quinta-feira, 11 de julho de 2024

Otan: cúpula nos EUA é ofuscada por possível volta de Trump

Quando os 32 chefes de Estado e de governo se reunirem em Washington a partir desta terça-feira (09/07) para a cúpula da Otan, estarão comemorando o 75º aniversário da aliança. Em entrevista à DW, o secretário-geral em fim de mandato, Jens Stoltenberg, descreveu a Otan como a "aliança mais bem-sucedida e mais forte da história".

Desde a invasão russa da Ucrânia em 2022, a Otan encontrou uma nova força e reagiu de forma decisiva à guerra que acontece em sua própria porta. Seus membros aumentaram gradualmente seu apoio militar e financeiro à Ucrânia, que não é membro da organização.

·        Cerca de 500 mil soldados prontos para agir

Ao mesmo tempo, a Otan desenvolveu novos planos para a defesa da área da aliança e enviou mais tropas para a fronteira leste e, portanto, para a vizinhança da Rússia. Atualmente, há cerca de 500 mil soldados prontos para agirem na Europa. A Otan também recebeu em suas fileiras os países do norte da Europa, Suécia e Finlândia, duas democracias fortes com tropas modernas.

Os países da Otan estão agora investindo mais em sua defesa. Em 2021, apenas nove membros cumpriam a meta da aliança de gastar pelo menos 2% de seu próprio PIB em defesa, mas essa cifra agora subiu para 23 – um "número recorde", de acordo com Stoltenberg.

·        Biden ainda é apto para o cargo?

Essa cúpula em Washington seria um bom ponto de partida para enviar um sinal de força e unidade. No entanto, a reunião ameaça ser ofuscada pela política interna no ano eleitoral dos EUA. Considerando os debates sobre se o presidente Joe Biden ainda está apto para o cargo e se ele pode obter uma segunda vitória eleitoral, muitos europeus temem o retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Durante o seu mandato, Trump se insurgiu repetidamente contra a Otan e ameaçou exigir dinheiro dos europeus pela proteção fornecida pelas tropas dos EUA estacionadas no continente. Há alguns meses, chegou a dizer durante um evento de campanha que a Rússia poderia "fazer o que bem entendesse" com os países da Otan que gastam menos de 2% em defesa.

·        Perigo para a aliança transatlântica

As preocupações com o que ocorreria no caso de uma segunda presidência de Trump foram por muito tempo minimizadas na sede da Otan em Bruxelas e nas capitais europeias. Os diplomatas afirmavam que essas são eleições democráticas e que a mudança política é parte integrante da aliança.

sabem que qualquer um que mexa com a aliança transatlântica também está colocando em risco seus próprios interesses geopolíticos e estratégicos", disse o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, em entrevista à DW há alguns meses.

·        Tornando a Otan "à prova de Trump"

Uma retirada completa dos EUA da Otan, sob o comando de Trump, é atualmente considerada improvável, mas ele poderia reduzir significativamente o compromisso de segurança americano na Europa. Isso teria consequências graves para a Otan, na qual os EUA têm desfrutado de uma supremacia militar maciça até o momento.

Por isso, nos últimos meses, Stoltenberg pediu aos membros europeus que adotem uma arquitetura de segurança que provavelmente estaria mais de acordo com as intenções de Trump. O fato de que mais e mais países estão aumentando seus gastos com defesa para cumprir a meta da Otan está relacionado a isso.

·        Lacuna inevitável?

Às vésperas da cúpula de Washington, o presidente polonês, Andrzej Duda – um verdadeiro admirador de Trump – pediu aos países da Otan que aumentem a meta para 3%. Ian Lesser, do think tank transatlântico German Marshall Fund, acredita que é improvável que o debate sobre o compartilhamento de ônus se acalme rapidamente. Independentemente do resultado das eleições nos EUA.

"As mudanças necessárias em orçamentos, planejamento, estratégia e aceitação pública não serão alcançadas da noite para o dia", diz Lesser. Ele citou como exemplo a necessidade de uma indústria de defesa mais eficiente na Europa. Conseguir isso pode levar décadas. "Há uma lacuna inevitável entre o que queremos e o que alcançamos até agora".

Essa lacuna também pode ser sentida, em particular, pelo apoio ocidental a Kiev.

