Pátria dos direitos humanos? A expulsão em
massa de sem-teto das ruas de Paris antes dos Jogos Olímpicos
O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que os Jogos Olímpicos de Paris colocariam
em destaque a grandiosidade da França.
Mas a "pátria dos
direitos humanos" — como o país é conhecido por ter feito a primeira
declaração nesse tema durante a Revolução
Francesa — também expulsou milhares de
moradores de rua para “embelezar” a cidade, como ocorreu em Olimpíadas em
outros países, criticam associações.
"As autoridades
fizeram a promessa de que um dos legados dos Jogos de Paris seria o de uma
sociedade mais inclusiva. Mas Paris não será uma exceção na tendência de esconder os pobres nas
Olimpíadas”, disse à BBC News Brasil Théodore Malgrain, porta-voz da ONG O
Reverso da Medalha, que reúne uma centena de associações que atuam na área de
assistência social.
Para a Olimpíada de Paris, segundo
a ONG, mais de 12,5 mil pessoas foram removidas, sobretudo na capital francesa
e na Seine-Saint-Denis, região ao norte de Paris onde fica a Vila Olímpica, o
centro aquático e outros locais de competição, como o Stade de France, onde
haverá provas de atletismo. As remoções foram alvos de protestos.
"Os Jogos Olímpicos e
grandes competições, como Copas do Mundo, têm em seu gene a tendência de
limpeza social," afirma Malgrain, se referindo à expressão utilizada pelas
associações para a remoção de pessoas que vivem nas ruas durante eventos
importantes.
O relator especial da
Nações Unidas para direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, questionou a
França, em abril, sobre a situação dos “grupos marginalizados.”
Ele afirmou, na rede
social X, que “as expulsões para embelezar Paris antes dos Jogos são similares
ao que a China e outros fizeram antes de grandes eventos. Como a França
justifica isso?”, questionou.
As autoridades
francesas negam que a retirada dos sem-teto, enviados para abrigos temporários
em outras cidades, tenha a ver com os Jogos Olímpicos.
“Não há faxina
social”, declarou a ministra dos Esportes e dos Jogos Olímpicos de Paris,
Amélie Oudéa-Castéra.
“Há uma política de
acomodação de emergência que visa distribuir essas pessoas por todo o país.
Operações desse tipo são realizadas regularmente, isso não é ditado pela agenda
dos Jogos.”
As associações, no
entanto, ressaltam que o acesso de migrantes a acomodações de emergência fora
de Paris se tornou repentinamente mais fácil.
São pessoas que vivem
em tendas ou sob pontes em algumas áreas de Paris, principalmente no norte da
capital, e também às margens do rio Sena. Há muitos migrantes entre os sem-teto
que vivem na capital.
Seine-Saint-Denis,
onde estão os equipamentos olímpicos, é formada por municípios pobres onde
residem muitos imigrantes.
A região foi o
epicentro da forte onda de violência que se alastrou pelos subúrbios franceses
em 2005.
Nas proximidades da
estação de trem e metrô Gare du Nord, área onde há muitos usuários
de crack que pedem dinheiro pelo bairro, o 10°
distrito de Paris - uma região central onde fica a praça de la République -
essa população ficou progressivamente bem menos visível nas últimas semanas.
A secretaria de
segurança pública da capital já havia proibido no final do ano passado, por
decreto, o reagrupamento de usuários de drogas nas ruas.
Um levantamento
realizado por grupos que prestam assistência a moradores de rua, contabilizou
quase 3,5 mil sem-teto apenas capital francesa, que tem cerca de 2 milhões de
habitantes.
Esse número também é
menor do que o total de remoções, porque o levantamento feito sobre as
expulsões das ruas leva em conta também as periferias de Paris e as pessoas que
estavam em acampamentos e prédios ocupados irregularmente.
A contagem, chamada de
“noite de solidariedade” é uma iniciativa da Prefeitura de Paris, que pede a
milhares de voluntários para percorrer a cidade, incluindo estacionamentos,
metrôs e parques.
