta na área.
• Um modelo sul-americano
A promessa é de que a
nova máquina tenha uma capacidade tecnológica muito maior: cinco vezes mais performance
do que o sistema atual.
Esse salto é essencial
para que o Inpe possa colocar de pé outra novidade: um modelo do sistema
terrestre desenvolvido especialmente para fazer previsões climáticas sobre a
América do Sul, recolocando o Brasil na discussão global sobre os efeitos da
mudança climática.
"Esses modelos do
sistema terrestre são muito complexos e requerem o uso de processamento
paralelo massivo, são dezenas de milhares de processos simultâneos [no
supercomputador] para chegar numa previsão de tempo num prazo curto de forma a
ser útil para o usuário final", afirma Pedro Dias Leite, professor do
Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (USP).
Com o novo modelo
matemático — batizado de Monan, que na cultura tupi-guarani quer dizer
"terra sem males" — e o novo supercomputador, o instituto quer
retomar a competência brasileira de prover boas previsões meteorológicas.
A expectativa é saber,
por exemplo, quando, onde e quanto vai chover, a intensidade e a duração de
fenômenos como El Niño e La Niña e os efeitos do aumento da temperatura global.
São informações
imprescindíveis para orientar investimentos públicos e evitar perdas humanas e
materiais em eventos extremos, como no caso das recentes inundações no Rio
Grande do Sul.
"No modelo,
precisamos representar tudo que você consegue ver pela janela", diz Gilvan
Sampaio, coordenador-geral do Inpe.
Mais de 60 pessoas,
entre pesquisadores e especialistas de quase 30 instituições, como órgãos
governamentais, universidades federais e estaduais e centros na Argentina,
Chile e Estados Unidos, estão envolvidas na construção do Monan.
O objetivo de tamanho
esforço comunitário é fornecer um modelo para previsões meteorológicas que,
pela primeira vez, levará em conta particularidades brasileiras e
sul-americanas.
É o caso, por exemplo,
do Pantanal, que não é bem representado nos modelos europeus ou americanos.
"Estamos trazendo
especialistas de todas as partes para contemplar as peculiaridades dos
fenômenos que ocorrem no Brasil", diz Sampaio.
"Os atuais
modelos americanos e europeus podem rodar a previsão de qualquer lugar do
mundo. Mas o modelo é como se fosse um carro de Fórmula 1: se você coloca para
rodar em Interlagos, precisa de uma calibragem diferente do que se coloca para
rodar numa pista da Inglaterra."
Quando o modelo for
finalizado e o supercomputador estiver devidamente instalado, o Inpe poderá
fornecer previsões em escalas de poucos dias, semanas, meses e anos com maior
precisão da intensidade do fenômeno e, ainda, em escala menor, "dividindo"
o continente em quadrados de apenas 3 por 3 km — hoje a resolução é de 20 por
20 km.
Em outras palavras, a
previsão terá um zoom maior, com mais precisão da localização do fenômeno
meteorológico.
Tudo isso, no entanto,
ainda deve levar anos para se concretizar totalmente.
• Investimento atrasado
Quando foi instalado,
em 2010, o Tupã — um supercomputador XE6 da fabricante americana Cray — era uma
das máquinas mais poderosas do mundo: ocupava a 29ª colocação da lista global
Top 500, que avalia supercomputadores todos os anos.
Era o 3º com maior
performance entre aqueles dedicados à previsão de tempo e de clima sazonal
(muitos supercomputadores hoje são usados para fins militares ou de pesquisa em
outras áreas, como a medicina).
Com o passar dos anos,
no entanto, o Tupã começou a ficar para trás.
A Cray deixou de
comercializar o modelo, e a máquina brasileira deveria ter sido trocada ainda
em 2015, o que não aconteceu.
Para manter a
capacidade de performance, o Inpe adquiriu, em 2017, outro supercomputador, o
CX-50, da mesma fabricante, anexado ao Tupã em 2018.
