Paulo
Kliass: ‘Banco Central - uma virada está a caminho?’
A
conduta pública do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tem
sido um dos principais fatores de desarranjo da ordem econômica e financeiro
nos tempos atuais. Nomeado para o cargo ainda no governo do inominável, por
meio da indicação de Paulo Guedes, o jovem quadro do financismo foi aquinhoado
ainda durante sua gestão à frente do órgão regulador e fiscalizador do sistema
financeiro com a independência da entidade. Assim, depois da aprovação da Lei
Complementar n. 179 de 2021, os diretores em função passaram a ter um mandato
fixo de quatro anos. Em razão de tal golpe político-institucional, Lula teve de
começar seu terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto com nove
bolsonaristas na direção da entidade responsável pela fixação da política
monetária e pela determinação do patamar da taxa referencial de juros, a Selic.
Apesar
do discurso demagógico e oportunista quanto à necessidade de conferir
“independência” ao BC, o que se viu desde o início de 2023 foi a implementação
de uma estratégia de sabotar o novo governo, que havia derrotado seu padrinho
político nas urnas. Roberto Campos Neto não é independente de ninguém. Muito
pelo contrário, ele atende de forma bastante disciplinada aos interesses e aos
comandos do núcleo do financismo em nosso país. Essa dependência e submissão ao
seu círculo de amizades e de convivência se revelou na manutenção da Selic em
níveis estratosféricos – 13,75% – por muitos meses. Em seguida, adotou uma
estratégia de redução paulatina e milimétrica da mesma, sem que a taxa real de
juros fosse afetada. Tendo em vista a redução da inflação no mesmo período, o
país continua ocupando o segundo lugar no campeonato mundial da rentabilidade
financeira real.
No
entanto, toda a expectativa gerada com a possibilidade de mudança provocada
pelas nomeações paulatinas que Lula pode fazer para a direção do órgão foram
sendo frustradas. Os quatro novos diretores não mudaram em nada os comunicados,
as atas e as decisões o Comitê de Política Monetária (Copom). Com exceção de
uma única decisão ocorrida durante a penúltima reunião do colegiado, Galípolo e
os demais indicados por Lula votaram em todas as oportunidades seguindo a
orientação do presidente do BC. Coube à assim chamada bancada lulista manter um
voto em separado exibindo uma discordância de 0,25% na redução da Selic. Na
verdade, um ponto fora da curva da aceitação da hegemonia financista.
E
Roberto Campos Neto não se esquivou de demonstrar suas articulações políticas e
seus desejos futuros. Compareceu a um evento político-partidário promovido pelo
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Considerado como uma das
alternativas do campo bolsonarista para a disputa da sucessão de Lula, o
mandatário do Palácio dos Bandeirantes lançou o balão de ensaio do chefe do BC
para seu eventual futuro ministro da Fazenda. Ou seja, mais uma vez foi para o
espaço o discurso a respeito da suposta independência do rapaz. Não apenas ele
é organicamente vinculado aos interesses dos bancos, como também é
explicitamente articulado às forças da extrema direita. Assim, os espíritos da
Faria Lima vibraram ainda mais com essa possibilidade declarada. Não apenas mantêm
Fernando Haddad sob seu controle para efeitos de austeridade e arrocho fiscal,
como guardam na manga da camisa outra carta mais fiel e segura. Afinal, para
esse pessoal o importante é ter sempre operadores a seu serviço no comando da
economia.
No
caso da política monetária e da transferência de fundos públicos bilionários
para os caixas dos bancos parece não ter havido problema algum desde a sucessão
na virada de 2022 para 2023. O foco dos (ir)responsáveis pela política
econômica continua sendo a ótica das contas primárias. Assim, a busca do
superávit nas contas governamentais não chega nem perto das despesas
financeiras, justamente as carimbadas como “não primárias”. Os ministros da
área repetem ad nauseam o discurso elaborado pelos neoliberais
à frente do universo das finanças. Assim, seria preciso acabar com a farra da
gastança em saúde, educação, assistência social, segurança pública, previdência
social, salários dos servidores, saneamento, etc. Mas ninguém solta um único
pio a respeito do volume das despesas com pagamento de juros. Ah, não Paulo,
mas mexer aí seria considerado como uma quebra de contratos (sic). Uma piada de
mau gosto, uma vez que os contratos sociais estão sendo permanentemente
rompidos em função do austericídio
Pois
o próprio BC acaba de divulgar seu mais recente boletim mensal tratando dos
resultados da política fiscal do governo. Como os números são assustadores,
talvez esta seja a principal razão para que as editorias de economia dos
jornalões e das grandes redes de comunicação praticamente tenham esquecido de
mencionar o fato. Mas a realidade é que ao longo dos primeiros cinco meses do
presente ano, o governo transferiu exatamente R$ 360 bilhões aos detetores de
títulos da dívida pública. Esse montante corresponde ao valor do pagamento de
juros de tais papéis. Trata-se da segunda maior rubrica de dispêndios do
governo federal. Só fica atrás do total relativo aos benefícios da previdência
social. Como agravante, é importante mencionar que as contas previdenciárias
ainda têm as receitas oriundas das contribuições. No caso dos juros, ao
contrário, o resultado é integralmente deficitário.