No entanto, há quem
viva nos subterrâneos da cidade e sem-teto que se recusam a participar da
contagem por receio de ser fichados pela polícia ou alvo de outras medidas de
autoridades.
"Calcula-se que o
número de sem-teto seja, na verdade, o dobro", diz o porta-voz do Reverso
da Medalha.
·
Remoções são
frequentes antes dos Jogos Olímpicos
Segundo Malgrain, as
técnicas para retirar pessoas que vivem nas ruas - geralmente em barracas, que
alguns casos formam grandes acampamentos com centenas de pessoas - e também em
prédios abandonados ocupados ilegalmente são semelhantes às utilizadas em outras
cidades que sediaram Jogos.
Nos cálculos da O
Reverso da Medalha, 1,5 milhão de pessoas foram retiradas das ruas nos Jogos de
Pequim, em 2022, e 77 mil nos do Rio de Janeiro, em 2016.
Como em Paris, são
populações que viviam em áreas próximas aos locais de competição e de zonas
turísticas da cidade.
No Rio, a Vila
Autódromo, comunidade criada nos anos 1970 onde viviam quase 600 famílias, foi
desapropriada para facilitar o acesso ao principal local das competições.
A Prefeitura afirmou
na época que as remoções só ocorreram em comum acordo com os moradores.
Malgrain aponta que,
inicialmente, há uma criminalização desse público com operações policiais que
visam pequenos delitos.
Depois começam as
expulsões em massa de pessoas que vivem em acampamentos que se formam com
barracas e também em prédios abandonados.
Decisões da Prefeitura
e da Secretaria de segurança pública de Paris e de localidades vizinhas
ordenaram o fechamento desses lugares motivos de segurança, como riscos de
incêndio e insalubridade.
·
Acampamentos e campos
de imigrantes
Na quarta-feira
(17/7), a oito dias da cerimônia de abertura das Olimpíadas que será realizada
no rio Sena, a polícia desmantelou dois campos de migrantes no norte da capital
onde viviam cerca de 230 pessoas, segundo a ONG Médicos do Mundo.
Um dia antes foi
desmontado um acampamento com mais de 200 pessoas no canal de l’Ourcq, no norte
de Paris, área onde regularmente há barracas de imigrantes.
O local fica perto do
parque de la Villette, onde serão instalados, durante a Olimpíada, comitês
nacionais estrangeiros, as “casas” dos países, entre elas a do Brasil, que
realizarão ali eventos culturais.
As autoridades
informaram que moradores de rua no
Canal de l’Ourcq poderiam viajar por cinco horas até Besançon, no leste da
França, ou ir para um abrigo nas proximidades de Paris.
"Esses
acampamentos são muito visíveis. Todos eles, com 200 pessoas ou mais, já foram
desmantelados. Mas eles acabam sendo formados de novo e desmontados novamente
na sequência”, diz Malgrain.
Christophe Noël du
Payrat, diretor de gabinete do secretário de segurança pública da região
Île-de-France, que engloba Paris e periferias próximas, repetiu à imprensa francesa que a evacuação de
acampamentos não tem relação alguma com as Olimpíadas e que esses locais
representam problemas de insalubridade.
“Não consigo entender
essa crítica de limpeza social porque nós oferecemos abrigos às pessoas”,
afirma.
Com o desmonte dos
acampamentos pela polícia, os sem-teto são enviados de ônibus sob ordens das
autoridades de segurança pública para várias regiões da França.
O ministério do
Interior pediu aos secretários de segurança pública para criar “centros
regionais de hospedagem temporária” para aliviar a falta de vagas em Paris em
locais especializados que acolhem moradores de rua.
·
Dispersão dos sem-teto
pela França
Em Orléans, na região
do Vale do Loire, a 120 quilômetros ao sul de Paris, o prefeito, Serge Grouard,
foi um dos primeiros a denunciar, no final de março, a chegada de moradores de
rua e migrantes de Paris "às escondidas", sem que ele tivesse sido
informado.
Algumas centenas de
pessoas foram enviadas à cidade desde o ano passado, segundo o prefeito. Ele
afirmou à imprensa francesa que os abrigos de emergência em Orléans já estavam
saturados e que elas foram encaminhadas para hotéis.
