sábado, 6 de julho de 2024

“Guerra justa” em Gaza? Igreja Católica e Israel com respostas contrárias

Uma declaração recente da Comissão Justiça e Paz da Terra Santa, intitulada “Guerra justa?”, critica de forma contundente a operação militar israelita na Faixa de Gaza, acusando-a de ser desproporcional. A resposta da embaixada de Israel junto da Santa Sé não se fez esperar: assegura que o único objetivo da incursão é “acabar com o domínio do Hamas” e impedir ataques terroristas futuros. Mas para o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, não há dúvidas: apesar de o conceito de “guerra justa” estar “em revisão”, não pode mesmo ser aplicado ao que se passa em Gaza.

“Como católicos da Terra Santa, que partilham a visão do Papa Francisco por um mundo pacífico, estamos indignados com o facto de que os atores políticos em Israel e no exterior estejam a usar a teoria da ‘guerra justa’ para perpetuar e legitimar a guerra em curso em Gaza”, pode ler-se na declaração da Comissão Justiça e Paz, datada de 30 de junho, e divulgada pela agência Fides no dia seguinte.

A Comissão, que reúne líderes católicos latinos e orientais de Israel, Palestina, Jordânia e Chipre, é liderada pelo patriarca latino de Jerusalém, cardeal Pierbattista Pizzaballa.

O documento opõe-se à utilização indevida da expressão “guerra justa” – da doutrina social católica – “como uma arma para justificar a violência em curso em Gaza”. E recorda os critérios definidos no parágrafo 2309 do Catecismo da Igreja Católica para que uma guerra possa ser considerada “justa”: o recurso ao uso de armas é legítimo apenas em resposta a uma agressão que tenha causado danos e injustiças graves duradouras, e quando todos os outros meios de prevenir os danos e acabar com os mesmos se tenham revelado impraticáveis e ineficazes; a reação armada deve ainda ter uma perspetiva razoável de sucesso e não causar destruição e sofrimento a pessoas inocentes superior ao mal a ser eliminado.

“A falta de objetivos declarados por Israel torna impossível avaliar se há ‘sérias perspetivas de sucesso’. Acima de tudo, as guerras justas devem distinguir claramente entre civis e combatentes, um princípio que foi ignorado por ambos os lados nesta guerra com resultados trágicos. As guerras justas também devem empregar o uso proporcional da força, algo que não pode ser facilmente dito de uma guerra na qual o número de mortos palestinianos é superior em dezenas de milhares de pessoas ao de israelitas e na qual a maioria das vítimas palestinianas são mulheres e crianças”, evidencia a declaração.

“Há aqueles que pretendem – insiste o documento da Justiça e Paz na Terra Santa – que a guerra siga as regras da ‘proporcionalidade’, alegando que uma guerra que continue até o fim poderia salvar as vidas dos israelitas no futuro, colocando as milhares de vidas palestinas perdidas no presente no outro lado da balança. Dessa forma, a segurança de pessoas hipotéticas no futuro é priorizada em relação às vidas de seres humanos vivos que respiram e são mortos todos os dias. Em resumo, a manipulação da linguagem da teoria da guerra justa não se trata apenas de palavras: ela está a ter resultados tangíveis e fatais”, conclui o texto.

·        Do conceito de “guerra justa” à tarefa da paz

Numa resposta publicada nas redes sociais esta terça-feira, 2 de julho, a embaixada israelita na Santa Sé critica, por seu lado, a declaração da Comissão, afirmando que esta “usa o pretexto religioso e truques linguísticos” para se opor de facto ao “direito de Israel de se defender das intenções declaradas dos seus inimigos de pôr fim à sua existência”.

Assegurando que o objetivo de Israel, desde o início do conflito, é “acabar com o domínio do Hamas no território e garantir que atrocidades como as cometidas em 7 de outubro [de 2023] não aconteçam novamente”, a embaixada lamenta a forma como os líderes católicos se referem aos eventos pós-7 de outubro como “a guerra em Gaza” e afirma que as críticas à natureza desproporcional dos combates criam “uma falsa simetria que reflete preconceito e parcialidade”.

