A causa de toda doença
Férias de um
professor. Momento de descansar, arrumar as coisas que ficaram pendentes em
função das exigências – muitas vezes absurdas – que a escola nos obriga. Um mês
para poder viver, e não apenas sobreviver. Um mês em que não precisarei dormir
tarde e madrugar todo santo dia para a exploração diária.
Logo no primeiro dia,
o corpo reage: gripe e baixa imunidade. É sempre assim. E a biologia explica:
enquanto estamos sob estresse, os níveis de cortisol e adrenalina mantém nosso
organismo em alerta. Ainda que isso custe o reflexo posterior. É sobre isso que
quero falar.
O sistema nos obriga a
render cada vez mais, forçando nosso organismo a reagir para isso. Mas, quando
você realmente entende e tem a consciência do que é isso, tudo parece não fazer
sentido. Ainda que seja uma reação, é algo prejudicial.
Por que adoecemos? Por
que nossa luta pela sobrevivência é tão árdua? Quantos de nós, trabalhadores e
trabalhadoras, podemos efetivamente viver? Já parou para pensar nisso? Nós
estamos apenas sobrevivendo.
Somos constantemente
bombardeados com a ideia de “ter” ao invés de sermos verdadeiramente humanos. O
tempo livre, para nós, praticamente inexistente nessa rotina maluca e desumana,
é tomado pelo cansaço e pela falsa ideia de que temos que consumir algo para
sermos felizes. Quem consegue tempo livre quando é obrigado a ter dois empregos
ou mais para conseguir pagar o aluguel e contas básicas? O que falar das
pessoas que são submetidas às escalas 6×1? Paralelamente, somos bombardeados
com a “necessidade” de consumir cada vez mais.
Já dizia o trecho da
música “Society”, de Eddie Vedder (trilha sonora do filme “Na natureza
selvagem”):
É um mistério para mim
Nós temos uma ambição
com a qual concordamos
E você pensa que você
tem que querer mais do que precisa
Até você ter tudo,
você não estará livre
Sociedade, você é uma
criação louca
Quando você quer mais
do que tem
Você pensa que precisa
E quando você pensa
mais do que você quer
Seus pensamentos
começam a sangrar
Acho que preciso
encontrar um lugar maior
Pois quando você tem
mais do que imagina
Você precisa de mais
espaço
Somos engolidos por
esse sistema que nos usa como massa de manobra para seus fins lucrativos.
“Consuma!” Se você não tem um carro moderno, uma supercasa tecnológica, um
smartphone de última geração, você é excluído. Mas excluído por quem? Por
aqueles que se alienam nessa rotina consumista e explorativa, que jogam o canto
da sereia da meritocracia, iludindo-os de que um dia poderão ser ricos,
fazendo-os esquecer que são iguais a nós, trabalhadores explorados por um
sistema opressor e burguês.
A consequência desse
pensamento é cruel: gera uma sociedade ansiosa, com a falta deteriorante de
sono, obesa e depressiva. Concomitantemente, quem se levanta contra isso, e
tenta mostrar a crueldade do sistema em nossa saúde, é taxado de ignorante,
atrasado, arcaico, fracassado ou, simplesmente, de “comunista”. Afinal, para
eles, o mito da meritocracia e empreendedorismo é real.
“Trabalhe enquanto
eles dormem!”, dizem para que você tenha sucesso e possa adquirir cada vez mais
coisas – muitas vezes supérfluas – e gerando dívidas que nem sempre cabem em
seu modesto e ridículo orçamento. Quem faz isso, adoece. Não à toa, a atual sociedade,
que dorme cada vez menos – e mal – é a mesma sociedade dependente de drogas
farmacêuticas e álcool.
Quando, raramente,
temos tempo livre, apelamos para a tecnologia e divagamos nas telas dos
smartphones, abastecendo e sendo manipulados pelo algoritmo e suas propostas de
consumo. Essa mesma tecnologia é mais uma aliada do capitalismo, auxiliando na
exploração biológica das vias hormonais dopaminérgicas – consumindo para que se
tenha satisfação temporária via liberação de mais dopamina, o que torna o
cérebro quimicamente dependente.
