Esquerda e centro conseguiram frear ultradireita
na França
As forças de esquerda
e de centro da França conseguiram frear neste domingo (07/07) o que parecia
inicialmente uma ascensão implacável da ultradireita no segundo turno da
eleição legislativa antecipada, que decidiu a composição final da Assembleia
Nacional, a câmara de deputados do país.
A aliança de
esquerda Nova Frente Popular (NFP) e a coligação de centro Juntos, do
presidente Emmanuel Macron, conseguiram formar as maiores bancadas, ficando à
frente da ultradireitista Reunião Nacional (RN), que amargou o terceiro
lugar.
A NPF surpreendeu e
elegeu 182 deputados. Em seguida, veio a coligação centrista do presidente
Emmanuel Macron, chamada Juntos, que elegeu 168, perdendo menos cadeiras
do que o esperado inicialmente.
Os resultados finais
indicam que as alianças táticas e o "cordão sanitário" articulado
entre a NFP e o Juntos no segundo turno, somado a problemas envolvendo diversas
candidaturas da RN, desidrataram a ultradireita na reta final do pleito.
Pesquisas logo após a
primeira rodada, em 30 de junho, chegaram a indicar que a RN, liderada por
Marine Le Pen, tinha chances de não só formar a maior bancada como alcançar a
maioria absoluta na Assembleia Nacional. Mas os resultados finais mostraram que
a RN, junto com uma facção de conservadores aliados, ficou distante da
maioria, limitada a 143 cadeiras, terminando ainda atrás da esquerda
e dos macronistas.
- Implicações na Assembleia
Em disputa neste
domingo estavam 501 das 577 cadeiras da Assembleia - 76 delas já haviam
sido definidas no primeiro turno, em 30 de junho.
No sistema
semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são
eleitos separadamente. Um presidente depende de um primeiro-ministro indicado
pela Assembleia Nacional para assegurar a governabilidade.
Para obter a maioria
absoluta e poder liderar um governo estável, um partido ou coligação precisa de
289 das 577 cadeiras na Assembleia Nacional.
Com o fim do segundo
turno, a pergunta é: quem vai liderar o governo da França e o quão estável será
essa administração. A Assembleia Nacional está num impasse desde 2022, quando
Macron perdeu sua maioria na Casa.
Desde então, o
presidente vinha se deparando com dificuldades crescentes para aprovar
projetos. A convocação desta eleição antecipada foi uma aposta feita pelo
presidente para tentar recuperar sua maioria - uma aposta fracassada, como se
viu no segundo turno.
Agora, os resultados
mostram uma Assembleia mais pulverizada. Até a convocação da eleição, o
governo vinha sendo liderado pelo primeiro-ministro macronista Gabriel Attal,
que contava com cerca de 240 deputados, numa administração que já era de minoria.
Após a divulgação das
primeiras projeções, Attal, anunciou que vai entregar sua demissão, abrindo
caminho para a formação de um novo governo.
O político de esquerda
Jean-Luc Mélenchon, um dos líderes da NFP, já afirmou que sua aliança está
"pronta para governar". Restará saber como a NFP pretende organizar
esse governo e quem será o indicado para o cargo de primeiro-ministro.
A NFP, apesar da
liderança no número de novos deputados, não formou maioria no pleito.
A aliança de esquerda também é marcada por diferenças internas entre seus
membros, que podem dificultar a escolha de um nome para o posto de chefe de
governo e uma eventual aproximação com o macronismo.
O resultado deste
domingo ainda deixa a porta em aberto para uma Assembleia Nacional paralisada.
- Esquerda em primeiro lugar
O resultado mostrou
que esse segundo turno foi mesmo da aliança de esquerda Nova Frente Popular
(NFP), que reúne várias siglas que vão de social-democratas a comunistas. A
aliança saiu do pleito com 182 cadeiras na Assembleia Nacional e
formou a maior bancada da Assembleia Nacional.
Ao convocar a eleição
antecipada no início de junho, Macron esperava que divisões na esquerda
que se acentuaram no último ano jogassem a seu favor para recuperar sua
maioria, mas os resultados mostram que esse cálculo fracassou.
Em 2022, diferentes
partidos, entre eles o populista A França Insubmissa (LFI), liderado por
Jean-Luc Mélenchon, o tradicional Partido Socialista (PS), o Partido Comunista
e Os Verdes se uniram numa aliança conhecida pela sigla Nupes.
A Nupes chegou a
eleger 127 deputados em 2022, a segunda maior bancada, mas logo rachou por
divisões internas.
