O “poder dos trópicos” sob o sol
nordestino: reflexões sobre a transição energética
Na primeira semana de
junho, ocorreu a Conferência Internacional de Tecnologias das Energias
Renováveis (Citer) no Centro de Convenções de Teresina, Piauí. O evento
destacou o potencial do hidrogênio verde e culminou na assinatura da Carta do
Piauí, enfatizando a importância das energias renováveis no combate às mudanças
climáticas, com a intenção de posicionar o estado como líder nesse segmento.
Como palestrante na
mesa Minerais Estratégicos para a Indústria das Energias Renováveis, tema que
exploro em minhas colunas, pude acompanhar a amplitude e interdisciplinaridade
do evento, que envolveu palestrantes com diferentes posições e abordagens – algo
que considero importante, dado que o tema da energia é, por natureza,
interdisciplinar.
Um dos fatos que me
chamou atenção foi a participação diversificada das mesas, incluindo membros do
governo, da sociedade civil e de movimentos sociais. No campo da energia, o
contraditório e a crítica são sempre bem-vindos por duas razões centrais: a energia
é fundamental para a soberania nacional e está intrinsecamente ligada ao nosso
modelo de desenvolvimento e consumo. Assim, quanto mais pessoas se apropriarem
desse tema, melhor será para o país.
Focando na vocação
solar e eólica do Nordeste, simbolizando o “poder dos trópicos” representado
por Teresina, a Citer teve diversos momentos marcantes que nos despertaram para
o potencial brasileiro e seu papel estratégico na energia renovável. Durante a
mesa em que participei, foi destacado que “o Brasil é capaz de plantar o
alimento mais básico e fabricar aviões para todo o mundo”, sublinhando nossa
capacidade de produção e inovação. O projeto Canindé Solar exemplifica isso ao
demonstrar que, na pedagogia da seca, “o sol que castiga é o mesmo que gera
vida”, conectando poeticamente e concretamente tecnologia, água e energia solar
às comunidades rurais do Piauí.
Outro destaque da
Citer foram as contribuições dos pesquisadores latino-americanos, que
enfatizaram a necessidade de uma maior atenção regional por parte do Brasil.
Isso inclui ampliar a cooperação bilateral na área nuclear com a Argentina e
estratégias para o lítio, dado que o Triângulo do Lítio detém 60% das reservas
globais dessa matéria-prima. Ficou evidente para mim, nas falas dos
pesquisadores latino-americanos, que eles esperam do Brasil uma posição de
iniciativa e condução do bloco.
A transição energética
foi discutida em várias sessões como resposta às crises contemporâneas, focando
na necessidade de uma transição energética justa e popular. Por pesquisar o
tema, frequentemente me questionam sobre a transição energética ser uma espécie
de importação de agendas político-econômicas dos países centrais (como o Green
New Deal nos Estados Unidos e o European Green Deal), ou seja, algo no qual o
Brasil não tem um papel relevante, uma vez que já possui uma matriz energética
limpa.
É um fato que nossos
problemas estruturais e históricos são de outra ordem. Contudo, sempre faço
questão de lembrar que transições energéticas sempre aconteceram, seja por
fatores internos ou externos. No nosso caso, basta lembrar a crise do petróleo
em 1973, um fator externo que impulsionou uma resposta interna brasileira,
fomentando o desenvolvimento de tecnologias para a produção e o uso de etanol,
incluindo a criação de carros movidos a álcool, que hoje são destaques
mundiais. Além disso, essa resposta ajudou a diversificar a matriz energética
do Brasil e a estabilizar sua economia durante períodos de volatilidade nos
preços do petróleo. Ou seja, naquele momento de crise, o Brasil fez a sua
transição energética.
Neste momento, as
coordenadas para a transição energética são moldadas pelas demandas econômicas,
tecnológicas, geopolíticas e ambientais do presente. O caso da China é
emblemático devido ao seu investimento massivo em tecnologias limpas. Segundo a
Agência Internacional de Energia (IEA), os investimentos nesse setor aumentaram
70% no último ano, com três quartos desses investimentos vindo da China. Essa
mudança está alterando significativamente as cadeias globais de energia, os
padrões de investimento energético e aumentando a dependência de vários países
em relação à China.
Em resposta, os
Estados Unidos impuseram tarifas protecionistas em setores-chave, como veículos
elétricos e tecnologias solares. Seguindo a mesma direção, recentemente a
Comissão Europeia anunciou sua proposta de tarifas contra veículos elétricos
chineses. Essas sanções protecionistas podem alterar as peças no tabuleiro
dessas cadeias produtivas, das quais o Brasil também faz parte, seja exportando
matéria-prima ou consumindo o que é produzido. Por isso, pensar o hidrogênio
verde, como foi abordado na abertura da Citer, também pressupõe considerar
nosso enquadramento nesse contexto.
Apesar de nossas
inquietações e críticas, a transição energética já está em curso e revela uma
crise sistêmica que já conhecemos. Como alguém que propõe uma “sociologia da
energia“, vejo a necessidade de ir além da negação da realidade. Para entender
o que está em jogo, sempre retomo o papel da filosofia na minha formação, ou
seja, a negação da negação, como uma forma dialética de compreender e
pavimentar um caminho para este país, que já não pode mais ignorar a sua
importância energética, embora, por vezes, ainda tente mantê-la resumida ao
aspecto técnico.
Fonte: Por Elaine
Santos, no Correio da Cidadania
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