Por que Brasil é central no plano
bilionário da Arábia Saudita de investimentos na América Latina
Uma nova potência
chegou à América Latina e ao
Caribe: a Arábia Saudita.
Seguindo as linhas
definidas pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman no plano econômico
que intitulou de Visão 2030, a monarquia árabe demonstra um interesse crescente
na região e aumentou recentemente a sua presença econômica e diplomática.
As exportações
sauditas para a América Latina, que, em 2019, atingiram o valor de US$ 2,8
bilhões, atingiram pouco mais de US$ 4,5 bilhões em 2023, uma alta de 38,8%.
As importações
passaram de US$ 3,8 bilhões em 2019 para quase US$ 5 bilhões em 2023, um
aumento de 23,6%.
O aquecimento do
comércio tem sido acompanhado por crescentes investimentos sauditas,
possibilitados pelo grande capital que o país árabe possui graças à sua vasta
riqueza petrolífera, o que lhe permite ser um dos maiores exportadores do
mundo.
Parte desse dinheiro
começou a fluir para a América Latina e o Caribe. E a crescente relação entre a Arábia Saudita e a região passa, em
grande parte, pelo Brasil.
Os dois países têm
reforçado seus laços econômicos e políticos.
As exportações do
Brasil, maior parceiro comercial da Arábia Saudita na região, atingiram o nível
mais alto dos últimos dez anos em 2023.
O ministro de
Investimentos, Khalid Al-Falih, comunicou, em visita ao Brasil, o desejo de que
ambos os países se tornem um dos cinco maiores investidores um do outro, numa
cooperação impulsionada “pela evolução do Sul Global e pelos valores
partilhados” entre os dois países.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que viajou a Riad,
capital da Arábia Saudita, em novembro de 2023, acha que é uma boa ideia.
“Não estamos
interessados apenas em saber quanto os fundos sauditas podem investir no
Brasil, mas em quanto os empresários brasileiros podem investir na Arábia Saudita”, disse Lula.
Mas não é só o Brasil.
A Guiana anunciou em
novembro que Riad se comprometeu a investir US$ 2,5 bilhões para o
desenvolvimento dos países caribenhos nos próximos anos.
A Aramco, grupo
petrolífero do Estado saudita, adquiriu uma das principais distribuidoras de
combustíveis do Chile, onde pretende expandir a sua atividade comercial.
Segundo o pesquisador
Najad Khouri, do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio, um centro
de pesquisas no Brasil, “esses são os primeiros passos de um relacionamento
natural”.
Parece que o
relacionamento está avançando.
O ministro Khalid
Al-Falih fez uma viagem a sete países da região em agosto de 2023 para, disse
ele, “explorar oportunidades para fortalecer e aprofundar parcerias de
investimento”.
·
A Visão 2030 da Arábia
Saudita
Ao assumir o trono
saudita em 2015, o rei Salman surpreendeu ao fazer
do seu sétimo filho, Mohammed bin Salman, que tinha apenas 32 anos na época, o
homem forte do governo e passou à
frente de todos os seus irmãos nas preferências do pai.
Tim Callen,
especialista do Instituto de Estudos Árabes do Golfo em Washington (EUA), disse
à BBC que Bin Salman “chegou com um plano muito ambicioso para diversificar a
economia e reduzir a sua dependência do petróleo, além de transformar a muito
conservadora sociedade saudita”.
Economicamente, o
principal objetivo era orientar para um mundo visto como descarbonizado no
futuro e gerar empregos para os jovens, uma parte muito importante da sociedade
saudita.
Segundo Callen, “ainda
que a Arábia Saudita demore décadas a se desligar do petróleo — porque tem
tanto [petróleo] que pode produzir muito e a custos muito baixos —, tem
importantes necessidades energéticas internas e procura desenvolver formas
alternativas e mais limpas de energia”.
Um dos meios para
concretizar a estratégia batizada de Visão 2030 tem sido um poderoso fundo soberano saudita, cujos
recursos são estimados em cerca de US$ 1 bilhão.
O príncipe e o
ministro Al-Falih, encarregado de tornar realidade as diretrizes do palácio,
traçaram uma nova estratégia para alocar parte dos enormes investimentos do
fundo soberano saudita para outros destinos que não os Estados Unidos, Ásia e
Europa, locais onde Riad investe há anos.
