Carlos Castilho: ‘O jornalismo diante do
fenômeno dos influenciadores digitais’
A quantidade de
influenciadores digitais está crescendo nas redes sociais a um ritmo muito
maior do que o previsto, gerando um fenômeno que já configura um novo desafio
para o jornalismo, bem como para outras áreas do conhecimento humano como
política, justiça, economia e educação.
Aquilo que há pouco
mais de cinco anos era um passatempo de jovens buscando visibilidade na
internet, tornou-se agora um negócio multibilionário e uma atividade que começa
a mudar os fluxos de notícias nas redes sociais, o que inevitavelmente acabará
afetando a forma como lidamos com a informação.
Em 2018, estimava-se
que o número de influenciadores digitais era de aproximadamente 100 milhões no
mundo inteiro. No ano passado, já se falava na existência de um bilhão e meio de pessoas usando a internet para ganhar fama e principalmente
dinheiro fazendo publicidade própria e de empresas.
O negócio do marketing
por influenciadores mais do que triplicou entre 2019 e 2024 saltando, segundo a
empresa Statista, de um total de 6,5 bilhões de dólares para
esperados 24 bilhões de dólares até dezembro próximo. Trata-se de um fenômeno
que tende a mudar não só o varejo mundial, mas principalmente a forma como nos relacionamos com a
informação e acessamos notícias. Na Ásia, já existe até um laboratório etnográfico sobre comportamento de influenciadores e a empresa
brasileira BuzzMonitor alega ter um milhão de
influenciadores cadastrados que ela oferece a outras empresas interessadas no
marketing da influência.
·
Brasileiros lideram
Só na rede social
Instagram existem 64 milhões de influenciadores em todo mundo, segundo dados do
site TrendHero. Aqui no Brasil, de acordo com a mesma fonte, há
5,4 milhões de pessoas que procuram influenciar decisões de seguidores na internet. Somos o país com maior número de
influenciadores identificados como tal, superando os Estados Unidos (4,7
milhões) e a Índia (2,3 milhões). São números que impressionam,
especialmente porque revelam a existência de uma mão de obra numerosa e barata, formada especialmente por jovens ávidos por notoriedade.
A atividade está sendo
impulsionada também pela política, onde os influenciadores têm motivações
ideológicas. Uma entrada no YouTube permite identificar
campeões de audiência como o influenciador de esquerda Thiago dos Reis, 36
anos, dono do canal Plantão Brasil, no YouTube,
com 1,5 milhão de seguidores responsáveis por um bilhão de visualizações desde
2017.
Ao monetizar o
aconselhamento de outras pessoas, os influenciadores tendem a multiplicar
exponencialmente a diversificação e o volume de informações numa intensidade
muitíssimo maior do que a oferecida pela imprensa atual. Isto sem falar no fato
de que as recomendações feitas por eles estão condicionadas por interesses e
experiências pessoais, o que inevitavelmente gera uma situação complexa que
desafia nossa capacidade de entender a realidade.
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Maioria não quer mais
estudar
A multiplicação
caótica de influenciadores torna-se cada vez mais visível nas redes sociais
virtuais. As personalidades públicas incorporaram maciçamente esta forma de
comunicação em sua rotina diária. O fenômeno também chegou às escolas, onde uma
pesquisa recente mostrou que 75% dos estudantes brasileiros querem ser influenciadores, 64% deles para ganhar dinheiro
e 50% admitem abandonar a escola para se dedicar apenas ao marketing.
Um exemplo dos novos
ricos da internet é o mineiro de Nova Lima, Enaldo Lopes de Oliveira Filho, 26
anos, mais conhecido nas redes como Enaldinho,
seguido por 35 milhões de admiradores no YouTube e mais sete
milhões no Instagram, em sua maioria crianças e adolescentes. Ele
fatura mensalmente, em média, um milhão e meio de reais, obtidos tanto com
royalties pagos pelas redes como por contratos de publicidade com 150 empresas.
E tudo começou em 2012 com filmetes sobre maluquices com biscoito Oreo.
O negócio do uso das
redes sociais para influenciar pessoas ganhou uma lucratividade fantástica, a
ponto de muitas empresas já estarem substituindo a publicidade paga em sites
por influenciadores com milhares e até milhões de seguidores. O marketing via empresas
de publicidade está perdendo espaço para os influenciadores, muito mais
baratos, porque são muitos e usam o boca-a-boca virtual como método de
persuasão.
