O fracasso do golpe na Bolívia é sintoma de
uma crescente crise política
Há algumas semanas, a
Bolívia experimentou mais um golpe. Na tarde de quarta-feira, 26 de junho,
soldados armados e tanques se concentraram na praça Murillo, em La Paz, com um
tanque rompendo o histórico palácio presidencial. Imagens do confronto
cara a cara entre o general do exército Juan José Zúñiga e o presidente Luis
Arce viralizaram. Para os bolivianos, o sentimento de pavor evocado era muito
familiar. Felizmente, foi passageiro, com o golpe fracassando em poucas horas.
Em vez de derramamento de sangue e repressão, o golpe fracassado deixou
perguntas: Por que ocorreu e o que vem a seguir?
Dentro da Bolívia, há
debate sobre por que o golpe ocorreu. A resposta mais direta é que este foi o
trabalho de um general descontente e, ao que tudo indica, surpreendentemente
inepto e isolado, furioso com o presidente por seu aparente desprezo por sua lealdade.
Zúñiga demonstrou essa “lealdade” em 24 de junho ao declarar publicamente que
Evo Morales, ex-chefe do presidente Arce e atual rival político, não é elegível para
concorrer às eleições de 2025. Como Pablo Stefanoni observa, em sua entrevista de
24 de junho, Zúñiga afirmou: “Evo Morales é legalmente inelegível. A
Constituição diz que não se pode ter mais de dois mandatos, e este homem foi
reeleito. A missão do Exército e das Forças Armadas é garantir que a
Constituição seja respeitada e cumprida. Este homem não pode ser presidente
deste país novamente.”
As palavras de Zúñiga
referem-se a uma decisão de dezembro de 2023 do Tribunal Constitucional
Plurinacional da Bolívia, que determinou que os presidentes não podem servir
por mais de dois mandatos no total. Esta decisão anulou a controversa decisão
do Tribunal de 2017, que permitia que presidentes e outros detentores de cargos
se reelegessem indefinidamente como um direito humano. Esse parecer anterior
abriu caminho para a vitoriosa campanha presidencial de Morales em 2019, que
desencadeou o último golpe boliviano em novembro de 2019, inaugurando um ano de
regime militar sob o governo de extrema direita de Jeanine Áñez. Ao reverter sua
decisão de 2017, o Tribunal bloqueou a capacidade de Morales de concorrer nas
eleições de 2025.
A reversão de 2023 é
controversa. Como era de se esperar, provocou uma grande ira em Morales e seus
apoiadores. Mas os Evistas, como são conhecidos os apoiadores de
Morales, não são os únicos irritados; a decisão também foi criticada em dois
outros aspectos mais gerais. O primeiro é o fato de que ela claramente difere
da Constituição boliviana de 2009,
que apenas proíbe mais de um mandato presidencial consecutivo. A decisão de
dezembro de 2023, por outro lado, afirma que os presidentes são limitados a
dois mandatos no total, uma questão sobre a qual a própria Constituição não
menciona nada.
A decisão também é
controversa porque o Tribunal que a emitiu é amplamente visto como desprovido
de legitimidade. Essa nuvem de ilegitimidade — e a crise constitucional que ela
gerou, da qual a proibição de Morales concorrer em 2025 é apenas uma parte — decorre
do adiamento das eleições judiciais programadas para 2023, nas quais novos
juízes do Tribunal deveriam ser escolhidos por meio de voto popular. Essas
eleições não ocorreram devido a disputas internas entre Evistas e Arcistas no
Congresso boliviano, que impediram o avanço de várias legislações. A decisão
sobre a elegibilidade de Morales para as eleições de 2025 foi tomada um dia
antes de os atuais juízes do Tribunal terem que renunciar. Em sua decisão, os
juízes também tomaram a decisão controversa e muito criticada de se autonomear
indefinidamente e alterar a Constituição para permitir sua própria reeleição
(algo anteriormente não permitido).
A declaração pública
de Zúñiga de que Morales não pode concorrer em 2025 parecia favorecer Arce (e
aparentemente demonstrar a lealdade de Zúñiga ao presidente); no entanto, Arce
já havia se manifestado contra os comentários anteriores de Zúñiga e procedeu
com sua demissão no dia seguinte. Os detalhes da demissão demoraram a ser
divulgados, o que provavelmente contribuiu para que Zuñiga pudesse comandar as
tropas durante a tentativa de golpe de 26 de junho. A decisão de Arce de
demitir Zúñiga pode ter sido uma reação aos comentários do general, que já eram
uma clara e ilegal tentativa de interferir na esfera política. Pode também ter
sido forçada a Arce pelo próprio Morales, que aproveitou os comentários de
Zúñiga para exigir a demissão do general. Sua demissão, ao que parece, provocou
Zúñiga a lançar seu golpe.