Em 2024, para
frustração de Macron, no entanto, os partidos da finada Nupes anunciaram
rapidamente neste junho que haviam deixado suas diferenças de lado para
disputar o novo pleito em conjunto, desta vez sob o nome Nova Frente Popular
(NFP).
No primeiro turno, a
NFP conseguiu cerca de 28% dos votos, elegeu 32 deputados e se qualificou para
cerca de 400 disputas no segundo turno.
A marca da NFP neste
segundo turno foi ainda mais surpreendente porque a aliança acabou retirando no
segundo turno mais de uma centena de candidaturas em disputas triangulares
(quando mais de dois candidatos passam para o segundo turno) com o objetivo de
reforçar concorrentes moderados mais bem posicionados para derrotar a
ultradireita.
Mas, apesar do
sucesso, a NFP transpareceu várias divisões internas durante a campanha. Em
contaste com outras coligações, ela não indicou em nenhum momento quem era seu
candidato ao cargo de primeiro-ministro.
- Macronismo encolhe, mas sobrevive
Em 9 de junho, Macron
surpreendeu a França ao convocar uma eleição legislativa antecipada, com
apenas três semanas de campanha até o primeiro turno. Seu cálculo era usar o
timing dos resultados da eleição europeia, no qual a ultradireita se saiu melhor,
para sacudir o eleitorado, posicionar sua figura como a única alternativa
viável contra o partido de Le Pen e ainda explorar divisões na esquerda.
Com isso, Macron
esperava recuperar a maioria governamental centrista na Assembleia Nacional,
perdida na última eleição legislativa, em 2022. Sem uma maioria de 289
deputados, o presidente vinha se deparando com dificuldades crescentes para
avançar suas reformas. Com pouco menos de três anos de mandato presidencial
pela frente, o prazo para que o presidente tentasse romper esse impasse vinha
ficando cada vez mais estreito.
No entanto, a
estratégia foi alvo de incredulidade até entre aliados do presidente.
Projeções iniciais
indicaram que, longe de recuperar a maioria, a coligação do presidente poderia
na verdade ser reduzida a uma bancada de dois dígitos na Assembleia Nacional.
O grupo acabou
conseguindo reagir um pouco na campanha do segundo turno. No final,
a coligação garantiu a eleição de 168 deputados, um encolhimento
menor do que o esperado.
O número não deixa de
ser uma recuperação em relação as previsões pessimistas iniciais, mas escancara
como a aposta do presidente fracassou. A bancada ficará bem abaixo da
marca das eleições de 2022, quando Macron havia conseguido eleger 245 deputados. A
marca é ainda mais baixa que a super maioria de 350 deputados que Macron havia
conseguido eleger em 2017.
- Ultradireita cresce, mas deixa escapar maioria
Os olhos neste segundo
turno estavam especialmente voltados para a Reunião Nacional (RN), de Marine Le
Pen. O partido, junto com alguns aliados da conservadora, acabou
conquistando 143 das 577 cadeiras na Assembleia Nacional e formou a
terceira maior bancada.
O número representa um
recorde para a RN, que contava com 89 deputados na última legislatura. No
entanto, o resultado está bem abaixo da marca de 289 deputados necessária para
garantir o controle da Assembleia.
Mesmo ficando na
terceira colocação das bancadas, a RN sozinha obteve a maior fatia dos votos
neste domingo: 32%, segundo os resultados oficiais, 5,4 pontos acima da NFP e
quase 9 à frente do Juntos de Macron. Se somados os aliados da RN na direita, a
proporção chega a 37%, ou cerca de 10 milhões de votos, 3 milhões a mais que a
NFP.
No entanto, o partido
elegeu menos deputados por causa da particularidade do sistema eleitoral
francês. A escolha da Assembleia Nacional não é feita no formato proporcional,
mas distrital majoritário, dividida em 577 disputas individuais. A maioria
costuma ir para o segundo turno, no qual o mais votado leva a cadeira.
O resultado não deixa
de ser uma marca histórica para a RN, a versão repaginada da Frente Nacional
(FN), partido fundado em 1972 por neofascistas, ex-colaboradores nazistas e veteranos da Guerra da
Argélia, entre eles Jean-Marie Le Pen, o pai de
Marine.
Por décadas uma força
marginal na política francesa do pós-guerra, a ultradireita nunca chegou tão
longe em eleições legislativas desde a fundação da Quinta República francesa,
em 1958.
Logo após o primeiro
turno, em 30 de junho, pesquisas chegaram a apontar que a RN tinha chances
reais de conquistar mais de 289 deputados. Com isso, a França poderia ter como
primeiro-ministro Jordan Bardella, de 28 anos, o presidente nominal da RN e o indicado
por Marine de Le Pen para o posto de chefia de governo no caso de uma vitória.
