sábado, 27 de julho de 2024

Luís Nassif: ‘O Brasil e a volta à República Velha’

É curioso o atual momento do país. O que garante a nacionalidade é a base, a cultura popular, a música, os movimentos sociais e os sindicatos. Depois, a academia, o sistema educacional.

No alto da pirâmide, vive-se um momento similar ao da República Velha, a república dos coronéis. Altos funcionários públicos, mídia, Judiciário assumem a linha de frente dos interesses imediatos dos coronéis de mercado – o mais ostensivo dos quais é André Esteves, do BTG. Elimina-se o conceito de bem público. Assaltam empresas públicas, com processos de privatização mal-cheirosos, sob complacência geral das estruturas de poder e em ações claramente nocivas ao bem comum.

Nada funciona para deter essa sanha destruidora.

Tome-se o caso da Eletrobras, da Sabesp, das refinarias da Petrobras, todas vendidas sob argumentos nitidamente falsos, e aceitos como verdadeiros por uma hipocrisia sem fim.

Some-se o enorme grau de ignorância em relação ao interesse nacional, e uma falta de bandeiras que impede qualquer ação coletiva.

Um empresário sempre será a favor da precarização do emprego, porque reduzirá seus custos trabalhistas. A soma dos empregos precarizados, no entanto, afeta diretamente o mercado de consumo interno, impedindo o deslanche da economia. O correto seria um grupo de comando na elite – como os chamados fundadores dos Estados Unidos – pensando em conjunto, sobrepondo os interesses gerais sobre os particulares. Mas toda essa selvageria foi sancionada pelo Supremo Tribunal Federal, o que se pensava ser o último reduto da responsabilidade federativa,

E é um processo histórico. No início do século 20, Manoel Bomfim destrinchou esse paradoxo brasileiro. Liberal, admirador do modelo norte-americano, na época com o Estado indutor do desenvolvimento privado, escandalizava-se com a sanha financeira nacional, de criar crises terríveis, que depois se estendiam por toda a Nação e, em seguida, recorriam aos “financistas” (como eram chamados os economistas da época), que se diziam portadores das últimas descobertas da ciência econômica e, com isso, desviavam a atenção da opinião pública dos verdadeiros motivos das crises e da estagnação da economia.

E fazem tudo isso em nome do liberalismo. Sufocam a atividade produtiva com níveis absurdos de juros, financeirizam tudo, impõem um enorme custo ao país, abarrotando-se com os juros da dívida pública, ou com os altos salários da elite do funcionalismo, desviando recursos dos verdadeiros fundamentos do desenvolvimento: educação, saúde, infraestrutura.

Depois, como esse inacreditável Luis Stuhlberger, um dos gurus do mercado, garantindo que nenhum país prosperará com a “gastança”. E gastança são gastos com saúde, educação e infraestrutura.

Criou-se uma nação de chupins, cujo comportamento chegou à classe média, que todo dia vai conferir o valor das cotas de seu fundo de investimento, reclamando quando a remuneração diminui.

Em um ambiente saudável, haveria juros baixos, a atividade produtiva se apresentaria como alternativa e a massa de recursos financeiros seria canalizada para empurrar o crescimento do setor produtivo.

Mas de onde virá essa força motriz, capaz de eliminar décadas de pensamento viciado? Tão viciado que, mesmo vítimas desse processo – como a indústria – através de suas lideranças, deblateram contra o juro alto, mas atribuindo a um déficit público praticamente inexistente.

Esse é o desafio brasileiro. E uma geração não parece ser tempo suficiente para acordar o gigante que, em um dia qualquer do início dos anos 90, parecia fadado a ser um dos líderes mundiais.

<><> Continua o boicote de Campos Neto

Roberto Campos Neto anunciou alguns dias de férias. As cotações do dólar acalmaram. Anunciou a sua volta. Na véspera, as cotações voltaram a ser sacudidas. E continua infernizando a vida de todo o país, trazendo insegurança para os investimentos diretos, para os importadores, ameaçando projeções de inflação.

Tudo isso porque, embora o Banco Central esteja montado em mais de US$ 300 bilhões em reservas, Campos Neto proíbe sua intervenção no mercado de câmbio.

Medo de perder reservas? Não. O jogo se dá totalmente em cima de derivativos, de apostas sobre os dólares, mas com pagamento em reais.

