segunda-feira, 22 de julho de 2024

MURO DE MARACAÍPE OCULTA GRILAGEM E IMPACTOS AMBIENTAIS, APONTAM AUTORIDADES FEDERAIS

Muito tem se falado sobre o muro erguido pela família Fragoso no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca, no Litoral Sul, cartão postal e um dos destinos mais desejados de Pernambuco. Mas sobram perguntas em relação ao que permitiu que uma barreira de 576 metros de extensão fosse construída com o uso de máquinas pesadas numa área ecologicamente sensível, de manguezal e desova de tartarugas marinhas.

Para responder a essa e outras questões, a Marco Zero começa hoje a publicar a série Por trás do muro de Maracaípe. Serão três reportagens para ligar os pontos, reconstituir a linha do tempo e revelar detalhes e fatos do caso ainda desconhecidos do grande público.

Os turistas que chegam ao pontal, na foz do Rio Maracaípe, têm dificuldade de entender o que faz ali uma barreira como aquela, de troncos de coqueiro fincados na areia, atrapalhando o passeio. Além do turismo, há outro aspecto impactado pelo muro dos Fragoso: o do meio ambiente. A equipe de reportagem teve acesso aos relatórios do Ibama e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) sobre a execução da obra. E eles são contundentes: apontam um conjunto de irregularidades ambientais e a grilagem de terras da União.

“As autorizações da CPRH devem ser canceladas de imediato, o empreendedor deve ser penalizado e o Pontal de Maracaípe deve retornar ao status original antes da fatídica construção, com a remoção do muro e todos os seus entulhos e resíduos, tendo em vista os inúmeros danos ambientais que essa obra causa a cada dia que ali permanece”, posicionou-se o Ibama.

Já a SPU identificou que, ao patrocinar a construção do muro, o empresário João Vita Fragoso avançou a cerca sobre terras da União e ocupou, de forma indevida, pouco mais de mil metros quadrados. “A infração consiste na ocupação irregular em área de domínio da União, no Pontal de Maracaípe, em decorrência da construção de muro de contenção e a realização de aterro com areia, além dos limites legais do lote, ocupando irregularmente 1.089,61 m²”.

•        Leia o relatório da SPU:

Por conta disso, o empresário foi multado em R$ 124 mil. Diz o auto de infração: “às 10h do dia 27 de março de 2024, compareceu o representante da SPU, tendo constatado a realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo”.

Para aferir quantos metros quadrados foram ocupados sem permissão, o órgão fez um levantamento georreferenciado para delimitar a área total da ocupação hoje, e compará-la com dados cadastrais do imóvel listados no Sistema de Gestão Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Foi usada uma base de R$ 114,02 para cada metro quadrado cercado de forma indevida, para definir o valor da multa.

A SPU é vinculada ao ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, com a função de fiscalizar e zelar para que sejam mantidos o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União.

•        Leia a íntegra do auto de infração:

SEIS IRREGULARIDADES E CINCO INFRAÇÕES AMBIENTAIS

Onze problemas identificados, dos quais seis são classificados como irregularidades e cinco são infrações contra o meio ambiente. Este é o resultado a que o Ibama chegou, após fazer vistoria técnica no local, em dezembro de 2023. A inspeção aconteceu por conta de três provocações: denúncia da Associação dos Moradores e Pescadores das Áreas de Mangue de Ipojuca, solicitação da senadora Teresa Leitão (PT) e, posteriormente, pedido da deputada estadual Rosa Amorim (PT).

Um dos principais objetivos da equipe do órgão federal era averiguar se, de fato, estava em curso, naquele ponto do litoral, algum processo de erosão marinha que justificasse intervenção de tal porte. O resultado, para os analistas ambientais, foi desanimador: é justamente a presença de uma barreira artificial como aquela que pode provocar erosão marinha.

“Foram obtidas imagens aéreas RGB [os sensores com sistema de cores RGB – Red, Green and Blue -, é um dos mais comuns em captação de imagens]de alta resolução, conforme disponibilidade no aplicativo Google Earth, dentro do período de 2010 a 2022, bem como imagens multiespectrais da Planet [empresa que possui a maior rede satélites em órbita], obtidas no âmbito do Programa Brasil Mais, a partir de mosaicos mensais produzidos para 2018, anterior em 5 anos em relação ao momento em que foi realizada essa diligência”, fundamentaram em relatório os técnicos.