A rede de televisão
SBT contratou em julho deste ano 43 influenciadores, batizados eufemisticamente
de embaixadores, para fazer propaganda de programas da emissora, em especial do
Domingo Legal. O caso do SBT segue uma tendência mundial de usar a informação
veiculada por influenciadores como ferramenta de negócios.
O que estamos
testemunhando é a redução do espaço ocupado pela imprensa nos ecossistemas
informativos mundiais e o gradual aumento da participação dos influenciadores
no condicionamento da opinião pública. É um processo complexo porque não
envolve apenas a substituição de uma mídia por outra.
·
O desafio da mudança
no jornalismo
Há uma transformação
qualitativa muito importante em curso, porque na imprensa convencional o
cidadão comum tinha uma participação apenas marginal na arena pública de
debates. Hoje, na era digital, o chamado cidadão comunicador, do qual o
influenciador é uma variante, tornou-se um protagonista cada vez mais presente
na recombinação de informações. O problema é que esta participação na produção
de conhecimentos e de capital social está sendo atropelada, no momento, pela
tendência de usar a informação como trampolim para o enriquecimento.
Isto coloca o
jornalismo diante de um novo dilema: enfrentar os influenciadores ou ajudar as
pessoas a lidarem com o caos informativo. A imprensa tradicional trata os
influenciadores como uma atividade menor, um subproduto indesejável da
internet, numa reação à perda de protagonismo na agenda pública de debates. É
também uma consequência do agravamento da migração da publicidade para o espaço
digital fora do controle dos grandes impérios da comunicação
convencional.
Mas, para os
profissionais que se preocupam com a função social das notícias, o crescimento
acelerado do número de influenciadores digitais impõe a necessidade de
identificar e sugerir soluções para a desorientação causada pela avalanche de
informações em redes sociais. O jornalismo passa a ser cada vez mais importante
e insubstituível na função de curador de notícias, ou seja, do profissional
capaz de servir de referência na escolha da informação mais confiável.
Isto implica uma
considerável mudança em relação aos comportamentos, regras e valores ainda
vigentes na profissão.
¨ A nova função do jornalismo na era das “várias verdades”. Por
Carlos Castilho
Até a chegada da
internet, o grande paradigma do jornalismo era a preocupação com a verdade, mas
a partir do momento em que passamos a ter que conviver com “várias verdades” na
era digital, surgiram inevitáveis questionamentos ao discurso e à estrutura da
profissão. A nova realidade da comunicação e informação está nos forçando a ser
mais conselheiros do que vendedores de notícias, uma mudança que implicará o
desenvolvimento de novas rotinas, regras e valores.
A busca da verdade
como atividade profissional estava ligada ao objetivo de colaborar no
surgimento de “bons cidadãos”, categoria social indispensável ao funcionamento
de sistemas políticos baseados no liberalismo econômico e na democracia
política. Mas quando as novas tecnologias digitais de comunicação e informação
criaram uma avalanche noticiosa na internet, surgiram o que se convencionou
chamar de “várias verdades’’, ou seja várias percepções e opiniões sobre um
mesmo dado, fato ou evento.
Com isto, os
jornalistas são jogados num novo ambiente informativo onde deixam de ser os
porta-vozes do que é certo ou errado em matéria de informação publicada, para
funcionar como curador de notícias. Curador é aquele profissional que ajuda as
pessoas a identificarem qual das “várias verdades” é a que melhor atende as
necessidades individuais ou coletivas. Foi o próprio público que passou a
exigir este tipo de aconselhamento, como mostra a multiplicação de
influenciadores na internet.
A superoferta de
notícias na internet disponibiliza em média dois milhões de artigos inormativos
online produzidos por grandes empresas jornalísticas e de marketing, segundo
dados da empresa Userarch. Fica evidente a enorme sobrecarga de trabalho e a
responsabilidade de fazer escolhas envolvendo temas cada vez mais complexos e
diversos. Este novo contexto profissional é complicado ainda mais por fenômenos
novos como as fake news e a desinformação gera inevitáveis conflitos com as
rotinas, regras e valores ainda vigentes na maioria das redações.
Segundo a pesquisadora
norte-americana Nikki Usher, estamos começando a viver uma “democracia
pós-imprensa”, um regime onde os jornais continuarão a existir e ser
importantes, mas com uma função social diferente da atual. Menos um negócio
lucrativo e mais um equipamento comunitário, similar a uma assessoria jurídica
ou curadoria de consumo.
