MURO DE MARACAÍPE OCULTA GRILAGEM E
IMPACTOS AMBIENTAIS, APONTAM AUTORIDADES FEDERAIS
Muito tem se falado
sobre o muro erguido pela família Fragoso no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca,
no Litoral Sul, cartão postal e um dos destinos mais desejados de Pernambuco.
Mas sobram perguntas em relação ao que permitiu que uma barreira de 576 metros
de extensão fosse construída com o uso de máquinas pesadas numa área
ecologicamente sensível, de manguezal e desova de tartarugas marinhas.
Para responder a essa
e outras questões, a Marco Zero começa hoje a publicar a série Por trás do muro
de Maracaípe. Serão três reportagens para ligar os pontos, reconstituir a linha
do tempo e revelar detalhes e fatos do caso ainda desconhecidos do grande
público.
Os turistas que chegam
ao pontal, na foz do Rio Maracaípe, têm dificuldade de entender o que faz ali
uma barreira como aquela, de troncos de coqueiro fincados na areia,
atrapalhando o passeio. Além do turismo, há outro aspecto impactado pelo muro
dos Fragoso: o do meio ambiente. A equipe de reportagem teve acesso aos
relatórios do Ibama e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) sobre a
execução da obra. E eles são contundentes: apontam um conjunto de
irregularidades ambientais e a grilagem de terras da União.
“As autorizações da
CPRH devem ser canceladas de imediato, o empreendedor deve ser penalizado e o
Pontal de Maracaípe deve retornar ao status original antes da fatídica
construção, com a remoção do muro e todos os seus entulhos e resíduos, tendo em
vista os inúmeros danos ambientais que essa obra causa a cada dia que ali
permanece”, posicionou-se o Ibama.
Já a SPU identificou
que, ao patrocinar a construção do muro, o empresário João Vita Fragoso avançou
a cerca sobre terras da União e ocupou, de forma indevida, pouco mais de mil
metros quadrados. “A infração consiste na ocupação irregular em área de domínio
da União, no Pontal de Maracaípe, em decorrência da construção de muro de
contenção e a realização de aterro com areia, além dos limites legais do lote,
ocupando irregularmente 1.089,61 m²”.
• Leia o relatório da SPU:
Por conta disso, o
empresário foi multado em R$ 124 mil. Diz o auto de infração: “às 10h do dia 27
de março de 2024, compareceu o representante da SPU, tendo constatado a
realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar
ou instalar equipamentos sem prévia autorização ou em desacordo com aquela
concedida, em bens de uso comum do povo”.
Para aferir quantos
metros quadrados foram ocupados sem permissão, o órgão fez um levantamento
georreferenciado para delimitar a área total da ocupação hoje, e compará-la com
dados cadastrais do imóvel listados no Sistema de Gestão Fundiária do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Foi usada uma base de R$
114,02 para cada metro quadrado cercado de forma indevida, para definir o valor
da multa.
A SPU é vinculada ao
ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, com a função de
fiscalizar e zelar para que sejam mantidos o interesse público, o uso e a
integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União.
• Leia a íntegra do auto de infração:
SEIS IRREGULARIDADES E
CINCO INFRAÇÕES AMBIENTAIS
Onze problemas
identificados, dos quais seis são classificados como irregularidades e cinco
são infrações contra o meio ambiente. Este é o resultado a que o Ibama chegou,
após fazer vistoria técnica no local, em dezembro de 2023. A inspeção aconteceu
por conta de três provocações: denúncia da Associação dos Moradores e
Pescadores das Áreas de Mangue de Ipojuca, solicitação da senadora Teresa
Leitão (PT) e, posteriormente, pedido da deputada estadual Rosa Amorim (PT).
Um dos principais
objetivos da equipe do órgão federal era averiguar se, de fato, estava em
curso, naquele ponto do litoral, algum processo de erosão marinha que
justificasse intervenção de tal porte. O resultado, para os analistas
ambientais, foi desanimador: é justamente a presença de uma barreira artificial
como aquela que pode provocar erosão marinha.
“Foram obtidas imagens
aéreas RGB [os sensores com sistema de cores RGB – Red, Green and Blue -, é um
dos mais comuns em captação de imagens]de alta resolução, conforme
disponibilidade no aplicativo Google Earth, dentro do período de 2010 a 2022,
bem como imagens multiespectrais da Planet [empresa que possui a maior rede
satélites em órbita], obtidas no âmbito do Programa Brasil Mais, a partir de
mosaicos mensais produzidos para 2018, anterior em 5 anos em relação ao momento
em que foi realizada essa diligência”, fundamentaram em relatório os técnicos.
