sábado, 20 de julho de 2024

Florestan Fernandes Jr.: ‘A globalização sucumbe ao fracasso neoliberal’

Com o avanço da extrema-direita no mundo e sua pauta supremacista, antidemocrática e ultranacionalista, estamos dando adeus à cultura da globalização, que vigeu desde os anos 90.

A possível vitória de Donald Trump na eleição estadunidense que se avizinha, certamente acelerará uma nova divisão do mundo capitalista, desta vez de cunho nitidamente ideológico. De um lado, os autocratas fascistas comandando grupos fanatizados e violentos; de outro, aqueles que defendem a preservação das liberdades democráticas de credo, de gênero, de manifestação cultural e de igualdade de raças.

A percepção dessa iminente divisão e os efeitos dela sobre a vida das pessoas foi constatada em recente pesquisa realizada pela Ipsos-Reuters.

Segundo a pesquisa, 80% dos eleitores dos Estados Unidos disseram que o país está "saindo do controle". Tanto eleitores de Biden como de Trump estão profundamente preocupados com a violência e a disrupção.

Outro dado da pesquisa aponta que 84% do eleitorado está preocupado com atos extremistas após as eleições.

O mais curioso em meio a esses números é que boa parte dos que estão preocupados com o avanço da violência, se diz eleitor do ex-presidente Donald Trump que, com seu perfil belicoso e extremista, há anos incita o ódio e a perseguição dos “inimigos” da vez. O mesmo Trump que no dia 6 de janeiro 2021 convocou uma multidão para invadir o Capitólio, numa tentativa clara de golpe de Estado. O mesmo Trump que defendeu os seus apoiadores que pediam o enforcamento do então vice-presidente, Mike Pence.

Aqui no Brasil, a exemplo de outros tantos países ocidentais, surgiu, na última década, uma extrema direita organizada e alinhada com as mesmas ideias elitistas, racistas e odiosas. Sob a cartilha de Steve Bannon, se implantou no país uma verdadeira guerra cultural e política, com violência virulenta jamais vista. Uma sociedade dividida, onde os adversários políticos foram transformados em inimigos a serem eliminados e os pilares do estado democrático de direito, erodidos.

Tudo isso se refletiu fortemente na política externa, que nos anos do (des)governo bolsonarista buscou aproximação com líderes de extrema-direita, afastando o país de seus parceiros comerciais históricos, inclusive promovendo crises com países como Alemanha, Espanha, França, Chile e tantos outros.

No léxico da extrema-direita internacional se destaca a negação de todo e qualquer sistema, ideia ou regime que não seja espelho de si. Chegamos ao ponto de quase romper com o Acordo de Paris, simplesmente porque o ex-presidente, do abismo de seu terraplanismo ambiental, não acreditava no aquecimento global. Nossa vizinha Argentina, sob Milei, segue no mesmo rumo do Brasil de Bolsonaro. O presidente ofende líderes de esquerda e até da direita convencional, esnoba o Mercosul, rechaça a entrada nos BRICS, enquanto seu povo amarga índices galopantes de pobreza e miséria. Nos EUA, Trump avança, com o mesmo discurso de ódio e fake News, e tem chances reais de vitória, sob o manto de um partido Republicano rendido ao trumpismo que o engoliu. Provas da proeminência do trumpismo são a escolha de um candidato a vice-presidente à imagem e semelhança de Trump; além do fato de que nenhum dos nomes históricos do Partido Republicano apareceu na convenção realizada nesta semana, que consolidou o nome de Trump como candidato do partido.   

Tudo o que acompanhamos é o inverso do mundo globalizado que vimos até aqui e que sucumbe ao fracasso do neoliberalismo. Surgem no horizonte do século 21, as sobras revigoradas de tudo o que de pior o século 20 produziu – o fascismo, a intolerância e o ódio. Vivemos uma crise de confiança nas democracias, que atinge em cheio as instituições e até mesmo os avanços do conhecimento e da ciência são vitimados pelo negacionismo e terraplanismo trazido a reboque pela extrema-direita que se alastra.

É desse desalento e sentimento de incapacidade diante da vida e do mundo que emergem os líderes autoritários. É a partir dos discursos messiânicos que esses líderes inflamam os afetos e exploram a violência e intolerância que eles próprios exercem e fomentam em seus seguidores fanatizados. 

É esse o caos em que estamos imersos e é nesse contexto que somos chamados a resistir e lutar pela preservação da democracia. Como disseram Marx e Engels no livro O Manifesto Comunista: “O capitalismo gera o seu próprio coveiro”.

 

¨      Globo cobriu encontro de inimigos da democracia como se fosse um festival de rock and roll. Por Bepe Damasco

Qual será o nível de interesse dos brasileiros pelas eleições nos Estados Unidos imaginado pela Rede Globo?

A julgar pela megacobertura que fez da convenção do Partido Republicano, o jornalismo global aposta que o assunto desperta mais atenção do público do que uma Copa do Mundo de futebol, ou do que os Jogos Olímpicos, ou da novela Avenida Brasil que, em passado recente, bateu recordes de audiência.