No entanto, a
campanha-relâmpago de uma semana do segundo turno não foi frutífera para a RN.
O bloco de Le Pen logo enfrentou problemas.
Para impedir que a RN
formasse maioria absoluta, o centro macronista e a esquerda da NFP retiraram do
segundo turno mais de duas centenas de candidaturas que concorriam entre si com
a ultradireita em disputas triangulares (que tinham mais de dois candidatos no
segundo turno).
Outras limitações do
RN também ficaram evidentes. Quando Macron anunciou a convocação das eleições,
a liderança da RN afirmou que estava preparada. Mas a campanha mostrou que o
partido teve que se desdobrar para preencher muitas de suas candidaturas.
A imprensa francesa
logo revelou que alguns candidatos novatos que chegaram ao segundo turno haviam
feito comentários racistas e antissemitas no passado. Uma das candidatas da RN
na Normandia, por exemplo, havia aparecido numa foto usando um quepe de oficial
nazista.
Os episódios cercaram
a RN de notícias negativas e levantaram acusações de que a legenda continua o
mesmo partido extremista de sempre, e que as mudanças executadas por Marine Le
Pen a partir dos anos 2010 para "normalizar" a legenda foram apenas
cosméticas.
Após o anúncio das
primeiras projeções neste domingo, Marine Le Pen, lamentou que a RN
não conseguiu garantir maioria, mas apelou para que os militantes do seu
partido continuem mobilizados. "A maré está subindo. Não subiu o bastante
desta vez, mas continua subindo. Nossa vitória, na verdade, foi só adiada", disse ela sobre os números da RN.
¨
'Pior foi evitado':
veja a repercussão pelo mundo
Autoridades, políticos
e celebridades do esporte comentaram a projeção que indica a vitória da esquerda nas eleições
parlamentares na França, cuja votação do
segundo turno ocorreu neste domingo.
<<<<
Confira a repercussão:
<><> Luiz
Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil
Muito feliz com a
demonstração de grandeza e maturidade das forças políticas da França que se
uniram contra o extremismo nas eleições legislativas de hoje. Esse resultado,
assim como a vitória do partido trabalhista no Reino Unido, reforça a
importância do diálogo entre os segmentos progressistas em defesa da democracia
e da justiça social. Devem servir de inspiração para a América do Sul.
<><> Celso
Amorim, assessor da Presidência para Assuntos Internacionais
"Uma grande
vitória (da esquerda francesa). Justamente com a vitória dos trabalhistas na Grã-Bretanha, abre-se o caminho da esquerda democrática na Europa. A extrema
direita não passará. Grande exemplo para a América Latina."
<><> Pedro
Sánchez, primeiro-ministro da Espanha
"Esta semana, um
dos maiores países da Europeu escolheu o mesmo caminho que a Espanha há um ano:
rechaço à extrema direita e aposta decidida em uma esquerda social que lide com
os problemas das pessoas com políticas sérias e valentes.
Reino Unido e França
disseram SIM ao progresso e ao avanço social e NÃO ao retrocesso em direitos e
liberdades.
Com a extrema direita
não se faz acordo nem se governa."
<><> Raí,
ex-jogador de futebol
"Costumo ser
otimista e acreditava numa virada, mas não tão grande", disse o ex-jogador
do São Paulo, do Paris Saint-Germain e da seleção brasileira. "Foi um
recado: A França não admite, não quer a extrema direita no poder".
<><>
Donald Tusk, primeiro-ministro da Polônia
"Em Paris,
entusiasmo; em Moscou, desapontamento; em Kiev, alívio. O suficiente para se
estar feliz em Varsóvia."
<><> Jules
Koundé, jogador do Barcelona e da seleção francesa de futebol
"O alívio é igual
à preocupação das últimas semanas, é imenso. Parabéns a todos os franceses que
se mobilizaram para que este lindo país que é a França não se veja governado
pela extrema direita.
<><>
Tchouameni, jogador do Real Madrid e da seleção francesa de futebol
"A vitória do
povo"
Paolo Gentiloni,
comissário europeu para a economia
"Vive la
République! (viva a república!)"
<><> Nils
Schmid, deputado alemão e líder do SPD para assuntos internacionais, partido do
chanceler Olaf Scholz
"O pior foi
evitado... O presidente está politicamente enfraquecido, mesmo que mantenha um
papel central tendo em conta a situação obscura da maioria. Formar um governo
será complicado."
Fonte: Deutsche
Welle/g1
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