sábado, 20 de julho de 2024

'Lula ainda não se adaptou ao atual contexto internacional', afirma analista sobre Brasil-África

A relação do Brasil com a África foi fortalecida significativamente nos primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao voltar ao Planalto, ele prometeu retomar a priorização desses laços. No entanto, segundo analista ouvido pela Sputnik, Lula está tentando repetir iniciativas do passado que podem não fazer muito sentido no contexto atual.

A colonização portuguesa teve um impacto profundo tanto na África quanto no Brasil, ligando-os através de uma história comum de exploração, evangelização e escravização.

Países africanos como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe compartilham com o Brasil não apenas a língua portuguesa, mas também influências culturais na culinária, música, religião e literatura. Autores brasileiros, como Jorge Amado, são amplamente reconhecidos nesses lugares.

No terceiro governo da gestão Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma promessa de fortalecer esses laços, entre o Brasil e o continente africano. Contudo analistas reforçam que até o momento o governo brasileiro não fez movimentos muito significativos.

A diversidade linguística entre os países lusófonos é notável. Em Angola, 85% da população fala português fluentemente, enquanto em Moçambique e Guiné-Bissau apenas uma parcela menor da população domina a língua. A Guiné Equatorial, por sua vez, integrou o português como língua oficial recentemente, em um movimento estratégico para se aproximar dos países lusófonos.

Relação diversificada

Segundo especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, a relação entre o Brasil e a África vai além dos aspectos culturais e comerciais. Envolve, segundo reforçado por eles, a cooperação em saúde e agricultura, e a participação popular em projetos de desenvolvimento, enfrentando também questões ambientais associadas aos investimentos agrícolas financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo BRICS na África Subsaariana.

A cooperação energética entre Brasil e África é um dos pilares dessa relação. Carolina Vasconcelos, que pesquisa a região da África Subsaariana pelo Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), participante do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Sistema Interamericano de Direitos Humanos (GEP-SIDH), do Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), destacou o impacto significativo das iniciativas brasileiras em biocombustíveis.

"Há transferências de tecnologias e conhecimentos, como pesquisas e treinamentos aos países africanos. Por exemplo, o Brasil tem colaborado com Moçambique no desenvolvimento do programa de produção de etanol, similar ao Proálcool brasileiro", afirmou Vasconcelos.

Além de Moçambique, Angola se beneficia dessa parceria, com projetos de produção de biodiesel a partir de oleaginosas locais. "O Brasil vem desenvolvendo biocombustíveis em Angola, visando à produção de biodiesel", destacou.

A hidreletricidade é outra área em que o Brasil tem contribuído significativamente. Projetos de infraestrutura sustentável são realizados em parceria com empresas brasileiras de engenharia e construção, como a Odebrecht.

"Empresas brasileiras têm participado na construção e renovação de usinas hidrelétricas em diversos países africanos, financiados pelo BNDES, fomentando o desenvolvimento", disse Carolina. Exemplos notáveis incluem a usina hidrelétrica de Lauca, em Angola, e a usina de Cahora Bassa, em Moçambique.

•        Brasil e África: contexto não é mais o mesmo

José Ricardo Araújo, pesquisador da Escola de Guerra Naval e do NAC, compartilhou sua perspectiva sobre a abordagem de Lula em relação à África.

Segundo Araújo, "o Lula veio nesse Lula 3 trazendo a África como um grande ponto central, a retomada das relações com os países africanos", após um "sucessivo esvaziamento das embaixadas na África" em governos anteriores, que comprometeu as conquistas dos primeiros mandatos de Lula. Porém, para o especialista, Lula ainda não se adaptou totalmente ao atual contexto internacional.

"[No passado] Saímos de 17 embaixadas para, hoje, nós termos 35, 33 embaixadas e dois consulados gerais, na verdade. Então acaba que, sim, a África vai fazer parte do plano central para o Brasil. Mas ao mesmo tempo, o que a gente consegue perceber é que as iniciativas que estão sendo tomadas em Lula 3 são muito baseadas num contexto internacional de Lula 1 e 2."

O presidente brasileiro, na opinião do pesquisador, "está demorando um pouco para entender que a gente está num contexto internacional diferente, tem novos atores na região, tem outros atores que estão disputando pelo mercado, estão disputando pela economia na região, e, às vezes, não faz exatamente sentido continuar com as estratégias do passado. E é justamente por isso que elas não têm tanta repercussão."

Ele destaca que as iniciativas estão, sim, sendo feitas, e cita que, "do ponto de vista de fóruns multilaterais, o Brasil vem se engajando bastante com países africanos". Mas o país precisa se adaptar melhor aos novos tempos e "usar o continente africano para conseguir reestabelecer a credibilidade internacional que existia em Lula 1 e 2."

"E aí, por exemplo, do ponto de vista militar, para o Brasil, é muito importante dar atenção à ZOPACAS [Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul], aos países que estão no Atlântico Sul e, principalmente, aos países do golfo da Guiné, que o Brasil possui muita interação. Ao mesmo tempo, para o Brasil é importante ter uma participação econômica no continente africano."

