Dowbor: “Desenvolvimento não virá de
presente, será consequência da mobilização no território”
A agenda das cidades
ganhará espaço no debate nacional quando começar a disputa eleitoral nos mais
de 5.570 municípios brasileiros.
Em meio à guerra da comunicação,
o campo progressista se depara com o imenso desafio de emplacar as suas pautas,
tornando clara e atrativa a sua argumentação lógica.
O combate nas redes e
nas ruas enfrentará os slogans vazios da austeridade do mercado, bombardeados
pela imprensa corporativa, e as mentiras e polêmicas da extrema-direita, que
dominam as mídias sociais e os redutos de comercialização da fé.
À sua disposição,
porém, há um rico acervo audiovisual subutilizado sobre o cotidiano, os
problemas e as soluções das nossas cidades.
Para pensar as pautas
dessa agenda eleitoral e os filmes e documentários que podemos nos apoiar, o
Fórum 21 traz uma série de entrevistas com intelectuais que pesquisam e atuam
no território.
Nosso primeiro
entrevistado é o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-São Paulo, que
durante décadas atuou em diversos países, como consultor das Nações Unidas,
auxiliando no planejamento e montagem de governos locais em países da África,
Ásia, Europa e América.
Com essa experiência,
e um vasto repertório de documentários e filmes, Dowbor analisa a conjuntura
eleitoral no Brasil e aponta as transformações em curso na gestão local.
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Acompanhe a entrevista.
• Ladislau, como você avalia as eleições
municipais deste ano? Quais os desafios e as inovações em relação às eleições
anteriores?
Ladislau Dowbor – A
principal diferença é a expansão radical da inclusão digital e, portanto, da
conectividade. Será preciso confrontar o uso pela direita, de maneira massiva,
das mídias sociais; e o seu enraizamento através da capilaridade presencial nas
igrejas. Esse é o desafio porque nessas formas de luta, ainda estamos fracos.
Temos de investir pesadamente nesse processo durante as eleições.
É fundamental levar
para as pessoas o uso inteligente das novas tecnologias no sentido de promover
a participação popular. Vivemos uma grande mudança em termos de
descentralização do poder e uma forte reapropriação do processo de
desenvolvimento a partir do nível local.
Quando olhamos os
países da Europa, a China, o Canadá, a Coreia do Sul, eles possuem sistemas
extremamente descentralizados.
Se considerarmos que
no Brasil, 90% da população é urbana e está organizada em cidades, que precisam
responder a problemas concretos, a apropriação do desenvolvimento pela própria
população se torna fundamental.
As novas tecnologias
detêm um papel central neste processo. É preciso usá-las no nível local para
resolver problemas do cotidiano, o que certamente passa pela inclusão digital
de toda a população brasileira.
Em termos de
custo-benefício, quando você conecta o município de forma adequada, ele começa
a interagir de maneira construtiva e radicalmente nova, com impacto na
transformação do país como um todo.
Inúmeras experiências
e dinâmicas se multiplicam no Brasil neste sentido. O município de Araraquara,
por exemplo, organizou um sistema em que o usuário deixa de usar o Uber, uma
empresa internacional que cobra 30% do motorista a cada viagem, para usar uma
plataforma colaborativa dos próprios taxistas que passaram a receber 95% por
viagem.
A Casa Verde, um
bairro de São Paulo, criou um sistema online de comunicação colaborativa que
conecta os serviços prestados na região, desde demandas e serviços individuais
(de quem faz bolo para vender, ensina inglês etc.) a empresas (bares,
restaurantes, supermercados). Estão todos conectados em um aplicativo que
estimula os processos de interação entre os moradores locais, dinamizando a
capacidade produtiva ao gerar sinergia e complementaridade.
Estou acompanhando o
começo da organização de um sistema colaborativo na Zona Leste de São Paulo que
tem uma população com mais de 4 milhões de habitantes. Eu participei de uma
reunião com eles e fiquei impressionado. Como organizamos as complementaridades
dos diversos setores dessa imensa região que tem um riquíssimo potencial de
criatividade?
