terça-feira, 9 de julho de 2024

“Israel foi formado como um Estado colonial ocupante”, afirma Haidar Eid

Haidar Eid é professor associado da Universidade Al-Aqsa, em Gaza, a única pública no enclave palestino. Ensinava literatura no campus da Cidade de Gaza, que foi bombardeado por Israel, assim como a sua casa, localizada a pouca distância da universidade. Na guerra que já deixou quase 38.000 mortos, perdeu colegas do Departamento de Literatura Inglesa e vários de seus estudantes. Em dezembro passado, conseguiu sair vivo da Faixa, junto com sua família, e agora está na África do Sul, de onde fala com El Diario.

“Temos nove universidades em Gaza e todas foram destruídas. “Israel destruiu mais de 70% das casas em Gaza, instituições, hospitais, escolas”, denuncia Eid, afirmando que o objetivo dos dirigentes israelenses é que “não haja qualquer possibilidade de uma vida normal em Gaza, durante um longo período, mesmo quando vier um cessar-fogo”. No entanto, mostra-se confiante em que os habitantes de Gaza vão “reabrir universidades, reconstruir escolas, hospitais, fábricas e todas as instituições”. E que ele próprio e todos os deslocados poderão retornar às suas casas, não só em Gaza, mas nos locais de onde os seus antepassados foram expulsos, em 1948, com a criação do Estado de Israel.

“A desesperança não é uma opção para nós. A desesperança é um luxo que não podemos nos permitir”, afirma. Eid publicou em espanhol o livro Descolonizando la mente palestina (Verso Libros), com a sua visão sobre a “única solução” possível para acabar com o “apartheid” imposto por Israel na Palestina.

<><> Eis a entrevista.

·        Em seu livro, defende que o estabelecimento de um Estado palestino independente é impossível. Considera que esta possibilidade é ainda mais remota após oito meses de guerra em Gaza?

É impossível estabelecer um Estado palestino independente nas fronteiras de 1967, em Gaza e na Cisjordânia. E isto porque Israel teve sucesso no momento de aniquilar a solução de dois Estados. Israel tomou todas as medidas para tornar literalmente impossível o estabelecimento de um Estado palestino independente em 22% da Palestina histórica.

Primeiro, a maior parte das terras [palestinas] na Cisjordânia foram expropriadas e anexadas pelos israelenses. Além disso, Israel construiu um muro de apartheid para separar palestinos de palestinos e transformou Gaza em um campo de concentração. Onde é que os palestinos vão estabelecer o seu Estado independente?

Segundo, mesmo que conseguíssemos estabelecer um Estado palestino independente, o que aconteceria com o direito ao retorno dos refugiados palestinos? Para onde irão? De acordo com a lei internacional, temos o direito de retornar e ser compensados.

Terceiro, há 1,4 milhão de palestinos nativos, que vivem em Israel, que são tratados como cidadãos de terceira classe, com a aplicação de leis do apartheid, assim como acontecia com os negros na África do Sul [antes do fim do sistema de segregação racial].

Por tudo isso, considero que a independência é uma falácia e proponho uma solução alternativa, que é a de um único Estado democrático, entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. É necessário reformular a libertação dos palestinos para que inclua o marco conceitual da descolonização e, por isso, o título do meu livro é: Descolonizando a mente palestina.

·        Considera que o reconhecimento do Estado palestino, por parte da Espanha e outros países, é positivo ou contraproducente neste momento?

É um passo, mas a longo prazo não ajuda no processo de descolonização, que é um processo radical dirigido às principais estruturas coloniais sionistas de ocupação e apartheid. Um Estado palestino independente [estabelecido] em um pequeno pedaço de terra na Palestina não pode fazer isso.

Temos de levantar a questão da autodeterminação do povo palestino, o que não significa necessariamente um bantustão [área reservada à população negra durante o apartheid na África do Sul]. A autodeterminação significa: direito ao retorno dos refugiados palestinos; igualdade; fim do apartheid e do colonialismo de assentamentos na Palestina.

Por que o governo espanhol continua tendo relações diplomáticas com o apartheid israelense? Como o governo espanhol interpreta o direito do povo palestino à autodeterminação, garantido pelo direito internacional?

Entendo que o governo espanhol respeita o direito internacional, caso contrário, não teria decidido se unir ao [procedimento aberto após o processo contra Israel pelo] governo da África do Sul. O direito internacional exige que os Estados de apartheid sejam isolados, por isso queremos que o governo espanhol boicote Israel, que lhe imponha um embargo militar.

A Espanha deu passos importantes e nós agradecemos, mas não é o suficiente: tem de isolar Israel e cortar todas as relações, como fez – por exemplo – o governo da Colômbia e como fez a comunidade internacional com o Estado de apartheid sul-africano. O governo espanhol pode fazer parte de um movimento que coloque fim ao genocídio em Gaza, posicionando-se do lado certo da história.

·        Tanto a Espanha como a maior parte da comunidade internacional desempoeiraram a solução de dois Estados por causa do atual conflito em Gaza. Qual é a sua opinião a esse respeito?

