segunda-feira, 22 de julho de 2024

MSF: Líder da equipe médica descreve horror cotidiano no único hospital funcional no sul de Gaza

Bombardeios e ataques implacáveis das forças israelenses continuam matando centenas de pessoas em Gaza, enquanto profissionais médicos em hospitais estão trabalhando além dos seus limites para tentar prestar assistência às pessoas gravemente feridas. Somente em julho, equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm respondido a múltiplos incidentes com vítimas em massa no hospital Nasser, em Gaza. Javid Abdelmoneim, líder da equipe médica de MSF, conta como foi um dia no último hospital que resta no sul do território.

Nestes incidentes com muitas vítimas, você fica no pronto-socorro pisando em poças de sangue e no meio da multidão.  A sala é barulhenta, dá para sentir o cheiro de sangue em todos os lugares. Muita gente tenta entrar na área de emergência enquanto os seguranças fazem o possível para manter parentes e entes queridos do lado de fora, para não deixar o hospital ainda mais lotado.

No hospital Nasser, oferecemos atendimento cirúrgico, de trauma e cuidados a pacientes queimados.  No sábado, 13 de julho, recebemos centenas de feridos e pessoas que haviam sido mortas em um ataque israelense. O ataque atingiu uma área para a qual, por repetidas vezes, as forças israelenses haviam aconselhado as pessoas a irem. Primeiro percebemos que algo ruim havia ocorrido por causa das enormes explosões que aconteceram muito perto do hospital, como nunca havia acontecido antes. Quase imediatamente depois, ouvimos ambulâncias.

Em pouco tempo, o caos tomou conta do hospital. Nossa equipe correu para o pronto-socorro. Um dos pacientes, uma menina de três anos, estava ferida. Os pais estavam de pé ao lado dela, preocupados enquanto ela olhava diretamente para mim. Ela está respirando e olhando para mim, então deve estar bem, eu pensei. Mas quando eu a descobri, percebi que toda sua coxa esquerda estava com o osso exposto. Virei-me para o próximo paciente, uma mulher coberta de poeira. Conforme me aproximei, ela me olhou e tentei sorrir e me conectar com ela. Ela respirava normalmente, de olhos abertos, e eu não via sangue em nenhum lugar. Mas enquanto eu a descobria, uma parte grande do seu intestino saiu para fora. Como pode ser possível que ela esteja me olhando?, eu pensei.

Alguns segundos depois, as portas se abriram bruscamente. Quatro ou cinco feridos entraram, alguns deles depois de terem recebido atendimento de primeiros-socorros. Entre eles estava um menino que não respirava, então tentamos reanimá-lo, mas a enfermeira nos olhou e perguntou:  “Por que o estamos atendendo se ele não está respirando? Temos que salvar outras vidas”. Ninguém queria desistir e continuar para o próximo paciente. Ele era o filho de alguém. Mas tivemos que ir para o próximo, e depois para o próximo, e isso continuou por mais quatro horas e meia.

Na sala de emergência, havia sangue por todo o piso, e eu tinha que ajoelhar para ver os pacientes que estavam sendo atendidos no chão. Eles estavam espalhados por todos os lugares, porque não havia mais leitos. Senti que meus joelhos estavam ficando molhados de sangue. Ao mesmo tempo, mais e mais pacientes estavam chegando.  

Eu trabalhei em eventos com vítimas em massa em muitas partes do mundo e o cheiro de sangue é o mesmo em todas as partes. Mas aqui em Gaza o horror realmente te atinge. No meio do trabalho, vimos nosso colega, um anestesista de MSF no pronto-socorro. Eu perguntei o que ele estava fazendo lá e porque não estava no centro cirúrgico. “Acabei de ouvir que minha casa foi destruída e minha filha e meu sobrinho estão aqui em algum lugar”, disse. Mais tarde, descobrimos que seu sobrinho havia sido morto. Nossos colegas estão todos afetados pela violência e pela necessidade de deslocamento. Não dá tempo de processar as coisas. Quatro dias depois, enfrentamos outro incidente com vítimas em massa no hospital. Parece interminável.

Nossa equipe médica palestina ainda está aqui, tentando fazer os pacientes pararem de sangrar, tratando de braços quebrados, fazendo cirurgias, mas continuamos perdendo pacientes. Eles estão vivendo isso há nove meses, trabalhando enquanto escutam notícias sobre seus entes queridos sendo mortos. Dizer que estão exaustos e traumatizados não dá conta de descrever as perdas que continuam a sofrer.

Estamos esperando pelo próximo incidente com vítimas em massa. Não existe lugar seguro.