• Isso demanda uma mudança de cultura
também dos governos.
Dowbor – Certamente e
as novas formas de gestão precisam estimular essa cultura. As ondas
eletromagnéticas dessas plataformas são gratuitas, são da natureza; e cada
prefeitura pode organizar plataformas colaborativas locais.
Isso vale para todas
as cidades grandes ou pequenas do Brasil. Toda cidade pode ter, por exemplo, um
cinturão verde, hortifrutigranjeiro. Por que o município de Imperatriz do
Maranhão usa os produtos alimentares dos caminhões que chegam de São Paulo, quando
tem um monte de terra parada em volta da cidade e tanta mão de obra
subutilizada?
O conceito de
desenvolvimento local mudou. Hoje, falamos muito mais em protagonismo dos
atores sociais locais (ONGs, sindicatos, universidades, empresas de cabeça
aberta) e de uma gestão capaz de articular as capacidades locais.
Há uma transformação
no conceito de gestão que passa pela reapropriação do desenvolvimento pela
base. A gestão municipal deve ser uma articuladora dessa imensa capacidade
subutilizada de criatividade e de iniciativas.
A mudança de cultura
não é só dos eleitores, mas dos gestores que precisam compreender as dinâmicas
locais. A participação comunitária permite que o município se olhe a longo
prazo, ao assumir compromissos que ultrapassam os quatro anos deste ou daquele político.
A comunidade olha
vinte, trinta anos adiante, enxerga seus filhos e netos no território. No
Brasil, nós temos uma gigantesca capacidade subutilizada. Esperar que os
governos resolvam tudo, simplesmente, não funciona.
Nos países de cultivo
do arroz, como a China e o Vietnã, há uma forte cultura de base colaborativa.
As pessoas não se perguntam apenas “o que que eu posso ganhar com isso?”, mas
pensam e se articulam em torno de soluções colaborativas para a melhoria do entorno.
E é lógico porque não se trata “da minha casa”, mas de ter uma casa valorizada
com uma escola perto, um bairro mais arborizado, um sistema de água decente.
Essa articulação entre
o individual e o comunitário não é nenhum comunismo. É bom senso e inteligência
de organização. E isso traz uma outra dimensão que é profundamente ética.
• Na sua avaliação, quais pautas vão pesar
mais na decisão do eleitorado nas grandes e médias cidades?
Dowbor – Em termos de
conteúdo, o tema geral da redução das desigualdades tem que permear o conjunto
das outras pautas. É preciso que os candidatos do nosso campo ofereçam uma
explicação clara de que a redução da desigualdade gera desenvolvimento.
As pessoas precisam
entender que um governo que reduz a desigualdade põe mais dinheiro na base da
sociedade e isso gera demanda. A demanda gera emprego e isso faz funcionar o
conjunto do ciclo econômico.
Hoje, a
descentralização através da participação popular é central. Os nossos
candidatos precisam entender que o desenvolvimento é das pessoas e que sua
função é ajudar a organização e a mobilização para que as comunidades possam
resolver os seus próprios problemas. O desenvolvimento não será um presente,
mas consequência da mobilização no território.
A inclusão das
periferias nessa agenda é absolutamente fundamental. É preciso insistir no
combate à desigualdade, na participação, na inclusão digital, propondo sistemas
participativos que funcionem. E, também, na dimensão ética e moral do combate
às desigualdades, na redução do sofrimento dos mais pobres para o crescimento
de todos.
Os demais temas são
locais e com ênfases diferenciadas, como a segurança pública no Rio de Janeiro,
mas todos são atravessados pela redução das desigualdades que diminui os
conflitos, inclusive os ligados ao problema da segurança pública.