Como mencionado, o
golpe foi espetacularmente mal sucedido e de curta duração. Entre outras
coisas, isso gerou alguns memes espirituosos bolivianos, incluindo um que observava que a lamentavelmente
fracassada seleção de futebol da Bolívia na Copa América, que foi eliminada
após perder seus dois primeiros jogos, era menos terrível do que as forças
envolvidas no golpe fracassado.
Zúñiga alegou que
estava buscando “restaurar a democracia” e que libertaria os “prisioneiros
políticos” da Bolívia, que em sua visão incluem Áñez e Fernando Camacho, ambos
presos por seus papéis de liderança no golpe de 2019. Porém, Áñez e Camacho condenaram
rapidamente as ações de Zúñiga, assim como os
ex-presidentes bolivianos de centro-direita, Carlos Mesa e Jorge “Tuto”
Quiroga, e de esquerda, Morales. O golpe também foi condenado imediatamente
pela Central Operária Boliviana (COB) e pela confederação camponesa, a
Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB),
com a primeira declarando uma greve geral por tempo indeterminado para se opor
ao golpe.
Tudo isso aponta para
o isolamento e desespero de Zúñiga. Após seu encontro cara a cara e
televisionado com Arce em 26 de junho, o general e suas tropas rapidamente
recuaram, com multidões apoiando Arce e zombando deles enquanto fugiam pela
praça Murillo. Horas depois, Zúñiga foi preso. Outros líderes das forças
armadas suspeitos de envolvimento também foram presos, e Arce já nomeou uma
nova liderança das forças armadas.
·
Um autogolpe?
Foi quando surgiu uma
segunda teoria sobre o golpe. Esta teoria veio diretamente de Zúñiga, que disse
aos repórteres após sua prisão que o próprio Arce havia pedido a ele que
fizesse algo para ajudar o presidente a ressuscitar sua popularidade em declínio.
Desde então, Morales repetiu a alegação de que o golpe foi, na verdade,
um autogolpe por parte de Arce. Como Bret Gustafson, acho
essa teoria improvável devido ao fato de que Zúñiga enfrenta a probabilidade de
passar uma década ou mais atrás das grades.
No entanto, a teoria
provavelmente continuará a existir devido ao apoio veemente de Morales e a três fatos
peculiares sobre a tentativa de golpe em si: O primeiro é que Zúñiga não tentou
prender ou atirar em Arce durante sua curta entrada no palácio presidencial;
segundo, Arce não estava vestindo um colete à prova de balas quando confrontou
Zúñiga; e terceiro, os guardas do palácio de Arce não atiraram em Zúñiga ou em
suas tropas. Uma terceira teoria, mais improvável ainda, também surgiu: que
o próprio Morales está por trás do golpe, que ele supostamente teria
arquitetado para proclamá-lo como um autogolpe e fazer Arce
parecer ruim.
Como mencionado, as
evidências sugerem que o golpe foi apenas o resultado da reação impulsiva de
Zúñiga à sua demissão. No entanto, permanecem muitas perguntas para que uma
conclusão definitiva sobre o assunto seja possível. O que está claro é que o
golpe ocorreu dentro de um contexto extraordinariamente difícil na Bolívia,
marcado por três crises. A primeira é a já mencionada crise constitucional, que
gira em torno das eleições judiciais adiadas de 2023 e da explosiva questão de
saber se Morales poderá ou não concorrer em 2025.
A segunda, e mais
fundamental, crise é a divisão intrapartidária dentro do Movimiento al
Socialismo ( Movimento ao Socialismo – MAS) que coloca Evistas contra Arcistas.
O rompimento entre Morales e Arce foi inicialmente uma surpresa, já que os dois
homens eram muito próximos há mais de uma década. Arce serviu como ministro das
finanças durante a maior parte dos quatorze anos de Morales no poder. Arce é
amplamente creditado pelo forte desempenho econômico da Bolívia durante esse
período, com o país registrando crescimento econômico sustentado e quedas
acentuadas na pobreza e na desigualdade. Morales escolheu Arce para ser o
candidato do MAS na eleição de 2020, da qual Morales foi impedido de participar
pelo governo apoiado pelos militares. O papel de liderança de Arce sob Morales
foi visto como uma razão chave para sua vitória esmagadora em 2020.