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Do cidadão bem-informado ao cidadão comunicador
Mas, seja qual for a
nova função da imprensa na era digital ela terá que achar soluções para a crise
no modelo de negócios responsável pelo fechamento de jornais, revistas e
emissoras de rádio. Aqui no Brasil, 17 publicações fecharam as portas entre
2018 e 2021 por conta de dificuldades financeiras. Só em 2021, foram 12 os
jornais, revistas e emissoras de rádio que saíram do mercado, quase um por mês.
Nos Estados Unidos, 2.500 jornais deixaram de circular desde 2005, um fenômeno
cuja intensidade é maior entre publicações locais que, em 2023, desapareceram
ao ritmo de 2,5 jornais por semana. Os dados levantados por pesquisadores da
Faculdade Medill de Jornalismo, da Universidade Northwestern , em Illinois,
Estados Unidos indicam também que cerca de 1/3 dos 24 mil jornais locais
norte-americanos também desaparecerão até o final deste ano.
A sobrecarga de
trabalho dos profissionais que ainda estão empregados e o contínuo fechamento
de jornais mostram que a imprensa convencional encontra cada vez mais
dificuldades para atender seu objetivo de formar cidadãos bem-informados. As
consequências destas dificuldades podem ser medidas na queda da credibilidade
na imprensa no mundo e o aumento do chamado negacionismo informativo , pessoas
que não se interessam mais por notícias.
Como os sistemas de
disseminação de notícias já começaram a mudar em consequência de inovações
tecnológicas, esta transformação incide diretamente sobre o modelo de
participação dos cidadãos e a função exercida pelos jornalistas. O “bom
cidadão” num regime democrático está deixando de ser avaliado pelo grau de
consumo de informações e notícias e sim pela intensidade com que promove a
circulação destas informações e notícias no ambiente social onde está inserido.
O cidadão bem-informado está deixando de ser o paradigma da sociedade para ser
substituído pelo cidadão comunicador, aquele que promove o bem-estar geral por
meio da circulação de informações.
Já o jornalista, está
deixando de ser uma espécie de empacotador de dados, fatos e eventos para
transformá-los em notícia capaz de atrair a atenção do público e, portanto,
vendável a anunciantes. Sua função como participante insubstituível na
qualificação dos fluxos de informações torna-se ainda mais relevante na era
digital, pois cabe aos profissionais papel chave na checagem da veracidade,
relevância e pertinência das ‘várias verdades’ a que uma comunidade está
sujeita no caos informativo das redes sociais na internet.
¨ A tecnologia espalhou o discurso do ódio pelos rincões do
Brasil. Por Carlos Wagner
Mesmo nos anos de
grande polarização na política nacional, como foram a década de 50 e o período
da ditadura militar (1964 a 1985), os acordos entre lideranças políticas
adversárias aconteciam nas eleições municipais das pequenas e médias cidades
nos rincões brasileiros, conhecidos nos dias atuais como “Brasil profundo”, ou
seja, longe dos grandes centro urbanos. Nessa próxima eleição municipal, em
outubro, esta tradição corre o risco de desaparecer por conta da popularização
da internet, dos celulares e das redes sociais. Como é essa tradição? E como
ficará, caso desapareça? É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos.
No tempo em que
trabalhei em redação (1979 a 2014), na maioria das vezes estava viajando no
período eleitoral por conta de estar envolvido na cobertura de conflitos,
geralmente uma ocupação de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) ou de garimpeiros em áreas indígenas, ou fazendo uma reportagem
sobre o povoamento das fronteiras agrícolas ou sobre crime organizado nas
fronteiras com os países vizinhos. Invariavelmente, nesses momentos eu recebia
uma ligação do editor do jornal, pedindo que fizesse uma matéria sobre um
pequeno município perdido no mapa para mostrar aos leitores como as coisas
funcionavam naqueles longínquos lugarejos. Por conta disso, fiz matérias em
várias cidadezinhas espalhadas pela maioria dos estados brasileiros. Por estar
envolvido na cobertura de conflitos agrários, eu tinha noção de como as coisas
funcionavam na disputa política nestes locais. Mesmo assim, precisava me
informar para não escrever bobagem. Ainda não existia internet. Por isso,
quando viajava para uma cobertura, era necessário acrescentar à bagagem livros,
documentos e outras fontes de consulta para produzir a reportagem. Hoje é só
apertar um botão no celular. O que aprendi é que, na década de 50 e até
acontecer e se consolidar o golpe militar de 1964, a questão partidária no
interior do Brasil era como se fosse uma religião. Era comum ser proibido o
casamento entre filhos de pais de partidos diferentes. Escrevi sobre isso em um
dos meus livros: A Saga do João Sem Terra (Editora Vozes,
1988). Na primeira meia dúzia de anos depois do golpe militar, a estrutura
econômica nas pequenas cidades começou a mudar. Até então, tudo girava ao redor
da produção agrícola, que era financiada pelos comerciantes locais que por sua
vez abasteciam o comércio atacadista das cidades médias. No governo militar,
para conseguir um empréstimo no banco, passou a ser necessário ter um
“pistolão”, alguém de confiança do governo que indicasse a pessoa para o banco.
