sábado, 20 de julho de 2024

Negligência das Forças Armadas coloca Brasil em perigo em meio à transição geopolítica, diz deputado

Venda da empresa nacional de defesa Avibras escancara ausência de política de defesa no Brasil, disse o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança à Sputnik Brasil. Para ele, descaso do governo federal e das Forças Armadas é responsável pela entrega de tecnologia e mão de obra brasileiras ao capital estrangeiro.

O processo de venda da empresa de defesa brasileira Avibras ganhou novos contornos com a recente visita do comandante do Exército brasileiro, Tomás Paiva, à China. Durante sua estadia em Pequim, o brasileiro visitou a empresa do setor de defesa Norinco, interessada em adquirir 49% da empresa estratégica sediada em São José dos Campos.

Para o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), vice-líder da Minoria na Câmara, o Brasil perde ao conceder a Avibras ao capital estrangeiro. Para ele, a venda da empresa entregará tecnologia e mão de obra qualificada brasileiras, contribuindo para a vulnerabilidade estratégica do país.

"Sou contra a venda da Avibras no sentido de ela sair da mão de brasileiros. É importante que tenhamos tecnologia nacional bélica", disse o deputado à Sputnik Brasil. "O nosso poder dissuasório é justamente ter tecnologia e poder fabricá-la. […] Ficaremos sem os engenheiros e sem a tecnologia. São décadas que se perdem."

O desmantelamento da indústria de defesa brasileira relega o país ao papel de importador de equipamento bélico estrangeiro obsoleto, acredita o parlamentar. Para ele, o Brasil "vira um repositório de tecnologia ultrapassada", já que "nenhum país em sã consciência exporta tecnologia bélica" de ponta: "Nunca é o estado da arte. É sempre o enferrujado, o velho, o defasado que se vende para nós".

"Agora a Avibras está numa situação falimentar por questões do Brasil. Todo país que tem indústria de defesa tem linhas de financiamento. No Brasil, não temos linha de crédito nenhuma. Então a empresa nacional nesse setor de defesa está exclusivamente dependente do seu fluxo de caixa", explicou o deputado Luiz Philippe. "Comparado com os outros países que têm indústria de defesa, já entra para o jogo com uma deficiência muito grande."

De fato, as principais potências militares contam com fontes públicas e privadas de financiamento para a sua indústria de defesa. Elas proporcionam linhas de crédito, garantias e outras facilidades para apoiar a operação de empresas do setor militar. Segundo o deputado, o Brasil não fornece nem orçamento público, nem financiamento privado para sua indústria nacional de defesa.

"No Brasil, os bancos têm medo de financiar indústria de defesa, porque agentes externos, que são os capitalizadores dos bancos nacionais, falam o seguinte: 'Não financiem a defesa'", revelou o deputado Luiz Phillipe. "Os bancos privados brasileiros simplesmente negam qualquer tipo de adiantamento ou garantias para empresas que estão lidando com produtos de defesa. E o governo não tem orçamento nenhum nessa linha."

Apesar de ser membro da Frente Parlamentar Mista pelo Livre Mercado (FPLM), o deputado reconhece o papel central que o Estado tem no desenvolvimento de capacidades militares e indústrias de defesa.

"A indústria de defesa não é um mercado livre. A indústria de defesa é um mercado fechado. […] Digo categoricamente que a indústria de defesa é estratégica e, por isso, não pode ser abandonada pelo Estado", declarou Luiz Philippe de Orleans. "Se o Brasil deixar a indústria de defesa agir em liberdade e não a influenciar, então será o único país a fazer isso. E os outros países ou vão boicotar, ou não ajudar a indústria de defesa nacional brasileira."

Entre os seis países continentais do mundo — Brasil, Índia, China, Rússia, EUA e Canadá — o Brasil seria o único a negligenciar sua indústria de defesa, demonstrando descaso com a proteção de suas fronteiras terrestre, marítima, aérea, aeroespacial, cibernética e nuclear, disse o deputado.