Trata-se de boicote claro à política econômica e reforço à manutenção da Selic em níveis estratosféricos.

Seria conveniente que as federações de indústria, de comércio, as associações comerciais, a Anfavea, a ABDIB, a Abimaq se dessem conta disso, a parassem de cair no engodo da “gastança”.

Basta o Tribunal de Contas da União, através do Ministério Público das Contas, levantar as intervenções do Bacen nesses períodos. O banco não poderá alegar sigilo, porque não se quer que abra as estratégias futuras, mas que mostre o passado, e explique a razão de ter deixado o câmbio solto.

 

•        "Mercado precifica cenário de quase crise fiscal no Brasil, que não é verdade", diz Mansueto Almeida

Cotado próximo de R$ 5,63 nesta quinta-feira, 25 o dólar acumula 16% de alta desde o início do ano. A valorização, no entanto, não reflete os reais fundamentos da economia brasileira, afirmou Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), no Epinne EPB 2024, evento realizado para fundos de pensão em Recife.

"O mercado precifica um cenário de quase crise fiscal, que não é verdade", disse Almeida. O economista destacou que a grande preocupação é sobre o cumprimento da meta fiscal. Nesse sentido, ele observou melhorias significativas nas últimas semanas, com a ala política do governo dando maior sustentação aos planos fiscais dos ministérios da Fazenda e do Planejamento.

"Antes, a ala política não estava dando respaldo, então o mercado piorou. Ninguém esperava o dólar a R$ 5,60 há três meses e a curva de juros precificando uma alta de 1 p.p. até o fim do ano." Segundo Almeida, o governo entrou na "direção certa" ao anunciar o contingenciamento de R$ 15 bilhões no último Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. O corte de gastos, no entanto, não deve ser suficiente para o cumprimento da meta fiscal, mas torna "mais clara" a intenção do governo em respeitar a meta.

<><> "O Brasil melhorou muito"

Almeida avalia que "o Brasil melhorou muito" e que o câmbio não reflete a realidade. Um dos argumentos que sustentam sua visão é a balança comercial, que no ano passado bateu recorde ao registrar um saldo positivo de US$ 100 bilhões, impulsionada pelas exportações de petróleo, que têm crescido com o aumento da produção do pré-sal.

"No momento da descoberta do pré-sal, estimava-se que a reserva seria de 5 bilhões de barris, mas constatou-se uma reserva de 14 bilhões. O Brasil se tornou exportador líquido de petróleo. Se alguém predissesse isso há 20 anos, o chamariam de louco", disse Almeida.

Para este ano, Almeida projeta uma balança comercial um pouco mais baixa, próxima de US$ 95 bilhões, devido aos efeitos do El Niño na produção agrícola. "O crescimento da balança comercial é estrutural e o saldo deve continuar aumentando até 2030."

A projeção é que até lá a produção de petróleo do pré-sal atinja seu pico, mas ainda há a possibilidade de exploração da Margem Equatorial, que poderia colocar a Petrobras em um novo ciclo de produção.

"As contas externas estão sólidas e o país fez reformas muito interessantes nos últimos anos", comentou Almeida. Uma dessas reformas foi o novo Marco do Saneamento, que resultou em uma série de investimentos no setor, como a privatização da Sabesp.

<><> Inflação e perspectivas futuras

Almeida também mencionou que, embora a inflação projetada para este e os próximos anos esteja acima do centro da meta, os números esperados (4,05% para 2024; 3,9% para 2025 e 3,6% para 2026) representam uma melhora significativa em relação ao histórico inflacionário do país. "Se a inflação esperada pelo mercado se confirmar, será a menor em um período de quatro anos desde o Plano Real."

Segundo Almeida, para o mercado brasileiro melhorar, pode ser uma questão de tempo. O melhor cenário, avalia, seria o governo cumprir a meta fiscal e tornar mais claro quando a dívida do país começará a cair. Ele também prevê que o início dos cortes de juros nos Estados Unidos contribuirá para um ambiente mais favorável no mercado, com a expectativa de que esses cortes comecem em setembro.

 

•        Quem é o filho da crise financeira que quer taxar os super-ricos

Se a ideia de taxar os super-ricos avançar apesar dos obstáculos, Gabriel Zucman tem um papel nisso. O economista francês se movimenta nos bastidores para que esta reforma se concretize.