A ideia de dois Estados é uma ideia sionista. É uma ideia que foi criada por um sionismo “suave” ou “prático”, que se traduz na bantustanização dos territórios ocupados em 1967 [por Israel]. A classe dirigente sionista conseguiu convencer a comunidade internacional e os dirigentes palestinos oficiais de que esta é a única solução.

solução de dois Estados é uma solução racista por excelência, porque significa que os palestinos têm o direito de estabelecer o seu Estado independente, separados dos israelenses judeus. Ou seja, os palestinos muçulmanos e cristãos viveriam em 22% da Palestina histórica e os judeus em 78% do território.

O que existe nesse momento sobre o terreno é um único Estado. Pode a comunidade internacional dizer a nós, palestinos, onde vamos estabelecer o nosso Estado independente? É claro, não há resposta. A solução de dois Estados reforça o apartheid e o colonialismo na Palestina.

·        Você considera que a solução de um único Estado para palestinos e israelenses será possível algum dia?

Quando nos anos 1980 pedíamos a libertação de Nelson Mandela, o fim do apartheid na África do Sul e que o país fosse para todos os seus habitantes, algumas pessoas perguntavam: Isso é possível?

Com a campanha BDS (boicote, desinvestimento e sanções), com o embargo militar, com a mobilização em massa na África do Sul, com a pressão sobre o regime de apartheid branco... Em 1994, Nelson Mandela se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul multirracial.

Embora este momento histórico seja muito sombrio e tantas pessoas – crianças e mulheres – estão sendo assassinadas em Gaza, acredito firmemente que este é o começo do fim do projeto sionista na Palestina. Contudo, o preço é extremamente alto e nós o estamos pagando.

·        Os próprios palestinos querem um só Estado, democrático e secular, compartilhado com os israelenses?

Os palestinos pedem que os seus direitos sejam aplicados, o direito à autodeterminação, e a solução de dois Estados contradiz a autodeterminação. A maioria dos palestinos apoia as reivindicações do movimento BDS, que é um movimento de direitos, não oferece uma solução política [para o conflito].

Precisamos de uma liderança que tenha uma visão muito clara e possa dizer aos palestinos: “Esta é a solução”. E que nos leve até o momento histórico em que o apartheid e o colonialismo na Palestina entrem em colapso. Por isso, eu sou um ativista do movimento BDS e da campanha a favor da solução de um só Estado, mas se alguém pode propor uma alternativa que garanta o nosso direito à autodeterminação, será bem-vindo.

·        O que os líderes e o povo palestino podem aprender com a experiência sul-africana e que erros devem evitar?

Os nossos líderes não aprenderam a lição do movimento anti-apartheid. O problema com todas as iniciativas de paz, incluída a de estabelecer um Estado independente, é que ignoram o fato de que Israel foi formado como um Estado colonial ocupante.

Na África do Sul, Nelson Mandela e todos os líderes entenderam que os negros sul-africanos não podiam coexistir com o racismo e o apartheid. Nossos líderes não entenderam a questão. Nós, palestinos, como população nativa, podemos oferecer aos colonos a cidadania em igualdade de condições, como aconteceu com os brancos na África do Sul.

Na Palestina, temos de levantar a questão da igualdade, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Na África do Sul, nunca renunciaram a igualdade [entre negros e brancos]. Nelson Mandela passou 27 anos na prisão e nunca comprometeu o fim do apartheid, a igualdade.

Nossa liderança falhou no momento de aprender essa lição histórica, por isso precisamos de uma nova liderança com uma visão política que lute pela igualdade, a liberdade e a justiça. Estou falando de uma liderança que represente todos os palestinos: os palestinos nos territórios ocupados, os palestinos-israelenses e os refugiados, um total de 14 milhões.

Israel atua como uma potência colonial em Gaza e na Cisjordânia e os líderes palestinos administram apenas os habitantes de Gaza e da Cisjordânia como se fossem todo o povo palestino, mas o povo palestino também é composto pelos palestinos de 1948 e entre 5 e 6 milhões de palestinos na diáspora. Os líderes palestinos ignoram as desigualdades e as injustiças que Israel infligiu aos palestinos, nos últimos cem anos.

 

¨      Netanyahu: acordo deve permitir que Israel retome combates na Faixa de Gaza

Qualquer acordo de cessar-fogo em Gaza deve permitir que Israel retome os combates até que seus objetivos sejam alcançados, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu neste domingo (7), enquanto se espera que as negociações sobre um plano dos EUA destinado a encerrar a guerra de nove meses sejam reiniciadas.

Cinco dias depois de o Hamas ter aceitado uma parte fundamental do plano, dois responsáveis ​​do grupo militante palestino disseram que o grupo estava aguardando a resposta de Israel à sua última proposta.

Netanyahu estava programado para realizar consultas na noite deste domingo (7) sobre os próximos passos na negociação do plano de três fases que foi apresentado em maio pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e está sendo mediado pelo Catar e pelo Egito.

