“Israel foi formado como um Estado colonial
ocupante”, afirma Haidar Eid
Haidar Eid é
professor associado da Universidade Al-Aqsa, em Gaza, a única
pública no enclave palestino. Ensinava literatura no campus da Cidade de Gaza,
que foi bombardeado por Israel,
assim como a sua casa, localizada a pouca distância da universidade. Na guerra
que já deixou quase 38.000 mortos, perdeu colegas do Departamento de Literatura
Inglesa e vários de seus estudantes. Em dezembro passado, conseguiu sair vivo
da Faixa, junto com sua família, e agora está na África do Sul, de onde fala com El Diario.
“Temos nove
universidades em Gaza e todas foram destruídas. “Israel destruiu mais
de 70% das casas em Gaza, instituições, hospitais, escolas”, denuncia Eid,
afirmando que o objetivo dos dirigentes israelenses é que “não haja qualquer
possibilidade de uma vida normal em Gaza, durante um longo período, mesmo
quando vier um cessar-fogo”. No entanto, mostra-se confiante em que os
habitantes de Gaza vão “reabrir universidades, reconstruir escolas, hospitais,
fábricas e todas as instituições”. E que ele próprio e todos os deslocados
poderão retornar às suas casas, não só em Gaza, mas nos locais de onde os seus
antepassados foram expulsos, em 1948, com a criação do Estado de Israel.
“A desesperança não é
uma opção para nós. A desesperança é um luxo que não podemos nos permitir”,
afirma. Eid publicou em espanhol o livro Descolonizando la mente
palestina (Verso Libros), com a sua visão sobre a “única solução”
possível para acabar com o “apartheid” imposto
por Israel na Palestina.
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Eis a entrevista.
·
Em seu livro, defende
que o estabelecimento de um Estado palestino independente é impossível.
Considera que esta possibilidade é ainda mais remota após oito meses de guerra
em Gaza?
É impossível
estabelecer um Estado palestino independente nas fronteiras de 1967,
em Gaza e na Cisjordânia. E isto porque Israel teve sucesso no momento de
aniquilar a solução de dois Estados. Israel tomou todas as medidas
para tornar literalmente impossível o estabelecimento de um Estado
palestino independente em 22% da Palestina histórica.
Primeiro, a maior
parte das terras [palestinas] na Cisjordânia foram expropriadas e
anexadas pelos israelenses. Além disso, Israel construiu um muro de apartheid para separar palestinos de palestinos e
transformou Gaza em um campo de concentração. Onde é que os
palestinos vão estabelecer o seu Estado independente?
Segundo, mesmo que
conseguíssemos estabelecer um Estado palestino independente, o que
aconteceria com o direito ao retorno dos refugiados palestinos? Para onde irão?
De acordo com a lei internacional, temos o direito de retornar e ser
compensados.
Terceiro, há 1,4
milhão de palestinos nativos, que vivem em Israel, que são tratados como
cidadãos de terceira classe, com a aplicação de leis do apartheid, assim
como acontecia com os negros na África do Sul [antes do fim do
sistema de segregação racial].
Por tudo isso,
considero que a independência é uma falácia e proponho uma solução alternativa,
que é a de um único Estado democrático, entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. É necessário reformular a
libertação dos palestinos para que inclua o marco conceitual da descolonização
e, por isso, o título do meu livro é: Descolonizando a mente palestina.
·
Considera que o
reconhecimento do Estado palestino, por parte da Espanha e outros países, é
positivo ou contraproducente neste momento?
É um passo, mas a
longo prazo não ajuda no processo de descolonização, que é um processo
radical dirigido às principais estruturas coloniais sionistas de ocupação
e apartheid. Um Estado palestino independente [estabelecido] em um
pequeno pedaço de terra na Palestina não
pode fazer isso.