Depois de ter sido convidado em fevereiro pelo Brasil, que preside o G20 neste ano, para apresentar suas ideias aos ministros de Finanças deste fórum internacional, Zucman publicou em junho um relatório sobre o tema, também a pedido do governo brasileiro.

E nesta quinta-feira, 25, os responsáveis pelas principais economias do mundo, reunidos no Rio de Janeiro, realizam uma sessão dedicada a este assunto sensível.

Com uma aparência jovial, este homem de 37 anos, pai de dois filhos (e em breve três), se descreve para a AFP como "um filho da crise financeira", que deu seus primeiros passos profissionais aos 21 anos na companhia de investimentos Exane escrevendo relatórios.

"Comecei no dia da falência do Lehman Brothers (em 2008). O trabalho consistia em explicar a economia mundial, mas percebi que era impossível entendê-la sem a perspectiva necessária", lembra este egresso da Escola de Economia de Paris e da Escola Normal Superior de Paris-Saclay, que também tem nacionalidade americana.

O economista, então, mergulhou nas estatísticas internacionais e examinou os paraísos fiscais. O resultado foi "A Riqueza Oculta das Nações", sua tese que avalia a magnitude da evasão fiscal, publicada em 2013 antes de ser traduzida para quase 20 idiomas.

"A contribuição específica de Zucman (...) é que, pela primeira vez, ele encontrou um método muito original para calcular a evasão fiscal nos paraísos fiscais", explica o historiador Pierre Rosanvallon, que editou o trabalho.

<><> Organizar a globalização

Apesar de o sistema financeiro ainda ser permeável à fraude, muitos avanços foram alcançados em termos de transparência, frutos de anos de negociações internacionais, comemora Zucman.

Este filho de médicos parisienses e amante do piano, instrumento que toca desde os 4 anos, se mostra otimista: "Há mil formas de organizar a globalização".

Seu trabalho tem se focado na tributação de famílias e empresas ricas, um tema abordado no livro O Triunfo da Injustiça.

Zucman, que divide seu tempo entre o Observatório Fiscal da União Europeia, em Paris, órgão que dirige, e a Universidade de Berkeley, na Califórnia, aborda o caso dos Estados Unidos junto com seu colega Emmanuel Saez.

Segundo seus trabalhos, a taxa de imposto sobre a riqueza dos bilionários é de 0,3% em todo o mundo. Ele defende um imposto mínimo global com uma proposta: tributar o equivalente a 2% da fortuna de cerca de 3 mil multimilionários, o que se traduziria em cerca de US$ 250 bilhões (R$ 1,41 trilhão) por ano. "É possível uma evolução rápida", quer acreditar, opondo-se aos "discursos derrotistas".

Segundo seu orientador de tese, o economista Thomas Piketty, o mero fato de que esse tema esteja na mesa das negociações internacionais é uma vitória. "Quando propus há dez anos em O Capital no Século XXI a criação de um imposto global sobre o patrimônio, estava longe de imaginar que isso chegaria hoje à agenda oficial do G20", afirma à AFP Piketty, cuja obra alcançou um sucesso público inesperado e uma ampla ressonância política.

"Isto se deve muito à energia incansável de Gabriel Zucman, à sua impressionante capacidade de trabalho e ao seu rigor inigualável", acrescenta.

<><> Prêmio

Mas ainda há um longo caminho pela frente: Brasil, África do Sul, Espanha, Colômbia, França e a União Africana apoiam a ideia, mas Washington e Berlim resistem.

"Não devemos subestimar a resistência dos contribuintes envolvidos", opina também quem assessorou os candidatos democratas Elizabeth Warren e Bernie Sanders nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2020.

Com Thomas Piketty, Esther Duflo e Emmanuel Saez, Zucman ingressou no clube dos economistas franceses reconhecidos nos Estados Unidos, especialmente após receber em 2023 a Medalha Bates Clark, um prestigiado prêmio econômico.

Um prêmio "controverso", considerou então a revista The Economist, ao lembrar que alguns de seus colegas questionaram os métodos que ele utilizou para medir as desigualdades.

 

Fonte: Jornal GGN/Exame

 

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