O legado controverso de Lira e Pacheco
Às vésperas do recesso
parlamentar, que começa no próximo dia 17, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o
senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) correm contra o tempo, como mostrou o Estadão,
para aprovar projetos de lei que lhes sirvam como “marca” de suas gestões à
frente da Câmara e do Senado, respectivamente. Um e outro podem descansar, pois
essa tal marca a que tanto almejam já é lamentavelmente conhecida por todo o
País. O grande legado de Lira e Pacheco no comando das Casas Legislativas é a
consolidação do orçamento secreto, engendrado em conluio com o ex-presidente
Jair Bolsonaro e revelado por este jornal em maio de 2021.
Sob a liderança de
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o Poder Legislativo acumulou um poder inaudito
na Nova República sobre a disposição dos recursos do Orçamento da União pela
via mais torpe possível. Numa espécie de parlamentarismo tropical, ao
expressivo empoderamento político-financeiro do Congresso em relação ao Poder
Executivo, por meio do orçamento secreto, jamais correspondeu uma
responsabilização política pelas escolhas feitas pelos deputados e senadores. E
nem poderia corresponder, pois essas escolhas são desconhecidas. O mistério é a
essência do orçamento secreto, uma evidente perversão do processo orçamentário,
que, sob a premissa da transparência, é o ponto nevrálgico de qualquer
democracia que se pretende séria.
É de justiça
reconhecer, como este jornal já sublinhou no tempo oportuno, que, durante
alguns dos momentos mais dramáticos do trevoso mandato de Bolsonaro, o
Congresso, ao lado do Supremo Tribunal Federal (STF), serviu como firme
barreira de contenção à razia bolsonarista em não poucas esferas da
administração pública. Ademais, projetos de lei e Propostas de Emenda à
Constituição de importância capital para o País também foram aprovados ao longo
desses quatro anos em que Lira e Pacheco, respectivamente, terão presidido a
Câmara e o Senado. A aprovação da reforma do sistema tributário, um projeto
ansiado pela sociedade havia mais de três décadas, é apenas o exemplo mais
eloquente de um bom trabalho liderado pelos dois.
Mas, ora, se é de
“marca” que se está tratando, não há outra senão o orçamento secreto. Afinal,
outras legislaturas e outros presidentes das Casas Legislativas já legaram ao
País marcantes avanços legais. Mas nenhum ousou se assenhorar do Orçamento da
União com tamanha ambição, desrespeito à Constituição e às decisões do STF e,
não menos importante, descaso pelo interesse público.
No caso de Lira, em
particular, seu legado à frente da Câmara é ainda mais pernicioso. Além da
operação do orçamento secreto como moeda de troca para barganhas para lá de
suspeitas, registre-se em seu nome a quase anulação do papel exercido pelas
comissões temáticas da Casa para o bom debate público. Aprovando requerimentos
de “urgência” estapafúrdios, autorizando votações remotas sem necessidade e
criando a torto e a direito os tais “grupos de trabalho” com deputados
escolhidos a dedo por ele, Lira controlou a agenda da Câmara com poderes
praticamente imperiais. Como se isso não bastasse, uma de suas primeiras
medidas no cargo foi acabar com o chamado “kit obstrução”, cerceando a
democrática manifestação das minorias.
Arthur Lira e Rodrigo
Pacheco traçaram planos políticos arrojados para o momento em que deixarem seus
cargos e “baixarem à planície”, como se costuma dizer em Brasília. Lira, que
cogita concorrer ao Senado em 2026 por Alagoas, não dá um passo sem calcular o
impacto de suas ações na eleição que definirá seu sucessor, em fevereiro do ano
que vem. Consta que Pacheco, por sua vez, pretende disputar o governo de Minas
Gerais nas próximas eleições.
Pode ser que ambos
venham a ser bem-sucedidos em seus objetivos. Mas, se isso vier a ocorrer, terá
sido a despeito da avacalhação que promoveram na gestão do Orçamento – um
quadro fiel da grave crise da democracia representativa no Brasil.
• Lira surpreende Tebet e tira do governo
secretário de Orçamento
Às vésperas do envio
do Orçamento de 2025 ao Congresso, o secretário de Orçamento Federal, Paulo
Bijos, deixou o cargo que ocupa no Ministério do Planejamento. Bijos, servidor
da Câmara cedido ao Executivo, foi convocado pelo presidente da Casa, Arthur Lira
(PP-AL), a retornar ao seu posto na Consultoria de Orçamento e Fiscalização
Financeira (Conof).