Temos de levantar a
questão da autodeterminação do povo palestino, o que não significa
necessariamente um bantustão [área reservada à população negra durante o
apartheid na África do Sul]. A autodeterminação significa: direito ao
retorno dos refugiados palestinos; igualdade; fim do apartheid e
do colonialismo de assentamentos na Palestina.
Por que o governo
espanhol continua tendo relações diplomáticas com o apartheid israelense?
Como o governo espanhol interpreta o direito do povo palestino à
autodeterminação, garantido pelo direito internacional?
Entendo que o governo
espanhol respeita o direito internacional, caso contrário, não teria decidido
se unir ao [procedimento aberto após o processo contra Israel pelo]
governo da África do Sul. O direito internacional exige que os Estados
de apartheid sejam isolados, por isso queremos que
o governo espanhol boicote Israel, que lhe imponha um embargo
militar.
A Espanha deu
passos importantes e nós agradecemos, mas não é o suficiente: tem de
isolar Israel e cortar todas as relações, como fez – por exemplo – o
governo da Colômbia e como fez a comunidade internacional com o
Estado de apartheid sul-africano. O governo espanhol pode
fazer parte de um movimento que coloque fim ao genocídio em Gaza, posicionando-se do lado certo da história.
·
Tanto a Espanha como a
maior parte da comunidade internacional desempoeiraram a solução de dois
Estados por causa do atual conflito em Gaza. Qual é a sua opinião a esse
respeito?
A ideia de dois
Estados é uma ideia sionista. É uma ideia que foi criada por um sionismo
“suave” ou “prático”, que se traduz na bantustanização dos territórios ocupados
em 1967 [por Israel]. A classe dirigente sionista conseguiu convencer a
comunidade internacional e os dirigentes palestinos oficiais de que esta é a
única solução.
A solução de dois Estados é uma solução racista por excelência, porque significa que
os palestinos têm o direito de estabelecer o seu Estado independente, separados
dos israelenses judeus. Ou seja, os palestinos muçulmanos e cristãos viveriam
em 22% da Palestina histórica e os judeus em 78% do território.
O que existe nesse
momento sobre o terreno é um único Estado. Pode a comunidade internacional
dizer a nós, palestinos, onde vamos estabelecer o nosso Estado independente? É
claro, não há resposta. A solução de dois Estados reforça o apartheid e
o colonialismo na Palestina.
·
Você considera que a
solução de um único Estado para palestinos e israelenses será possível algum
dia?
Quando nos anos 1980
pedíamos a libertação de Nelson Mandela, o fim do apartheid na África
do Sul e que o país fosse para todos os seus habitantes, algumas pessoas
perguntavam: Isso é possível?
Com a campanha BDS (boicote,
desinvestimento e sanções), com o embargo militar, com a mobilização em massa
na África do Sul, com a pressão sobre o regime de apartheid branco...
Em 1994, Nelson Mandela se tornou o primeiro presidente negro da
África do Sul multirracial.
Embora este momento
histórico seja muito sombrio e tantas pessoas – crianças e mulheres – estão
sendo assassinadas em Gaza, acredito firmemente que este é o começo do fim
do projeto sionista na Palestina. Contudo, o preço é extremamente alto e nós
o estamos pagando.
·
Os próprios palestinos
querem um só Estado, democrático e secular, compartilhado com os israelenses?
Os palestinos pedem
que os seus direitos sejam aplicados, o direito à autodeterminação, e a solução
de dois Estados contradiz a autodeterminação. A maioria dos palestinos apoia as
reivindicações do movimento BDS, que é um movimento de direitos, não oferece
uma solução política [para o conflito].
Precisamos de uma
liderança que tenha uma visão muito clara e possa dizer aos palestinos: “Esta é
a solução”. E que nos leve até o momento histórico em que o apartheid e
o colonialismo na Palestina entrem em colapso. Por isso, eu sou um
ativista do movimento BDS e da campanha a favor da solução de um só Estado, mas
se alguém pode propor uma alternativa que garanta o nosso direito à
autodeterminação, será bem-vindo.
