terça-feira, 9 de julho de 2024

O legado controverso de Lira e Pacheco

Às vésperas do recesso parlamentar, que começa no próximo dia 17, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) correm contra o tempo, como mostrou o Estadão, para aprovar projetos de lei que lhes sirvam como “marca” de suas gestões à frente da Câmara e do Senado, respectivamente. Um e outro podem descansar, pois essa tal marca a que tanto almejam já é lamentavelmente conhecida por todo o País. O grande legado de Lira e Pacheco no comando das Casas Legislativas é a consolidação do orçamento secreto, engendrado em conluio com o ex-presidente Jair Bolsonaro e revelado por este jornal em maio de 2021.

Sob a liderança de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o Poder Legislativo acumulou um poder inaudito na Nova República sobre a disposição dos recursos do Orçamento da União pela via mais torpe possível. Numa espécie de parlamentarismo tropical, ao expressivo empoderamento político-financeiro do Congresso em relação ao Poder Executivo, por meio do orçamento secreto, jamais correspondeu uma responsabilização política pelas escolhas feitas pelos deputados e senadores. E nem poderia corresponder, pois essas escolhas são desconhecidas. O mistério é a essência do orçamento secreto, uma evidente perversão do processo orçamentário, que, sob a premissa da transparência, é o ponto nevrálgico de qualquer democracia que se pretende séria.

É de justiça reconhecer, como este jornal já sublinhou no tempo oportuno, que, durante alguns dos momentos mais dramáticos do trevoso mandato de Bolsonaro, o Congresso, ao lado do Supremo Tribunal Federal (STF), serviu como firme barreira de contenção à razia bolsonarista em não poucas esferas da administração pública. Ademais, projetos de lei e Propostas de Emenda à Constituição de importância capital para o País também foram aprovados ao longo desses quatro anos em que Lira e Pacheco, respectivamente, terão presidido a Câmara e o Senado. A aprovação da reforma do sistema tributário, um projeto ansiado pela sociedade havia mais de três décadas, é apenas o exemplo mais eloquente de um bom trabalho liderado pelos dois.

Mas, ora, se é de “marca” que se está tratando, não há outra senão o orçamento secreto. Afinal, outras legislaturas e outros presidentes das Casas Legislativas já legaram ao País marcantes avanços legais. Mas nenhum ousou se assenhorar do Orçamento da União com tamanha ambição, desrespeito à Constituição e às decisões do STF e, não menos importante, descaso pelo interesse público.

No caso de Lira, em particular, seu legado à frente da Câmara é ainda mais pernicioso. Além da operação do orçamento secreto como moeda de troca para barganhas para lá de suspeitas, registre-se em seu nome a quase anulação do papel exercido pelas comissões temáticas da Casa para o bom debate público. Aprovando requerimentos de “urgência” estapafúrdios, autorizando votações remotas sem necessidade e criando a torto e a direito os tais “grupos de trabalho” com deputados escolhidos a dedo por ele, Lira controlou a agenda da Câmara com poderes praticamente imperiais. Como se isso não bastasse, uma de suas primeiras medidas no cargo foi acabar com o chamado “kit obstrução”, cerceando a democrática manifestação das minorias.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco traçaram planos políticos arrojados para o momento em que deixarem seus cargos e “baixarem à planície”, como se costuma dizer em Brasília. Lira, que cogita concorrer ao Senado em 2026 por Alagoas, não dá um passo sem calcular o impacto de suas ações na eleição que definirá seu sucessor, em fevereiro do ano que vem. Consta que Pacheco, por sua vez, pretende disputar o governo de Minas Gerais nas próximas eleições.

Pode ser que ambos venham a ser bem-sucedidos em seus objetivos. Mas, se isso vier a ocorrer, terá sido a despeito da avacalhação que promoveram na gestão do Orçamento – um quadro fiel da grave crise da democracia representativa no Brasil.

•        Lira surpreende Tebet e tira do governo secretário de Orçamento

Às vésperas do envio do Orçamento de 2025 ao Congresso, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, deixou o cargo que ocupa no Ministério do Planejamento. Bijos, servidor da Câmara cedido ao Executivo, foi convocado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a retornar ao seu posto na Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof).

