“BÍBLIA NÃO PODE SER PARÂMETRO PARA
DISCUTIR ABORTO NUMA SOCIEDADE LAICA”, DIZ PASTORA DA IGREJA BATISTA
Odja Barros, 53 anos,
é pastora batista, biblista, teóloga feminista, psicanalista e escritora. Da
Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL), ela é reconhecida por seu trabalho
em defesa dos direitos humanos, das mulheres e da justiça reprodutiva. Impedida
de frequentar diversos espaços religiosos e ameaçada de morte em 2021, quando
celebrou a união entre duas mulheres, Odja vê o projeto de lei 1904/2024 como
um projeto que pode “reacender o altar do sacrifício do corpo de meninas e
mulheres”, sobretudo de um recorte dessa população no Brasil, de mulheres
negras e pobres, justamente a base que forma a igreja evangélica no país.
O PL, de autoria do
deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), propõe equiparar aborto a
homicídio após 22 semanas de gestação.
Pastora ordenada desde
2007, Odja é doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia, graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordena o Grupo de
Leitura Feminista da Bíblia Flor de Manacá. Na opinião dela, “ainda que a Bíblia
tivesse qualquer referência contra o aborto, isso não seria suficiente para que
a gente pudesse usá-la num debate tão importante, que vai, inclusive, afetar a
vida de todas as mulheres, não só aquelas de fé cristã”.
Defensora de uma
linguagem de fé popular, aos fundamentalistas que se fortalecem para usar a
religião como um projeto de poder a pastora manda um recado: “o fundamentalismo
religioso tem que ter medo mesmo de nós feministas e das nossas lutas,
inclusive de mulheres de fé, que cada vez mais têm rompido o silêncio e
mostrado sua cara na defesa das mulheres e dos direitos reprodutivos”.
A Marco
Zero entrevistou a Odja Barros sobre o proposta que equipara aborto a
homicídio, sua formação como mulher evangélica feminista e como ela analisa os
posicionamentos fundamentalistas da Bancada Evangélica no Congresso.
<><> Confira
os principais trechos:
·
Os segmentos
evangélicos no Brasil são diversos, mas sabemos que a base da igreja evangélica
no país é formada por mulheres pobres e negras. Como o PL 1904 pode impactar a
vida de meninas e mulheres evangélicas?
Odja
Barros – Por isso que esse projeto
representa uma agressão e uma violência sem precedentes, porque, passando,
representa a legalização de uma violência patriarcal do estado e da religião
contra as mulheres. E quais são as mulheres que vão sentir mais essa violência
institucionalizada? Justamente esse recorte de mulheres periféricas, negras e
pobres, que compõem a maioria das igrejas evangélicas. Essas são as maiores
vítimas desse PL, que representa reacender o altar do sacrifício do corpo das
meninas e mulheres, mas, sobretudo, de um recorte dessa população de mulheres
no Brasil.
São essas as mulheres
mais seduzidas pelo discurso conservador das igrejas. Elas não têm, talvez,
muita chance de olhar sobre outra perspectiva, porque estão muito seduzidas por
um discurso religioso que se aproveita dessas vulnerabilidades para controlar e
dominar não só o corpo, mas a mentalidade delas. Por isso o nosso papel é ter
muita empatia e investir esforço para ter uma linguagem de fé popular,
identificada com essas mulheres, para que a gente possa furar o discurso desse
patriarcado religioso, que chega, escraviza e domina essas mulheres a ponto de
elas não enxergarem o mal que um projeto de lei como esse traz para elas
mesmas. Algumas delas fazem um discurso alienado, é como colocar o seu algoz no
lugar de poder. Meu papel é muito de compromisso com esse grupo de mulheres que
serão as mais vitimadas.
É por isso que eu
separo muito bem. Uma coisa é o discurso das lideranças religiosas responsáveis
pela construção desse projeto de morte para as mulheres. Outra coisa são as
mulheres evangélicas que compõem essas comunidades de fé. Elas são apenas
vítimas e instrumentos desse discurso violento construído intencionalmente por
homens que são verdadeiros abusadores. Porque, para além do abuso sexual, eles
cometem abuso na consciência dessas mulheres, manipulando, inclusive, essas
mulheres para que elas possam reproduzir um discurso que é contra elas mesmas.