O caminho é consenso
mundial: nós precisamos de um sistema que seja economicamente viável, mas
também socialmente justo e ambientalmente sustentável. Esse é o único modo de
se enfrentar as desgraças e essa é a mensagem que precisamos deixar muito
clara, em termos de pauta, para os eleitores neste ano.
• Na sua avaliação, qual o melhor caminho
para utilizar filmes e documentários – e outros meios audiovisuais – para
apoiar candidaturas democrático-progressistas nas eleições municipais deste
ano?
Dowbor – Existe um
poderoso acervo de filmes que precisamos usar de maneira muito mais
generalizada e conforme as prioridades das diversas regiões do país. Uma das possibilidades
abertas pelas novas tecnologias é fazer com que a juventude de cada município
produza seus próprios filmes, com suas próprias prioridades, ajudando-os na
divulgação.
No Brasil, existe uma
grande insuficiência de conhecimento sobre as experiências locais e as pessoas
precisam se apropriar desses processos.
No meu site
dowbor.org, se você colocar “desenvolvimento local” na busca, irá encontrar um
conjunto de estudos, filmes e documentários.
Entre os livros, quero
destacar a versão atualizada em 2023 de uma pesquisa de 2007, Política Nacional
de Apoio ao Desenvolvimento Local, que traz uma gama de experiências bem
sucedidas no território.
Também ajuda muito o
livro O que é o Poder Local?, com orientações básicas e análises de
experiências.
Nosso Núcleo Casa
Verde – Desenvolvimento local sustentável fomentado pela vontade do território
e pela tecnologia é um estudo de Fernando Camilher dessa experiência da Casa
Verde que mencionei acima.
E há muitos outros
textos que mostram que o desenvolvimento se dá no nível de cada cidade, de cada
bairro; e que numerosas cidades conseguiram organizar suas redes com efetiva
mudança.
Em “bons filmes” no
site, há várias experiências nacionais e internacionais neste sentido.
O filme Bank of Dave
(David contra os bancos), de Chris Foggin, mostra a batalha de um cidadão, numa
cidade do interior da Inglaterra, para montar um banco comunitário que
realmente serve à comunidade. É a guerra da comunidade para se reapropriar dos
seus próprios recursos.
Megatendências é um
documentário sobre os desafios mais importantes da sustentabilidade, tanto no
plano ambiental como no plano social, de São Paulo e outras cidades
brasileiras.
China: A Era de Xi é
uma série de três documentários, apresentados pela TVT, sobre como a China
tirou, em duas décadas, 800 milhões de pessoas da pobreza.
O documentário nos
permite entender a questão da descentralização do poder. Lá, cada cidadezinha,
fora a sua administração municipal, tem um núcleo técnico encarregado de
assegurar a inclusão produtiva de todo o mundo, para que as pessoas não fiquem
perdidas.
Não é só transferência
de recursos, mas a compreensão de que pessoas paradas e desempregadas significa
perda da capacidade produtiva. É inclusão produtiva organizada em cada
município.
Outro filme belíssimo,
uma experiência educacional brasileira ocorrida em plena ditadura militar, é o
Vocacional: uma aventura humana, do Toni Venturi.
Um documentário que
mostra a possibilidade de reorganizarmos o sistema educacional em função das
necessidades locais, com muito mais liberdade de pesquisa e de expressão por
parte dos alunos.
Indico também Blue
Gold: World Water Wars (Outro Azul: As guerras mundiais pela água), de Sam
Bozzo, sobre o chamado “ouro azul”, a água doce e limpa que vem se tornando um
recurso escasso no mundo, e dos mesmos produtores A Corporação.
E não deixem de
acompanhar os filmes da Mostra Ecofalante de Cinema, que traz um acervo de
filmes e documentários nas áreas de sustentabilidade, educação e cultura do
mundo inteiro.
Neste ano, a
Ecofalante acontece entre os dias 1 e 14 de agosto, com uma programação
gratuita e de primeira linha.
No meu site dowbor.org
há várias outras indicações.
Fonte: Por Tatiana
Carlotti, no Fórum 21
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