Nos estados do Sul do Brasil, os principais atingidos por essa restrição no
acesso ao crédito foram os seguidores do ex-governador gaúcho Leonel Brizola,
na época uma figura nacional do antigo PTB e cunhado do presidente deposto
pelos militares João Goulart, o Jango. No final dos anos 60 e início dos 70,
várias lideranças brizolistas foram presas. Foi justamente entre os
remanescentes destes líderes que, durante a decadência do governo militar, anos
80, renasceram os movimentos de luta pela reforma agrária, entre eles o MST.
Para abafar a luta
pela reforma agrária nos estados do Sul do Brasil, os militares optaram por
povoar as chamadas fronteiras agrícolas, que eram vastas áreas escassamente
habitadas nos estados do Centro-Oeste e do Norte. A maioria das famílias de
agricultores levadas para as fronteiras agrícolas era dos estados do Sul. Conto
essa história em três livros chamados Brasil de Bombachas (publicados
em 1996, 2011 e 2019). Essas migrações foram o marco final do Brasil profundo
que se conhecia na época. Uma das heranças desse movimento é o que hoje
chamamos de agronegócio. O que veio a seguir foi uma nova realidade política
para as pequenas e médias cidades dos rincões brasileiros desenhada pela
redemocratização do país, em 1985. Na época, ressurgiram antigos partidos que
nada tinham a ver com a sua história, como foi o caso do PTB. E também brotaram
do nada dezenas de novos partidos. Lá nas cidades do Brasil profundo, as siglas
partidárias eram apenas letras. Conversando e convivendo com as lideranças
políticas destas localidades aprendi que todo interesse girava em torno das
necessidades da comunidade. Assim, se o governador fosse, por exemplo, do PT, e
o presidente da República do MDB, a chapa para concorrer a prefeito teria na
cabeça um candidato de MDB e como seu vice um do PT. Sempre que tivesse
assuntos para a resolver em Brasília (DF) ou na capital do estado, o
representante da prefeitura seria do partido que ocupava a cadeira. Era assim.
Agora essa realidade está mudando. A nova realidade não nasceu com a polarização
das eleições presidenciais de 2022 entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e
o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O processo de mudança no perfil da
disputa política municipal foi instalado com a popularização e o
aperfeiçoamento da internet, do telefone celular e das redes sociais nas
pequenas e médias cidades espalhadas pelos rincões do Brasil. Antes, as
diferenças políticas, pessoais e futebolísticas entre os moradores eram
tratadas dentro de casa. Hoje a “roupa suja” é lavada em público pela internet.
Essa nova realidade desmanchou vários arranjos políticos locais. E o que
surgirá no seu lugar nós conhecermos no final da eleição municipal.
No final de junho
andei viajando pelas cidades da fronteira sul do território gaúcho. Ouvi
relatos sobre jovens bolsonaristas e de esquerda trocando insultos nos bares. A
imprensa precisa ficar atenta para descobrir qual será o desenho da disputa
municipal nas pequenas e médias cidades. Uma coisa é certa. Não será mais como
era antes, quando tudo acabava em um churrasco regado a cerveja e com uma
pelada de futebol. Além das novas tecnologias terem tornado públicas as
desavenças, nos dias atuais há um volume considerável de “discurso do ódio”
enchendo os ouvidos das pessoas. Ou seja, tem tudo para dar problema.
Fonte: Observatório da
Imprensa
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