O que é a Síndrome de Patau
Arthur, filho do
cantor Zé Vaqueiro e da empresária Ingra Soares, morreu aos 11 meses de idade,
segundo informações divulgadas pela equipe do artista nas redes sociais.
O bebê havia sido
diagnosticado com uma malformação congênita decorrente da síndrome da trissoma
do cromossomo 13, também conhecida como síndrome de Patau.
Arthur era o terceiro
filho do casal. Eles também são pais de Daniel e Nicole.
"Deus sabe de
todas as coisas, e decidiu que era hora do nosso Arthur se juntar a Ele e
descansar. Agradecemos do fundo de nossos corações o amor e as orações que
nosso menino recebeu enquanto estava entre nós", publicaram Zé Vaqueiro e
Soares nas redes sociais.
O bebê ficou quase dez
meses internado após o parto. Recentemente, ele havia recebido alta — mas, no
primeiro dia em casa, sofreu uma parada cardíaca e precisou voltar ao hospital.
Entenda a seguir o que
é a trissomia do cromossomo 13 e que tipo de problemas ela causa.
• O que é a síndrome de Patau?
A trissomia do
cromossomo 13, também conhecida como síndrome de Patau, é uma doença genética
rara e grave, segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla
em inglês).
Ela acontece quando o
cromossomo 13 apresenta três cópias em algumas ou em todas as células que
constituem o organismo.
Recapitulando: a
maioria das células que formam nosso corpo possui 23 pares de cromossomos. É
ali que estão guardadas todas as informações genéticas que definem as nossas
características físicas e a propensão a determinadas doenças.
Em indivíduos
acometidos pela síndrome de Patau, porém, o 13º cromossomo possui uma cópia a
mais (três, em vez de duas) — e é isso que vai provocar uma série de problemas
durante o desenvolvimento do bebê na gestação e logo após o parto.
O NHS calcula que a
doença acomete um bebê a cada 4 mil nascimentos.
Já os Institutos
Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) estimam que menos de 50 mil
americanos têm o problema atualmente.
Não existem
estatísticas brasileiras a respeito desta enfermidade.
• Causas
O NHS reforça que a
síndrome de Patau acontece ao acaso e não está relacionada a nada que os pais
tenham feito ou deixado de fazer.
"A maioria dos
casos não têm origem familiar (ou seja, não são hereditários)", explica a
entidade.
"Eles ocorrem de
forma aleatória durante a concepção, quando espermatozoide e óvulo se fundem e
o feto começa a se desenvolver", complementa o texto.
Na maioria dos casos,
o bebê morre ainda durante a gestação ou logo após o parto.
Ainda segundo as
estatísticas britânicas, infelizmente 9 em cada 10 crianças acometidas pela
síndrome de Patau não sobrevivem durante o primeiro ano de vida.
• Sintomas
O diagnóstico da
trissomia do cromossomo 13 pode ocorrer ainda durante a gestação, por meio de
exames pré-natal, alguns deles disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
A detecção do quadro
também acontece logo após o parto, por meio de testes complementares.
A terceira cópia do
cromossomo 13 pode atrapalhar o desenvolvimento de diversas partes do corpo e
levar a complicações de saúde consideradas graves.
A seguir, alguns dos
sintomas frequentes da trissomia 13 listados pelo NIH dos Estados Unidos:
• Anormalidades do sistema cardiovascular;
• Problemas nos ossos da pelve;
• Ausência de um ou dos dois olhos;
• Fissura labiopalatina e/ou lábio
leporino;
• Problemas cognitivos;
• Cistos no pescoço;
• Fraqueza muscular;
• Deficiência intelectual;
• Desenvolvimento lento durante a
gestação;
• Problemas na formação das orelhas e
deficiência auditiva;
• Dificuldades de comunicação;
• Convulsões;
• Malformações nos rins;
• Problemas no desenvolvimento do sistema
digestivo;
• Hérnia.
A Organização Nacional
de Doenças Raras dos EUA aponta que, “em indivíduos com a síndrome de trissomia
13, o alcance e a gravidade dos sintomas podem depender da localização
específica do cromossomo 13, bem como da porcentagem de células que contêm a
anormalidade”.
Ou seja: se todas as
células trazem a terceira cópia do cromossomo 13, os sintomas costumam ser mais
severos do que os casos em que apenas algumas unidades do corpo apresentam o
problema.
