quinta-feira, 4 de julho de 2024

Paulo Kliass: ‘Banco Central - uma virada está a caminho?’

A conduta pública do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tem sido um dos principais fatores de desarranjo da ordem econômica e financeiro nos tempos atuais. Nomeado para o cargo ainda no governo do inominável, por meio da indicação de Paulo Guedes, o jovem quadro do financismo foi aquinhoado ainda durante sua gestão à frente do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro com a independência da entidade. Assim, depois da aprovação da Lei Complementar n. 179 de 2021, os diretores em função passaram a ter um mandato fixo de quatro anos. Em razão de tal golpe político-institucional, Lula teve de começar seu terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto com nove bolsonaristas na direção da entidade responsável pela fixação da política monetária e pela determinação do patamar da taxa referencial de juros, a Selic.

Apesar do discurso demagógico e oportunista quanto à necessidade de conferir “independência” ao BC, o que se viu desde o início de 2023 foi a implementação de uma estratégia de sabotar o novo governo, que havia derrotado seu padrinho político nas urnas. Roberto Campos Neto não é independente de ninguém. Muito pelo contrário, ele atende de forma bastante disciplinada aos interesses e aos comandos do núcleo do financismo em nosso país. Essa dependência e submissão ao seu círculo de amizades e de convivência se revelou na manutenção da Selic em níveis estratosféricos – 13,75% – por muitos meses. Em seguida, adotou uma estratégia de redução paulatina e milimétrica da mesma, sem que a taxa real de juros fosse afetada. Tendo em vista a redução da inflação no mesmo período, o país continua ocupando o segundo lugar no campeonato mundial da rentabilidade financeira real.

No entanto, toda a expectativa gerada com a possibilidade de mudança provocada pelas nomeações paulatinas que Lula pode fazer para a direção do órgão foram sendo frustradas. Os quatro novos diretores não mudaram em nada os comunicados, as atas e as decisões o Comitê de Política Monetária (Copom). Com exceção de uma única decisão ocorrida durante a penúltima reunião do colegiado, Galípolo e os demais indicados por Lula votaram em todas as oportunidades seguindo a orientação do presidente do BC. Coube à assim chamada bancada lulista manter um voto em separado exibindo uma discordância de 0,25% na redução da Selic. Na verdade, um ponto fora da curva da aceitação da hegemonia financista.

E Roberto Campos Neto não se esquivou de demonstrar suas articulações políticas e seus desejos futuros. Compareceu a um evento político-partidário promovido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Considerado como uma das alternativas do campo bolsonarista para a disputa da sucessão de Lula, o mandatário do Palácio dos Bandeirantes lançou o balão de ensaio do chefe do BC para seu eventual futuro ministro da Fazenda. Ou seja, mais uma vez foi para o espaço o discurso a respeito da suposta independência do rapaz. Não apenas ele é organicamente vinculado aos interesses dos bancos, como também é explicitamente articulado às forças da extrema direita. Assim, os espíritos da Faria Lima vibraram ainda mais com essa possibilidade declarada. Não apenas mantêm Fernando Haddad sob seu controle para efeitos de austeridade e arrocho fiscal, como guardam na manga da camisa outra carta mais fiel e segura. Afinal, para esse pessoal o importante é ter sempre operadores a seu serviço no comando da economia.

No caso da política monetária e da transferência de fundos públicos bilionários para os caixas dos bancos parece não ter havido problema algum desde a sucessão na virada de 2022 para 2023. O foco dos (ir)responsáveis pela política econômica continua sendo a ótica das contas primárias. Assim, a busca do superávit nas contas governamentais não chega nem perto das despesas financeiras, justamente as carimbadas como “não primárias”. Os ministros da área repetem ad nauseam o discurso elaborado pelos neoliberais à frente do universo das finanças. Assim, seria preciso acabar com a farra da gastança em saúde, educação, assistência social, segurança pública, previdência social, salários dos servidores, saneamento, etc. Mas ninguém solta um único pio a respeito do volume das despesas com pagamento de juros. Ah, não Paulo, mas mexer aí seria considerado como uma quebra de contratos (sic). Uma piada de mau gosto, uma vez que os contratos sociais estão sendo permanentemente rompidos em função do austericídio

Pois o próprio BC acaba de divulgar seu mais recente boletim mensal tratando dos resultados da política fiscal do governo. Como os números são assustadores, talvez esta seja a principal razão para que as editorias de economia dos jornalões e das grandes redes de comunicação praticamente tenham esquecido de mencionar o fato. Mas a realidade é que ao longo dos primeiros cinco meses do presente ano, o governo transferiu exatamente R$ 360 bilhões aos detetores de títulos da dívida pública. Esse montante corresponde ao valor do pagamento de juros de tais papéis. Trata-se da segunda maior rubrica de dispêndios do governo federal. Só fica atrás do total relativo aos benefícios da previdência social. Como agravante, é importante mencionar que as contas previdenciárias ainda têm as receitas oriundas das contribuições. No caso dos juros, ao contrário, o resultado é integralmente deficitário.

