sábado, 20 de julho de 2024

Carlos Castilho: ‘O jornalismo diante do fenômeno dos influenciadores digitais’

A quantidade de influenciadores digitais está crescendo nas redes sociais a um ritmo muito maior do que o previsto, gerando um fenômeno que já configura um novo desafio para o jornalismo, bem como para outras áreas do conhecimento humano como política, justiça, economia e educação. 

Aquilo que há pouco mais de cinco anos era um passatempo de jovens buscando visibilidade na internet, tornou-se agora um negócio multibilionário e uma atividade que começa a mudar os fluxos de notícias nas redes sociais, o que inevitavelmente acabará afetando a forma como lidamos com a informação. 

Em 2018, estimava-se que o número de influenciadores digitais era de aproximadamente 100 milhões no mundo inteiro. No ano passado, já se falava na existência de um bilhão e meio de pessoas usando a internet para ganhar fama e principalmente dinheiro fazendo publicidade própria e de empresas.  

O negócio do marketing por influenciadores mais do que triplicou entre 2019 e 2024 saltando, segundo a empresa Statista, de um total de 6,5 bilhões de dólares para esperados 24 bilhões de dólares até dezembro próximo. Trata-se de um fenômeno que tende a mudar não só o varejo mundial, mas principalmente a forma como nos relacionamos com a informação e acessamos notícias. Na Ásia, já existe até um laboratório etnográfico sobre comportamento de influenciadores e a empresa brasileira BuzzMonitor alega ter um milhão de influenciadores cadastrados que ela oferece a outras empresas interessadas no marketing da influência. 

·        Brasileiros lideram

Só na rede social Instagram existem 64 milhões de influenciadores em todo mundo, segundo dados do site TrendHero. Aqui no Brasil, de acordo com a mesma fonte, há 5,4 milhões de pessoas que procuram influenciar decisões de seguidores na internet. Somos o país com maior número de influenciadores identificados como tal, superando os Estados Unidos (4,7 milhões) e a Índia (2,3 milhões).  São números que impressionam, especialmente porque revelam a existência de uma mão de obra numerosa e barata, formada especialmente por jovens ávidos por notoriedade.

A atividade está sendo impulsionada também pela política, onde os influenciadores têm motivações ideológicas. Uma entrada no YouTube permite identificar campeões de audiência como o influenciador de esquerda Thiago dos Reis, 36 anos, dono do canal Plantão Brasil, no YouTube, com 1,5 milhão de seguidores responsáveis por um bilhão de visualizações desde 2017.   

Ao monetizar o aconselhamento de outras pessoas, os influenciadores tendem a multiplicar exponencialmente a diversificação e o volume de informações numa intensidade muitíssimo maior do que a oferecida pela imprensa atual. Isto sem falar no fato de que as recomendações feitas por eles estão condicionadas por interesses e experiências pessoais, o que inevitavelmente gera uma situação complexa que desafia nossa capacidade de entender a realidade. 

·        Maioria não quer mais estudar

A multiplicação caótica de influenciadores torna-se cada vez mais visível nas redes sociais virtuais. As personalidades públicas incorporaram maciçamente esta forma de comunicação em sua rotina diária. O fenômeno também chegou às escolas, onde uma pesquisa recente mostrou que 75% dos estudantes brasileiros querem ser influenciadores, 64% deles para ganhar dinheiro e 50% admitem abandonar a escola para se dedicar apenas ao marketing. 

Um exemplo dos novos ricos da internet é o mineiro de Nova Lima, Enaldo Lopes de Oliveira Filho, 26 anos, mais conhecido nas redes como Enaldinho, seguido por 35 milhões de admiradores no YouTube e mais sete milhões no Instagram, em sua maioria crianças e adolescentes. Ele fatura mensalmente, em média, um milhão e meio de reais, obtidos tanto com royalties pagos pelas redes como por contratos de publicidade com 150 empresas. E tudo começou em 2012 com filmetes sobre maluquices com biscoito Oreo. 

O negócio do uso das redes sociais para influenciar pessoas ganhou uma lucratividade fantástica, a ponto de muitas empresas já estarem substituindo a publicidade paga em sites por influenciadores com milhares e até milhões de seguidores. O marketing via empresas de publicidade está perdendo espaço para os influenciadores, muito mais baratos, porque são muitos e usam o boca-a-boca virtual como método de persuasão.

