Luís Nassif: ‘O Brasil e a volta à
República Velha’
É curioso o atual
momento do país. O que garante a nacionalidade é a base, a cultura popular, a
música, os movimentos sociais e os sindicatos. Depois, a academia, o sistema
educacional.
No alto da pirâmide,
vive-se um momento similar ao da República Velha, a república dos coronéis.
Altos funcionários públicos, mídia, Judiciário assumem a linha de frente dos
interesses imediatos dos coronéis de mercado – o mais ostensivo dos quais é
André Esteves, do BTG. Elimina-se o conceito de bem público. Assaltam empresas
públicas, com processos de privatização mal-cheirosos, sob complacência geral
das estruturas de poder e em ações claramente nocivas ao bem comum.
Nada funciona para
deter essa sanha destruidora.
Tome-se o caso da
Eletrobras, da Sabesp, das refinarias da Petrobras, todas vendidas sob
argumentos nitidamente falsos, e aceitos como verdadeiros por uma hipocrisia
sem fim.
Some-se o enorme grau
de ignorância em relação ao interesse nacional, e uma falta de bandeiras que
impede qualquer ação coletiva.
Um empresário sempre
será a favor da precarização do emprego, porque reduzirá seus custos
trabalhistas. A soma dos empregos precarizados, no entanto, afeta diretamente o
mercado de consumo interno, impedindo o deslanche da economia. O correto seria
um grupo de comando na elite – como os chamados fundadores dos Estados Unidos –
pensando em conjunto, sobrepondo os interesses gerais sobre os particulares.
Mas toda essa selvageria foi sancionada pelo Supremo Tribunal Federal, o que se
pensava ser o último reduto da responsabilidade federativa,
E é um processo
histórico. No início do século 20, Manoel Bomfim destrinchou esse paradoxo
brasileiro. Liberal, admirador do modelo norte-americano, na época com o Estado
indutor do desenvolvimento privado, escandalizava-se com a sanha financeira
nacional, de criar crises terríveis, que depois se estendiam por toda a Nação
e, em seguida, recorriam aos “financistas” (como eram chamados os economistas
da época), que se diziam portadores das últimas descobertas da ciência
econômica e, com isso, desviavam a atenção da opinião pública dos verdadeiros
motivos das crises e da estagnação da economia.
E fazem tudo isso em
nome do liberalismo. Sufocam a atividade produtiva com níveis absurdos de
juros, financeirizam tudo, impõem um enorme custo ao país, abarrotando-se com
os juros da dívida pública, ou com os altos salários da elite do funcionalismo,
desviando recursos dos verdadeiros fundamentos do desenvolvimento: educação,
saúde, infraestrutura.
Depois, como esse
inacreditável Luis Stuhlberger, um dos gurus do mercado, garantindo que nenhum
país prosperará com a “gastança”. E gastança são gastos com saúde, educação e
infraestrutura.
Criou-se uma nação de
chupins, cujo comportamento chegou à classe média, que todo dia vai conferir o
valor das cotas de seu fundo de investimento, reclamando quando a remuneração
diminui.
Em um ambiente
saudável, haveria juros baixos, a atividade produtiva se apresentaria como
alternativa e a massa de recursos financeiros seria canalizada para empurrar o
crescimento do setor produtivo.
Mas de onde virá essa
força motriz, capaz de eliminar décadas de pensamento viciado? Tão viciado que,
mesmo vítimas desse processo – como a indústria – através de suas lideranças,
deblateram contra o juro alto, mas atribuindo a um déficit público praticamente
inexistente.
Esse é o desafio
brasileiro. E uma geração não parece ser tempo suficiente para acordar o
gigante que, em um dia qualquer do início dos anos 90, parecia fadado a ser um
dos líderes mundiais.
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Continua o boicote de Campos Neto
Roberto Campos Neto
anunciou alguns dias de férias. As cotações do dólar acalmaram. Anunciou a sua
volta. Na véspera, as cotações voltaram a ser sacudidas. E continua
infernizando a vida de todo o país, trazendo insegurança para os investimentos
diretos, para os importadores, ameaçando projeções de inflação.
Tudo isso porque,
embora o Banco Central esteja montado em mais de US$ 300 bilhões em reservas,
Campos Neto proíbe sua intervenção no mercado de câmbio.
Medo de perder
reservas? Não. O jogo se dá totalmente em cima de derivativos, de apostas sobre
os dólares, mas com pagamento em reais.