Gostaria de ter acesso a uma pesquisa que avaliasse a importância real que as pessoas dão à disputa eleitoral norte-americana.

Mas sou capaz de cravar que é infinitamente menor do que sugere o aparato de repórteres e comentaristas destacado pela Globo, além do latifúndio de tempo destinado pela emissora ao assunto.

Mesmo entre as classes médias e alta, que formam a maioria do público dos canais de notícia 24 horas, a cobertura superdimensionada não faz sentido.

Para piorar, tem a falta de senso crítico de correspondentes que se esforçaram em dar ares de festival de rock and roll à convenção republicana, sabidamente um encontro de cidadãos brancos, ricos, xenófobos, sem convicção democrática, adeptos da violência das armas e, em muitos casos, racistas.

Na cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin, esteve reunida por três dias a nata do que há de mais retrógado, reacionário e antidemocrático nos EUA.

Nem de longe, porém, esta realidade foi sequer tangenciada pelo jornalismo da GloboNews.

Não deixou de ser patética a expectativa criada em torno a fala do candidato a vice de Trump, como se dali pudesse sair qualquer coisa diferente da bajulação ao cabeça de chapa.

Fora os trumpistas, os bolsonaristas e demais militantes da extrema-direita ao redor do mundo, todos têm a obrigação de saber que Trump é e sempre será uma pessoa do mal. Dessas que nem mesmo ter escapado da morte por alguns milímetros é capaz de levar a alguma reflexão humanista.

Mas profissionais de imprensa tarimbados insistiram na tese furada de que Trump faria um discursos com apelos à união e à pacificação do país.

Tiro n'água.

Em seu discurso, lá estava o velho Trump fascista, mentiroso e destilando o ódio costumeiro.

Quem dera que este episódio servisse para que gente que trabalha com informação entendesse que sofrer um atentado não pode transformar em pop star um sujeito que é uma ameaça ambulante à democracia global.

Contudo, tenho zero de esperança de que isso vá ocorrer.

 

¨      Querem fazer a mídia independente comprar a versão bolsonarista dos fatos. Por Paulo Henrique Arantes

É terrível a incompreensão, real ou dissimulada, da mídia corporativa sobre o “quem é quem” no cenário político. Após o atentado contra Donald Trump, analistas iniciaram uma verdadeira força-tarefa para cobrar da imprensa independente uma indignação perante o que julgam um ataque à democracia, a aparente tentativa de assassinato mal sucedida do candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos.

Tentam ridicularizar conjecturas sobre a autenticidade do atentado, do mesmo modo que fazem com a “facada” em Jair Bolsonaro. É claro que atentar contra a vida de um candidato a presidente é também um ataque aos princípios das democracias, mas os dois personagens em tela carregam um passivo de armações, sem limites, que autorizam e até recomendam dúvidas.

Comprar pelo valor de face qualquer acontecimento que traga dividendos políticos a pessoas como Trump e Bolsonaro é assinar atestado de ingenuidade. É desconhecer a ousadia inescrupulosa de ambos, que fomentam ao longo das respectivas vidas públicas qualquer tipo de ato destrutivo da democracia, desde descreditar processos eleitorais até estimular - ou mesmo conceber - a destruição à força de instituições da República.

Trump é um jogador que não mede as consequências de suas apostas, é assim também como empresário. Bolsonaro notabilizou-se como um militar refratário à hierarquia e insubmisso, no mau sentido, que planejava explodir quartéis. Dois moleques que encontraram abrigo na extrema-direita política.

A mídia intitulada “profissional” - jornalões e emissoras de TV - acha que o jornalismo progressista utiliza dois pesos e duas medidas, condenando a priori os ataques da direita à democracia e fazendo vista grossa aos da esquerda.  O erro grosseiro - ou seria má fé? - é considerar os supostos atentados a Bolsonaro e Trump como obras consumadas da esquerda. Não há nada que indique tal relação. No Brasil, a última vez que a esquerda cometeu um ato violento foi durante a luta armada contra o regime militar, em reação ao terror de Estado.

E a direita brasileira? Só nos anos Bolsonaro, deixando de lado alguns arroubos rodoviários, sua ala miliciana matou Marielle Franco, enquanto a ala golpista depredou o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, para ficarmos em dois exemplos. 

A colunista da Folha de S. Paulo Mariliz Pereira Jorge, sem nominar a vídeo-reportagem seminal de Joaquim de Carvalho “Uma fakeada no coração do Brasil”, mesmo porque não a deve ter assistido, publicou um primor de hipocrisia e desfaçatez nesta semana, que ilustra a postura pusilânime da imprensa corporativa. Eis um trecho: “Numa reunião, um colega mencionou um documentário que provava a ‘conspiração’ do que chamam de ‘fakeada’ (fake+facada). Expliquei por que seria impossível envolver hospitais, médicos renomados, policiais e mais uma centena de pessoas, os detalhes da investigação da Polícia Federal, olhei em volta e percebi que, pelas expressões, a louca era eu”.

Quem acredita cegamente em versões bolsonaristas dos fatos merece ser chamado de louco? Ou de quê?

 

Fonte: Brasil 247

 

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