Mesmo assim, alguns
gabinetes precisaram ser desligados para economizar energia e manter outras
partes das máquinas funcionando.
Em 2021, a falta de
orçamento quase levou o Inpe a desligar de vez o equipamento original, já
considerado em estado de penúria.
A falta crônica de
investimentos é uma das principais causas para a defasagem brasileira na área
de previsão do tempo e do clima, segundo todos os especialistas ouvidos pela
BBC News Brasil.
Em 2021, por exemplo,
o Inpe teve o menor orçamento em uma década, de R$ 85 milhões — uma queda de
37% na comparação com 2020.
Naquele mesmo ano, o
instituto começou a realizar as primeiras reuniões do comitê científico do
Monan.
Desde então, a
construção do modelo vem avançando, ainda que não na velocidade ideal, por
falta de um supercomputador potente o suficiente para rodar todas as operações
matemáticas necessárias de teste e pesquisa.
Ainda em 2022, o Inpe
conseguiu aprovar um projeto de R$ 200 milhões com o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), do Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação.
A Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), no entanto, só liberou a primeira parcela para
compra do novo supercomputador em março deste ano.
São R$ 500 mil para um
resfriador, R$ 5 milhões para cobrir as despesas de importação e R$ 32 milhões
para a máquina em si — a primeira de quatro.
Esses valores fazem
parte da primeira parte de um cronograma de quatro etapas: até 2026, a Finep
vai disponibilizar novas parcelas, que serão usadas para comprar novos
supercomputadores.
Questionada pela
reportagem, a Finep afirmou que o "desembolso em quatro parcelas deveu-se
a especificidades do próprio projeto" e à necessidade de "respeitar a
anualidade orçamentária".
Para Ivan Barbosa,
coordenador da Infraestrutura de Dados e Supercomputação do Inpe, a vantagem da
liberação em etapas é a possibilidade de, a cada nova parcela, comprar um
supercomputador mais atualizado.
"Poderemos fazer
a expansão tecnológica e científica, de forma a acompanhar a evolução dos
chips", afirma ele.
"A primeira
máquina vai ter uma arquitetura, a quarta vai ter uma melhor."
Para abrigar a nova
máquina, cujo edital foi publicado no início de julho e que só deve chegar ao
Brasil no final do ano, o Inpe também está investimento parte do recurso total
de R$ 200 milhões na melhoria da infraestrutura de seu centro.
Isso inclui a
modernização da rede elétrica, do sistema de ar condicionado e de água
(necessária para o resfriamento dos processadores), além da instalação de uma
usina de geração de energia elétrica fotovoltaica para abastecer os
supercomputadores – só o sistema atual custa cerca de R$ 5 milhões por ano em
energia elétrica, de acordo com Barbosa.
• Modelo comunitário
O desenvolvimento do
Monan também será por etapas.
O objetivo, segundo
Saulo de Freitas, é que, até o final do ano o modelo já seja capaz de fazer a
previsão de até 15 dias.
Em 2026, o Monan deve
contar com a previsão até um mês. Depois, serão finalizadas as previsões
sazonais (de até três meses) e de médio prazo (de anos).
O modelo está sendo
desenvolvido por pesquisadores de todo o país, especialistas em atmosfera,
criosfera (gelos continentais), oceanos, solos e vegetação.
Conta também com a
colaboração de profissionais da Argentina, do Chile e dos órgãos americanos
Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (NCAR, na sigla em inglês) e
Administração Nacional do Oceano e da Atmosfera (NOAA).
"O Brasil perdeu
a capacidade de colocar informações de forma competitiva", diz Freitas.
"Me perguntam:
por que só não usar as informações dos Estados Unidos e da Europa, então? Tem
todo um aspecto estratégico de soberania nacional. Os modelos deles estão
preocupados com os impactos nas regiões americanas e europeias. Temos que ter
um modelo para as nossas condições", diz ele.