• Tratamento
O NHS aponta que não
existe um tratamento específico para a síndrome de Patau.
"Como resultado
dos graves problemas de saúde que um bebê recém-nascido com a síndrome terá, os
médicos geralmente se concentram em minimizar o desconforto e garantir que o
bebê seja capaz de se alimentar", diz o sistema de saúde britânico.
"Para o pequeno
número de bebês com síndrome de Patau que sobrevive além dos primeiros dias de
vida, os cuidados dependerão dos sintomas e das necessidades específicas",
conclui o texto.
• Onde estão os pacientes com doenças
raras no Brasil?
Aos três anos de
idade, a engenheira civil Bruna Galvão Marchesano de Freitas, hoje com 26,
sofreu uma pequena fratura no pé. Nada demais. Teve o membro engessado e se
curou com facilidade. Quatro anos mais tarde, no entanto, teve nova fratura, no
fêmur. Dessa vez, a lesão chamou a atenção do ortopedista. Uma criança de sete
anos não deveria ter os ossos tão densos - o que os torna inflexíveis e
quebradiços. A investigação médica descobriu que a menina possui uma condição
rara, de origem genética, chamada picnodisostose.
Bruna foi identificada
durante o mais recente Censo Nacional de Isolados (CENISO), cujo objetivo é
identificar populações brasileiras com alta frequência de enfermidades
genéticas ou anomalias congênitas (causadas por fatores de risco genéticos,
como casamentos consanguíneos), ou ambientais (talidomida, vírus zika).
Criado e realizado
desde 2014 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genética Médica
Populacional (Inagemp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), o levantamento busca identificar "clusters"
(aglomerados) ou comunidades com prevalência mais alta de uma doença rara.
"O objetivo é
orientar quanto a políticas de saúde, aconselhamento genético, tratamento e
prevenção nesses locais", explica a médica geneticista Lavinia Schuler
Faccini, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), coordenadora do CENISO.
A também médica
geneticista Denise Cavalcanti, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), explica que doença rara, também conhecida
como órfã, é aquela que acomete uma pequena proporção de indivíduos na
população.
No Brasil, em geral,
se adota os mesmos parâmetros de frequência da Europa, cerca de 1 pessoa em
cada 2 mil. "Seja como for, em sua grande maioria (cerca de 80%) são de
origem genética."
<><> Como
são descobertos os grupos com doenças raras
Apesar de cada doença
rara afetar um número relativamente pequeno de pessoas, no conjunto elas
acometem um grande número, pois existem de 5 a 8 mil doenças deste tipo
conhecidas no mundo.
"Estima-se que
pelo menos 6% da população tenha uma delas", diz Lavínia. "Por isso,
espera-se que existam 13 milhões de portadores no Brasil. Mas chamo a atenção
para uma particularidade do CENISO: o objetivo não é mapear todas as pessoas com
uma dessas enfermidades, mas comunidades onde uma delas pode não ser rara
localmente e necessitar de uma política de saúde individualizada em nível de
município ou estado, por exemplo."
Nesse sentido, o
biomédico Augusto César Cardoso dos Santos, doutorando em Genética e Biologia
Molecular pela UFRGS, que também participa do CENISO, acrescenta que algumas
doenças que são raras na população em geral podem concentrar-se com frequência
inesperadamente elevada em determinados locais ou grupos populacionais. "O
principal objetivo do Censo é mapear estes lugares (ou populações)",
explica.
Isso é feito de duas
maneiras. A primeira é por meio de revisão da literatura científica, para
identificar possíveis clusters (aglomerados, em inglês), que já foram ou estão
sendo estudados por algum grupo de pesquisa. "A outra é pela comunicação
oral ou escrita de um 'rumor', isto é, qualquer pessoa (pesquisador da área ou
não) pode informar a existência de um aglomerado geográfico de doença
rara", explica Santos.
"O nosso trabalho
é investigar essas informações, avaliar se elas consistentemente
caracterizam-se como clusters, se a causa responsável pela enfermidade foi
encontrada e se a população está sendo atendida, por exemplo."
<><> Onde
estão as doenças raras no Brasil
O CENISO não é como um
censo do IBGE, que rastreia e cadastra toda a população em anos determinados. O
levantamento do Inagemp vai sendo atualizados continuamente. Desde a sua
criação, ela já recebeu centenas de rumores de clusters, dos quais 86 foram confirmados
até em 2014, número que subiu para 144 em 2018, últimos dados publicados.