"Na minha análise, nós não temos defesa. A verdade é esta: não temos uma política de segurança nacional", lamentou o deputado. "Não garantimos as nossas fronteiras, que são porosas e completamente abertas. Isso se reflete nos 50 mil mortos por ano, no aumento do contrabando e do narcotráfico. Porque não há defesa das fronteiras."

Além do desengajamento do governo federal, o deputado aponta para o desvio de funções das Forças Armadas como um obstáculo estrutural ao desenvolvimento da política de defesa do Brasil.

"Historicamente, com o golpe de 1889 que criou a República, os militares da noite para o dia se transformaram de uma força imperial de defesa externa em uma oligarquia política de interferência interna", argumentou Luiz Philippe. "Eles não têm mais função externa, e deveriam ter."

Para o deputado, o engajamento das Forças Armadas em atividades internas "é uma falácia" refletida na estrutura dos gastos de defesa brasileiros, destinados prioritariamente para "as aposentadorias dos generais", em detrimento da indústria de defesa.

"São centenas de bilhões [de reais] jogados para cabide de emprego. Na minha percepção, [os militares] estão mais parecidos com funcionários públicos concursados comuns do que com uma força militar", asseverou Luiz Philippe. "Temos uma subversão muito grande das Forças Armadas, que não pensam fora do Brasil, mas sim dentro da caixinha de interesses pessoais e locais, como um grupo político interno."

A deficiência brasileira na área de defesa seria ainda mais nociva no contexto geopolítico atual, classificado pelo parlamentar como crescentemente anárquico.

"Não que eu ache a anarquia internacional algo ruim - é melhor do que viver sob a hegemonia que existia antes, na qual um país mandava no mundo", notou Luiz Philippe. "Eu acho que a anarquia é saudável, mas para viver em anarquia você precisa ser forte."

O parlamentar citou EUA, China, Índia e Rússia como países que investem nas suas indústrias de defesa, com consequências positivas sobre a formação de mão de obra qualificada, soberania tecnológica e, claro, capacidade militar.

"Vemos que a Rússia se defende muito bem e tem uma relevância tecnológica no mundo hoje, exatamente por causa do investimento na indústria de defesa. Isso torna a Rússia um player global, ainda que, em termos econômicos e comerciais, não seja tão importante assim", considerou o deputado. "Já o Brasil, que tem relevância comercial na parte de commodities, não tem nenhuma estratégia coesa de defesa."

O parlamentar notou o desenvolvimento do programa espacial de Índia e China, países que "há 30 anos atrás eram mais pobres do que o Brasil": "Então a verdade é que desandamos mesmo. E o setor de defesa seria primordial para nos desenvolvermos."

Com décadas turbulentas na arena internacional pela frente, o Brasil precisará de muito planejamento para forjar e executar uma política de defesa à altura do país, acredita o deputado.

"Mas o único planejamento que querem fazer [no Brasil] é para garantir as aposentadorias dos quadros funcionais, que, convenhamos, vão todos se aposentar muito bem. Infelizmente nossos gastos com defesa hoje são inócuos, e isso representa um grande perigo para nós", concluiu o deputado Luiz Philippe de Orleans.

O governo federal, em parceria com o Itamaraty e setores do Judiciário, negocia a venda da empresa brasileira Avibras a empresas estrangeiras, reportou a Folha de S.Paulo. Além da empresa chinesa Norinco, grupos de Austrália e Emirados Árabes Unidos manifestaram interesse na empresa brasileira, pioneira no desenvolvimento de mísseis de cruzeiro e foguetes utilizados pelo Exército do Brasil.

¨      Primeiro drone de combate do Brasil impulsiona a indústria de defesa do país, diz analista

O Brasil está perto de ter seu primeiro drone de combate equipado com míssil, o que colocará o país na vanguarda do setor na América Latina. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista destaca que a notícia sinaliza o fortalecimento da indústria de defesa nacional.