A rede de televisão SBT contratou em julho deste ano 43 influenciadores, batizados eufemisticamente de embaixadores, para fazer propaganda de programas da emissora, em especial do Domingo Legal.  O caso do SBT segue uma tendência mundial de usar a informação veiculada por influenciadores como ferramenta de negócios. 

O que estamos testemunhando é a redução do espaço ocupado pela imprensa nos ecossistemas informativos mundiais e o gradual aumento da participação dos influenciadores no condicionamento da opinião pública. É um processo complexo porque não envolve apenas a substituição de uma mídia por outra. 

·        O desafio da mudança no jornalismo

Há uma transformação qualitativa muito importante em curso, porque na imprensa convencional o cidadão comum tinha uma participação apenas marginal na arena pública de debates. Hoje, na era digital, o chamado cidadão comunicador, do qual o influenciador é uma variante, tornou-se um protagonista cada vez mais presente na recombinação de informações. O problema é que esta participação na produção de conhecimentos e de capital social está sendo atropelada, no momento, pela tendência de usar a informação como trampolim para o enriquecimento. 

Isto coloca o jornalismo diante de um novo dilema: enfrentar os influenciadores ou ajudar as pessoas a lidarem com o caos informativo. A imprensa tradicional trata os influenciadores como uma atividade menor, um subproduto indesejável da internet, numa reação à perda de protagonismo na agenda pública de debates. É também uma consequência do agravamento da migração da publicidade para o espaço digital fora do controle dos grandes impérios da comunicação convencional. 

Mas, para os profissionais que se preocupam com a função social das notícias, o crescimento acelerado do número de influenciadores digitais impõe a necessidade de identificar e sugerir soluções para a desorientação causada pela avalanche de informações em redes sociais. O jornalismo passa a ser cada vez mais importante e insubstituível na função de curador de notícias, ou seja, do profissional capaz de servir de referência na escolha da informação mais confiável. 

Isto implica uma considerável mudança em relação aos comportamentos, regras e valores ainda vigentes na profissão. 

 

¨      A nova função do jornalismo na era das “várias verdades”. Por Carlos Castilho

Até a chegada da internet, o grande paradigma do jornalismo era a preocupação com a verdade, mas a partir do momento em que passamos a ter que conviver com “várias verdades” na era digital, surgiram inevitáveis questionamentos ao discurso e à estrutura da profissão. A nova realidade da comunicação e informação está nos forçando a ser mais conselheiros do que vendedores de notícias, uma mudança que implicará o desenvolvimento de novas rotinas, regras e valores.

A busca da verdade como atividade profissional estava ligada ao objetivo de colaborar no surgimento de “bons cidadãos”, categoria social indispensável ao funcionamento de sistemas políticos baseados no liberalismo econômico e na democracia política. Mas quando as novas tecnologias digitais de comunicação e informação criaram uma avalanche noticiosa na internet, surgiram o que se convencionou chamar de “várias verdades’’, ou seja várias percepções e opiniões sobre um mesmo dado, fato ou evento.

Com isto, os jornalistas são jogados num novo ambiente informativo onde deixam de ser os porta-vozes do que é certo ou errado em matéria de informação publicada, para funcionar como curador de notícias. Curador é aquele profissional que ajuda as pessoas a identificarem qual das “várias verdades” é a que melhor atende as necessidades individuais ou coletivas. Foi o próprio público que passou a exigir este tipo de aconselhamento, como mostra a multiplicação de influenciadores na internet.

A superoferta de notícias na internet disponibiliza em média dois milhões de artigos inormativos online produzidos por grandes empresas jornalísticas e de marketing, segundo dados da empresa Userarch. Fica evidente a enorme sobrecarga de trabalho e a responsabilidade de fazer escolhas envolvendo temas cada vez mais complexos e diversos. Este novo contexto profissional é complicado ainda mais por fenômenos novos como as fake news e a desinformação gera inevitáveis conflitos com as rotinas, regras e valores ainda vigentes na maioria das redações.