Por meio de sua
Iniciativa de Investimentos Futuros, o fundo começou a organizar o que chama de
Cúpulas Prioritárias, reuniões para promover negócios e investimentos na
América Latina e no Caribe, cujas primeiras edições foram realizadas no Rio de
Janeiro e em Miami (EUA).
A iniciativa Visão
2030 também prevê uma transformação social e uma abertura ao mundo exterior.
Nesse âmbito, Riad
começou a permitir a entrada de turistas no país em 2019, quando antes só
permitia visitas por motivos religiosos.
Um ano antes, havia
sido tomada uma das medidas de abertura mais simbólicas num país onde prevalece
uma interpretação estrita do Islã: permitir que as mulheres dirijam, algo que até então era
proibido.
·
Por que a Arábia
Saudita está interessada na América Latina e no Caribe?
Najad Khouri, do Grupo
de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio, diz que “a América Latina e o
Caribe são destinos interessantes para os investimentos sauditas porque
geralmente possuem países estáveis, nos quais não há guerras ou revoluções”.
“A América Latina e o
Caribe precisam de investimentos e a Arábia Saudita tem muito dinheiro para
investir”, afirma.
A região também possui
alguns dos elementos mais difíceis de encontrar no país árabe desértico, como
alguns dos metais que emergem como estratégicos no futuro — por exemplo, lítio,
níquel ou cobre.
A expectativa é de que
eles devem impulsionar a economia mundial quando o petróleo já não fizer isso —
e a América do Sul tem depósitos importantes.
Embora a riqueza em
petróleo torne difícil que este combustível fóssil deixe de ser o principal
negócio dos sauditas no curto prazo, eles já começaram a se posicionar para um
futuro que parece baseado na eletricidade.
Uma das apostas
recentes do reino é a Ceer, primeira fabricante de automóveis elétricos
saudita, que deve demandar alguns dos minerais sul-americanos.
E já hoje, a fértil
região da América Latina exporta uma grande quantidade de alimentos e produtos
agrícolas para a Arábia Saudita, onde a árida geografia da Península Arábica
torna a agricultura muito difícil e cara.
A América Latina
também é uma das regiões por onde flui mais água doce do planeta.
A atenção à América
Latina e ao Caribe não responde apenas a razões econômicas.
A maioria dos governos
da América Latina e do Caribe também pertence a países não alinhados com o
chamado bloco ocidental. Riad pode contar com o fato de não receber críticas
pela forma como lida com os direitos humanos — e isso não será um obstáculo aos
seus negócios.
O reino tem sido alvo
de críticas há anos por organizações ocidentais de direitos humanos e de grupos
de mulheres que denunciaram a discriminação a que são submetidas no país.
O assassinato no consulado saudita em Istambul do jornalista
crítico Jamal Kashoggi em 2018, pelo
qual o príncipe Bin Salman foi diretamente acusado, prejudicou gravemente a
imagem internacional da monarquia árabe e desde então o seu governo tem se
dedicado a um esforço para limpá-la por meio de intensas atividades comerciais
e diplomáticas.
Os países da região
representam um bom número de votos nas Nações Unidas e nos diferentes fóruns
multilaterais, o que indica que esse apoio pode ser uma ferramenta valiosa na
tentativa de reabilitação internacional buscada pelo príncipe bin Salman.
Há exemplos. Os
Estados do bloco caribenho Caricom, que se beneficiaram dos fundos de
desenvolvimento da Arábia Saudita, apoiaram a sua candidatura para sediar a
feira mundial Expo 2030, disputa que acabou vencida pela Coreia do Sul e pela
Itália.
“Um dos objetivos do
príncipe é alcançar uma posição mais central e de liderança no que tem sido
chamado de Sul Global”, diz Callen.
E uma atividade que
desperta paixões em milhões de latino-americanos também desempenha um papel
nisso: o futebol.
O país árabe tem
injetado enormes quantias em seu campeonato nacional, o que atraiu grandes
estrelas do futebol internacional, como o português Cristiano Ronaldo, e também
sul-americanos, como Neymar, para clubes sauditas.
·
O papel do Brasil
A aproximação entre
Riad e Brasília se intensificou nos últimos tempos.
Ambos os países já
realizaram diversas reuniões bilaterais e o Brasil aceitou o convite da Arábia
Saudita para ingressar na Opep+ (grupo de produtores e exportadores de
petróleo que se reúne regularmente para decidir quanto petróleo bruto vender no
mercado mundial), embora apenas tenha feito isso como
observador.