O Brasil está perto de ter seu primeiro drone de combate. Produzido desde 2022 pela fabricante brasileira Xmobots, o drone de monitoramento Nauru 1000C terá sua primeira versão armada com dois mísseis.

Segundo o CEO da empresa, Giovani Amianti, a versão armada começou a ser desenvolvida em 2023. Os testes com o modelo estão previstos para começar em 2025. Se os testes forem bem-sucedidos, podem colocar o Brasil na vanguarda da produção de drones de combate.

Em entrevista à Sputnik Brasil, João Gabriel Burmann, professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), explicou o que a fabricação do modelo armado significa para o desenvolvimento da indústria de defesa nacional e como aprimora o potencial defensivo do Exército Brasileiro.

Burmann afirma que a fabricação do Nauru 1000C pela Xmobots é um bom exemplo de uma companhia nacional que conseguiu desenvolver uma aeronave a partir de uma tecnologia autônoma e nacional de maneira inovadora e assimétrica.

"Ou seja, apostando não no topo da escala de desenvolvimento tecnológico, de inovação tecnológica, mas naquilo que ela [Xmobots] seria capaz de fazer, naquilo que ela já tem alguma expertise", afirma.

Ele diz considerar a notícia do modelo armado "um grande exemplo de que existe viabilidade para a produção nacional de armamentos, especialmente de sistemas de defesa que busquem incorporar inovações".

"Inovações que muitas vezes já são produzidas dentro da academia brasileira, tanto civil quanto militar, e que muitas vezes vão direto para o exterior — esses profissionais, porque não encontram um ecossistema melhor desenvolvido aqui dentro do país", argumenta.

Nesse contexto, ele afirma que a fabricação do Nauru 1000C e agora a criação do modelo armado "é um bom sinal de fortalecimento da indústria nacional".

"Isso também é um interesse renovado, é um interesse antigo já das Forças Armadas que nos últimos anos foi um pouco deixado de lado, mas que desde o último governo, desde o início agora deste último governo, do governo Lula 3, desde o ano passado, tem novamente tentado estimular o mercado de defesa nacional, seja de joint ventures, seja através do desenvolvimento de alguns produtos disruptivos, ou seja, de tecnologias disruptivas."

Ele diz esperar que o desenvolvimento desse novo drone de combate passe um sinal positivo para o resto da Base Industrial de Defesa [BID] do país, sobretudo em um momento em que se discute até quando e o quanto o governo brasileiro vai abrir mão do conhecimento da tecnologia que existe na Avibras, que ele afirma ser um "grande exemplo de uma indústria de defesa nacional privada", mas que "está com processo de falência declarado".

Questionado sobre quanto o Exército Brasileiro ganha em potencial defensivo com esse tipo de armamento, Burmann destaca que antes é importante ter em mente o quanto a nova tecnologia vai ser incorporada, em que tipo de unidade "e como isso se adéqua à própria doutrina de emprego de aeronaves remotamente tripuladas, no Brasil chamadas RPAS [SARP, em português: Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas]".

"Tem que ver como isso vai se adequar à doutrina dos RPAS brasileiros. Até onde eu sei não existe ainda uma doutrina pronta com relação ao emprego de RPAS de combate ou que possam empregar mísseis. Simplesmente pelo fato de que isso ainda não foi utilizado, não se aventava essa possibilidade", explica.

Ele afirma que, por ser um tipo de armamento leve e pequeno e pelo fato de o Brasil não estar envolvido em nenhum conflito armado, é possível que o Nauru 1000C seja empregado em ações de monitoramento e vigilância, como o patrulhamento das fronteiras do país.

"Então é incorporar esse tipo de sistema em regiões de fronteira. Além de toda a função principal do drone, que é a questão da vigilância, da coleta e transmissão de dados através de imagem, sem necessariamente a presença de um posto avançado, de um efetivo, de pessoas lá naquele lugar, ele tem esse fator de poder eventualmente realizar um disparo contra algum veículo que adentre as nossas fronteiras, que apresente alguma ameaça à nossa soberania. Isso muito provavelmente seria algum tipo de veículo carregando drogas ou utilizado pelo crime organizado."

