Geraldo Guedes: Em agosto, os médicos têm a
chance de colocar o CFM nos trilhos, com ciência em 1⁰ lugar
Nos dias 6 e 7 de
agosto, 575 mil médicos e médicas em atividade no Brasil vão eleger os
conselheiros que, de outubro até setembro de 2029, estarão à frente do Conselho
Federal de Medicina (CFM).
São dois por Unidade
da Federação, 27 efetivos e 27 suplentes.
Aos eleitos caberá,
entre outras atribuições, escolher a nova diretoria, incluindo o presidente da
entidade.
A eleição ocorre num
momento difícil da história do Conselho Federal.
A credibilidade e a
respeitabilidade órgão estão em baixa.
Embora o pleito seja
da categoria médica, ele interessa a todos nós.
“Na pandemia de
covid-19, o CFM, através de seus conselheiros, cometeu graves equívocos’’,
afirma em entrevista ao Viomundo o médico e doutor em Medicina Social Geraldo
Luís Moreira Guedes.
‘’Infelizmente, o
Conselho prestou um grande desserviço à sociedade e à própria medicina,
causando danos irreparáveis à população brasileira’’, observa.
‘’Como se não bastasse
isso, o CFM segue cometendo equívocos até hoje, inclusive se imiscuindo em
questões fora de sua alçada’’, acrescenta.
Geraldo Guedes é
professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), onde chefiou o Departamento de Medicina Preventiva e Social.
De 2004 a 2009, foi
conselheiro titular do Conselho Federal de Medicina.
Antes, conselheiro e
presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG).
>>>> Segue
a íntegra da entrevista.
• Qual a importância desta eleição?
Geraldo Guedes – É a
oportunidade para a categoria médica colocar o CFM nos trilhos.
• Fale mais a respeito.
Geraldo Guedes — De
cinco em cinco anos, os médicos brasileiros são chamados a votar e escolher
seus representantes junto ao CFM. São dois por Unidade da Federação.
O atual corpo de
conselheiros foi eleito em agosto de 2019.
Vivíamos um momento
terrível da vida nacional. Uma onda do atraso varria o País.
O Brasil havia acabado
de eleger e dar posse a um presidente que veio a se tornar, no mínimo,
catastrófico para o País.
Nessa onda do atraso,
os novos conselheiros eleitos tomaram posse e passaram também representar um
desastre para a medicina, portanto para a saúde do povo brasileiro.
Em 2020, veio a
terrível pandemia de covid-19, quando o CFM, através de seus conselheiros,
cometeu graves equívocos que todos nós testemunhamos.
E segue cometendo
equívocos até hoje, inclusive se imiscuindo em questões fora de sua alçada.
Por isso, reitero:
esta eleição em agosto é a oportunidade para a categoria médica mudar essa
situação e colocar o CFM nos trilhos.
• O que significa colocar o CFM nos
trilhos?
Geraldo Guedes — O
CFM, como um órgão de Estado, cumprir a sua missão de defender a sociedade da
má prática médica além de lutar por saúde de qualidade para a população
brasileira.
• Então o CFM existe para defender também
a sociedade e não apenas o médico?
Geraldo Guedes – Como
instituição de Estado, sim. Ao propugnar trabalho e remuneração digna para os
médicos, está, na prática, defendendo também os usuários do sistema de saúde,
tanto público quanto privado.
Defender a boa prática
da medicina, assim como serviços de saúde de qualidade e em quantidade, é estar
ao lado da cidadania e dos direitos humanos.
• Quais as obrigações do CFM previstas em
lei?
Geraldo Guedes – O
princípio maior que rege a criação e a missão do Conselho Federal de Medicina
(CFM) e dos Conselhos Regionais (CRMs) está em lei federal de 1957: zelar pela
boa prática da medicina, usando dos meios disponíveis e legais para garantir o
exercício ético da profissão.
É a lei nº 3.268, de
30 de setembro de 1957, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
então presidente da República, o médico Juscelino Kubitschek. Ela é que
regulamenta os Conselhos de Medicina no País.
• Dentro desse princípio maior, quais os
principais papéis do Conselho Federal?
Geraldo Guedes – São
dois. Um é administrativo. O CFM é que efetivamente dá ao graduado em medicina
o direito de exercê-la. O CFM registra os seus diplomas legais e fiscaliza o
exercício da medicina.
O outro papel é
judicante. O CFM funciona como um tribunal que julga, de acordo com o Código de
Ética Médica (CEM), os possíveis erros do médico no exercício da profissão.
Neste caso, pode eventualmente punir e até cassar o exercício profissional.
• O CFM pode fazer o que bem entender?