Na comparação com o volume dispendido no memo período do ano passado, os números também impressionam. Entre janeiro e maio de 2023, os juros absorveram R$ 297 bi. Assim, verifica-se um crescimento de 21% no total entre os dois exercícios. Desnecessário dizer que nenhuma outra conta governamental foi beneficiada com tal crescimento. Muito pelo contrário, em razão da narrativa mentirosa do “não temos recursos”, o governo esmagou o movimento dos professores e servidores das universidades e dos institutos federais de educação e tem ameaçado conquistas históricas do movimento social. Ao mesmo tempo em que mantém aberta a torneira para encher os caixas dos bancos, Haddad e Tebet estão falando há muito tempo em retirar os pisos constitucionais de saúde e educação, além de desvincular os benefícios previdenciários em relação ao valor do salário mínimo.

As planilhas do BC permitem calcular o valor total das despesas com juros para os últimos 12 meses. Apesar da queda recente da Selic, os números do serviço da dívida seguem aumentando. Foram gastos R$ 782 bi – essa é a verdadeira “gastança” do governo. Trata-se de um novo recorde para esse tipo de dispêndio. E isso demonstra de forma cabal quais são exatamente as prioridades da área econômica quando se trata da alocação de recursos públicos. Aliás, recursos esses que são considerados por eles mesmos como escassos ou inexistentes.

O presidente Lula tem se manifestado ultimamente com críticas ao comando do Banco Central e tem buscado negar que seu governo vá aprofundar ainda mais o garrote da austeridade em cima das contas de políticas sociais. No entanto, faltam medidas concretas para promover uma reversão na orientação da política econômica. Não basta apenas aguardar a chegada do final de dezembro para então indicar o novo presidente do BC. Quer seja Galípolo ou outro o escolhido para a função, o que se faz necessário é uma reorientação dos instrumentos de economia a serviço do governo, com o objetivo de retomar a trilha do desenvolvimento. Uma das primeiras medidas seria a revogação do Novo Arcabouço Fiscal proposto por Haddad no começo do ano passado e que funciona como argumento permanente para as sucessivas intentonas de promover o arrocho fiscal.

 

¨      Alta do dólar chega a nível 'preocupante': especulação ou equívocos do governo Lula?

A alta do dólar bateu recorde nesta segunda-feira (1º) e acendeu o alerta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que convocou uma reunião de emergência para frear o que chamou de "especulação contra o real". A cotação da moeda brasileira frente ao dólar chegou a R$ 5,65, a maior desde janeiro de 2022.

"É um absurdo. Obviamente, me preocupa essa subida do dólar. É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real neste país [...] Não é normal o que está acontecendo", afirmou ele em entrevista à Rádio Sociedade, de Salvador, nesta terça-feira (2).

A reunião, marcada para amanhã (4), será para o governo definir como agir, disse Lula. "Temos de fazer alguma coisa. Não posso falar aqui o que é possível fazer, porque, se não, estaria alertando meus adversários", declarou o presidente.

Economistas ouvidos pela Sputnik Brasil abordaram as consequências desta alta do dólar para a população brasileira e avaliaram as medidas do governo para contê-la até o momento.

Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Carlos Delorme Prado, o problema de disputas internas tem sido um dos vilões desse descontrole.

"O Brasil tem um volume de reservas muito elevado, espaço para fazer política cambial. Pode vender dólar para evitar que o preço aumente muito e vender títulos do governo brasileiro indexados em dólar. Há vários instrumentos que podem efetivamente contribuir para controlar a variação do dólar. No momento, o Banco Central não vem tendo uma postura de contribuir para segurar a desvalorização do dólar", opinou ele.

Com a taxa de juros em dólar relativamente alta, como ocorre no Brasil, mencionou, muitos investidores preferem aumentar seu estoque de aplicações em dólar do que aplicar em países em desenvolvimento como o Brasil.

  • Pressão externa

O ministro da Economia, Fernando Haddad, tem atribuído a alta ao cenário internacional, que segundo ele é responsável por dois terços da desvalorização do real.