Na
comparação com o volume dispendido no memo período do ano passado, os números
também impressionam. Entre janeiro e maio de 2023, os juros absorveram R$ 297
bi. Assim, verifica-se um crescimento de 21% no total entre os dois exercícios.
Desnecessário dizer que nenhuma outra conta governamental foi beneficiada com
tal crescimento. Muito pelo contrário, em razão da narrativa mentirosa do “não
temos recursos”, o governo esmagou o movimento dos professores e servidores das
universidades e dos institutos federais de educação e tem ameaçado conquistas
históricas do movimento social. Ao mesmo tempo em que mantém aberta a torneira
para encher os caixas dos bancos, Haddad e Tebet estão falando há muito tempo
em retirar os pisos constitucionais de saúde e educação, além de desvincular os
benefícios previdenciários em relação ao valor do salário mínimo.
As
planilhas do BC permitem calcular o valor total das despesas com juros para os
últimos 12 meses. Apesar da queda recente da Selic, os números do serviço da
dívida seguem aumentando. Foram gastos R$ 782 bi – essa é a verdadeira
“gastança” do governo. Trata-se de um novo recorde para esse tipo de dispêndio.
E isso demonstra de forma cabal quais são exatamente as prioridades da área
econômica quando se trata da alocação de recursos públicos. Aliás, recursos
esses que são considerados por eles mesmos como escassos ou inexistentes.
O
presidente Lula tem se manifestado ultimamente com críticas ao comando do Banco
Central e tem buscado negar que seu governo vá aprofundar ainda mais o garrote
da austeridade em cima das contas de políticas sociais. No entanto, faltam
medidas concretas para promover uma reversão na orientação da política
econômica. Não basta apenas aguardar a chegada do final de dezembro para então
indicar o novo presidente do BC. Quer seja Galípolo ou outro o escolhido para a
função, o que se faz necessário é uma reorientação dos instrumentos de economia
a serviço do governo, com o objetivo de retomar a trilha do desenvolvimento.
Uma das primeiras medidas seria a revogação do Novo Arcabouço Fiscal proposto
por Haddad no começo do ano passado e que funciona como argumento permanente
para as sucessivas intentonas de promover o arrocho fiscal.
¨
Alta do dólar chega a
nível 'preocupante': especulação ou equívocos do governo Lula?
A
alta do dólar bateu recorde nesta segunda-feira (1º) e acendeu o alerta do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que convocou uma reunião de emergência
para frear o que chamou de "especulação contra o real". A cotação da
moeda brasileira frente ao dólar chegou a R$ 5,65, a maior desde janeiro de
2022.
"É
um absurdo. Obviamente, me preocupa essa subida do dólar. É uma especulação. Há
um jogo de interesse especulativo contra o real neste país [...] Não é normal o
que está acontecendo", afirmou ele em entrevista à Rádio Sociedade, de
Salvador, nesta terça-feira (2).
A
reunião, marcada para amanhã (4), será para o governo definir como agir, disse
Lula. "Temos de fazer alguma coisa. Não posso falar aqui o que é possível
fazer, porque, se não, estaria alertando meus adversários", declarou o
presidente.
Economistas
ouvidos pela Sputnik Brasil abordaram as consequências desta alta do dólar para
a população brasileira e avaliaram as medidas do governo para contê-la até o
momento.
Para
o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Luiz Carlos Delorme Prado, o problema de disputas internas tem sido um
dos vilões desse descontrole.
"O
Brasil tem um volume de reservas muito elevado, espaço para fazer política
cambial. Pode vender dólar para evitar que o preço aumente muito e vender
títulos do governo brasileiro indexados em dólar. Há vários instrumentos que
podem efetivamente contribuir para controlar a variação do dólar. No momento, o
Banco Central não vem tendo uma postura de contribuir para segurar a
desvalorização do dólar", opinou ele.
Com
a taxa de juros em dólar relativamente alta, como ocorre no Brasil, mencionou,
muitos investidores preferem aumentar seu estoque de aplicações em dólar do que
aplicar em países em desenvolvimento como o Brasil.
- Pressão externa
O
ministro da Economia, Fernando Haddad, tem atribuído a alta ao cenário
internacional, que segundo ele é responsável por dois terços da desvalorização
do real.
Prado
concorda com a afirmação do ministro, ao citar a inflação nos Estados Unidos de
13,5% e a taxa de juros acima de 5%. "Nesse tipo de situação, tem ocorrido
uma valorização do dólar não apenas para o Brasil, mas para várias outras
moedas de países de desenvolvimento".