RESUMO DA VISTORIA DO
IBAMA
• Muro cuja extensão é mais de duas vezes
maior do que o permitido na autorização da CPRH, de 250 metros;
• Inexistência de erosão costeira, razão
que foi alegada pelo empresário para solicitar a autorização ambiental para a
construção do muro;
• Poluição ambiental na praia, no estuário
e mangue, causando impacto em unidade de conservação, com o agravante da área
ser local para desovas de tartarugas marinhas;
• Impactos na dinâmica costeira, com a
gravidade de o muro ter sido erguido na foz do Rio Maracaípe, importante
ecossistema que deposita sedimentos na praia;
• Inexistência de estudo de impacto
ambiental obrigatório. O instrumento da “autorização” utilizado pela CPRH é
ágil e simplificado, não indicado para o caso em questão;
• Desconhecimento da ciência costeira. Ao
cortar no meio o sistema praial, a barreira impede o depósito de sedimentos na
parte alta da praia. Esse acúmulo é essencial para impedir a erosão em épocas
de ondas mais fortes;
• Evidentes falhas de execução e
inexistência de informações sobre a empresa responsável. “Obra mal feita, com a
linha de troncos deslocadas da posição perpendicular, ora inclinados em direção
à restinga, ora inclinados em direção à praia. Tal situação oferece risco à
vida dos transeuntes, principalmente nas marés mais altas”.
ESTADO RECORRE, MAS
AGUARDA A JUSTIÇA
Após a determinação da
CPRH para que o muro fosse removido, em maio deste ano, o empresário conseguiu
na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ipojuca uma liminar determinando que a
agência se abstivesse de agir para retirar a barreira de troncos de coqueiros
de quase 600 metros. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) recorreu ao Tribunal
de Justiça de Pernambuco (TJPE) e teve negado o pedido de liminar para reverter
a decisão da primeira instância.
No momento, está em
curso o prazo para que o empresário apresente suas contrarrazões. O mérito do
recurso do Governo do Estado ainda será julgado pela 1ª Câmara de Direito
Público. O colegiado é formado por três desembargadores: Fernando Cerqueira
Norberto dos Santos, Jorge Américo Pereira de Lira e Erik de Sousa Dantas
Simões.
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LINHA DO TEMPO
• 2020
Surgem as primeiras
denúncias de que a comunidade vem tendo o acesso à área impedido pela família
Fragoso e seguranças armados. Cercas foram erguidas dentro do manguezal. A
informação consta no inquérito aberto pelo Ministério Público Federal (MPF).
• Julho de 2022
A CPRH concede
autorização, válida por 01 ano, para a construção de muro de 250 metros de
extensão, feito de troncos de coqueiros e sacos de ráfia preenchidos com areia.
A justificativa do empresário foi a de que ali estaria havendo erosão costeira.
• Agosto de 2022
O Conselho Pastoral
dos Pescadores denuncia que as cercas erguidas em mangue servem unicamente para
garantir espaço para proteção de propriedades da família Fragoso.
• Maio de 2023
Os Ministérios
Públicos Federal e de Pernambuco abrem procedimentos para apurar o caso. A iniciativa é consequência da mobilização do
Conselho Pastoral dos Pescadores. A Marco Zero publica a primeira matéria sobre
o conflito pelo acesso à praia entre o empresário e barraqueiros. Fogo em
barraca, clima de tensão e protesto com repressão da polícia.
• Julho de 2023
Vistoria in loco da
CPRH, já no atual governo. Dois meses depois, a agência renova autorização por
mais 01 ano. Detalhe: acrescenta a permissão para o uso também de manta de
bidim geotextil.
• Novembro de 2023
Audiência pública é
realizada na Câmara Municipal de Ipojuca, com a presença do Ibama. A senadora
Teresa Leitão (PT) se compromete a acionar a Secretaria de Patrimônio da União.
Questionados, servidores da CPRH confirmam a autorização para o empresário, mas
avisam que a agência vai rever posicionamento.
• Dezembro de 2023
Vistoria técnica do
Ibama identifica irregularidades ambientais e o cometimento de cinco infrações.
São elas: executar obra em desacordo com a licença; lançar resíduos em praia e
mar; danificar vegetação de restinga; impedir a procriação de tartarugas marinhas
e outros animais ameaçadas de extinção; e apresentar informação, estudo, laudo
ou relatório total ou parcialmente falso ou omisso.
• Março de 2024
Fiscalização da SPU
constata a ocupação irregular de cerca de mil metros quadrados. É expedido auto
de infração de R$ 124 mil em nome do empresário.
• Maio de 2024
Nova audiência pública
é realizada, agora na Assembleia Legislativa de Pernambuco, por convocação das
deputadas Dani Portela (PSOL) e Rosa Amorim (PT). Dessa vez, a CPRH é
representada pelo presidente José Anchieta dos Santos. Ele anuncia o
cancelamento da autorização e o prazo de 10 dias para a retirada do muro.
• Junho de 2024
A Marco Zero publica a
notícia de que a Vara da Fazenda Pública de Ipojuca, a pedido do empresário,
notifica a agência ambiental para que não aja em favor da retirada do muro. O
Executivo estadual recorre da decisão. O caso será julgado pela 1ª Câmara de
Direito Público do TJPE.
Fonte: Marco Zero
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