Segundo a pesquisadora norte-americana Nikki Usher, estamos começando a viver uma “democracia pós-imprensa”, um regime onde os jornais continuarão a existir e ser importantes, mas com uma função social diferente da atual. Menos um negócio lucrativo e mais um equipamento comunitário, similar a uma assessoria jurídica ou curadoria de consumo.

<><> Do cidadão bem-informado ao cidadão comunicador

Mas, seja qual for a nova função da imprensa na era digital ela terá que achar soluções para a crise no modelo de negócios responsável pelo fechamento de jornais, revistas e emissoras de rádio. Aqui no Brasil, 17 publicações fecharam as portas entre 2018 e 2021 por conta de dificuldades financeiras. Só em 2021, foram 12 os jornais, revistas e emissoras de rádio que saíram do mercado, quase um por mês. Nos Estados Unidos, 2.500 jornais deixaram de circular desde 2005, um fenômeno cuja intensidade é maior entre publicações locais que, em 2023, desapareceram ao ritmo de 2,5 jornais por semana. Os dados levantados por pesquisadores da Faculdade Medill de Jornalismo, da Universidade Northwestern , em Illinois, Estados Unidos indicam também que cerca de 1/3 dos 24 mil jornais locais norte-americanos também desaparecerão até o final deste ano.

A sobrecarga de trabalho dos profissionais que ainda estão empregados e o contínuo fechamento de jornais mostram que a imprensa convencional encontra cada vez mais dificuldades para atender seu objetivo de formar cidadãos bem-informados. As consequências destas dificuldades podem ser medidas na queda da credibilidade na imprensa no mundo e o aumento do chamado negacionismo informativo , pessoas que não se interessam mais por notícias.

Como os sistemas de disseminação de notícias já começaram a mudar em consequência de inovações tecnológicas, esta transformação incide diretamente sobre o modelo de participação dos cidadãos e a função exercida pelos jornalistas. O “bom cidadão” num regime democrático está deixando de ser avaliado pelo grau de consumo de informações e notícias e sim pela intensidade com que promove a circulação destas informações e notícias no ambiente social onde está inserido. O cidadão bem-informado está deixando de ser o paradigma da sociedade para ser substituído pelo cidadão comunicador, aquele que promove o bem-estar geral por meio da circulação de informações.

Já o jornalista, está deixando de ser uma espécie de empacotador de dados, fatos e eventos para transformá-los em notícia capaz de atrair a atenção do público e, portanto, vendável a anunciantes. Sua função como participante insubstituível na qualificação dos fluxos de informações torna-se ainda mais relevante na era digital, pois cabe aos profissionais papel chave na checagem da veracidade, relevância e pertinência das ‘várias verdades’ a que uma comunidade está sujeita no caos informativo das redes sociais na internet.

 

¨      A tecnologia espalhou o discurso do ódio pelos rincões do Brasil. Por Carlos Wagner

Mesmo nos anos de grande polarização na política nacional, como foram a década de 50 e o período da ditadura militar (1964 a 1985), os acordos entre lideranças políticas adversárias aconteciam nas eleições municipais das pequenas e médias cidades nos rincões brasileiros, conhecidos nos dias atuais como “Brasil profundo”, ou seja, longe dos grandes centro urbanos. Nessa próxima eleição municipal, em outubro, esta tradição corre o risco de desaparecer por conta da popularização da internet, dos celulares e das redes sociais. Como é essa tradição? E como ficará, caso desapareça? É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos.