No entanto, após Arce
assumir o cargo, seu relacionamento com Morales rapidamente começou a azedar,
em parte porque Arce voltou atrás em sua promessa inicial de não buscar a
reeleição. No ano passado, a divisão se transformou em um abismo, com Morales
assumindo o controle do MAS e expulsando Arce do
partido. Após isso, o MAS e o Congresso controlado pelo MAS ficaram
irremediavelmente divididos entre Evistas e Arcistas.
Entre outras coisas,
isso efetivamente paralisou a ação legislativa em questões importantes, como a
crise econômica do país. A economia da Bolívia está sofrendo uma série de problemas, sendo o mais urgente
a drástica falta de moeda estrangeira. Em abril, a Bolívia possuía apenas 1,7
bilhão de dólares em reservas, o menor valor em dezenove anos e uma queda de
89% em relação aos 15 bilhões de dólares em reservas mantidos em 2014. Isso gerou
temores de que a moeda terá que ser significativamente desvalorizada, o que
levaria a uma inflação massiva. O crescimento também diminuiu nos últimos anos,
em grande parte devido à queda de uma década na produção de gás natural da
Bolívia. Em fevereiro, a Bolívia sofreu um doloroso rebaixamento no sistema
internacional de classificação financeira, com a Fitch Ratings rebaixando
sua nota de B- para CCC.
Arce sobreviveu à
tentativa de golpe de Zúñiga. A explosão de apoio nacional e internacional que
ele recebeu em consequência disso pode proporcionar um breve impulso, mas não
há como evitar o fato de que Arce e a Bolívia estão enfrentando imensos problemas
nos âmbitos político, econômico e constitucional. Até agora, a oposição da
Bolívia permanece em desordem, mas se a divisão entre Arce e Morales continuar
— e, infelizmente, não há razão para pensar que diminuirá tão cedo — a
capacidade de Arce de enfrentar os problemas econômicos e políticos da Bolívia
será severamente limitada, e a direita terá uma chance muito maior de voltar ao
poder em 2025 do que teria de outra forma.
·
Javier Milei se reúne
com presidente uruguaio; assunto não foi revelado
O presidente da
Argentina, Javier Milei, recebeu nesta quarta-feira (17) seu homólogo uruguaio,
Luis Lacalle Pou, na Casa Rosada, sede do Executivo. A informação é de fontes
governamentais.
Após a reunião, que
durou uma hora, o presidente uruguaio saiu sem se manifestar junto com o
embaixador de seu país em Buenos Aires, Carlos Enciso.
O líder do La Libertad
Avanza também planeja se reunir com seu homólogo paraguaio, Santiago Peña.
Na quinta-feira (18),
os três presidentes participarão de um evento em memória dos 30 anos do ataque
terrorista à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), cujo saldo foi de 85
mortos e cerca de 300 feridos.
O encontro entre Milei
e Lacalle Pou é o primeiro após a ausência do presidente argentino na cúpula do
Mercosul, realizada no último dia 8, em Assunção, no Paraguai.
Durante o conclave do
bloco regional, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e agora
Bolívia, Lacalle Pou criticou o fracasso do presidente argentino.
"Não importa só a
mensagem, o mensageiro é muito importante. Não vou menosprezar ninguém, mas se
o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar lá",
disse o presidente uruguaio durante seu discurso no plenário do bloco.
Foi a segunda vez na
história do Mercosul que um líder decidiu não comparecer à cúpula de chefes de
Estado.
Até então, a única
ausência presidencial havia sido a de Fernando de La Rúa (1999–2001), em 2001,
devido ao desastre político, econômico e institucional que afligia o país.
¨ Bolsonaro em ato no Rio de Janeiro: 'Só quem é conservador e de
direita sofre atentado?'
Para reforçar o apoio
à candidatura do deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem (PL), o ex-presidente Jair Bolsonaro
realiza extensa agenda no Rio de Janeiro a partir desta quinta-feira (18). Em
ato na Tijuca, na zona norte, Bolsonaro reuniu apoiadores e falou sobre
perseguição.
Em meio a uma multidão
vestida de verde e amarelo e entre bandeiras de Brasil e Israel, Bolsonaro
participou de um ato na Praça Sans Peña, que também contou com a presença do
governador do estado, Cláudio Castro (PL), o deputado Ramagem e o senador Flávio
Bolsonaro. Durante discurso de quase dez minutos, o ex-presidente pediu apoio
ao nome de Ramagem na disputa à prefeitura do Rio de Janeiro, fez críticas ao
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e comentou o atentado
contra o republicano Donald Trump no último sábado (13), nos Estados Unidos.