·
Sabemos que há vários
fatores que impedem, sobretudo, meninas e adolescentes de acessarem o aborto
legal. Como é essa realidade para as evangélicas?
A dificuldade de
acesso das mulheres evangélicas é a de todas as mulheres. Dependendo da classe
social, ela vai ter mais ou menos acesso. Mulheres evangélicas de classe mais
privilegiada têm melhores acessos e mulheres evangélicas negras periféricas
enfrentam as mesmas dificuldades que a maioria das mulheres no Brasil. Por
exemplo, dificilmente vão encontrar unidades de saúde na sua comunidade que
possam ajudá-las na descontinuidade da gravidez dentro do período que o aborto
é legalizado. As evangélicas abortam e as católicas abortam. Algumas com
segurança, a depender da sua situação socioeconômica, e outras fazem práticas
extremamente inseguras, porque são de classe econômica e social menos
privilegiada.
Então estamos — e
talvez seja essa a mensagem que a gente precisa fazer chegar a essas mulheres
evangélicas — no mesmo barco. Nós temos os maiores índices de morte por
tentativa de interrupção da gravidez de forma insegura entre mulheres pretas,
periféricas e pobres. E é nesse recorte que está a maioria de mulheres
evangélicas. Então o que a gente pode concluir? Que tem mulher preta periférica
evangélica morrendo porque está praticando um aborto inseguro. Isso precisa ser
colocado. Quando nós estamos gritando pelo direito à saúde sexual e reprodutiva
das mulheres, estamos defendendo a vida e a vida de todas as mulheres,
inclusive as de fé e as de não fé.
·
Quais são os desafios
dessa luta diante de uma bancada evangélica fundamentalista que ameaça os
direitos de mulheres, meninas e pessoas que gestam?
Os desafios que
enfrentamos dentro de um tema tão visado pela igreja com um todo, pelo
cristianismo — um cristianismo não só religioso no nosso país, mas cultural —
não são de agora, quando está mais visível uma bancada conservadora
fundamentalista evangélica. Por exemplo, no tema do aborto não avançamos muito
nas leis que garantam justiça reprodutiva em função de um lobby do catolicismo
de muito tempo. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) acabou de
soltar uma nota — e
essa é a posição da CNBB desde sempre — obstaculizando os processos que
poderiam levar a uma descriminalização do aborto no Brasil. Nós todas e as
mulheres de fé que estamos engajadas nesse tema somos alvo de muito ódio. Já
existe o ódio às mulheres, uma misoginia estrutural, muito alimentada por uma
leitura da fé e da religião cristã. Imagine o que é uma pastora evangélica
taxada de feminista abortista.
Eu digo que coragem
não é ausência de medo, é enfrentar os nossos próprios medos a favor da nossa
vida. Isso tem a ver com a minha concepção de fé, no Deus que eu creio, no
evangelho que eu sirvo. Jesus de Nazaré acabou numa cruz sendo crucificado
porque defendeu a causa dos pobres e dos marginalizados. Acho que a gente tem
que enfrentar os desafios sabendo das consequências. Eu sou proibida de ensinar
nos seminários da instituição, de falar em muitas igrejas e muitos espaços
religiosos. Até alguns ditos progressistas não aceitam a minha voz e a minha
presença porque são espaços que querem um tipo de discurso de um feminismo
brando, que não se posiciona sobre causas complexas e polêmicas como essa do
aborto.
“O fundamentalismo
religioso, tem que ter medo mesmo de nós mulheres feministas e das nossas
lutas.”
Eu tenho sofrido
várias consequências dado ao grande desafio que isso representa dentro do campo
evangélico brasileiro, sobretudo como se apresenta agora, por uma retomada mais
de extrema direita conservadora com um fundamentalismo que se fortalece para usar
a religião como um projeto de poder. Mas queria só apontar que não é um desafio
só agora, é desafio há muito tempo, só que talvez agora mais escancarado. Mas a
gente pode dizer também que a semente teimosa das mulheres, do movimento de
mulheres, sejam mulheres de fé ou não, em toda a América Latina, esse movimento
de gritar, de reivindicar, tem sido eficiente, porque essa tentativa de
retomada de poder de um conservadorismo religioso fundamentalista também
precisa ser vista como uma resposta a tudo que o movimento de mulheres e as
feministas têm alcançado de rupturas nessa sociedade.