·        Nova estrutura para apoiar a Ucrânia

Na cúpula da Otan em Washington, espera-se que os chefes de Estado e de governo aprovem um plano que permitirá que a aliança assuma a coordenação da ajuda e do treinamento dos soldados ucranianos. Na opinião do secretário-geral Jens Stoltenberg, esse plano colocará o apoio à Ucrânia "em uma base mais sólida para os próximos anos". Em Wiesbaden, na Alemanha, que abriga soldados americanos desde o final da Segunda Guerra Mundial, deverá ser construído um quartel-general onde trabalharão quase 700 pessoas de países parceiros e da aliança.

A nova estrutura é a resposta da Otan ao atraso de meses no envio de um novo pacote de ajuda dos EUA para Kiev. Ela também tem o objetivo de proteger o apoio da Otan à Ucrânia contra um possível presidente Trump, que poderia tentar interromper essas entregas se for reeleito.

·        Nenhum convite para Kiev

Na opinião de Ian Lesser, a nova sede faz parte de uma "evolução natural" para trazer a Otan "para mais perto do centro" na organização do apoio à Ucrânia. Essa iniciativa é um caminho alternativo para a questão da filiação ucraniana à Otan, que continua altamente controversa dentro da aliança.

Zelenski e Stoltenberg: Otan quer chegar "para mais perto do centro" na organização do apoio à UcrâniaFoto: Ukrainian Presidency/abaca/picture alliance

Quando se trata de ajuda militar, os EUA continuam sendo um "parceiro extremamente importante" para Kiev, diz Lesser, do German Marshall Fund. "Somados, os europeus talvez tenham feito uma contribuição semelhante à dos Estados Unidos com sua ajuda militar."

·        Turbulência política na Europa

Se os EUA retirarem seu apoio, uma pergunta crucial é: os europeus são capazes e estão dispostos a preencher essa lacuna? Majda Rude, Majda Rude do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, considera como um grande risco para o futuro uma Europa dividida sobre essa questão.

Afinal de contas, muitas democracias do continente estão enfraquecidas neste momento: quando o presidente francês, Emmanuel Macron, chegar a Washington, ainda terá a derrota nas eleições parlamentares de domingo em seus ossos, com futuro incerto sobre a formação de governo. Na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz precisa combater a crescente influência da extrema direita. E no Reino Unido, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, acaba de assumir o cargo.

"Os europeus não estão preocupados apenas com os resultados das eleições nos EUA e seu possível impacto sobre a Otan, mas também com o impacto sobre os acontecimentos políticos em seu continente", diz Lesser, do German Marshall Fund. Até certo ponto, há um clima de incerteza política em ambos os lados do Atlântico.

 

¨      Otan endurece com a China por apoio à Rússia

Os chefes de Estado reunidos na cúpula da Otan, na capital dos EUA, além de discutirem a aprovação de um novo pacote de ajuda militar para a Ucrânia, também debatem sobre como lidar com o apoio da China à Rússia. 

Em uma entrevista à mídia americana antes da cúpula, o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, descreveu a China como "o principal facilitador da guerra da Rússia contra a Ucrânia".

Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, disse à DW em uma reunião de ministros das Relações Exteriores em Praga, em maio, que o apoio da China é "um grande divisor de águas neste momento no campo de batalha". Ele acrescentou que o fato da China buscar melhores relações com os países da Europa e, ao mesmo tempo, alimentar a maior ameaça à segurança europeia "não faz sentido".

<><> Esquerda, direita, Brasil e a guerra na Ucrânia

Pequim tem negado repetidamente o fornecimento de armas a Moscou. No entanto, a Otan acusou a China de alimentar a máquina de guerra russa fornecendo componentes essenciais.

De acordo com a avaliação dos EUA, a China é o principal fornecedor de máquinas-ferramentas, microeletrônica e nitrocelulose - essenciais para a fabricação de munições e propulsores de foguetes, entre outros itens que Moscou usa para aumentar sua base industrial de defesa.

O comportamento da China durante a guerra na Ucrânia está sendo visto pelos países da Otan como prova de que a Europa não pode se dar ao luxo de ignorar o desafio que Pequim representa.

De acordo com um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA, a aliança está agora "direcionada como um laser no relacionamento entre a China e a Rússia".

<><> A China é um problema para todo o sistema de alianças dos EUA?

