Por que algumas pessoas desenvolveram a
Covid-19 e outras não
Durante a pandemia,
uma das principais questões era por que algumas pessoas escapavam da COVID-19,
enquanto outras contraíam o vírus várias vezes.
Por meio de uma
colaboração entre o University College London, o Wellcome Sanger Institute e o
Imperial College London, no Reino Unido, nos propusemos a responder a essa
pergunta usando o primeiro “ensaio de desafio” controlado para COVID-19 no
mundo, no qual os voluntários foram deliberadamente expostos ao SARS-CoV-2, o
vírus que causa a COVID-19, para que este processo pudesse ser estudado em
detalhes.
Voluntários saudáveis
não vacinados, sem histórico prévio de COVID-19, foram expostos - por meio de
um spray nasal - a uma dose extremamente baixa da cepa original do SARS-CoV-2.
Os voluntários foram
então monitorados de perto em uma unidade de quarentena, com testes regulares e
amostras coletadas para estudar sua resposta ao vírus em um ambiente altamente
controlado e seguro.
Para nosso estudo mais
recente, publicado na revista Nature, coletamos amostras de tecido localizado
no meio do caminho entre o nariz e a garganta, bem como amostras de sangue de
16 voluntários. Essas amostras foram coletadas antes de os participantes serem
expostos ao vírus, para nos fornecer uma medição de linha de base, e depois em
intervalos regulares.
Em seguida, as
amostras foram processadas e analisadas com a tecnologia de sequenciamento de
célula única (single-cell sequencing), que nos permitiu extrair e sequenciar o
material genético de células individuais. Com essa tecnologia de ponta, pudemos
acompanhar a evolução da doença em detalhes sem precedentes, desde antes da
infecção até a recuperação.
Para nossa surpresa,
descobrimos que, apesar de todos os voluntários terem sido cuidadosamente
expostos à mesma dose exata do vírus da mesma maneira, nem todos acabaram
testando positivo para a COVID-19.
De fato, conseguimos
dividir os voluntários em três grupos distintos de infecção. Seis dos 16
voluntários desenvolveram COVID-19 leve típica, testando positivo por vários
dias com sintomas semelhantes aos de um resfriado. Nós nos referimos a esse
grupo como o “grupo de infecção sustentada”.
Dos dez voluntários
que não desenvolveram uma infecção contínua, o que sugere que eles conseguiram
combater o vírus logo no início, três desenvolveram uma infecção
“intermediária”, com testes virais únicos positivos intermitentes e sintomas
limitados. Nós os chamamos de “grupo de infecção transitória”.
Os últimos sete
voluntários permaneceram negativos nos testes e não desenvolveram nenhum
sintoma. Esse foi o “grupo de infecção abortada”. Essa é a primeira confirmação
de infecções abortadas, que antes não eram comprovadas.
Apesar das diferenças
nos resultados da infecção, os participantes de todos os grupos compartilharam
algumas respostas imunes específicas, inclusive naqueles cujos sistemas imunes
impediram a infecção.
Quando comparamos os
tempos da resposta celular entre os três grupos de infecção, observamos padrões
distintos. Por exemplo, nos voluntários transitoriamente infectados, nos quais
o vírus foi detectado apenas brevemente, observamos um acúmulo forte e imediato
de células imunes no nariz um dia após a infecção.
Isso contrastou com o
grupo de infecção sustentada, no qual foi observada uma resposta mais tardia,
começando cinco dias após a infecção e, possivelmente, permitindo que o vírus
se instalasse nesses voluntários.
Nas pessoas no grupo
de infecção transitória, conseguimos identificar células estimuladas por uma
importante resposta de defesa antiviral tanto no nariz quanto no sangue. Essa
resposta, chamada de “resposta de interferon”, é uma das maneiras pelas quais nosso
corpo sinaliza ao sistema imune para que ajude a combater um vírus e outras
infecções.
Ficamos surpresos em
descobrir que essa resposta foi detectada no sangue antes de ser detectada no
nariz, o que sugere que a resposta imune se espalha muito rapidamente a partir
do nariz.
• Gene protetor
Por fim, identificamos
um gene específico, chamado HLA-DQA2, que foi expresso (ativado para produzir
uma proteína) em um nível muito mais alto nos voluntários que não desenvolveram
uma infecção sustentada e, portanto, poderia ser usado como um marcador de
proteção.
Portanto, talvez
possamos usar essas informações e identificar aqueles que provavelmente estarão
protegidos contra a COVID-19 grave.
Essas descobertas nos
ajudam a preencher algumas lacunas em nosso conhecimento, apresentando um
quadro muito mais detalhado sobre como nossos corpos reagem a um novo vírus,
especialmente nos primeiros dias de uma infecção, o que é crucial.
Podemos usar essas
informações para comparar nossos dados com outros dados que estamos gerando
atualmente, especificamente quando “desafiamos” os voluntários a outros vírus e
cepas mais recentes da COVID-19.
Diferentemente deste
nosso último estudo, esses estudos incluirão principalmente voluntários que
foram vacinados ou infectados naturalmente, ou seja, pessoas que já têm alguma
imunidade.
Nosso estudo tem
implicações significativas para futuros tratamentos e desenvolvimento de
vacinas. Ao comparar nossos dados com voluntários que nunca foram expostos ao
vírus com aqueles que já têm imunidade, poderemos identificar novas formas de
induzir a proteção e, ao mesmo tempo, ajudar no desenvolvimento de vacinas mais
eficazes para futuras pandemias. Em essência, nossa pesquisa é um passo em
direção a uma melhor preparação para a próxima pandemia.
Fonte: Por Marko Nikolic e Kaylee Worlock, para The Conversation Brasil
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