“Guerra
justa” em Gaza? Igreja Católica e Israel com respostas contrárias
Uma
declaração recente da Comissão Justiça e Paz da Terra Santa, intitulada “Guerra
justa?”, critica de forma contundente a operação militar israelita na Faixa de
Gaza, acusando-a de ser desproporcional. A resposta da embaixada de Israel
junto da Santa Sé não se fez esperar: assegura que o único objetivo da incursão
é “acabar com o domínio do Hamas” e impedir ataques terroristas futuros. Mas
para o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, não há
dúvidas: apesar de o conceito de “guerra justa” estar “em revisão”, não pode
mesmo ser aplicado ao que se passa em Gaza.
“Como
católicos da Terra Santa, que partilham a visão do Papa Francisco por um mundo
pacífico, estamos indignados com o facto de que os atores políticos em Israel e
no exterior estejam a usar a teoria da ‘guerra justa’ para perpetuar e
legitimar a guerra em curso em Gaza”, pode ler-se na declaração da Comissão
Justiça e Paz, datada de 30 de junho, e divulgada pela agência Fides no dia seguinte.
A
Comissão, que reúne líderes católicos latinos e orientais de Israel, Palestina,
Jordânia e Chipre, é liderada pelo patriarca latino de Jerusalém, cardeal
Pierbattista Pizzaballa.
O
documento opõe-se à utilização indevida da expressão “guerra justa” – da
doutrina social católica – “como uma arma para justificar a violência em curso
em Gaza”. E recorda os critérios definidos no parágrafo 2309 do Catecismo da
Igreja Católica para que uma guerra possa ser considerada “justa”: o recurso ao
uso de armas é legítimo apenas em resposta a uma agressão que tenha causado
danos e injustiças graves duradouras, e quando todos os outros meios de
prevenir os danos e acabar com os mesmos se tenham revelado impraticáveis e
ineficazes; a reação armada deve ainda ter uma perspetiva razoável de sucesso e
não causar destruição e sofrimento a pessoas inocentes superior ao mal a ser
eliminado.
“A
falta de objetivos declarados por Israel torna impossível avaliar se há ‘sérias
perspetivas de sucesso’. Acima de tudo, as guerras justas devem distinguir
claramente entre civis e combatentes, um princípio que foi ignorado por ambos
os lados nesta guerra com resultados trágicos. As guerras justas também devem
empregar o uso proporcional da força, algo que não pode ser facilmente dito de
uma guerra na qual o número de mortos palestinianos é superior em dezenas de
milhares de pessoas ao de israelitas e na qual a maioria das vítimas
palestinianas são mulheres e crianças”, evidencia a declaração.
“Há
aqueles que pretendem – insiste o documento da Justiça e Paz na Terra Santa –
que a guerra siga as regras da ‘proporcionalidade’, alegando que uma guerra que
continue até o fim poderia salvar as vidas dos israelitas no futuro, colocando
as milhares de vidas palestinas perdidas no presente no outro lado da balança.
Dessa forma, a segurança de pessoas hipotéticas no futuro é priorizada em
relação às vidas de seres humanos vivos que respiram e são mortos todos os
dias. Em resumo, a manipulação da linguagem da teoria da guerra justa não se
trata apenas de palavras: ela está a ter resultados tangíveis e fatais”,
conclui o texto.
·
Do conceito de “guerra
justa” à tarefa da paz
Numa
resposta publicada nas redes sociais esta terça-feira, 2 de julho, a embaixada israelita na
Santa Sé critica, por seu lado, a declaração da Comissão, afirmando que esta
“usa o pretexto religioso e truques linguísticos” para se opor de facto ao
“direito de Israel de se defender das intenções declaradas dos seus inimigos de
pôr fim à sua existência”.
Assegurando
que o objetivo de Israel, desde o início do conflito, é “acabar com o domínio
do Hamas no território e garantir que atrocidades como as cometidas em 7 de
outubro [de 2023] não aconteçam novamente”, a embaixada lamenta a forma como os
líderes católicos se referem aos eventos pós-7 de outubro como “a guerra em
Gaza” e afirma que as críticas à natureza desproporcional dos combates criam
“uma falsa simetria que reflete preconceito e parcialidade”.