A embaixada alerta ainda para o facto de a Comissão Justiça e Paz usar o temo “guerra justa” de uma forma que “não é consistente com o direito internacional, com o qual Israel procura cumprir” e assinala que chamar o conflito de “guerra em Gaza” é impreciso, já que “Israel também enfrenta ataques da parte do Líbano, Síria, Iêmen e Irão”. “Por conseguinte, o título ‘A guerra contra a existência de Israel’ descreverá os eventos dos últimos nove meses de forma muito mais realista”, conclui o comunicado da embaixada.

Questionado a propósito desta tensão entre os líderes católicos da Terra Santa e a embaixada israelita na Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin sublinhou esta terça-feira que “só se pode falar de uma guerra justa no contexto da defesa, no caso de uma guerra de defesa”. E concretamente sobre o conflito em Gaza, disse: “Nunca é uma guerra justa, neste sentido”. O secretário de Estado do Vaticano acrescentou ainda que “hoje, com as armas que estão disponíveis este conceito torna-se muito difícil”. “Creio que ainda não existe uma posição definitiva, mas é um conceito em revisão”, adiantou.

Parolin, que falava aos jornalistas à margem da entrega do Prémio Literário dos Embaixadores junto da Santa Sé – atribuído ao jornalista da RAI Piero Damosso, pelo seu livro A Igreja pode parar a guerra? Uma investigação sessenta anos depois da Pacem in Terris – havia já assinalado no seu discurso: “Às vezes parece que o trabalho diplomático produz pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos nem ceder à tentação da resignação; a paz é tarefa de cada um de nós a partir da nossa vivência quotidiana, nas nossas cidades, nos nossos países, no mundo”.

Após quase nove meses de guerra, o número de mortos palestinianos  ultrapassou os 38 mil, anunciou esta quinta-feira, 4 de julho, o Ministério da Saúde do enclave governado pelo grupo radical Hamas. De acordo com a ONU, os intensos combates em curso forçaram cerca de 84 mil pessoas a fugir da Cidade de Gaza só nos últimos dias e cortaram o acesso a um importante centro de distribuição de ajuda no norte do enclave. Estima-se que nove em cada dez pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas internamente pelo menos uma vez, e em alguns casos, até 10 vezes, desde outubro do ano passado.

Quanto aos 116 reféns que continuam detidos na Faixa de Gaza, estimativas realizadas pelas autoridades norte-americanas indicam que apenas 50 estarão vivos. Vários familiares destes reféns bloquearam esta quinta-feira a autoestrada Ayalon, em Telavive, exigindo um acordo para a libertação dos sequestrados e o fim do atual Governo. O protesto foi replicado noutras partes do país, como na autoestrada 4, perto de Netanya, onde um grupo de pessoas queimou pneus e exigiu um acordo para uma trégua e eleições antecipadas.

¨      Igrejas da Terra Santa denunciam “ataque coordenado” das autoridades israelitas contra os cristãos

Os patriarcas e líderes das Igrejas Cristãs em Jerusalém escreveram uma carta ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, lamentando o que consideram ser “um ataque coordenado à presença cristã na Terra Santa”, depois de quatro municípios do país terem tentado aplicar impostos municipais às propriedades das igrejas, contradizendo “séculos” de acordos históricos.

“Neste momento em que o mundo inteiro, e em particular o mundo cristão, acompanha constantemente os acontecimentos em Israel, encontramo-nos mais uma vez confrontados com uma tentativa das autoridades de expulsar a presença cristã da Terra Santa”, escreveram os os líderes religiosos, incluindo o cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Católico Latino de Jerusalém, e o padre franciscano Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, na missiva citada pela Catholic News Agency.

Na carta, datada de 23 de junho, os responsáveis cristãos expressam preocupação após terem recebido cartas de advertência ou relativas a ações legais em quatro municípios de Israel (Tel Aviv, Ramle, Nazaré e Jerusalém) por alegadas dívidas fiscais.