Em termos de cooperação agrícola e tecnológica, Araújo explicou que "as parcerias do Brasil com países africanos giram em torno do intercâmbio de informações e tecnologia". Ele mencionou projetos específicos, como o "programa Embrapa ABC Moçambique" e o "projeto Cotton 4 mais Togo," ressaltando que esses projetos ajudam a "aumentar sua competitividade no ponto de vista agrícola e aumentar o seu potencial agroexportador."

Por fim, Araújo sublinhou a importância das relações históricas entre Brasil e África, afirmando que "o Brasil divide muitas raízes históricas com diversos países africanos," o que pode fortalecer as relações culturais e as trocas entre os países.

"Ao mesmo tempo, nesse momento da história especificamente, na conjuntura em que nós estamos, o Brasil está divagando um pouco em conseguir, novamente, ser reconhecido como líder regional, como já foi no passado."

<><> Países da CPLP reafirmam compromisso com intercâmbio acadêmico e cultural

Compromisso foi reafirmado em declaração divulgada após reunião de países membros. Nesta semana, o Brasil quitou a dívida de 842.638,25 euros (R$ 5,1 milhões) que tinha junto à comunidade.

A 29ª Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada nesta sexta-feira (19), em São Tomé, terminou com a assinatura da declaração final na qual os países membros reafirmaram o compromisso com o intercâmbio acadêmico e cultural como forma de conhecimento mútuo das sociedades.

A reunião contou com a participação de ministros das Relações Exteriores dos países integrantes da comunidade, entre eles, o ministro Mauro Vieira.

A declaração afirma que os ministros apelaram à continuação da concertação entre os Estados-Membros para promover a certificação cruzada entre cursos de ensino superior e o lançamento do programa de intercâmbio de estudantes universitários da CPLP "Frátria", projeto anunciado por Portugal em 2023.

Na declaração, os países membros também exaltaram o 28º aniversário da fundação da CPLP, celebrado no último dia 17, e reiteraram seu compromisso com a paz, a democracia os direitos humanos e a justiça social.

Fundada em 1996, a CPLP tem nove membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A cada ano, a comunidade deve receber 2,7 milhões de euros (R$ 16,2 milhões), divididos em cotas pagas pelos Estados membros, embora por vezes ocorram atrasos no pagamento.

Na quinta-feira (18), o Brasil quitou sua dívida com a comunidade. Segundo uma auditoria feita em 2021, os atrasos nos pagamentos somavam 842.638,25 de euros (R$ 5,1 milhões). O país também pagou a cota referente a este ano, no valor de 768.453,68 de euros (R$ 4,6 milhões), segundo anunciou o Itamaraty, em nota divulgada pelo jornal O Globo.

•        Brasil contorna sanções dos EUA e bate recorde no comércio com Oriente Médio, incluindo Irã

De acordo com dados da Apex Brasil, o comércio brasileiro com o Oriente Médio bateu recorde no primeiro semestre de 2024. Mesmo com as duras sanções aplicadas por Estados Unidos e Europa, os principais destinos para produtos brasileiros foram Emirados Árabes Unidos (EAU), Arábia Saudita e Irã.

O valor total exportado pelas empresas brasileiras nos seis primeiros meses do ano foi de US$ 8,8 bilhões (R$ 48,81 bilhões), 25,8% maior que o montante vendido pelo Brasil em 2023 inteiro.

De acordo com o levantamento, citado pela coluna de Jamil Chade no UOL, as vendas de açúcares e melaços para a região cresceram em 91,2% quando comparado ao primeiro semestre do ano passado, e foram o principal item exportado, correspondendo a quase 20% da pauta comercial.

Outros produtos com crescimento expressivo foram café não torrado, carnes bovina e de aves, bagaços e outros resíduos sólidos, da extração do óleo de soja.

Ainda segundo o levantamento, o mercado dos Emirados, com aumento nas vendas de 73,9%, foi o principal destino das exportações brasileiros para o Oriente Médio no primeiro semestre. Apenas nos seis primeiros meses do ano, as exportações chegaram a US$ 2,5 bilhões (R$ 13,87 bilhões).

A relação comercial e política entre os países do BRICS, como o Irã, tem gerado debates no governo norte-americano, ressalta o colunista.

Em junho e no começo de julho, a administração Biden ampliou as sanções e passou a incluir empresas dos EAU que fazem a triangulação e transporte de comércio de petróleo do restante do mundo com os iranianos.

Ainda assim, o comércio brasileiro driblou as barreiras e o aumento das exportações para o Oriente Médio foi o mais intenso, ainda que a expansão para a África tenha sido de 21%, de 12% para os Estados Unidos e de 3,9% para a China, o maior destino das exportações nacionais.

Uma característica que merece destaque na relação comercial entre Brasília e Abu Dhabi, é a importante participação dos produtos brasileiros no mercado total dos Emirados em três principais segmentos da exportação.

No setor de carnes de aves, o Brasil representa 78% do comércio, 51% em açúcares e melaços e 31% em carne bovina. Nesses itens, o Brasil é o principal fornecedor do país.

Por fim, o levantamento aponta que no primeiro semestre do ano, o Brasil vendeu US$ 51 bilhões (R$ 283 bilhões) para os chineses, contra apenas US$ 19,2 bilhões (R$ 106,2 bilhões) para o mercado norte-americano e US$ 29 bilhões (R$ 160 bilhões) para os europeus.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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