A
embaixada alerta ainda para o facto de a Comissão Justiça e Paz usar o temo
“guerra justa” de uma forma que “não é consistente com o direito internacional,
com o qual Israel procura cumprir” e assinala que chamar o conflito de “guerra
em Gaza” é impreciso, já que “Israel também enfrenta ataques da parte do
Líbano, Síria, Iêmen e Irão”. “Por conseguinte, o título ‘A guerra contra a
existência de Israel’ descreverá os eventos dos últimos nove meses de forma
muito mais realista”, conclui o comunicado da embaixada.
Questionado
a propósito desta tensão entre os líderes católicos da Terra Santa e a
embaixada israelita na Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin sublinhou esta terça-feira que “só se pode falar de uma guerra justa
no contexto da defesa, no caso de uma guerra de defesa”. E concretamente sobre
o conflito em Gaza, disse: “Nunca é uma guerra justa, neste sentido”. O
secretário de Estado do Vaticano acrescentou ainda que “hoje, com as armas que
estão disponíveis este conceito torna-se muito difícil”. “Creio que ainda não
existe uma posição definitiva, mas é um conceito em revisão”, adiantou.
Parolin,
que falava aos jornalistas à margem da entrega do Prémio Literário dos
Embaixadores junto da Santa Sé – atribuído ao jornalista da RAI Piero Damosso,
pelo seu livro A Igreja pode parar a guerra? Uma investigação sessenta
anos depois da Pacem in Terris – havia já assinalado no seu discurso: “Às vezes parece que o trabalho diplomático produz
pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos nem ceder à tentação da
resignação; a paz é tarefa de cada um de nós a partir da nossa vivência
quotidiana, nas nossas cidades, nos nossos países, no mundo”.
Após
quase nove meses de guerra, o número de mortos palestinianos ultrapassou
os 38 mil, anunciou esta quinta-feira, 4 de julho, o Ministério da Saúde do
enclave governado pelo grupo radical Hamas. De acordo com a ONU, os
intensos combates em curso forçaram cerca de 84 mil pessoas a fugir da Cidade
de Gaza só nos últimos dias e cortaram o acesso a um importante centro de
distribuição de ajuda no norte do enclave. Estima-se que nove em cada dez
pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas internamente pelo menos uma vez, e em
alguns casos, até 10 vezes, desde outubro do ano passado.
Quanto
aos 116 reféns que continuam detidos na Faixa de Gaza, estimativas realizadas
pelas autoridades norte-americanas indicam que apenas 50 estarão vivos. Vários
familiares destes reféns bloquearam esta quinta-feira a autoestrada Ayalon, em Telavive, exigindo um acordo para
a libertação dos sequestrados e o fim do atual Governo. O protesto foi
replicado noutras partes do país, como na autoestrada 4, perto de Netanya, onde
um grupo de pessoas queimou pneus e exigiu um acordo para uma trégua e eleições
antecipadas.
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Igrejas da Terra Santa
denunciam “ataque coordenado” das autoridades israelitas contra os cristãos
Os
patriarcas e líderes das Igrejas Cristãs em Jerusalém escreveram uma carta ao
primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, lamentando o que consideram
ser “um ataque coordenado à presença cristã na Terra Santa”, depois de quatro
municípios do país terem tentado aplicar impostos municipais às propriedades
das igrejas, contradizendo “séculos” de acordos históricos.
“Neste
momento em que o mundo inteiro, e em particular o mundo cristão, acompanha
constantemente os acontecimentos em Israel, encontramo-nos mais uma vez
confrontados com uma tentativa das autoridades de expulsar a presença cristã da
Terra Santa”, escreveram os os líderes religiosos, incluindo o cardeal
Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Católico Latino de Jerusalém, e o padre
franciscano Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, na missiva citada pela Catholic News Agency.
Na
carta, datada de 23 de junho, os responsáveis cristãos expressam preocupação
após terem recebido cartas de advertência ou relativas a ações legais em quatro
municípios de Israel (Tel Aviv, Ramle, Nazaré e Jerusalém) por alegadas dívidas
fiscais.