Trata-se de boicote
claro à política econômica e reforço à manutenção da Selic em níveis
estratosféricos.
Seria conveniente que
as federações de indústria, de comércio, as associações comerciais, a Anfavea,
a ABDIB, a Abimaq se dessem conta disso, a parassem de cair no engodo da
“gastança”.
Basta o Tribunal de
Contas da União, através do Ministério Público das Contas, levantar as
intervenções do Bacen nesses períodos. O banco não poderá alegar sigilo, porque
não se quer que abra as estratégias futuras, mas que mostre o passado, e
explique a razão de ter deixado o câmbio solto.
• "Mercado precifica cenário de quase
crise fiscal no Brasil, que não é verdade", diz Mansueto Almeida
Cotado próximo de R$
5,63 nesta quinta-feira, 25 o dólar acumula 16% de alta desde o início do ano.
A valorização, no entanto, não reflete os reais fundamentos da economia
brasileira, afirmou Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual (do mesmo
grupo controlador da EXAME), no Epinne EPB 2024, evento realizado para fundos
de pensão em Recife.
"O mercado
precifica um cenário de quase crise fiscal, que não é verdade", disse
Almeida. O economista destacou que a grande preocupação é sobre o cumprimento
da meta fiscal. Nesse sentido, ele observou melhorias significativas nas
últimas semanas, com a ala política do governo dando maior sustentação aos
planos fiscais dos ministérios da Fazenda e do Planejamento.
"Antes, a ala
política não estava dando respaldo, então o mercado piorou. Ninguém esperava o
dólar a R$ 5,60 há três meses e a curva de juros precificando uma alta de 1
p.p. até o fim do ano." Segundo Almeida, o governo entrou na "direção
certa" ao anunciar o contingenciamento de R$ 15 bilhões no último
Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. O corte de gastos, no entanto, não
deve ser suficiente para o cumprimento da meta fiscal, mas torna "mais
clara" a intenção do governo em respeitar a meta.
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"O Brasil melhorou muito"
Almeida avalia que
"o Brasil melhorou muito" e que o câmbio não reflete a realidade. Um
dos argumentos que sustentam sua visão é a balança comercial, que no ano
passado bateu recorde ao registrar um saldo positivo de US$ 100 bilhões,
impulsionada pelas exportações de petróleo, que têm crescido com o aumento da
produção do pré-sal.
"No momento da
descoberta do pré-sal, estimava-se que a reserva seria de 5 bilhões de barris,
mas constatou-se uma reserva de 14 bilhões. O Brasil se tornou exportador
líquido de petróleo. Se alguém predissesse isso há 20 anos, o chamariam de
louco", disse Almeida.
Para este ano, Almeida
projeta uma balança comercial um pouco mais baixa, próxima de US$ 95 bilhões,
devido aos efeitos do El Niño na produção agrícola. "O crescimento da
balança comercial é estrutural e o saldo deve continuar aumentando até 2030."
A projeção é que até
lá a produção de petróleo do pré-sal atinja seu pico, mas ainda há a
possibilidade de exploração da Margem Equatorial, que poderia colocar a
Petrobras em um novo ciclo de produção.
"As contas
externas estão sólidas e o país fez reformas muito interessantes nos últimos
anos", comentou Almeida. Uma dessas reformas foi o novo Marco do
Saneamento, que resultou em uma série de investimentos no setor, como a
privatização da Sabesp.
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Inflação e perspectivas futuras
Almeida também
mencionou que, embora a inflação projetada para este e os próximos anos esteja
acima do centro da meta, os números esperados (4,05% para 2024; 3,9% para 2025
e 3,6% para 2026) representam uma melhora significativa em relação ao histórico
inflacionário do país. "Se a inflação esperada pelo mercado se confirmar,
será a menor em um período de quatro anos desde o Plano Real."
Segundo Almeida, para
o mercado brasileiro melhorar, pode ser uma questão de tempo. O melhor cenário,
avalia, seria o governo cumprir a meta fiscal e tornar mais claro quando a
dívida do país começará a cair. Ele também prevê que o início dos cortes de juros
nos Estados Unidos contribuirá para um ambiente mais favorável no mercado, com
a expectativa de que esses cortes comecem em setembro.