O
economista da Fundação Getúlio Vargas, Mauro Rochlin, discorda da posição de
Haddad. Para ele, a questão fiscal é a principal debatida e sofrida pelos
aplicadores em títulos públicos, que têm medo de um descontrole das contas
públicas.
"A
causa maior dessa alta do dólar não sejam fatores externos [...] entendo que um
fator interno fundamental é a instabilidade fiscal brasileira, a incerteza com
relação à adimplência da dívida brasileira", opinou Rochlin. "Com
isso, [investidores] acabam também procurando um porto seguro e o dólar é visto
como porto seguro e, portanto, ele se torna mais caro."
Para
o economista, Gilberto Braga, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral
(FDC), O governo deveria dar uma demonstração clara com relação à questão do
equilíbrio fiscal.
"Se
por um lado há um discurso que tem apoio dos economistas e do mercado feito
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por outro lado, o presidente da
República e boa parte do governo pressionam por aumento de gastos [...] Nesse
sentido, colocam em dúvida as metas de redução de despesas e de déficit fiscal
zero para 2024, que é o compromisso do governo."
- Eleição nos EUA e possível vitória de Trump
Os
economistas entrevistados concordaram, no entanto, que uma provável eleição do
ex-presidente dos EUA Donald Trump nas próximas eleições pode prejudicar a
estabilidade cambial no Brasil.
"A
expectativa é de que um governo Trump seja mais protecionista, restrinja a
compra de produtos do exterior, levante barreiras alfandegárias à compra de
produtos no exterior, e a tendência é que os preços subam um tanto mais, o que
impacta a inflação, empurra a taxa de juros para cima [...] Significa dizer que
os títulos americanos ficam mais atraentes, o que tira capital do Brasil",
concluiu o economista da FGV.
As
falas de Lula nas últimas semanas sobre o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, e os gastos públicos também causaram a alta elevada, avaliam
alguns dos entrevistados.
"As
declarações do presidente Lula deixam o mercado um tanto mais estressado, e com
mais incerteza. Isso aumenta a chamada aversão ao risco dos investidores, com
isso, eles buscam uma aplicação segura", pondera Rochlin.
"Cria
uma expectativa de que vai haver uma intervenção do governo na política
cambial, em vez de acalmar o mercado, tem o efeito contrário, para um mercado
mais especulativo e volátil", acrescentou o professor do Ibmec.
Na
opinião do processor da UFRJ, o BC as declarações de Lula são pertinentes, pois
o BC hoje está na mão dos grandes operadores financeiros e prejudica a
capacidade do governo de gerir a política monetária.
"Deixou
de ser o Banco Central que defende os interesses da sociedade brasileira para
prestar mais conta ao mercado financeiro do que à ordem democrática",
criticou. "Isso é um dos indicadores de que o Banco Central independente,
num país como o nosso, é muito ruim. Em vez de gerar mais estabilidade, gera
mais instabilidade", expôs Prado.
Ele
ainda defendeu que o governo não deve fazer corte drástico de gastos para
atender a pressões de curto prazo.
"Se
o governo faz isso, perde a capacidade de gerir a economia e os interesses da
sociedade se enfraquecem. Na verdade, a saída seria, se houvesse espaço
político no Congresso, mudar o regime do Banco Central para permitir a troca do
presidente e de outros diretores pelo governo atual, que é quem tem a
legitimidade democrática de gerir o país. Ninguém elegeu o Banco Central,
elegeu o atual governo", completou ele.
- O impacto da alta do dólar no bolso do brasileiro
O
dólar mais caro tem impacto mais danoso para a população mais pobre no Brasil,
concordam os especialistas ouvidos nesta reportagem. Por exemplo, todos
produtos importados, nacionais que utilizam insumos importados, além das
commodities que o Brasil exporta, vendidas em dólar, ficam mais caros.
"O
dólar tem um impacto de aumento de custos generalizado de insumos na economia,
que começa com petróleo, vão para os seus derivados como plástico e em termos
de equipamentos importados, itens importados, softwares e tecnologia, porque
ela aumenta custos e isso pressiona a inflação, a inflação corrói o poder de
compra da população, principalmente a população primeira no gerado",
exemplificou Braga.
Parado
salientou que a alta impacta de forma diferente as diversas classes sociais,
mas "seu pior efeito agora para o governo é sobre a política
inflacionária, sobre a taxa de inflação. Por isso, o governo está tão
preocupado”.
"O
dólar é um preço importante, porque uma parte importante do que nós consumimos
tem insumos importados e, com isso, o preço do dólar acaba impactando a
inflação no Brasil", explicou Rochlin.
Fonte:
Outras Palavras/Sputnik Brasil
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