Geraldo Guedes – Claro
que não! O CFM tem autonomia dentro do que está previsto em lei, mas isso não
pode ser confundido com soberania.
• O CFM pode autorizar o uso de novo
medicamento sem eficácia científica comprovada, como foi o caso da cloroquina
na pandemia de covid-19?
Geraldo Guedes – NÃO!
• E vetar procedimento
autorizado/recomendado por organismos científicos internacionais e a própria
Organização Mundial de Saúde (OMS), como foi o caso da assistolia para
interrupção da gravidez após 22 semanas em casos de estupro e anencefalia?
Geraldo Guedes –
Também NÃO!
Nos dois exemplos
citados por você, o CFM avançou o sinal.
No caso da
cloroquina/ivermectina, é só dar uma olhada no relatório da CPI da Pandemia. Em
relação ao veto à assistolia fetal, basta ver a decisão do STF.
Essas trapalhadas
levam a verdadeiros desastres e a muita confusão na cabeça dos cidadãos
brasileiros, inclusive de médicos.
• É possível dizer que nesses dois casos o
CFM infringiu o Código de Ética Médica?
Geraldo Guedes — Sim.
• Na pandemia, o CFM defendeu que o médico
tinha autonomia para prescrever o que quisesse, como cloroquina/ivermectina,
mesmo sem respaldo científico. A autonomia do médico é ilimitada?
Geraldo Guedes — Mais
uma vez a resposta é NÃO. Eles usaram a conversa de tratamento experimental,
dito off label. Pura tergiversacão. Não existe essa prática em saúde pública.
Ela só é aceita em situações muito específicas na medicina.
O CFM prestou um
grande desserviço à sociedade e à própria medicina, causando danos irreparáveis
à população brasileira.
• Paradoxalmente, médicos que se negaram a
prescrever esses ‘’tratamentos’’ contra
a covid-19 foram perseguidos em alguns estados pelos CRMs locais. Isso é ético?
Geraldo Guedes — Veja
a que ponto chega uma instituição quando é mal dirigida e tem má intenção.
Constrangeu e tentou punir indevidamente médicos no exercício ético e legal da
medicina.
Recentemente, o
Cremesp [Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo] já tinha
iniciado procedimento para punir médicos que haviam realizado aborto legal
após 22⁰ semana de gravidez em vítimas
de estupro. Aí, o Supremo Tribunal Federal colocou fim a essa sandice.
Ao exorbitar em suas
prerrogativas legais, o órgão responsável pela ética na profissão é o primeiro
a agir contra a própria ética.
• Ao mesmo tempo, o CFM não defendeu a
adoção de medidas comprovadamente efetivas contra a covid, como o
distanciamento social e o uso de máscara. Isso configuraria também infração do
Código de Ética Médica, já que não agiu pra proteger a sociedade?
Geraldo Guedes – Da
mesma forma, sim! Que absurdo, não é! Mas hoje tudo isso está muito claro.
O CFM se somou ao
negacionismo científico que tanto fez — e ainda faz — mal à sociedade
brasileira.
• Até onde vai autonomia do médico? E a do
CFM?
Geraldo Guedes —
Autonomia não é soberania. O CFM insisti em agir como se estivesse acima da
lei. Não está!
• O que diferencia a autonomia da
soberania?
Geraldo Guedes —
Autonomia pode ser política e administrativa dentro dos limites das leis que
regem a vida do CFM e Conselhos Regionais.
Por exemplo, cabe ao
CFM estabelecer e atualizar o Código de Ética Médica, emitir pareceres sobre
questões relacionadas ao exercício profissional e promulgar resoluções que
estabeleçam normas para o exercício da profissao. Também tem autonomia para
julgar e condenar médicos que cometem infrações, respeitado o devido processo
legal.
Soberania significa
poder de autodeterminação plena, não condicionado às leis e normas que regem o
funcionamento e atribuições do Conselho Federal de Medicina.
• As decisões do CFM têm que se pautar em
quê?
Geraldo Guedes — Pela
lei vigente, pelo Código de Ética Médica e por boas políticas públicas na
medicina e na saúde, embasadas cientificamente, é claro.
• Decisões do CFM podem se pautar por
princípios ideológicos e/ou religiosos, mesmo a entidade acusando de ideológico
os que rechaçam tais decisões?
Geraldo Guedes — Essa
é uma velha prática da extrema direita; medem o outro com sua régua.
Por isso, dizemos que
este CFM não nos representa. É preciso lutar pela ética no exercício da
medicina, por serviço de saúde de qualidade, pela boa formação do futuro
profissional e pelo SUS.
Fonte: Por Conceição
Lemes em Viomundo
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