Quero também
esperançar que hoje nós representamos uma grande força e ameaça a esse
fundamentalismo religioso, que tem que ter medo mesmo de nós mulheres
feministas e das nossas lutas, inclusive de mulheres de fé, que cada vez mais
têm rompido o silêncio e mostrado sua cara e sua fé na defesa das mulheres e
dos direitos reprodutivos.
·
Quais os ensinamentos
da Bíblia sobre justiça reprodutiva e como a senhora avalia os argumentos sobre
aborto que utilizam passagens da Bíblia?
Não existe ensinamento
nenhum na Bíblia sobre o aborto enquanto direito, enquanto justiça reprodutiva
da maneira como nós encaramos numa sociedade como a nossa, democrática e de
direitos. A Bíblia não tem nenhum tipo de ensinamento que seja útil para o mundo
e a sociedade de hoje. Ela não trata de aborto como crime, por exemplo, isso é
importante dizer. O que existem são referências a situações bem próprias do
ambiente onde o Antigo Testamento foi escrito.
Por exemplo, no caso
de dois homens brigando numa disputa. Se uma mulher grávida entra nessa guerra,
é atingida e perde a criança, ela perde a vida e a criança. O que a Bíblia fala
é que a pessoa que atingiu a vida dessa criança precisa pagar. Porque a mulher
era vista como propriedade e a criança no seu ventre era apenas uma propriedade
do homem. Caso o outro homem atingisse a mulher e ela viesse a perder a vida ou
o bebê, quem atingiu precisaria indenizar de forma maior aquele que foi
prejudicado – quase que economicamente – com a perda daquele bem, seja o corpo
da mulher ou o corpo da criança. Entende que é outra lógica?
Agora, na leitura que
as mulheres hoje fazem da Bíblia, em outros contextos que a gente toma como
referência para falar de direitos e igualdade entre as mulheres e dos direitos
sexuais e reprodutivos, existem vários elementos que podemos trazer numa releitura
a partir dos nossos momentos históricos e contemporâneos. Isso é um pouco que
eu faço através da leitura feminista da Bíblia.
Jesus de Nazaré é um
ativista não só de direitos humanos, mas um defensor das mulheres no contexto
onde elas eram culpabilizadas e violentadas. Ele enfrentou a lei religiosa do
seu tempo para defender a vida das mulheres, como no caso de uma mulher pega em
adultério. Jesus se coloca não do lado, mas à frente dessa mulher, dizendo que
quem não tiver pecado atire a primeira pedra. Jesus trouxe mulheres para o seu
movimento, dialogou com mulheres, ensinou mulheres, defendeu as crianças,
quando ele disse “vinde a mim todas as crianças, deixai vir a mim as crianças,
porque delas é o reino dos céus”. Isso num contexto em que podia-se usar a vida
das crianças como moeda, assim como esse PL está usando a vida das mulheres e
das meninas como moeda num jogo, numa disputa de poder.
Então o que podemos
fazer com a Bíblia é, buscando esses exemplos e referências, trazer para os
dias atuais. Esse devia ser o lugar e o lado das instituições religiosas hoje
na defesa das mulheres e das meninas, contra as violências, os abusos de poder
sobre os corpos delas. Não podemos afirmar que a Bíblia é um manual sobre como
cristãos tratarem o aborto hoje, porque não existe essa demanda na Bíblia, não
existem direitos humanos na Bíblia da maneira como ele hoje é trazido.