Mais do que isso,
conforme já escrevi em outro artigo, a luz das telas é outro fator negativo em
nossa saúde, comprometendo nosso sono – afinal, o hormônio indutor do sono,
chamado melatonina, deixa de ser produzido quando não há escuridão, acarretando
insônia e, consequentemente, indisposição e baixo rendimento, além de
distúrbios psicológicos como ansiedade e depressão.
Para os homens, o pico
do hormônio sexual (testosterona) é atingido justamente no sono mais profundo e
contínuo, assim como o hormônio de crescimento, para as crianças. Dormir também
permite a “limpeza” do metabolismo cerebral – os chamados príons –, impedindo o
surgimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Outra preocupação, não
meramente estética, mas de saúde pública, é a obesidade, também relacionada com
o sono irregular: é durante o sono que temos a regulação dos hormônios grelina
e leptina, responsáveis pelo controle de nosso apetite – ou seja, quanto menos
sono, maior ingestão de calorias. Atrelada à má-alimentação (baseada em
ultraprocessados e alimentos regados com agrotóxicos), essa doença crônica se
torna cada vez mais recorrente, o que chamamos de nutricídio (novamente,
afetando populações mais pobres).
Recente pesquisa,
apresentada no Congresso Internacional sobre Obesidade (ICO), sugere que 48%
dos adultos no Brasil terão obesidade até 2044, com outros 27% vivendo com
sobrepeso, trazendo comorbidades (doenças cardiovasculares, diabetes, doenças
renais crônicas, cirrose, câncer, depressão) com consequências nefastas para a
saúde e a vida dos trabalhadores e trabalhadoras.
Novamente, comidas que
não nos nutrem (apenas “enchem a barriga”) também destroem a microbiota
intestinal, local de maior produção do hormônio serotonina – o mesmo
responsável por nosso humor. Piorando ainda mais a situação, soma-se a esses
fatores a influência dos agrotóxicos em nossa saúde.
O que se faz para
compensar todo esse desequilíbrio fisiológico? Recorre-se aos medicamentos,
enquanto tudo poderia ser evitado com algo natural e intrínseco a qualquer
espécie animal: sono adequado.
Novamente, nos vem a
pergunta: por que agimos dessa maneira? Há realmente necessidade de trabalhamos
da forma desumana que somos submetidos? Como bem apresentou o filósofo e
professor Vladimir Safatle em uma entrevista, isso se dá porque toda relação
atual, seja no trabalho e até mesmo nas famílias, é baseada no rendimento que
podemos gerar. Justamente porque, nessa sociedade, tudo é investimento e, como
tal, deve-se o obter algum tipo de retorno financeiro.
Como todo trabalho
atual, é necessário a produção de excedentes. Para isso, aquele que produz – ou
seja, nós, trabalhadores – deve ser sugado ao máximo. Para ludibriá-lo, nada
melhor do que motivá-lo com técnicas exploratórias do coach e seu “você pode!”
Como tudo está
entrelaçado, tal produção/consumo exagerados – e supérflua – além de esgotar a
mão-de-obra humana, ocasiona uso excessivo de recursos naturais e
industrialização, o que acarreta a liberação, por exemplo, dos gases estufa.
Seria um desses motivos de grandes nações não se comprometerem de forma prática
com a redução desses gases?
Percebam que, seja a
questão de saúde pública, seja a questão ambiental – direta e indiretamente
relacionadas entre si – ambas exigem um repensar da maneira como nós, seres
humanos, estamos nos comportando.
O sistema capitalista
está, sim, com os dias contados – mas tenta sobreviver a todo custo. Porém, ao
que tudo indica, não há outro caminho a não ser sua extinção. A questão é que a
pequena porcentagem burguesa que dita as regras não está disposta a isso. Não
estão dispostos a romper a visão individualista, competidora e admitir que a
rota a ser tomada agora é outra, aquela mesma que sempre combateram, que tem a
visão da solidariedade, do consumo consciente – ou seja, as bases do
socialismo!
O sistema atual prega
justamente contra aquela que é a única alternativa para a salvação da espécie
humana. O capitalismo deseja o individualismo, o consumismo exacerbado, a
concentração de renda e necessita da desigualdade social para sua
sobrevivência. No entanto, não previu que, junto disso, o caos ambiental seria
instaurado, inviabilizando a vida de todos.