Lembrando que, “durante séculos”, as propriedades da Igreja tiveram isenções de impostos municipais de acordo com o status quo estabelecido, e que o dinheiro arrecadado foi investido em benefício do Estado como “escolas, hospitais, lares de idosos e instalações para os desfavorecidos”, os líderes consideram as ações municipais “tendenciosas” e contrárias à posição histórica das Igrejas e à sua relação com o governo, “violando os acordos e compromissos internacionais existentes que garantem os direitos” das mesmas.

“É escandaloso que, precisamente nestes tempos delicados e complicados em que a paciência, a compaixão, a unidade na oração e a esperança devem prevalecer, os municípios estejam a abrir processos contra as Igrejas nos tribunais e a emitir ameaças. Isso constitui um desrespeito pelos nossos costumes e pelo que nos é caro, e atropela o respeito mútuo que existia entre nós até esse momento”, acrescentam.

Numa entrevista à Associated Press, o município de Jerusalém afirmou que as autoridades eclesiásticas não apresentaram os pedidos necessários de isenção fiscal nos últimos anos.

 

¨      Porta-voz do Hamas diz que não confia em Netanyahu nem no governo dos EUA

O porta-voz do Hamas disse, após as primeiras notícias sobre a retomada das negociações com Israel, que não confia no primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, nem no governo dos Estados Unidos.

"Não confiamos em Netanyahu nem na administração dos EUA. Confiamos na resistência, em nossa cidade e nas frentes de apoio", disse o porta-voz do Hamas Ahmed Abdel Hadi à mídia libanesa nesta quinta-feira (4).

"Ao monitorar as declarações de Netanyahu, podemos notar a contradição. Isso confirma que Netanyahu não leva a sério o lema de um acordo, […] Netanyahu não quer um cessar-fogo", afirmou.

O porta-voz disse ainda que "não apresentaremos um documento nem forneceremos uma resposta à última proposta de acordo de cessar-fogo com [a libertação de] reféns, mas mostraremos flexibilidade".

Hadi disse ainda que estão tentando chegar a um acordo concreto, "tratando de formular frases fixas, e a flexibilidade hoje em dia está na forma, não no conteúdo".

Mais de seis meses de negociações levadas a cabo por mediadores, nomeadamente Estados Unidos, Catar e Egito, não permitiram avançar com um acordo para a libertação de 116 reféns sequestrados em 7 de outubro de 2023 em Israel, em troca de uma trégua nos combates e da libertação de centenas de prisioneiros palestinos.

·        Chefe da inteligência de Israel vai ao Catar para negociar cessar-fogo em Gaza, diz mídia

David Barnea, diretor do serviço secreto de inteligência de Israel, Mossad, está indo ao Catar para participar de negociações sobre o cessar-fogo na Faixa de Gaza.

É o que informou, nesta quinta-feira (4), o jornal The Times of Israel, citando autoridades israelenses.

De acordo com a mídia, Barnea se encontrará com o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, na sexta-feira (5).

Na quarta-feira (3), Israel disse ter recebido uma mensagem do movimento palestino Hamas sobre uma proposta de cessar-fogo em troca da libertação de reféns, e que fornecerá sua resposta após avaliação.

Conflito

Em 7 de outubro de 2023, um ataque coordenado pelo Hamas a mais de 20 comunidades israelenses resultou em aproximadamente 1,2 mil mortes, cerca de 5,5 mil feridos e na captura de 253 reféns, dos quais cerca de 100 foram posteriormente libertados em trocas de prisioneiros.

Em retaliação, Israel declarou guerra contra o Hamas e lançou uma série de bombardeios na Faixa de Gaza, que até agora deixaram cerca de 37,9 mil palestinos mortos e quase 87 mil feridos.

A Rússia e outros países instam Israel e o Hamas a concordarem com um cessar-fogo e a defenderem a solução de dois Estados, aprovada pelas Nações Unidas em 1947, como a única forma possível de alcançar uma paz duradoura na região.

 

Fonte: 7 Margens/Sputnik Brasil 

 

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