sábado, 20 de julho de 2024

Geraldo Guedes: Em agosto, os médicos têm a chance de colocar o CFM nos trilhos, com ciência  em 1⁰ lugar

Nos dias 6 e 7 de agosto, 575 mil médicos e médicas em atividade no Brasil vão eleger os conselheiros que, de outubro até setembro de 2029, estarão à frente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

São dois por Unidade da Federação, 27 efetivos e 27 suplentes.

Aos eleitos caberá, entre outras atribuições, escolher a nova diretoria, incluindo o presidente da entidade.

A eleição ocorre num momento difícil da história do Conselho Federal.

A credibilidade e a respeitabilidade órgão estão em baixa.

Embora o pleito seja da categoria médica, ele interessa a todos nós.

“Na pandemia de covid-19, o CFM, através de seus conselheiros, cometeu graves equívocos’’, afirma em entrevista ao Viomundo o médico e doutor em Medicina Social Geraldo Luís Moreira Guedes.

‘’Infelizmente, o Conselho prestou um grande desserviço à sociedade e à própria medicina, causando danos irreparáveis à população brasileira’’, observa.

‘’Como se não bastasse isso, o CFM segue cometendo equívocos até hoje, inclusive se imiscuindo em questões fora de sua alçada’’, acrescenta.

Geraldo Guedes é professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde chefiou o Departamento de Medicina Preventiva e Social.

De 2004 a 2009, foi conselheiro titular do Conselho Federal de Medicina.

Antes, conselheiro e presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG).

>>>> Segue a íntegra da entrevista.

•        Qual a importância desta eleição?

Geraldo Guedes – É a oportunidade para a categoria médica colocar o CFM nos trilhos.

•        Fale mais a respeito.

Geraldo Guedes — De cinco em cinco anos, os médicos brasileiros são chamados a votar e escolher seus representantes junto ao CFM. São dois por Unidade da Federação.

O atual corpo de conselheiros foi eleito em agosto de 2019.

Vivíamos um momento terrível da vida nacional. Uma onda do atraso varria o País.

O Brasil havia acabado de eleger e dar posse a um presidente que veio a se tornar, no mínimo, catastrófico para o País.

Nessa onda do atraso, os novos conselheiros eleitos tomaram posse e passaram também representar um desastre para a medicina, portanto para a saúde do povo brasileiro.

Em 2020, veio a terrível pandemia de covid-19, quando o CFM, através de seus conselheiros, cometeu graves equívocos que todos nós testemunhamos.

E segue cometendo equívocos até hoje, inclusive se imiscuindo em questões fora de sua alçada.

Por isso, reitero: esta eleição em agosto é a oportunidade para a categoria médica mudar essa situação e colocar o CFM nos trilhos.

•        O que significa colocar o CFM nos trilhos?

Geraldo Guedes — O CFM, como um órgão de Estado, cumprir a sua missão de defender a sociedade da má prática médica além de lutar por saúde de qualidade para a população brasileira.

•        Então o CFM existe para defender também a sociedade e não apenas o médico?

Geraldo Guedes – Como instituição de Estado, sim. Ao propugnar trabalho e remuneração digna para os médicos, está, na prática, defendendo também os usuários do sistema de saúde, tanto público quanto privado.

Defender a boa prática da medicina, assim como serviços de saúde de qualidade e em quantidade, é estar ao lado da cidadania e dos direitos humanos.

•        Quais as obrigações do CFM previstas em lei?

Geraldo Guedes – O princípio maior que rege a criação e a missão do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos Conselhos Regionais (CRMs) está em lei federal de 1957: zelar pela boa prática da medicina, usando dos meios disponíveis e legais para garantir o exercício ético da profissão.

É a lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente da República, o médico Juscelino Kubitschek. Ela é que regulamenta os Conselhos de Medicina no País.

•        Dentro desse princípio maior, quais os principais papéis do Conselho Federal?

Geraldo Guedes – São dois. Um é administrativo. O CFM é que efetivamente dá ao graduado em medicina o direito de exercê-la. O CFM registra os seus diplomas legais e fiscaliza o exercício da medicina.

O outro papel é judicante. O CFM funciona como um tribunal que julga, de acordo com o Código de Ética Médica (CEM), os possíveis erros do médico no exercício da profissão. Neste caso, pode eventualmente punir e até cassar o exercício profissional.

•        O CFM pode fazer o que bem entender?