Prado concorda com a afirmação do ministro, ao citar a inflação nos Estados Unidos de 13,5% e a taxa de juros acima de 5%. "Nesse tipo de situação, tem ocorrido uma valorização do dólar não apenas para o Brasil, mas para várias outras moedas de países de desenvolvimento".

O economista da Fundação Getúlio Vargas, Mauro Rochlin, discorda da posição de Haddad. Para ele, a questão fiscal é a principal debatida e sofrida pelos aplicadores em títulos públicos, que têm medo de um descontrole das contas públicas.

"A causa maior dessa alta do dólar não sejam fatores externos [...] entendo que um fator interno fundamental é a instabilidade fiscal brasileira, a incerteza com relação à adimplência da dívida brasileira", opinou Rochlin. "Com isso, [investidores] acabam também procurando um porto seguro e o dólar é visto como porto seguro e, portanto, ele se torna mais caro."

Para o economista, Gilberto Braga, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral (FDC), O governo deveria dar uma demonstração clara com relação à questão do equilíbrio fiscal.

"Se por um lado há um discurso que tem apoio dos economistas e do mercado feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por outro lado, o presidente da República e boa parte do governo pressionam por aumento de gastos [...] Nesse sentido, colocam em dúvida as metas de redução de despesas e de déficit fiscal zero para 2024, que é o compromisso do governo."

  • Eleição nos EUA e possível vitória de Trump

Os economistas entrevistados concordaram, no entanto, que uma provável eleição do ex-presidente dos EUA Donald Trump nas próximas eleições pode prejudicar a estabilidade cambial no Brasil.

"A expectativa é de que um governo Trump seja mais protecionista, restrinja a compra de produtos do exterior, levante barreiras alfandegárias à compra de produtos no exterior, e a tendência é que os preços subam um tanto mais, o que impacta a inflação, empurra a taxa de juros para cima [...] Significa dizer que os títulos americanos ficam mais atraentes, o que tira capital do Brasil", concluiu o economista da FGV.

As falas de Lula nas últimas semanas sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e os gastos públicos também causaram a alta elevada, avaliam alguns dos entrevistados.

"As declarações do presidente Lula deixam o mercado um tanto mais estressado, e com mais incerteza. Isso aumenta a chamada aversão ao risco dos investidores, com isso, eles buscam uma aplicação segura", pondera Rochlin.

"Cria uma expectativa de que vai haver uma intervenção do governo na política cambial, em vez de acalmar o mercado, tem o efeito contrário, para um mercado mais especulativo e volátil", acrescentou o professor do Ibmec.

Na opinião do processor da UFRJ, o BC as declarações de Lula são pertinentes, pois o BC hoje está na mão dos grandes operadores financeiros e prejudica a capacidade do governo de gerir a política monetária.

"Deixou de ser o Banco Central que defende os interesses da sociedade brasileira para prestar mais conta ao mercado financeiro do que à ordem democrática", criticou. "Isso é um dos indicadores de que o Banco Central independente, num país como o nosso, é muito ruim. Em vez de gerar mais estabilidade, gera mais instabilidade", expôs Prado.

Ele ainda defendeu que o governo não deve fazer corte drástico de gastos para atender a pressões de curto prazo.

"Se o governo faz isso, perde a capacidade de gerir a economia e os interesses da sociedade se enfraquecem. Na verdade, a saída seria, se houvesse espaço político no Congresso, mudar o regime do Banco Central para permitir a troca do presidente e de outros diretores pelo governo atual, que é quem tem a legitimidade democrática de gerir o país. Ninguém elegeu o Banco Central, elegeu o atual governo", completou ele.

  • O impacto da alta do dólar no bolso do brasileiro

O dólar mais caro tem impacto mais danoso para a população mais pobre no Brasil, concordam os especialistas ouvidos nesta reportagem. Por exemplo, todos produtos importados, nacionais que utilizam insumos importados, além das commodities que o Brasil exporta, vendidas em dólar, ficam mais caros.

"O dólar tem um impacto de aumento de custos generalizado de insumos na economia, que começa com petróleo, vão para os seus derivados como plástico e em termos de equipamentos importados, itens importados, softwares e tecnologia, porque ela aumenta custos e isso pressiona a inflação, a inflação corrói o poder de compra da população, principalmente a população primeira no gerado", exemplificou Braga.

Parado salientou que a alta impacta de forma diferente as diversas classes sociais, mas "seu pior efeito agora para o governo é sobre a política inflacionária, sobre a taxa de inflação. Por isso, o governo está tão preocupado”.

"O dólar é um preço importante, porque uma parte importante do que nós consumimos tem insumos importados e, com isso, o preço do dólar acaba impactando a inflação no Brasil", explicou Rochlin.

 

Fonte: Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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