Ao comentar sobre as
eleições em 2018, quando venceu o então candidato petista Fernando Haddad,
Bolsonaro disse que nenhum partido "queria dar espaço" e que
conseguiu uma sigla pequena, na época o PSL, que se fundiu ao União Brasil. O
ex-presidente também lembrou da facada que recebeu durante campanha em Juiz
Fora, em Minas Gerais. "Disputamos as eleições. No meio do caminho, uma
facada. Vocês repararam que só quem é conservador e de direita sofre atentado?
Tentaram matar há poucos dias o Trump nos EUA. Ocorreu um milagre lá, e outro
aqui", declarou.
O ex-presidente
pontuou que em 2019 assumiu um "Brasil com muitos problemas" e que
foi o primeiro político da "Nova República" que escolheu nomes
técnicos para compor os ministérios. "Eram pessoas que queriam realmente
mudar o Brasil", acrescentou. Em crítica a Lula, Bolsonaro afirmou que o
petista ampliou o atual primeiro escalão do governo federal, o que demonstraria
que "quantidade não é qualidade", ao comparar com a antiga gestão.
"O Brasil é um
país fantástico. Ninguém tem o que nós temos em terras agricultáveis, em água
doce, em biodiversidade, em riquezas, em belezas naturais, em clima e um povo
miscigenado e trabalhador [...]. Falta escolhermos corretamente os nossos representantes.
Se bem que eu repito, quem fez o meu divórcio em 2022 [quando perdeu para Lula
no segundo turno] não foi a população brasileira", alfinetou.
Bolsonaro ainda
prometeu que seu grupo político retornará em 2026, mas que antes o foco é o
pleito deste ano, quando serão eleitos prefeitos e vereadores. O ex-presidente
tem apoiado nomes nas principais capitais brasileiras. "Hoje aqui não é
campanha política. Não é comício. É uma rápida passagem do que foi o meu
mandato, do que nós estamos apresentando como possibilidades para o Rio de
Janeiro. O Ramagem, um delegado da Polícia Federal, que eu conheci na transição
de 2018, já começa a pagar um preço alto pela sua ousadia de querer pensar,
sonhar e administrar uma cidade com respeito, com honradez e com orgulho",
finalizou.
Ramagem também
discursou e pediu apoio para a campanha na capital fluminense, mas não fez
comentários sobre o depoimento concedido na última quinta (17), quando ficou
mais de seis horas na sede da PF. O ex-diretor da Abin é investigado por usar a
estrutura do órgão para perseguir adversários políticos durante a gestão
Bolsonaro.
O ato foi o primeiro
de uma extensa agenda do ex-presidente no Rio. Durante a tarde, Bolsonaro
estará em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde participa de uma
caminhada. Já na sexta (19), a programação inclui encontros em Campo Grande,
Zona Oeste do Rio, na sede do PL em Itaguaí, Região Metropolitana. No sábado
(20), Bolsonaro estará em Niterói.
Castro diz que será
fiel a Bolsonaro até o fim do mandato
O governador Cláudio
Castro também discursou durante o ato e reafirmou a fidelidade ao ex-presidente
até o fim do seu mandato. Em uma rara menção ao ex-governador Wilson Witzel, do
qual foi vice no pleito em 2018 e assumiu o Palácio da Guanabara após o processo
de impeachment.
"Eu nunca falei
publicamente sobre isso, é a primeira vez Bolsonaro. O senhor, assim como em
2022, também elegeu o governador [do Rio de Janeiro, na época Wilson Witzel]. E
com menos de um ano ele tentou tomar sua cadeira. E eu quero dizer, Bolsonaro,
que até o último dia do meu mandato eu serei liderado por você no Rio de
Janeiro", pontuou.
Castro também comentou
sobre as operações da Polícia Militar (PM) em favelas e comunidades do Rio de
Janeiro, que foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até a
elaboração de um plano para reduzir a letalidade policial. No discurso, o
governador prometeu seguir com ações para "limpar o Rio de Janeiro do
crime organizado".
"Aqui no Rio de
Janeiro, pré-candidato e ex-secretariozinho de prefeito, não para operação da
polícia. Nós vamos seguir até limpar o Rio de Janeiro. Por isso, presidente, eu
acredito que nós do PL estamos preparados para governar a cidade do Rio de Janeiro.
Os seus seguidores, assim como eu, estão preparados para governar a cidade do
Rio de Janeiro. É nesse momento de pré-campanha, não é hora de pedir voto, mas
é hora da gente estudar aqueles que querem ser candidatos", afirmou.
Fonte: Por Gabriel
Hetland - tradução de Sofia Schurig, para Jacobin Brasil/Sputnik Brasil
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