Lembrando
que, “durante séculos”, as propriedades da Igreja tiveram isenções de impostos
municipais de acordo com o status quo estabelecido, e que o
dinheiro arrecadado foi investido em benefício do Estado como “escolas,
hospitais, lares de idosos e instalações para os desfavorecidos”, os líderes
consideram as ações municipais “tendenciosas” e contrárias à posição histórica
das Igrejas e à sua relação com o governo, “violando os acordos e compromissos
internacionais existentes que garantem os direitos” das mesmas.
“É
escandaloso que, precisamente nestes tempos delicados e complicados em que a
paciência, a compaixão, a unidade na oração e a esperança devem prevalecer, os
municípios estejam a abrir processos contra as Igrejas nos tribunais e a emitir
ameaças. Isso constitui um desrespeito pelos nossos costumes e pelo que nos é
caro, e atropela o respeito mútuo que existia entre nós até esse momento”,
acrescentam.
Numa
entrevista à Associated Press, o município de Jerusalém afirmou que as
autoridades eclesiásticas não apresentaram os pedidos necessários de isenção
fiscal nos últimos anos.
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Porta-voz do Hamas diz
que não confia em Netanyahu nem no governo dos EUA
O
porta-voz do Hamas disse, após as primeiras notícias sobre a retomada das
negociações com Israel, que não confia no primeiro-ministro israelense,
Benjamin Netanyahu, nem no governo dos Estados Unidos.
"Não
confiamos em Netanyahu nem na administração dos EUA. Confiamos na resistência,
em nossa cidade e nas frentes de apoio", disse o porta-voz do Hamas Ahmed
Abdel Hadi à mídia libanesa nesta quinta-feira (4).
"Ao
monitorar as declarações de Netanyahu, podemos notar a contradição. Isso
confirma que Netanyahu não leva a sério o lema de um acordo, […] Netanyahu não
quer um cessar-fogo", afirmou.
O
porta-voz disse ainda que "não apresentaremos um documento nem
forneceremos uma resposta à última proposta de acordo de cessar-fogo com [a
libertação de] reféns, mas mostraremos flexibilidade".
Hadi
disse ainda que estão tentando chegar a um acordo concreto, "tratando de
formular frases fixas, e a flexibilidade hoje em dia está na forma, não no
conteúdo".
Mais
de seis meses de negociações levadas a cabo por mediadores, nomeadamente
Estados Unidos, Catar e Egito, não permitiram avançar com um acordo para a
libertação de 116 reféns sequestrados em 7 de outubro de 2023 em Israel, em
troca de uma trégua nos combates e da libertação de centenas de prisioneiros
palestinos.
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Chefe da inteligência
de Israel vai ao Catar para negociar cessar-fogo em Gaza, diz mídia
David
Barnea, diretor do serviço secreto de inteligência de Israel, Mossad, está indo
ao Catar para participar de negociações sobre o cessar-fogo na Faixa de Gaza.
É o
que informou, nesta quinta-feira (4), o jornal The Times of Israel, citando
autoridades israelenses.
De
acordo com a mídia, Barnea se encontrará com o primeiro-ministro do Catar,
Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, na sexta-feira (5).
Na
quarta-feira (3), Israel disse ter recebido uma mensagem do movimento palestino
Hamas sobre uma proposta de cessar-fogo em troca da libertação de reféns, e que
fornecerá sua resposta após avaliação.
Conflito
Em
7 de outubro de 2023, um ataque coordenado pelo Hamas a mais de 20 comunidades
israelenses resultou em aproximadamente 1,2 mil mortes, cerca de 5,5 mil
feridos e na captura de 253 reféns, dos quais cerca de 100 foram posteriormente
libertados em trocas de prisioneiros.
Em
retaliação, Israel declarou guerra contra o Hamas e lançou uma série de
bombardeios na Faixa de Gaza, que até agora deixaram cerca de 37,9 mil
palestinos mortos e quase 87 mil feridos.
A
Rússia e outros países instam Israel e o Hamas a concordarem com um cessar-fogo
e a defenderem a solução de dois Estados, aprovada pelas Nações Unidas em 1947,
como a única forma possível de alcançar uma paz duradoura na região.
Fonte:
7 Margens/Sputnik Brasil
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