No tempo em que trabalhei em redação (1979 a 2014), na maioria das vezes estava viajando no período eleitoral por conta de estar envolvido na cobertura de conflitos, geralmente uma ocupação de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou de garimpeiros em áreas indígenas, ou fazendo uma reportagem sobre o povoamento das fronteiras agrícolas ou sobre crime organizado nas fronteiras com os países vizinhos. Invariavelmente, nesses momentos eu recebia uma ligação do editor do jornal, pedindo que fizesse uma matéria sobre um pequeno município perdido no mapa para mostrar aos leitores como as coisas funcionavam naqueles longínquos lugarejos. Por conta disso, fiz matérias em várias cidadezinhas espalhadas pela maioria dos estados brasileiros. Por estar envolvido na cobertura de conflitos agrários, eu tinha noção de como as coisas funcionavam na disputa política nestes locais. Mesmo assim, precisava me informar para não escrever bobagem. Ainda não existia internet. Por isso, quando viajava para uma cobertura, era necessário acrescentar à bagagem livros, documentos e outras fontes de consulta para produzir a reportagem. Hoje é só apertar um botão no celular. O que aprendi é que, na década de 50 e até acontecer e se consolidar o golpe militar de 1964, a questão partidária no interior do Brasil era como se fosse uma religião. Era comum ser proibido o casamento entre filhos de pais de partidos diferentes. Escrevi sobre isso em um dos meus livros: A Saga do João Sem Terra (Editora Vozes, 1988). Na primeira meia dúzia de anos depois do golpe militar, a estrutura econômica nas pequenas cidades começou a mudar. Até então, tudo girava ao redor da produção agrícola, que era financiada pelos comerciantes locais que por sua vez abasteciam o comércio atacadista das cidades médias. No governo militar, para conseguir um empréstimo no banco, passou a ser necessário ter um “pistolão”, alguém de confiança do governo que indicasse a pessoa para o banco. Nos estados do Sul do Brasil, os principais atingidos por essa restrição no acesso ao crédito foram os seguidores do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, na época uma figura nacional do antigo PTB e cunhado do presidente deposto pelos militares João Goulart, o Jango. No final dos anos 60 e início dos 70, várias lideranças brizolistas foram presas. Foi justamente entre os remanescentes destes líderes que, durante a decadência do governo militar, anos 80, renasceram os movimentos de luta pela reforma agrária, entre eles o MST.

Para abafar a luta pela reforma agrária nos estados do Sul do Brasil, os militares optaram por povoar as chamadas fronteiras agrícolas, que eram vastas áreas escassamente habitadas nos estados do Centro-Oeste e do Norte. A maioria das famílias de agricultores levadas para as fronteiras agrícolas era dos estados do Sul. Conto essa história em três livros chamados Brasil de Bombachas (publicados em 1996, 2011 e 2019). Essas migrações foram o marco final do Brasil profundo que se conhecia na época. Uma das heranças desse movimento é o que hoje chamamos de agronegócio. O que veio a seguir foi uma nova realidade política para as pequenas e médias cidades dos rincões brasileiros desenhada pela redemocratização do país, em 1985. Na época, ressurgiram antigos partidos que nada tinham a ver com a sua história, como foi o caso do PTB. E também brotaram do nada dezenas de novos partidos. Lá nas cidades do Brasil profundo, as siglas partidárias eram apenas letras. Conversando e convivendo com as lideranças políticas destas localidades aprendi que todo interesse girava em torno das necessidades da comunidade. Assim, se o governador fosse, por exemplo, do PT, e o presidente da República do MDB, a chapa para concorrer a prefeito teria na cabeça um candidato de MDB e como seu vice um do PT. Sempre que tivesse assuntos para a resolver em Brasília (DF) ou na capital do estado, o representante da prefeitura seria do partido que ocupava a cadeira. Era assim. Agora essa realidade está mudando. A nova realidade não nasceu com a polarização das eleições presidenciais de 2022 entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O processo de mudança no perfil da disputa política municipal foi instalado com a popularização e o aperfeiçoamento da internet, do telefone celular e das redes sociais nas pequenas e médias cidades espalhadas pelos rincões do Brasil. Antes, as diferenças políticas, pessoais e futebolísticas entre os moradores eram tratadas dentro de casa. Hoje a “roupa suja” é lavada em público pela internet. Essa nova realidade desmanchou vários arranjos políticos locais. E o que surgirá no seu lugar nós conhecermos no final da eleição municipal.

No final de junho andei viajando pelas cidades da fronteira sul do território gaúcho. Ouvi relatos sobre jovens bolsonaristas e de esquerda trocando insultos nos bares. A imprensa precisa ficar atenta para descobrir qual será o desenho da disputa municipal nas pequenas e médias cidades. Uma coisa é certa. Não será mais como era antes, quando tudo acabava em um churrasco regado a cerveja e com uma pelada de futebol. Além das novas tecnologias terem tornado públicas as desavenças, nos dias atuais há um volume considerável de “discurso do ódio” enchendo os ouvidos das pessoas. Ou seja, tem tudo para dar problema.

 

Fonte: Observatório da Imprensa

 

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