Santos diz que é
interessante notar que a maior parte dos rumores está concentrada na região
Nordeste do Brasil. "Embora cada caso seja único e necessite de
investigação específica, podemos listar diversos fatores que podem nos ajudar a
entender esta distribuição anormal", diz. "Entre eles, casamentos
consanguíneos por motivos culturais ou religiosos, populações geograficamente
isoladas, efeito genético de fundador (quando uma mutação surge num determinado
local) e famílias com grande número de filhos."
Ele conta que entre os
clusters descobertos estão o de aniridia congênita (enfermidade ocular que leva
à ausência de íris), em Alagoas; de albinismo (caracterizado pela ausência de
pigmento na pele), no Maranhão; e de Doença de Machado-Joseph (caracterizado
por perda de controle muscular e coordenação motora), no Rio Grande do Sul.
Há ainda o de
mucopolissacaridose 6 (doença causadas por deficiência de enzimas, que leva a
disfunção na lubrificação dos órgãos, causando danos progressivos que podem
afetar o cérebro, olhos, ouvidos, coração, fígado, ossos e articulações), em
Monte Santo, na Bahia. "Ela tem uma prevalência mundial de uma pessoa
afetada a cada 350 mil", diz Lavínia. "Na cidade baiana é em torno de
um em cada 5 mil. Ainda é rara, mas proporcionalmente é muito alta (30 vezes
mais alta)."
<><>
Apesar de doença, vida normal
O cluster de
picnodisostose foi descoberto no Ceará por Denise, que não participa do CENISO.
"Em 2013 visitei, a convite da colega médica geneticista Erlane Ribeiro, o
Hospital Infantil Albert Sabin em Fortaleza", conta. "Nessa visita de
dois dias colaborando com Erlane para fazer o diagnóstico preciso de pacientes
com suspeita de displasias esqueléticas (enfermidades que afetam o
crescimento), nos deparamos com um grande número de pessoas com picnodisostose.
Identificamos mais de 25 pacientes em 22 famílias atendidas por ela. Visto se
tratar de uma condição rara, cuja frequência estimada era de 1 (um) paciente a
cada 1-1,7 milhão de indivíduos, propusemos um estudo inicial para identificar
as bases moleculares daqueles pacientes."
De acordo com Denise,
que também descobriu casos em outros Estados, como o da família de Bruna, que
mora em Formosa (GO), a picnodisostose é uma condição genética com padrão de
herança autossômico recessivo, ou seja, mais frequente em filhos de casais consanguíneos.
Ela começa a se manifestar depois do 1º ao 2º ano de vida.
"Seus portadores
se caracterizam pela baixa estatura, uma face característica, que é pequena,
com uma região frontal proeminente, olhos protrusos (mais para frente, em
relação à posição que seria normal), uma hipoplasia (desenvolvimento defeituoso
ou incompleto de tecido ou órgão) maxilar e queixo pequenos", explica.
"As mãos também são muito pequenas, com as unhas curtas e alargadas."
Embora não sejam
consanguíneos, os pais de Bruna têm outra filha, Laura, de 10 anos, com
picnodisostose. "Descobrimos a condição genética da segunda pela
experiência que tivemos com a primeira", conta a mãe delas, a dentista
Iesa Galvão Lisboa Marchesano de Freitas. "Elas têm baixa estatura (em
torno de 1,35 m), ângulo mandibular reto, o que provoca pouco crescimento da
mandíbula e apinhamento dentário, além de falanges terminais dos pés e mãos
hipoplásicas, provocando um encurtamento dos dedos."
Segundo Iesa, isso não
impede suas filhas de levarem uma vida normal. "Em primeiro lugar, a
picnodisostose não é uma doença, e sim uma condição genética, que felizmente
não afeta em nada a vida das duas", diz. "Claro que em caso de
fratura é necessário mais repouso, mas elas têm vida normal, estudam,
trabalham, fazem academia, têm vida social. Todos nós convivemos muito bem com
a condição genética das meninas, elas têm total consciência do problema e sabem
na nossa ausência procurar socorro em caso de alguma fratura."
Fonte: BBC News Brasil
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