¨      Israel reduz em 94% o fornecimento de água para Gaza e aplica um castigo coletivo de sede e doenças

Não é a primeira nem será a última vez: o Estado de Israel tem usado no ataque contra Gaza iniciado em 07-10-2023 o fornecimento de água como arma de guerra. Os ataques causaram uma destruição generalizada das infraestruturas de dessalinização e saneamento, enquanto as restrições significativas no fornecimento de água através da empresa pública israelense Mekorot deixaram mais de dois milhões de pessoas à beira da sobrevivência. Em Gaza, oito em cada dez poços de água e todas as usinas dessalinizadoras foram destruídas, deixando a cidade quase sem acesso à água potável.

O relatório Water War Crimes, divulgado em 18 de julho pela Oxfam Intermón, confirma que os ataques e as restrições deixaram cada habitante de Gaza com um fornecimento de 4,74 litros por pessoa por dia, pouco mais que o volume de uma descarga de um tanque de banheiro, menos de um terço do mínimo recomendado em situações de emergência.

Os ataques israelenses, segundo o relatório, têm destruído cinco instalações de água e saneamento em Gaza a cada três dias desde o início do massacre. Além das consequências da destruição das instalações, há uma redução de 78% no fornecimento da empresa nacional de águas de Israel (Mekorot).

A destruição de 70% das estações de bombeamento de águas residuais e todas as plantas de tratamento de águas servidas, assim como todos os laboratórios de análise da qualidade da água na Faixa, aumentam o risco de contrair doenças infecciosas, de acordo com a Oxfam.

A ordem emitida pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia exigindo melhorias imediatas no acesso à água e ajuda humanitária foi ignorada, conforme declarou Lama Abdul Samad, especialista em Água e Saneamento da Oxfam, para quem não é surpresa que Israel aplique castigos coletivos e use a fome e a sede como armas de guerra. Uma situação que já está causando vítimas fatais.

 

¨      Corte da ONU: Ocupação israelense na Cisjordânia é ilegal

São ilegais os assentamentos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, territórios palestinos, conforme parecer desta sexta-feira (19/07) da Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais alto tribunal das Nações Unidas.

Ao ler as conclusões do colegiado de 15 juízes, o presidente da corte, Nawaf Salam, afirmou que os assentamentos israelenses, bem como "o regime associado" a eles, "têm sido estabelecidos e estão sendo mantidos em violação do direito internacional", e precisam por isso acabar "o mais rápido possível".

O parecer do CIJ defende ainda a interrupção imediata da construção de assentamentos, a remoção dos assentamentos já existentes e o pagamento de indenizações a palestinos pelos danos causados pela ocupação.

Embora não seja vinculativo, o posicionamento dos juízes tem peso perante o direito internacional e aumenta a pressão sobre Israel e a comunidade internacional – esta última tem o dever, no entendimento da corte, de cooperar para pôr um fim ao conflito israelo-palestino.

O parecer sustenta ainda que o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU, bem como todos os países-membros da entidade internacional, têm a obrigação de não reconhecer a ocupação israelense da Cisjordânia como legal e não apoiar a sua manutenção.

Além de condenar os assentamentos israelenses nos territórios palestinos, a corte apontou ainda outras medidas que considera uma violação do direito internacional, como o uso dos recursos naturais dessas áreas, a anexação e imposição de controle permanente sobre as terras e políticas discriminatórias contra palestinos.

<><> Caso foi protocolado antes da guerra

O caso foi apresentado à CIJ em 2022, antes da guerra Israel-Hamas, que eclodiu em 7 de outubro com um atentado do grupo islamista que deixou cerca de 1.200 mortos em Israel e resultou no sequestro de outras cerca de 250 pessoas, das quais mais de cem ainda são mantidas na Faixa de Gaza.

Israel não participou das audiências do caso, mas se manifestou por escrito afirmando à corte que um parecer do tipo seria "danoso" às tentativas de solução do conflito e que os pontos levantados ignoravam preocupações com a segurança do país.

Posição semelhante foi defendida por Canadá e Reino Unido. Os Estados Unidos, maior aliado de Israel, apelaram à corte para que ela não ordenasse a retirada incondicional das tropas de Tel Aviv dos territórios palestinos.

<><> A reação de Israel

Reagindo ao parecer da CIJ, o premiê isralense Benjamin Netanyahu afirmou que a Cisjordânia e Jerusalém Oriental fazem parte da "pátria" histórica do povo judeu.

"O povo judeu não é conquistador de sua própria terra – não de nossa eterna capital Jerusalém, nem do país de nossos ancestrais em Judeia e Samaria", declarou Netanyahu via X. "Nenhuma falsa decisão em Haia vai distorcer essa verdade histórica, nem a legalidade dos assentamentos israelenses em todos os territórios de nossa pátria pode ser contestada."

Na quinta-feira, o Parlamento israelense já havia decidido contra a criação de um território palestino, argumentando que isso constituiria "um perigo existencial para o Estado de Israel e seus cidadãos, perpetuaria o conflito israelo-palestino e desestabilizaria a região". Ainda segundo a resolução, "promover" um Estado palestino seria uma "recompensa para o terrorismo e só encorajaria o Hamas e seus apoiadores" após o ataque terrorista de 7 de outubro.