·
O que os líderes e o
povo palestino podem aprender com a experiência sul-africana e que erros devem
evitar?
Os nossos líderes não
aprenderam a lição do movimento anti-apartheid. O problema com
todas as iniciativas de paz, incluída a de estabelecer um Estado independente,
é que ignoram o fato de que Israel foi formado como um Estado
colonial ocupante.
Na África do
Sul, Nelson Mandela e todos os líderes entenderam que os negros sul-africanos
não podiam coexistir com o racismo e o apartheid. Nossos
líderes não entenderam a questão. Nós, palestinos, como população nativa,
podemos oferecer aos colonos a cidadania em igualdade de condições, como
aconteceu com os brancos na África do Sul.
Na Palestina,
temos de levantar a questão da igualdade, do Rio Jordão ao Mar
Mediterrâneo. Na África do Sul, nunca renunciaram a igualdade [entre
negros e brancos]. Nelson Mandela passou 27 anos na prisão e nunca
comprometeu o fim do apartheid, a igualdade.
Nossa liderança falhou
no momento de aprender essa lição histórica, por isso precisamos de uma nova
liderança com uma visão política que lute pela igualdade, a liberdade e a
justiça. Estou falando de uma liderança que represente todos os palestinos: os
palestinos nos territórios ocupados, os palestinos-israelenses e os refugiados,
um total de 14 milhões.
Israel atua como
uma potência colonial em Gaza e na Cisjordânia e os líderes
palestinos administram apenas os habitantes de Gaza e da Cisjordânia como se
fossem todo o povo palestino, mas o povo palestino também é composto pelos palestinos
de 1948 e entre 5 e 6 milhões de palestinos na diáspora. Os líderes palestinos
ignoram as desigualdades e as injustiças que Israel infligiu aos palestinos,
nos últimos cem anos.
¨ Netanyahu: acordo deve permitir que Israel retome combates na
Faixa de Gaza
Qualquer acordo de
cessar-fogo em Gaza deve permitir que Israel retome os combates até que seus
objetivos sejam alcançados, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu neste
domingo (7), enquanto se espera que as negociações sobre um plano dos EUA
destinado a encerrar a guerra de nove meses sejam reiniciadas.
Cinco dias depois de o
Hamas ter aceitado uma parte fundamental do plano, dois responsáveis do grupo militante palestino disseram que o grupo estava
aguardando a resposta de Israel à sua última proposta.
Netanyahu estava programado
para realizar consultas na noite deste domingo (7) sobre os próximos passos na
negociação do plano de três fases que foi apresentado em maio pelo presidente
dos EUA, Joe Biden, e está sendo mediado pelo Catar e pelo Egito.
O objetivo é acabar
com a guerra e libertar cerca de 120 reféns israelenses detidos em Gaza.
O Hamas abandonou uma
exigência fundamental de que Israel primeiro se comprometesse com um
cessar-fogo permanente antes de assinar um acordo. Em vez disso, disse que
permitiria negociações para alcançar esse objetivo durante a primeira fase de
seis semanas, disse uma fonte do Hamas à Reuters no sábado (6), sob condição de
anonimato.
Mas Netanyahu disse
insistir que o acordo não deve impedir Israel de retomar os combates até que os
seus objetivos de guerra sejam alcançados. Esses objetivos foram definidos no
início da guerra como o desmantelamento das capacidades militares e governativas
do Hamas, bem como o retorno dos reféns.
“O plano que foi
acordado por Israel e que foi bem recebido pelo presidente Biden permitirá que
Israel devolva os reféns sem infringir os outros objetivos da guerra”, disse
Netanyahu.
O acordo, disse ele,
também deve proibir o contrabando de armas para o Hamas através da fronteira
Gaza-Egito e não deve permitir que milhares de militantes armados regressem ao
norte de Gaza.