O mais preocupante é
que esse tipo de pensar naturalizou-se de forma irracional, como verdadeira
lavagem cerebral em grande parte da sociedade. Novamente, aqueles que ousam se
levantar contra ele são perseguidos, desmoralizados e taxados como inimigos. Para
tentar abafar de vez essa necessidade real, demonizam “socialismo” e
“comunismo” como “ditaduras” perante a sociedade, atacando e utilizando de
exemplos deturpados dos países que se impuseram contra o capital e a exploração
humana/ambiental, mas que em função de embargos e sanções
imperialistas/capitalistas, não conseguem desenvolver o máximo de sua visão
socialista. É o caso de Cuba, que, há 60 anos, resiste a tudo isso e prova que,
mesmo assim, uma sociedade justa, que preza pela dignidade humana, pela família
e pelo meio ambiente é possível.
Mas o que se ouve
falar de Cuba? Falta isso, falta aquilo. Realmente falta, mas justamente porque
o imperialismo estadunidense não permite a comercialização com a ilha
socialista que é uma ameaça aos interesses do sistema capitalista. Enquanto
isso, aqui dizem que você deve consumir tudo. Novamente: “se você não tiver,
você é infeliz”. Se opor a isso é visto como subversão.
A pergunta que faço:
quando nossa sociedade será totalmente subversiva e se levantará contra esse
sistema? Quando teremos o pensamento coletivo?
Ou será que, dentre
nós, trabalhadores e trabalhadoras, existe alguém que esteja realmente contente
em ter que acordar cedo, trabalhar até tarde e não ver retorno algum a não ser
o mínimo necessário para pagar o aluguel, o combustível e os demais boletos,
sem a real condição de desfrutar de nossas vidas? Enquanto isso, nosso trabalho
rende lucros e mais lucros para aqueles que nos exploram.
Ainda que uma
revolução socialista esteja longe, temos alguns indícios de que as coisas
poderão mudar. Toda insatisfação está acometendo a tal geração Z. Os chamados
zoomers, também chamados de “jovens NEM-NEM” (nem estudam, nem trabalham). É
claro que temos que considerar as diferentes classes sociais e suas
necessidades, mas esse é um importante sinal de possíveis mudanças.
A busca por emprego
não é mais vista como um ponto meramente de estabilidade e possível
aposentadoria, afinal, jovens com menos de 25 anos querem ter sua renda, mas
com dignidade. No Brasil, são 23% de jovens “nem-nem” (na União Europeia esse
número é de 11%), sendo que a grande maioria deles são pobres (61,2%) e,
majoritariamente mulheres (63,4%), sendo 43,3% delas pretas e pardas, o que
reflete a questão da desigualdade social, do machismo e do racismo do sistema.
Ainda que se pesem
esses fatores, o recado está sendo dado: os jovens optam por renunciar à
exploração para que as cosias tenham sentido. Essa é uma geração que sofre com
o sistema atual e parece se levantar contra ele. Os números falam por si: o
Brasil é um dos países com os maiores níveis de transtornos de ansiedade e
depressão (e novamente mostrando a desigualdade de gênero, as mulheres são as
que mais sofrem, justamente pelo preconceito, a sobrecarga e baixa valorização
no mercado). E lá vamos nós para o consumo de remédios (produzidos e vendidos
pelo capital).
Abrir os olhos das
pessoas é nosso dever. Construir essa sociedade subversiva é nosso dever. É
urgente nossa unidade enquanto sociedade para nossa libertação das amarras que
nos oprimem e nos exploram. Isso não é figura de linguagem, é a realidade.
Organize-se em seus sindicatos, partidos e sociedade. Somente pensar e agir
coletivamente poderá nos salvar e, consequentemente, trazer esperança para o
planeta vitimado pela ganância capitalista.
Em tempo: ao término
das férias, a depressão se fará presente, pois o corpo reage justamento ao
sistema capitalista. A perda de nossa liberdade e o prazer de se viver por nós
e não apenas sobreviver para geração de lucro para os burgueses.
Fonte: Por Luiz
Fernando Leal Padulla, no Le Monde
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