A resolução foi aprovada com o voto de 68 dos 120 membros do Knesset (o Parlamento israelense).

<><> Parecer de 2004 foi ignorado por Israel

Em 2004, a CIJ já havia emitido um outro parecer afirmando que a barreira de separação que cerca boa parte da Cisjordânia era "contrária ao direito internacional" e que os assentamentos israelenses foram criados em violação do direito internacional.

Israel, que ignorou a decisão e questionou a neutralidade da corte, alega que a barreira é uma medida de segurança.

O país assumiu o controle da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental em 1967 e ainda hoje continua a exercer controle militar sobre uma parcela significativa do território. Parte da Cisjordânia também está sob administração civil israelense, e desde então Israel tem insistido na expansão e criação de novos assentamentos, apesar de a prática ser condenada internacionalmente.

Segundo o grupo de advocacy israelense Peace Now, há mais de 100 assentamentos israelenses na Cisjordânia. Estima-se que a população na região tenha crescido mais de 15% nos últimos cinco anos, chegando a meio milhão de israelenses. Outros 200 mil vivem em Jerusalém Oriental.

Boa parte da comunidade internacional considera os assentamentos ilegais ou os vê como obstáculos a uma negociação de paz, já que as ocupações são feitas em terras reivindicadas pelos palestinos como parte de um Estado próprio e autônomo.

<><> Ataque a drone mata um em Tel Aviv

Na madrugada de sexta-feira (horário local), um drone matou uma pessoa e feriu outras oito em Tel Aviv. O ataque foi reivindicado pela milícia houthi do Iêmen, que alega agir em solidariedade com os palestinos expostos à guerra na Faixa de Gaza.

Segundo um porta-voz dos militares israelenses, uma "falha humana" impediu que o drone fosse detectado e neutralizado a tempo antes de causar estrago.

 

¨      Itamaraty: resolução de Israel contra Estado palestino é provocação que 'mina perspectivas de paz'

Na última quarta-feira (17), o Parlamento israelense aprovou uma resolução contra a criação do Estado palestino, medida aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1947 e nunca efetivada. A decisão gerou reações contrárias em todo o mundo, inclusive do Brasil.

Sob a justificativa de "ameaça existencial" para cidadãos israelenses, o país judeu foi favorável a um texto que condena a Palestina como Estado. Além disso, a resolução afirma que o reconhecimento "perpetuaria o conflito e desestabilizaria a região".

O Itamaraty condenou o posicionamento nesta sexta-feira (19), ao declarar que o "governo brasileiro tomou conhecimento, com grave consternação, da resolução que se opõe ao estabelecimento de um Estado palestino". Além disso, a chancelaria brasileira reforçou que a medida é "contrária a todos os esforços da ampla maioria da comunidade internacional para assegurar o direito do povo palestino à autodeterminação".

"Ao saudar os mais de 140 países que, em consonância com o Direito Internacional, reconhecem — incluindo, desde 2010, o Brasil — o Estado da Palestina, o governo brasileiro exorta os países que ainda não o fizeram a igualmente avançar nessa direção. Ressalta, nesse contexto, que o ingresso da Palestina, como membro pleno, nas Nações Unidas, recebeu o apoio, em maio passado, de mais de dois terços dos Estados Membros da Organização", informou a nota.

Além disso, o governo brasileiro condenou a nova incursão do ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, na última quinta (18).

"Ao reafirmar a necessidade de estrito respeito ao status quo histórico dos locais sagrados em Jerusalém, o Brasil lamenta que atos provocativos continuem minando as perspectivas de alcançar paz na região. O Brasil reitera seu histórico compromisso com a solução de dois Estados, com um Estado da Palestina independente e viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro das fronteiras de 1967, o que inclui a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital", finalizou.

<><> Justiça internacional considera ocupação israelense ilegal

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também comemorou a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) que considerou ilegal a ocupação israelense de territórios palestinos, inclusive em Jerusalém Oriental, e determinou que o país possui a obrigação de retirar "o mais rapidamente possível" os assentamentos, "além de reparar os danos causados aos palestinos".

"Como contribuição à opinião consultiva da Corte, o Brasil submeteu manifestação escrita em julho de 2023, e participou da audiência pública da CIJ em fevereiro de 2024. O Brasil defendeu que a ocupação dos territórios palestinos é equivalente a anexação, discorreu sobre as consequências jurídicas dessa situação e denunciou práticas de discriminação nos territórios ocupados e outras violações de direitos humanos e liberdades fundamentais dos palestinos", pontuou o Itamaraty.

 

Fonte: MSF Imprensa/El Salto/Deutsche Welle/Sputnik Brasil

 

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