Seria bastante
incoerente a gente querer usar a Bíblia como referência para as nossas questões
hoje sobre isso, além do que estamos num país laico. Ainda que a Bíblia
trouxesse ensinamentos, não deveriam ser os ensinamentos da Bíblia a guiar a
lei do Estado, um Estado laico. Ainda que a Bíblia tivesse qualquer referência,
por exemplo, contra o aborto, isso não seria suficiente para que a gente
pudesse usar a Bíblia num debate tão importante, que vai, inclusive, afetar a
vida de todas as mulheres, não só aquelas de fé cristã. A Bíblia é um livro de
fé para comunidades e pessoas que professam a fé judaico-cristã. Esse livro não
pode servir de parâmetro para pautar discussões em uma sociedade laica.
·
O que é a teologia
feminista e que princípios ela carrega?
A teologia feminista é
uma teologia que surge a partir da compreensão de que todo o cristianismo e sua
teologia desenvolvida durante séculos foi construída a partir de uma
mentalidade patriarcal. Os homens interpretaram Deus, a Bíblia e a fé cristã,
inclusive homens de uma época e de uma mentalidade extremamente patriarcal e
misógina. A teologia que foi apresentada para nós como uma teologia neutra e
universal nunca foi neutra nem universal. As teologias feministas são um grito
e uma profecia dentro do próprio cristianismo denunciando, como eu chamo no
livro que publiquei, as raízes patriarcais da teologia cristã.
“Os homens
interpretaram Deus, a Bíblia e a fé cristã, inclusive homens de uma época e de
uma mentalidade extremamente patriarcal e misógina”.
A teologia feminista
oferece uma outra leitura da fé cristã e da Bíblia resgatando, por exemplo, as
mulheres que foram apagadas na história da Bíblia, na história da tradição,
mostrando, por exemplo, o Deus que escuta e ouve as mulheres. E isso não aparece
na narrativa teológica patriarcal. Um Deus que não é a favor, por exemplo, da
violência contra as mulheres, mostrando, inclusive, que essa teologia de
culpabilização das mulheres foi muito mais uma construção da mentalidade
patriarcal que atravessou não só a história bíblica, mas a história da própria
construção da tradição de fé cristã no Ocidente, que construiu, por exemplo,
toda essa doutrina da culpa da mulher em Eva. E nessa construção que hoje é
quase uma construção cultural, tornou a mulher esse ser culpável e que acaba
desenvolvendo toda uma narrativa de culpabilização e penalização das mulheres e
de subordinação.
A teologia feminista
nasce na esteira dos movimentos feministas, nas suas origens. Hoje a gente fala
de teologias feministas no plural, porque são várias: latino-americana, negra,
indígena, com várias linguagens e experiências. A teologia feminista contempla
todas as maneiras de ser mulher, suas experiências de Deus e de fé.
Nós tivemos toda uma
imaginação da fé a partir da visão masculina e masculina branca e europeia. A
teologia feminista tem sido esse grito que contempla a experiência de Deus e da
fé das mulheres. Acho que isso é extremamente importante num contexto como esse,
onde você está vendo as decisões dos homens da fé cristã querendo se impor
sobre o corpo das mulheres, ignorando, mais uma vez, a experiência e a vida
delas. A teologia feminista representa muito, sobretudo para esses tempos
sombrios. Eu diria também que é uma teologia marginal e marginalizada, porque
não ocupa o centro e o poder das instituições religiosas. Ela nasce à margem da
teologia chamada oficial da igreja, que ignora, nega a voz, silencia e violenta
as mulheres. A teologia patriarcal representa violência ao corpo das mulheres.
·
Como se deu a sua
formação enquanto mulher evangélica que milita pela descriminalização do
aborto?
A minha formação como
mulher evangélica se deu inicialmente, como é mais comum na experiência de
mulheres evangélicas no Brasil, fazendo a saída do catolicismo. Aos 17 anos,
conheci a Igreja Batista e fiz uma conversão à igreja evangélica. Eu tinha uma
formação evangélica conservadora dentro da doutrina batista majoritária, que
era muito conservadora, sobretudo em relação a esses temas. Fui estudar no
Seminário Batista, fiz toda a minha formação junto com o meu esposo, que também
fez formação para o pastorado. Fiz a formação para ser educadora cristã,
porque, à época, na década de 1990, nem pensar em ser pastora eu poderia,
porque, até então, entre os batistas, não era permitido mulher ser ordenada
pastora.