Burmann enfatiza que ainda será preciso recorrer a parcerias internacionais para ampliar esse tipo de tecnologia.

"Eu acredito que no momento ainda é muito importante, ainda é extremamente importante, esse tipo de cooperação, essas joint ventures, ou então até mesmo a capacidade de adquirir sistemas ou componentes de sistemas para poder incorporar esses novos produtos. Nesse caso dos drones de combate, acho que o principal óbice para que o produto seja totalmente nacional é a questão dos mísseis. O Brasil tem uma produção de mísseis embarcados, ou seja, mísseis disparados do ar, que até onde eu sei é muito pouca, senão inexistente."

Ele enfatiza que o míssil que será disparado do Nauru 1000C será produzido pela MBDA, "que é uma joint venture, um projeto multinacional europeu".

"E, nesse sentido, acho que ainda é necessário [parcerias], porque provavelmente é um míssil bastante pequeno, com uma aerodinâmica específica para poder ser equipado nesse drone."

Ele afirma que essa tecnologia, ao começar a ser operada no país, no futuro pode levar a indústria brasileira a ter a expertise necessária para desenvolver projetos próprios e fazer adaptações.

"Isso obviamente depende também das condições do contrato, se esse contrato vem com a possibilidade de transferência de tecnologia ou não. Mas geralmente o Brasil tem por hábito fazer contratos com cláusulas offset em que existe algum tipo de contrapartida, seja através da transferência de tecnologia ou a aquisição de algum produto nacional brasileiro. Então, no momento, ainda é necessário isso [parcerias], mas é um projeto, é o planejamento de parte da indústria conseguir ao longo do tempo incorporar essas tecnologias através de diversos mecanismos. Um deles é a transferência de tecnologia", conclui.

¨      Ministro da Defesa pede a Haddad que orçamento de militares não sofra cortes

O ministro da Defesa, José Mucio, pediu nesta quarta-feira (17), em reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o governo evite cortes no orçamento das Forças Armadas em 2024.

De acordo com o site Poder360, o encontro ocorreu no Palácio do Planalto, com a participação da equipe técnica de Mucio, que apresentou dados sobre a evolução de gastos e investimentos com militares ao longo dos anos.

O ministro da Defesa já havia abordado o tema com Lula e representantes da Casa Civil, segundo a matéria, mas faltava "levar o pleito a Haddad".

Em junho, a equipe econômica anunciou que seria realizado um corte de gastos de R$ 25,9 bilhões em 2025 relacionado a benefícios sociais e aos ministérios. Haddad disse que algumas das medidas poderiam ser antecipadas ainda neste ano.

Os bloqueios no orçamento visam atingir as regras propostas pelo novo marco fiscal e ocorrem quando as despesas estão próximas de superar o teto estabelecido. O contingenciamento diz respeito só aos gastos não obrigatórios, ou discricionários, geralmente usados como investimentos.

·        Gastos com militares

Um novo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o gasto com militares da reserva aumentou 84,6% nos últimos dez anos, de R$ 31,85 bilhões em 2014 para R$ 58,8 bilhões em 2023, aumentando o déficit orçamentário causado pelo pessoal inativo.

Um trabalhador do setor privado, assegurado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), gera ao governo um déficit per capita de R$ 9,42 mil, criado pela diferença entre quanto é arrecadado por impostos em sua folha de pagamento e quanto é pago aos atuais aposentados e pensionistas. Já um servidor público federal, que conta com seu próprio sistema, apresenta um déficit de R$ 68,79 mil por cada assegurado.

Em comparação, os militares da reserva causam um rombo de R$ 158,8 mil por pessoa, cerca de 16 vezes mais do que um aposentado pelo INSS.

Ao entrar na reserva, um membro das Forças Armadas tem direito a receber seu último salário de forma integral, chegando a R$ 37 mil para o último escalão, enquanto um civil fica limitado ao teto previdenciário de R$ 7.786,02.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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