• Quem é o filho da crise financeira que
quer taxar os super-ricos
Se a ideia de taxar os
super-ricos avançar apesar dos obstáculos, Gabriel Zucman tem um papel nisso. O
economista francês se movimenta nos bastidores para que esta reforma se
concretize.
Depois de ter sido
convidado em fevereiro pelo Brasil, que preside o G20 neste ano, para
apresentar suas ideias aos ministros de Finanças deste fórum internacional,
Zucman publicou em junho um relatório sobre o tema, também a pedido do governo
brasileiro.
E nesta quinta-feira,
25, os responsáveis pelas principais economias do mundo, reunidos no Rio de
Janeiro, realizam uma sessão dedicada a este assunto sensível.
Com uma aparência
jovial, este homem de 37 anos, pai de dois filhos (e em breve três), se
descreve para a AFP como "um filho da crise financeira", que deu seus
primeiros passos profissionais aos 21 anos na companhia de investimentos Exane
escrevendo relatórios.
"Comecei no dia
da falência do Lehman Brothers (em 2008). O trabalho consistia em explicar a
economia mundial, mas percebi que era impossível entendê-la sem a perspectiva
necessária", lembra este egresso da Escola de Economia de Paris e da Escola
Normal Superior de Paris-Saclay, que também tem nacionalidade americana.
O economista, então,
mergulhou nas estatísticas internacionais e examinou os paraísos fiscais. O
resultado foi "A Riqueza Oculta das Nações", sua tese que avalia a
magnitude da evasão fiscal, publicada em 2013 antes de ser traduzida para quase
20 idiomas.
"A contribuição
específica de Zucman (...) é que, pela primeira vez, ele encontrou um método
muito original para calcular a evasão fiscal nos paraísos fiscais",
explica o historiador Pierre Rosanvallon, que editou o trabalho.
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Organizar a globalização
Apesar de o sistema
financeiro ainda ser permeável à fraude, muitos avanços foram alcançados em
termos de transparência, frutos de anos de negociações internacionais, comemora
Zucman.
Este filho de médicos
parisienses e amante do piano, instrumento que toca desde os 4 anos, se mostra
otimista: "Há mil formas de organizar a globalização".
Seu trabalho tem se
focado na tributação de famílias e empresas ricas, um tema abordado no livro O
Triunfo da Injustiça.
Zucman, que divide seu
tempo entre o Observatório Fiscal da União Europeia, em Paris, órgão que
dirige, e a Universidade de Berkeley, na Califórnia, aborda o caso dos Estados
Unidos junto com seu colega Emmanuel Saez.
Segundo seus
trabalhos, a taxa de imposto sobre a riqueza dos bilionários é de 0,3% em todo
o mundo. Ele defende um imposto mínimo global com uma proposta: tributar o
equivalente a 2% da fortuna de cerca de 3 mil multimilionários, o que se
traduziria em cerca de US$ 250 bilhões (R$ 1,41 trilhão) por ano. "É
possível uma evolução rápida", quer acreditar, opondo-se aos
"discursos derrotistas".
Segundo seu orientador
de tese, o economista Thomas Piketty, o mero fato de que esse tema esteja na
mesa das negociações internacionais é uma vitória. "Quando propus há dez
anos em O Capital no Século XXI a criação de um imposto global sobre o patrimônio,
estava longe de imaginar que isso chegaria hoje à agenda oficial do G20",
afirma à AFP Piketty, cuja obra alcançou um sucesso público inesperado e uma
ampla ressonância política.
"Isto se deve
muito à energia incansável de Gabriel Zucman, à sua impressionante capacidade
de trabalho e ao seu rigor inigualável", acrescenta.
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Prêmio
Mas ainda há um longo
caminho pela frente: Brasil, África do Sul, Espanha, Colômbia, França e a União
Africana apoiam a ideia, mas Washington e Berlim resistem.
"Não devemos
subestimar a resistência dos contribuintes envolvidos", opina também quem
assessorou os candidatos democratas Elizabeth Warren e Bernie Sanders nas
eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2020.
Com Thomas Piketty,
Esther Duflo e Emmanuel Saez, Zucman ingressou no clube dos economistas
franceses reconhecidos nos Estados Unidos, especialmente após receber em 2023 a
Medalha Bates Clark, um prestigiado prêmio econômico.
Um prêmio
"controverso", considerou então a revista The Economist, ao lembrar
que alguns de seus colegas questionaram os métodos que ele utilizou para medir
as desigualdades.
Fonte: Jornal
GGN/Exame
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