RESUMO DA VISTORIA DO IBAMA

•        Muro cuja extensão é mais de duas vezes maior do que o permitido na autorização da CPRH, de 250 metros;

•        Inexistência de erosão costeira, razão que foi alegada pelo empresário para solicitar a autorização ambiental para a construção do muro;

•        Poluição ambiental na praia, no estuário e mangue, causando impacto em unidade de conservação, com o agravante da área ser local para desovas de tartarugas marinhas;

•        Impactos na dinâmica costeira, com a gravidade de o muro ter sido erguido na foz do Rio Maracaípe, importante ecossistema que deposita sedimentos na praia;

•        Inexistência de estudo de impacto ambiental obrigatório. O instrumento da “autorização” utilizado pela CPRH é ágil e simplificado, não indicado para o caso em questão;

•        Desconhecimento da ciência costeira. Ao cortar no meio o sistema praial, a barreira impede o depósito de sedimentos na parte alta da praia. Esse acúmulo é essencial para impedir a erosão em épocas de ondas mais fortes;

•        Evidentes falhas de execução e inexistência de informações sobre a empresa responsável. “Obra mal feita, com a linha de troncos deslocadas da posição perpendicular, ora inclinados em direção à restinga, ora inclinados em direção à praia. Tal situação oferece risco à vida dos transeuntes, principalmente nas marés mais altas”.

ESTADO RECORRE, MAS AGUARDA A JUSTIÇA

Após a determinação da CPRH para que o muro fosse removido, em maio deste ano, o empresário conseguiu na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ipojuca uma liminar determinando que a agência se abstivesse de agir para retirar a barreira de troncos de coqueiros de quase 600 metros. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) recorreu ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e teve negado o pedido de liminar para reverter a decisão da primeira instância.

No momento, está em curso o prazo para que o empresário apresente suas contrarrazões. O mérito do recurso do Governo do Estado ainda será julgado pela 1ª Câmara de Direito Público. O colegiado é formado por três desembargadores: Fernando Cerqueira Norberto dos Santos, Jorge Américo Pereira de Lira e Erik de Sousa Dantas Simões.

<><><> LINHA DO TEMPO

•        2020

Surgem as primeiras denúncias de que a comunidade vem tendo o acesso à área impedido pela família Fragoso e seguranças armados. Cercas foram erguidas dentro do manguezal. A informação consta no inquérito aberto pelo Ministério Público Federal (MPF).

•        Julho de 2022

A CPRH concede autorização, válida por 01 ano, para a construção de muro de 250 metros de extensão, feito de troncos de coqueiros e sacos de ráfia preenchidos com areia. A justificativa do empresário foi a de que ali estaria havendo erosão costeira.

•        Agosto de 2022

O Conselho Pastoral dos Pescadores denuncia que as cercas erguidas em mangue servem unicamente para garantir espaço para proteção de propriedades da família Fragoso.

•        Maio de 2023

Os Ministérios Públicos Federal e de Pernambuco abrem procedimentos para apurar o caso.  A iniciativa é consequência da mobilização do Conselho Pastoral dos Pescadores. A Marco Zero publica a primeira matéria sobre o conflito pelo acesso à praia entre o empresário e barraqueiros. Fogo em barraca, clima de tensão e protesto com repressão da polícia.

•        Julho de 2023

Vistoria in loco da CPRH, já no atual governo. Dois meses depois, a agência renova autorização por mais 01 ano. Detalhe: acrescenta a permissão para o uso também de manta de bidim geotextil.

•        Novembro de 2023

Audiência pública é realizada na Câmara Municipal de Ipojuca, com a presença do Ibama. A senadora Teresa Leitão (PT) se compromete a acionar a Secretaria de Patrimônio da União. Questionados, servidores da CPRH confirmam a autorização para o empresário, mas avisam que a agência vai rever posicionamento.

•        Dezembro de 2023

Vistoria técnica do Ibama identifica irregularidades ambientais e o cometimento de cinco infrações. São elas: executar obra em desacordo com a licença; lançar resíduos em praia e mar; danificar vegetação de restinga; impedir a procriação de tartarugas marinhas e outros animais ameaçadas de extinção; e apresentar informação, estudo, laudo ou relatório total ou parcialmente falso ou omisso.

•        Março de 2024

Fiscalização da SPU constata a ocupação irregular de cerca de mil metros quadrados. É expedido auto de infração de R$ 124 mil em nome do empresário.

•        Maio de 2024

Nova audiência pública é realizada, agora na Assembleia Legislativa de Pernambuco, por convocação das deputadas Dani Portela (PSOL) e Rosa Amorim (PT). Dessa vez, a CPRH é representada pelo presidente José Anchieta dos Santos. Ele anuncia o cancelamento da autorização e o prazo de 10 dias para a retirada do muro.

•        Junho de 2024

A Marco Zero publica a notícia de que a Vara da Fazenda Pública de Ipojuca, a pedido do empresário, notifica a agência ambiental para que não aja em favor da retirada do muro. O Executivo estadual recorre da decisão. O caso será julgado pela 1ª Câmara de Direito Público do TJPE.

 

Fonte: Marco Zero

 

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