A consciência
científica crescente sobre o papel da Amazônia para a regulação do clima na
Terra, por exemplo, só reforça a necessidade de o Brasil ter dados de qualidade
para se colocar nas discussões globais.
Para além da questão
geopolítica, há um aspecto prático imprescindível: ter previsões meteorológicas
mais precisas para a realidade brasileira é fundamental para a economia, para a
gestão pública e para o dia a dia da população, a fim, inclusive, de evitar
tragédias.
"Nós temos uma
complexidade adicional que é a Amazônia, uma fonte de energia e de água para a
atmosfera. Os modelos usados nos centros mundiais não necessariamente têm
desempenhos satisfatórios nessa região tropical", diz Pedro Dias Leite, da
USP.
Ao lado de Freitas, do
Inpe, ele coordena o comitê científico do Monan.
• Outros gargalos
A aquisição dos quatro
novos supercomputadores e o desenvolvimento completo do Monan ainda levarão
anos para serem concluídos.
Assim, a perspectiva
de o Brasil voltar a ter competitividade entre os centros globais de previsão
do tempo e do clima é, ainda, uma promessa.
O avanço de pesquisas
na área e de uma operação útil para a população brasileira enfrenta ainda
outros gargalos.
Segundo os
especialistas, há sobreposição de atividades entre diferentes organizações que
trabalham com dados meteorológicos no país.
Falta articulação e
coordenação entre os órgãos para uma cadeia padronizada de informações, que
inclua desde as previsões meteorológicas, ao cálculo de risco de desastres
climáticos e o envio de alertas claros para a população.
A criação de uma Rede
Nacional de Meteorologia, discutida há anos pelo Inpe, Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet), vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária e o
Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam, vinculado
ao Ministério da Defesa), ainda não se concretizou.
Um dos objetivos dela
seria justamente eliminar a sobreposição de atividades.
Há ainda outras
defasagens. O Brasil não possui seu próprio satélite estacionário para obter
informações meteorológicas e usa equipamentos americanos ou europeus. Novamente
há uma questão geopolítica.
"Durante a guerra
das Malvinas (1982) boa parte da América do Sul ficou sem informação
satelital", conta Freitas, do Inpe.
No início de junho,
por meio do Inpe e de outras pastas, o governo brasileiro assinou um acordo com
o governo chinês para o desenvolvimento de um satélite com foco no Brasil que
fornecerá dados para a previsão do tempo e o monitoramento de eventos climáticos
extremos.
No caso destes
eventos, cada vez mais frequentes, para evitar consequências danosas para a
população há ainda outro fator crucial. É preciso contar com uma rede
observacional robusta, o que vai além da previsão meteorológica.
No Brasil, a rede foi
estruturada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) e é formada por radares meteorológicos e pluviômetros
(instrumentos utilizados para coletar e medir as chuvas).
Isso porque não basta
saber se vai chover em determinado dia: é preciso saber quanto está chovendo no
momento e quais as características de determinado município para disparar um
alerta para deslizamento de terra, por exemplo.
"Manter uma rede
observacional é um grande desafio. Precisa de recursos para aquisição dos
equipamentos e para a manutenção deles", explica Regina Alvalá,
coordenadora do Cemaden. "Para um país da dimensão do Brasil, é muito
difícil".
Alvalá exemplifica: o
Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados; já o Japão, 400 mil
quilômetros quadrados (0,5% do território brasileiro).
Mas, enquanto o país
asiático tinha mais de 8 mil pluviômetros (que medem a chuva) no início dos
anos 2000, o Brasil não tinha nem mil.
Hoje, diz ela, são
pouco mais de 3 mil pluviômetros na rede do Cemaden.
O centro, inclusive,
também receberá mais recursos do governo para expansão de suas capacidades.
Serão R$ 50 milhões do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para
aumentar a lista de monitoramento de municípios que apresentam maior chance de
ocorrência de desastres climáticos.
Fonte: BBC News Brasil
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