Essa é uma mudança e tanto para a Organização do Tratado do Atlântico Norte, que tradicionalmente tem se concentrado na segurança da área transatlântica. Até o final de 2019, a China não havia sido mencionada em documentos públicos de alto nível da Otan. Mas, em seu mais recente conceito estratégico, acordado em Madri em 2022, a aliança descreve as ambições de Pequim como um desafio à sua segurança.

"Houve uma mudança", diz à DW, Liselotte Odgaard, do instituto conservador Hudson, de Washington. Essa mudança começou com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e "decolou na Europa".

Odgaard ressalta que os EUA consideraram a China a principal ameaça aos seus interesses de segurança por um longo tempo. "E eles convenceram e pressionaram a Europa a enxergar que a China também é um problema para os europeus e para todo o sistema de alianças dos EUA", explica.

Muitos na Europa agora reconhecem que os aliados dos EUA na Ásia e na Europa enfrentam alguns dos mesmos desafios. "E, à medida em que a Rússia e a China cooperam, é necessário espelhar essa cooperação, fortalecendo a cooperação europeia com os parceiros asiáticos", acredita Odgaard.

<><> O que dizem as nações do Indo-Pacífico?

Diante de uma China mais assertiva e agressiva, alguns países da Ásia também parecem estar convencidos da necessidade de mais cooperação.

Quando o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, discursou em uma sessão do Congresso dos EUA em abril deste ano, ele falou sobre a invasão russa na Ucrânia: "A Ucrânia de hoje pode ser o Leste Asiático de amanhã", disse aos legisladores americanos.

Em junho, o conselheiro de segurança nacional da Coreia do Sul, Chang Ho-jin, disse em coletiva de imprensa, que Seul analisa a possibilidade de fornecer armas à Ucrânia, após os líderes da Coreia do Norte e da Rússia assinarem um pacto comprometendo-se com a defesa mútua em caso de guerra.

<><> Novos projetos conjuntos com parceiros do Indo-Pacífico

A Otan tem colaborado com parceiros do Indo-Pacífico desde o início dos anos 2000, mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia e os desafios de segurança impostos pela China levaram a um envolvimento mais profundo.

A aliança vê esses países, que compartilham a região com a China e trazem novas percepções, como parceiros para combater as tentativas da China e da Rússia de desafiar a ordem global.

Líderes do Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia foram convidados a participar do encontro em Washington. Essa já é a terceira cúpula com a participação deles.

Antes da reunião, o chefe da Otan, Stoltenberg, disse que a aliança e seus parceiros do Indo-Pacífico "desenvolverão nossa cooperação prática com projetos pioneiros sobre a Ucrânia, cibernética e novas tecnologias". Eles também querem trabalhar mais de perto na produção industrial de defesa.

<><> Japão ficou sem escritório de ligação 

Os países membros da Otan ainda estão divididos quanto à abordagem da região do Indo-Pacífico. No ano passado, a França bloqueou um plano da Otan de abrir um escritório de ligação no Japão, insistindo que a aliança está geograficamente confinada ao Atlântico Norte.

A Alemanha reconhece a importância da região, mas Berlim ainda considera a China - apesar de suas políticas cada vez mais restritivas - como um parceiro essencial para enfrentar os desafios globais.

A Hungria também coopera intensamente com a China, por exemplo, na área de veículos elétricos.

<><> A Otan pode piorar as coisas?

Alguns observadores acreditam que o envolvimento da Otan no Indo-Pacífico pode não ser bem recebido por todos. "É uma região muito volátil. Mas não há guerras acirradas no momento", diz Shada Islam, conselheiro independente da UE em Bruxelas, à DW.

"A maioria dos países com os quais falo, seja a Indonésia, a Malásia ou mesmo a Índia, não quer que essa potência estrangeira chegue à região e talvez piore as coisas", conta Islam.

Portanto, ser mais duro com a China e estabelecer laços mais estreitos com parceiros no Indo-Pacífico continuará sendo um ato de elasticidade política difícil para a Otan.

"É um ato de equilíbrio, pois envolve o risco de escalar o conflito", diz Liselotte Odgaard, do Instituto Hudson, à DW.

Segundo ela, se os países da Otan pressionarem demais, a China pode querer cooperar ainda mais com a Rússia, a Coreia do Norte e o Irã. E isso, claro, não interessa a Otan.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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