O objetivo é acabar com a guerra e libertar cerca de 120 reféns israelenses detidos em Gaza.

O Hamas abandonou uma exigência fundamental de que Israel primeiro se comprometesse com um cessar-fogo permanente antes de assinar um acordo. Em vez disso, disse que permitiria negociações para alcançar esse objetivo durante a primeira fase de seis semanas, disse uma fonte do Hamas à Reuters no sábado (6), sob condição de anonimato.

Mas Netanyahu disse insistir que o acordo não deve impedir Israel de retomar os combates até que os seus objetivos de guerra sejam alcançados. Esses objetivos foram definidos no início da guerra como o desmantelamento das capacidades militares e governativas do Hamas, bem como o retorno dos reféns.

“O plano que foi acordado por Israel e que foi bem recebido pelo presidente Biden permitirá que Israel devolva os reféns sem infringir os outros objetivos da guerra”, disse Netanyahu.

O acordo, disse ele, também deve proibir o contrabando de armas para o Hamas através da fronteira Gaza-Egito e não deve permitir que milhares de militantes armados regressem ao norte de Gaza.

O diretor da Agência Central de Inteligência dos EUA, William Burns, se reunirá com o primeiro-ministro do Catar e os chefes de inteligência israelense e egípcio na quarta-feira em Doha, disse uma fonte familiarizada com o assunto que pediu para não ser identificada.

Burns também deverá visitar o Cairo esta semana, juntamente com uma delegação israelense, informou a TV egípcia Al Qahera News neste domingo, citando uma fonte de alto escalão.

Uma autoridade palestina próxima às negociações disse que a proposta poderia levar a um acordo-quadro se fosse adotada por Israel e poria fim à guerra.

“Deixamos a nossa resposta com os mediadores e estamos aguardando para ouvir a resposta da ocupação”, disse um dos dois responsáveis ​​do Hamas à Reuters, pedindo para não ser identificado.

Outra autoridade palestina com conhecimento das deliberações do cessar-fogo disse que Israel estava em negociações com os cataris e que se esperava uma resposta dentro de alguns dias.

<><> Protestos em Israel

Em Israel, os manifestantes saíram às ruas de todo o país para pressionar o governo a concordar com o acordo de cessar-fogo em Gaza, que traria de volta os reféns ainda detidos em Gaza.

Eles bloquearam o trânsito na hora do rush nos principais cruzamentos do país, fizeram piquetes nas casas de políticos e incendiaram brevemente pneus na principal rodovia Tel Aviv-Jerusalém antes que a polícia liberasse o caminho.

Em Gaza, autoridades de saúde palestinas disseram que pelo menos 15 pessoas foram mortas em ataques israelenses.

Entre eles estavam Ehab Al-Ghussein, o vice-ministro do Trabalho nomeado pelo Hamas, cuja esposa e filhos foram mortos em maio, e três outras pessoas mortas num ataque a uma escola gerida por uma igreja no oeste da Cidade de Gaza que abrigava famílias, a mídia do Hamas e o Serviço de Emergência Civil disse.

Os militares israelenses disseram que depois de tomarem medidas para minimizar o risco de civis serem feridos no local, atacaram militantes que estavam escondidos na escola, bem como numa instalação nas proximidades onde as armas eram fabricadas.

Nas zonas centro e norte de Rafah, na fronteira sul de Gaza com o Egito, os tanques israelenses aprofundaram os seus ataques. Autoridades de saúde disseram ter recuperado três corpos de palestinos mortos por fogo israelense na parte oriental da cidade.

Os braços armados do Hamas e da Jihad Islâmica, um grupo militante aliado, disseram que os combatentes atacaram as forças israelenses em vários locais da Faixa de Gaza com foguetes antitanque e morteiros.

Os militares israelenses disseram que as suas forças mataram 30 homens armados em Rafah no último dia e que um dos seus soldados foi morto em combate.

Em Shejaia, um subúrbio a leste da Cidade de Gaza, os militares afirmaram que as suas forças mataram vários homens armados e localizaram armas e explosivos. Publicou um vídeo de drone mostrando homens armados, alguns parecendo feridos ou mortos, em uma casa.

A Reuters não conseguiu verificar imediatamente o vídeo.

O conflito foi desencadeado em 7 de outubro, quando combatentes liderados pelo Hamas, que controlava Gaza, atacaram o sul de Israel, matando 1.200 pessoas e fazendo cerca de 250 reféns, segundo dados israelenses.

Mais de 38 mil palestinos foram mortos no ataque militar de Israel, segundo autoridades de saúde de Gaza, e o enclave costeiro foi em grande parte reduzido a escombros.

O Ministério da Saúde de Gaza não faz distinção entre combatentes e não combatentes, mas as autoridades dizem que a maioria dos mortos durante a guerra foram civis. Israel perdeu 324 soldados em Gaza e afirma que pelo menos um terço dos palestinos mortos são combatentes.

 

Fonte: Entrevista para Francesca Cicardi, no El Diario - tradução do Cepat, para IHU/CNN Brasil

 

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