Geraldo Guedes – Claro que não! O CFM tem autonomia dentro do que está previsto em lei, mas isso não pode ser confundido com soberania.

•        O CFM pode autorizar o uso de novo medicamento sem eficácia científica comprovada, como foi o caso da cloroquina na pandemia de covid-19?

Geraldo Guedes – NÃO!

•        E vetar procedimento autorizado/recomendado por organismos científicos internacionais e a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), como foi o caso da assistolia para interrupção da gravidez após 22 semanas em casos de estupro e anencefalia?

Geraldo Guedes – Também NÃO!

Nos dois exemplos citados por você, o CFM avançou o sinal.

No caso da cloroquina/ivermectina, é só dar uma olhada no relatório da CPI da Pandemia. Em relação ao veto à assistolia fetal, basta ver a decisão do STF.

Essas trapalhadas levam a verdadeiros desastres e a muita confusão na cabeça dos cidadãos brasileiros, inclusive de médicos.

•        É possível dizer que nesses dois casos o CFM infringiu o Código de Ética Médica?

Geraldo Guedes — Sim.

•        Na pandemia, o CFM defendeu que o médico tinha autonomia para prescrever o que quisesse, como cloroquina/ivermectina, mesmo sem respaldo científico. A autonomia do médico é ilimitada?

Geraldo Guedes — Mais uma vez a resposta é NÃO. Eles usaram a conversa de tratamento experimental, dito off label. Pura tergiversacão. Não existe essa prática em saúde pública. Ela só é aceita em situações muito específicas na medicina.

O CFM prestou um grande desserviço à sociedade e à própria medicina, causando danos irreparáveis à população brasileira.

•        Paradoxalmente, médicos que se negaram a prescrever esses ‘’tratamentos’’  contra a covid-19 foram perseguidos em alguns estados pelos CRMs locais. Isso é ético?

Geraldo Guedes — Veja a que ponto chega uma instituição quando é mal dirigida e tem má intenção. Constrangeu e tentou punir indevidamente médicos no exercício ético e legal da medicina.

Recentemente, o Cremesp [Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo] já tinha iniciado procedimento para punir médicos que haviam realizado aborto legal após  22⁰ semana de gravidez em vítimas de estupro. Aí, o Supremo Tribunal Federal colocou fim a essa sandice.

Ao exorbitar em suas prerrogativas legais, o órgão responsável pela ética na profissão é o primeiro a agir contra a própria ética.

•        Ao mesmo tempo, o CFM não defendeu a adoção de medidas comprovadamente efetivas contra a covid, como o distanciamento social e o uso de máscara. Isso configuraria também infração do Código de Ética Médica, já que não agiu pra proteger a sociedade?

Geraldo Guedes – Da mesma forma, sim! Que absurdo, não é! Mas hoje tudo isso está muito claro.

O CFM se somou ao negacionismo científico que tanto fez — e ainda faz — mal à sociedade brasileira.

•        Até onde vai autonomia do médico? E a do CFM?

Geraldo Guedes — Autonomia não é soberania. O CFM insisti em agir como se estivesse acima da lei. Não está!

•        O que diferencia a autonomia da soberania?

Geraldo Guedes — Autonomia pode ser política e administrativa dentro dos limites das leis que regem a vida do CFM e Conselhos Regionais.

Por exemplo, cabe ao CFM estabelecer e atualizar o Código de Ética Médica, emitir pareceres sobre questões relacionadas ao exercício profissional e promulgar resoluções que estabeleçam normas para o exercício da profissao. Também tem autonomia para julgar e condenar médicos que cometem infrações, respeitado o devido processo legal.

Soberania significa poder de autodeterminação plena, não condicionado às leis e normas que regem o funcionamento e atribuições do Conselho Federal de Medicina.

•        As decisões do CFM têm que se pautar em quê?

Geraldo Guedes — Pela lei vigente, pelo Código de Ética Médica e por boas políticas públicas na medicina e na saúde, embasadas cientificamente, é claro.

•        Decisões do CFM podem se pautar por princípios ideológicos e/ou religiosos, mesmo a entidade acusando de ideológico os que rechaçam tais decisões?

Geraldo Guedes — Essa é uma velha prática da extrema direita; medem o outro com sua régua.

Por isso, dizemos que este CFM não nos representa. É preciso lutar pela ética no exercício da medicina, por serviço de saúde de qualidade, pela boa formação do futuro profissional e pelo SUS.

 

Fonte: Por Conceição Lemes em Viomundo

 

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