Somente depois da
primeira década de trabalho eu me interessei em buscar uma formação de mais
profundidade na leitura da Bíblia. Queria me aprofundar, estudar, ser uma
especialista em Bíblia, mas não queria mais fazer isso nas instituições que
conhecia até então, extremamente conservadoras. E aí eu já tinha algum contato
com a experiência da leitura popular da Bíblia. A maioria dos grupos, apesar de
serem grupos ecumênicos, não tinha presença de pessoas evangélicas. Então
comecei a participar do movimento do Centro de Estudos Bíblicos Ecumênicos
(Cebi), que atuava no Brasil desde a década de 1980. Isso foi me abrindo
possibilidades.
Fiz pedagogia na
universidade depois do seminário, mas queria continuar me formando, estudando,
me especializando em Bíblia e teologia, mas não mais dentro do guarda-chuva
denominacional batista. Foi aí que comecei a fazer pós-graduação, mestrado e
doutorado numa instituição luterana ecumênica no Rio Grande do Sul. Lá eu
começo a conhecer a teologia feminista, a teologia latino-americana e me
aprofundar na leitura popular e feminista da Bíblia.
·
Como é construída a
luta por justiça reprodutiva no exercício da fé cristã e como a senhora leva
essa luta para dentro da igreja?
Pastoralmente eu
começo a entrar em contato de maneira mais sensível às dores e aos sofrimentos
de mulheres quando vão surgindo as primeiras noções de como elas lidavam com os
traumas. Eu fui ordenada em 2007 e, já anunciando meus posicionamentos como feminista,
isso abriu o caminho para que mulheres pudessem compartilhar comigo seus
sofrimentos, coisas que elas eram quase que silenciadas nesse campo das
instituições religiosas e nas igrejas. As mulheres não encontram um espaço
seguro para falar. Então comecei a organizar ministérios e grupos de mulheres.
E aí iam aparecendo
todos esses sofrimentos e silenciamentos. Casos de jovens, mulheres e meninas
que tinham história de abuso sexual, mulheres que na sua juventude tinham
praticado aborto, por várias circunstâncias, sejam mulheres pobres ou porque os
companheiros as abandonaram à própria sorte ao engravidarem, e como isso
representava um grande trauma. Isso sem falar nas outras violências que eu
comecei a enxergar de maneira mais sensível e pastoralmente fui tentando dar
uma resposta.
Assim comecei a me
engajar particularmente nessa luta pelo direito à justiça reprodutiva na
esteira das minhas lutas pelos direitos das mulheres a partir da fé, da minha
própria atuação com a leitura bíblica que buscava recuperar a dignidade, o
direito à vida plena das mulheres. Eu fui agregando a essa minha luta vários
temas e causas e esse tema me chegou já como resultado daquilo que eu ia
escrevendo e falando sobre uma Bíblia violenta para as mulheres, uma leitura da
Bíblia que gerava muito mais violência sobre a vida das mulheres do que as
salvava ou as libertava.
Uma delas tinha a ver
com esse discurso muito usado de justificativa da Bíblia para negar às mulheres
o direito sobre seu próprio corpo e o direito de dizer da sua dor. Além da
culpa que já carregavam, a criminalização. São mulheres evangélicas emudecidas
pelo discurso masculino, patriarcal de não poder dizer de si, do seu corpo. E
aí fui entendendo que o meu papel deveria ser colocar a serviço todos os
privilégios que eu tinha, de ter uma formação, um título de pastora, alguém que
podia falar com mais autoridade com outros homens, dada a minha especialização
em Bíblia, e confrontar os discursos da instituição representada nos homens.
Eu comecei uma
pastoral de mulheres desde 2006, já uma pastoral de leitura feminista da Bíblia
com as mulheres da minha igreja, e isso foi ajudando a não estar falando em meu
próprio nome, mas em nome do movimento chamado Flor de Manacá, a pastoral de mulheres
da Igreja Batista do Pinheiro, fazendo esse trabalho junto à comunidade e
também falando em nome de uma comunidade religiosa.
Fonte: Marco Zero
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