Um ofício assinado por
Lira enviado à pasta comandada por Simone Tebet suspendeu a cessão de Bijos e
determinou o seu retorno às atividades na Conof a partir de 26 de junho. O
Estadão apurou que ele participou de sua última reunião no Planejamento no dia
25 e, na data seguinte, já passou a ir presencialmente à Conof.
A renomeação de Bijos
foi publicada no Diário Oficial da União de 28 de junho e em boletim
administrativo da Câmara de 3 de julho. A sua exoneração do ministério será
publicada nesta segunda-feira, dia 8, informou o Ministério do Planejamento e
Orçamento após a publicação da reportagem.
Em nota, a pasta
afirma que Bijos “concluiu seu período no cargo no último dia 26 de junho para
priorizar projetos pessoais” e que a exoneração foi “a pedido”.
SURPRESA
Interlocutores ouvidos
pelo Estadão afirmam que o ofício de Lira pegou de surpresa o Ministério do
Planejamento, incluindo a ministra Simone Tebet, que contatou o presidente da
Câmara diretamente. A renomeação é uma prerrogativa do chefe da Casa, tendo em
vista que Bijos era um servidor do Legislativo, mas se trata de movimento
incomum, sobretudo por ter sido à revelia do ministério.
Ao ser comunicado, o
Planejamento notificou a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais,
bem como acionou parlamentares próximos ao governo, na tentativa de reverter a
medida, sem sucesso.
Segundo apurou a
reportagem, havia uma insatisfação crescente no Congresso pelo fato de Bijos
ter um perfil mais reservado e se recusar a receber parlamentares – inclusive
da base aliada.
Diante das negativas,
as solicitações de encontros com a SOF acabavam atendidas por outras
secretarias do Planejamento, que nem sempre tratavam a fundo das questões
orçamentárias de interesse de deputados e senadores, como é o caso das emendas.
Segundo um interlocutor, essa dinâmica foi gerando um “clima difícil”.
EMENDAS PARLAMENTARES
Outro ponto que teria
estremecido a relação com o Legislativo foi a cobrança de que a SOF fosse mais
ativa na liberação de emendas parlamentares. Esse trâmite acabou se
concentrando na Casa Civil, sem protagonismo da secretaria então comandada por
Bijos.
É a segunda baixa na
SOF neste mandato. No ano passado, Daniel Couri deixou o posto de
secretário-adjunto e foi substituído por Clayton Luiz Montes, analista de
planejamento e orçamento desde 1998.
A pasta confirma que
Montes atuará como substituto de Bijos “durante a vacância no cargo”. Ele,
inclusive, já vem participando desde o dia 26 das principais reuniões
orçamentárias do governo. Esteve, por exemplo, na reunião da Junta de Execução
Orçamentária (JEO) da última quarta-feira, no Planalto, com Tebet e os
ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck
(Gestão e Inovação) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
EQUIPE DESFALCADA
A saída de Paulo Bijos
da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) acontece em um dos momentos mais
delicados para a equipe econômica desde o início do governo e às vésperas de
divulgações orçamentárias aguardadas pelo mercado financeiro. Os analistas vão
acompanhar com lupa os próximos relatórios em busca de sinais concretos do
comprometimento com a sustentabilidade das contas públicas.
Fazenda e Planejamento
vêm sendo cobrados pelo mercado e pelo setor produtivo para realizar um ajuste
de despesas, diante do esgotamento da agenda arrecadatória no Congresso e dos
sinais de fragilidade do arcabouço fiscal.
A desconfiança,
alimentada por declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez
com que o dólar chegasse ao patamar de R$ 5,70 na semana passada. Após
sinalizações do ministro Fernando Haddad, que serviu de bombeiro em meio à
crise, a moeda fechou a semana a R$ 5,48 – ainda assim, acumula alta de 13% no
ano.
No dia 22, está
prevista a divulgação do terceiro relatório bimestral de receitas e despesas. A
expectativa é de que a equipe anuncie um congelamento temporário de gastos mais
expressivo.
Interlocutores ouvidos
pelo Estadão/Broadcast apontam que as cifras iniciais, em debate no governo,
estão na faixa de R$ 10 bilhões. Economistas projetam, porém, que seriam
necessários R$ 40 bilhões.
A SOF também está
debruçada sobre a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, que precisa ser enviada
ao Legislativo até 31 de agosto. Em meio às pressões do mercado, Haddad se
comprometeu com um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias no próximo
ano.
Fonte: Agencia Estado
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