A Prefeitura de Paris
informou ao canal de TV France 24 que as hospedagens de emergência em outras
regiões da França para onde são enviados os moradores de rua são de competência
do governo francês, que planeja e organiza as operações de evacuação dos sem-teto
e outras pessoas que vivem nas ruas da capital francesa.
Normalmente, as
pessoas por até três semanas nas dezenas de centros regionais de acomodação
temporária criados para receber a população de rua expulsa de Paris e seus
arredores.
O plano das
autoridades é que elas devem depois ser encaminhadas para uma nova região para
uma solução de moradia permanente.
"As regiões não
têm meios financeiros, e rapidamente essas pessoas são novamente colocadas nas
ruas, mas em uma cidade que elas não conhecem e sem os contatos sociais que
elas tinham", ressalta Malgrain, acrescentando a dispersão dos moradores de
rua da capital por todo o país os deixa em uma situação ainda mais precária.
Muitos acabam voltando
para Paris ou a periferia da capital onde viviam, afirma Malgrain.
¨ Paris 2024 está se consolidando como a edição mais sustentável
da história dos Jogos Olímpicos
Os Jogos Olímpicos de
Paris 2024, desde seu anúncio, têm como objetivo serem os mais sustentáveis da
história.
Esse processo vai
desde a diminuição de gases poluentes à utilização de energias renováveis.
Além de também
estabelecer medidas que afetam diretamente os atletas, como a mudança do
cardápio com 60% das refeições à base de plantas e coolers geotérmicos na Vila
Olímpica, para amenizar as altas temperaturas do verão francês.
O Comitê Organizador
estabeleceu metas ambiciosas para o evento, como emitir menos da metade dos
gases de efeito estufa dos Jogos de 2012 em Londres.
Para alcançar isso,
estão sendo adotadas diversas medidas, como despoluir o rio Sena, plantar
árvores para mitigar o calor do verão europeu, instalar paineis solares para
eliminar geradores a diesel, reutilizar estruturas de outros eventos,
aproveitar materiais oriundos de reciclagem, entre outras iniciativas.
“É crucial que o maior
evento esportivo do mundo promova iniciativas sustentáveis. Essas ações não
apenas reduzem o impacto ambiental, mas também engajam os fãs, que consomem o
evento com a consciência de uma preocupação ecológica por trás do espetáculo”,
comenta Bruno Brum, CMO da End to End, hub de soluções e engajamento para o
mercado esportivo .
A parte estrutural dos
Jogos é um dos principais destaques, já que 95% das locações são reutilizadas
ou construídas temporariamente para o evento, incluindo o icônico Stade de
France e o Vélodrome de Saint-Quentin. Além de estruturas e edifícios temporários
que podem ser facilmente desmontados, com materiais reutilizados em outros
lugares após o evento.
Tatiana Fasolari,
vice-presidente da Fast Engenharia, a maior empresa de overlays da América
Latina, enfatiza que as estruturas temporárias estão ganhando cada vez mais
importância no cenário esportivo mundial.
“O uso de
infraestruturas temporárias nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 representa uma
solução inteligente e altamente sustentável, garantindo a reutilização quase
total dos materiais. Essas estruturas, já presentes em ícones turísticos como a
Torre Eiffel, possibilitam uma significativa economia tanto na construção
quanto na manutenção pós-evento. O grande desafio desse modelo de negócio é
encontrar empresas capazes de executar esses projetos dentro dos prazos
estabelecidos pelos comitês locais, que geralmente são bastante restritos”,
afirma
“Em geral, as
estruturas móveis são utilizadas para centros de imprensa, alojamentos e arenas
de esportes que sejam menos praticados no país-sede da competição, por exemplo.
As evoluções tecnológicas mescladas com sustentabilidade são o futuro do ramo,
sendo necessárias para equilibrar os ambientes modernos em que vivemos, em
conjunto com as necessidades sustentáveis atuais”, conclui a especialista.
Fonte: BBC News Mundo/Lance
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