O diretor da Agência
Central de Inteligência dos EUA, William Burns, se reunirá com o
primeiro-ministro do Catar e os chefes de inteligência israelense e egípcio na
quarta-feira em Doha, disse uma fonte familiarizada com o assunto que pediu
para não ser identificada.
Burns também deverá
visitar o Cairo esta semana, juntamente com uma delegação israelense, informou
a TV egípcia Al Qahera News neste domingo, citando uma fonte de alto escalão.
Uma autoridade
palestina próxima às negociações disse que a proposta poderia levar a um
acordo-quadro se fosse adotada por Israel e poria fim à guerra.
“Deixamos a nossa
resposta com os mediadores e estamos aguardando para ouvir a resposta da
ocupação”, disse um dos dois responsáveis do Hamas à Reuters, pedindo para não ser identificado.
Outra autoridade
palestina com conhecimento das deliberações do cessar-fogo disse que Israel
estava em negociações com os cataris e que se esperava uma resposta dentro de
alguns dias.
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Protestos em Israel
Em Israel, os
manifestantes saíram às ruas de todo o país para pressionar o governo a
concordar com o acordo de cessar-fogo em Gaza, que traria de volta os reféns
ainda detidos em Gaza.
Eles bloquearam o
trânsito na hora do rush nos principais cruzamentos do país, fizeram piquetes
nas casas de políticos e incendiaram brevemente pneus na principal rodovia Tel
Aviv-Jerusalém antes que a polícia liberasse o caminho.
Em Gaza, autoridades
de saúde palestinas disseram que pelo menos 15 pessoas foram mortas em ataques
israelenses.
Entre eles estavam Ehab Al-Ghussein, o vice-ministro do Trabalho nomeado pelo Hamas, cuja
esposa e filhos foram mortos em maio, e três outras pessoas mortas num ataque a
uma escola gerida por uma igreja no oeste da Cidade de Gaza que abrigava
famílias, a mídia do Hamas e o Serviço de Emergência Civil disse.
Os militares
israelenses disseram que depois de tomarem medidas para minimizar o risco de
civis serem feridos no local, atacaram militantes que estavam escondidos na
escola, bem como numa instalação nas proximidades onde as armas eram
fabricadas.
Nas zonas centro e norte de Rafah, na fronteira sul de Gaza com o
Egito, os tanques israelenses aprofundaram os
seus ataques. Autoridades de saúde disseram ter recuperado três corpos de
palestinos mortos por fogo israelense na parte oriental da cidade.
Os braços armados do
Hamas e da Jihad Islâmica, um grupo militante aliado, disseram que os
combatentes atacaram as forças israelenses em vários locais da Faixa de Gaza
com foguetes antitanque e morteiros.
Os militares
israelenses disseram que as suas forças mataram 30 homens armados em Rafah no
último dia e que um dos seus soldados foi morto em combate.
Em Shejaia, um
subúrbio a leste da Cidade de Gaza, os militares afirmaram que as suas forças
mataram vários homens armados e localizaram armas e explosivos. Publicou um
vídeo de drone mostrando homens armados, alguns parecendo feridos ou mortos, em
uma casa.
A Reuters não
conseguiu verificar imediatamente o vídeo.
O conflito foi
desencadeado em 7 de outubro, quando combatentes liderados pelo Hamas, que
controlava Gaza, atacaram o sul de Israel, matando 1.200 pessoas e fazendo
cerca de 250 reféns, segundo dados israelenses.
Mais de 38 mil
palestinos foram mortos no ataque militar de Israel, segundo autoridades de
saúde de Gaza, e o enclave costeiro foi em grande parte reduzido a escombros.
O Ministério da Saúde
de Gaza não faz distinção entre combatentes e não combatentes, mas as
autoridades dizem que a maioria dos mortos durante a guerra foram civis. Israel
perdeu 324 soldados em Gaza e afirma que pelo menos um terço dos palestinos
mortos são combatentes.
Fonte: Entrevista
para Francesca Cicardi, no El Diario -
tradução do Cepat, para IHU/CNN Brasil
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