Um ofício assinado por Lira enviado à pasta comandada por Simone Tebet suspendeu a cessão de Bijos e determinou o seu retorno às atividades na Conof a partir de 26 de junho. O Estadão apurou que ele participou de sua última reunião no Planejamento no dia 25 e, na data seguinte, já passou a ir presencialmente à Conof.

A renomeação de Bijos foi publicada no Diário Oficial da União de 28 de junho e em boletim administrativo da Câmara de 3 de julho. A sua exoneração do ministério será publicada nesta segunda-feira, dia 8, informou o Ministério do Planejamento e Orçamento após a publicação da reportagem.

Em nota, a pasta afirma que Bijos “concluiu seu período no cargo no último dia 26 de junho para priorizar projetos pessoais” e que a exoneração foi “a pedido”.

SURPRESA

Interlocutores ouvidos pelo Estadão afirmam que o ofício de Lira pegou de surpresa o Ministério do Planejamento, incluindo a ministra Simone Tebet, que contatou o presidente da Câmara diretamente. A renomeação é uma prerrogativa do chefe da Casa, tendo em vista que Bijos era um servidor do Legislativo, mas se trata de movimento incomum, sobretudo por ter sido à revelia do ministério.

Ao ser comunicado, o Planejamento notificou a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais, bem como acionou parlamentares próximos ao governo, na tentativa de reverter a medida, sem sucesso.

Segundo apurou a reportagem, havia uma insatisfação crescente no Congresso pelo fato de Bijos ter um perfil mais reservado e se recusar a receber parlamentares – inclusive da base aliada.

Diante das negativas, as solicitações de encontros com a SOF acabavam atendidas por outras secretarias do Planejamento, que nem sempre tratavam a fundo das questões orçamentárias de interesse de deputados e senadores, como é o caso das emendas. Segundo um interlocutor, essa dinâmica foi gerando um “clima difícil”.

EMENDAS PARLAMENTARES

Outro ponto que teria estremecido a relação com o Legislativo foi a cobrança de que a SOF fosse mais ativa na liberação de emendas parlamentares. Esse trâmite acabou se concentrando na Casa Civil, sem protagonismo da secretaria então comandada por Bijos.

É a segunda baixa na SOF neste mandato. No ano passado, Daniel Couri deixou o posto de secretário-adjunto e foi substituído por Clayton Luiz Montes, analista de planejamento e orçamento desde 1998.

A pasta confirma que Montes atuará como substituto de Bijos “durante a vacância no cargo”. Ele, inclusive, já vem participando desde o dia 26 das principais reuniões orçamentárias do governo. Esteve, por exemplo, na reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO) da última quarta-feira, no Planalto, com Tebet e os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

EQUIPE DESFALCADA

A saída de Paulo Bijos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) acontece em um dos momentos mais delicados para a equipe econômica desde o início do governo e às vésperas de divulgações orçamentárias aguardadas pelo mercado financeiro. Os analistas vão acompanhar com lupa os próximos relatórios em busca de sinais concretos do comprometimento com a sustentabilidade das contas públicas.

Fazenda e Planejamento vêm sendo cobrados pelo mercado e pelo setor produtivo para realizar um ajuste de despesas, diante do esgotamento da agenda arrecadatória no Congresso e dos sinais de fragilidade do arcabouço fiscal.

A desconfiança, alimentada por declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez com que o dólar chegasse ao patamar de R$ 5,70 na semana passada. Após sinalizações do ministro Fernando Haddad, que serviu de bombeiro em meio à crise, a moeda fechou a semana a R$ 5,48 – ainda assim, acumula alta de 13% no ano.

No dia 22, está prevista a divulgação do terceiro relatório bimestral de receitas e despesas. A expectativa é de que a equipe anuncie um congelamento temporário de gastos mais expressivo.

Interlocutores ouvidos pelo Estadão/Broadcast apontam que as cifras iniciais, em debate no governo, estão na faixa de R$ 10 bilhões. Economistas projetam, porém, que seriam necessários R$ 40 bilhões.

A SOF também está debruçada sobre a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, que precisa ser enviada ao Legislativo até 31 de agosto. Em meio às pressões do mercado, Haddad se comprometeu com um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias no próximo ano.

 

Fonte: Agencia Estado

 

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