O Brasil, por sua vez,
conseguiu que Riad se juntasse ao grupo Brics — antes formado por Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul e que em 2023 anunciou uma expansão.
No entanto, segundo
Mohamad Nourad, vice-presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira,
trata-se mais de “uma relação comercial do que política e isso ocorre porque
agora existem boas oportunidades para ambas as partes”.
Na esfera comercial, o
Brasil é o maior exportador para a Arábia Saudita de alimentos halal, aqueles
produzidos de acordo com os preceitos do Alcorão, o livro
sagrado dos muçulmanos.
As outras exportações
notáveis são açúcar, milho e alimentos de origem animal.
Nourad diz que há “um
crescente interesse saudita na capacidade brasileira de produzir energia
renovável” e espaço para aumentar a cooperação em setores mais tecnológicos,
como a fabricação de turbinas eólicas ou a indústria de defesa em geral.
A gigante mineira
brasileira Vale vendeu recentemente uma das suas unidades de negócio ao capital
saudita por US$ 2,5 bilhões e a Embraer assinou um acordo com o Centro Nacional
de Desenvolvimento Industrial da Arábia Saudita, o que pode levar à montagem
dos seus aviões no país árabe.
Para Najad Khouri, “a
relação entre a Arábia Saudita e a América Latina e o Caribe está apenas
começando e representa uma boa oportunidade para ambos”.
Ainda que, para isso,
tenha de superar “obstáculos e limites”, como a distância geográfica e cultural
que separa duas áreas muito distantes.
¨ Arábia Saudita alertou o G7 contra o uso de ativos russos
ameaçando vender dívidas da UE
No início deste ano, a
Arábia Saudita sugeriu, de forma velada, que poderia vender alguns títulos de
dívidas europeias se o G7 decidisse confiscar quase US$ 300 bilhões (R$ 1,6
trilhão) em ativos congelados da Rússia, disseram pessoas familiarizadas com o
assunto à Bloomberg.
O Ministério da
Economia saudita disse a alguns colegas do G7 sobre sua oposição à ideia, com
uma pessoa descrevendo a ação "como uma ameaça velada". Riad
mencionou especificamente a dívida emitida pelo tesouro francês, disseram duas
fontes à mídia.
Ao longo deste ano,
países do G7 vêm tentando articular para usar os ativos congelados russos em
favor da Ucrânia. Em junho, o lucro desses ativos foi liberado para uso, mas os
ativos em si não, com Moscou caracterizando ambas as práticas e intenções como
"a pirataria do século XXI".
O grupo finalmente
concordou em explorar os lucros gerados e deixar os ativos em si, apesar de uma
pressão dos Estados Unidos e do Reino Unido para que os aliados considerassem
opções mais ousadas, mas alguns países-membros da União Europeia foram contra
essa ideia, preocupados que isso pudesse minar o euro.
De acordo com a
Bloomberg, a posição da Arábia Saudita provavelmente influenciou a relutância
desses países.
As participações do
reino em títulos franceses e em euros podem chegar a dezenas de bilhões de
euros, mas provavelmente não são grandes o suficiente para fazer uma grande
diferença se forem vendidas. Autoridades europeias ainda estavam preocupadas
porque outros países poderiam ter seguido o exemplo de Riad.
Uma autoridade saudita
disse à mídia que não era do estilo do governo fazer tais ameaças, mas que o
aviso possivelmente delineou aos membros do G7 as eventuais consequências de
quaisquer apreensões.
Não estava claro,
disseram as pessoas, se a Arábia Saudita agiu por interesse próprio — temendo
que uma apreensão criasse um precedente que poderia ser usado contra outros
países no futuro — ou em solidariedade à Rússia.
Seja qual for o
motivo, a atitude saudita ressalta sua crescente influência no cenário mundial
e a dificuldade do G7 em angariar o apoio das nações do Sul Global para a
Ucrânia, ressalta a Bloomberg.
O país do Oriente
Médio é o maior exportador mundial de petróleo bruto, e seu Banco Central tem
reservas estrangeiras líquidas no valor de US$ 445 bilhões (R$ 2,4 trilhões). O
fundo soberano também tem quase US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,4 quatrilhões) em
ativos.
Fonte: BBC News Brasil/Sputnik
Brasil
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