terça-feira, 23 de julho de 2024

Justiça de Bangladesh abranda lei que deu origem a protestos

A Suprema Corte de Bangladesh abrandou neste domingo (21/07) o polêmico sistema de cotas para o serviço público no país, numa vitória parcial para os manifestantes estudantis após dias de protestos violentos e confrontos mortais entre a polícia e os manifestantes, que resultaram em mais de cem mortos.

Os estudantes, frustrados com a escassez de bons empregos, vinham exigindo o fim de uma cota que reservava 30% dos empregos do governo para parentes de veteranos que lutaram na guerra de independência de Bangladesh, em 1971, contra o Paquistão.

O governo já havia suspendido a cota em 2018 após protestos estudantis em massa, mas em junho, o Tribunal Superior de Bangladesh (uma das duas divisões da Suprema Corte) restabelecera as cotas, dando início a uma nova rodada de protestos.

Ao decidir sobre um recurso, a Suprema Corte ordenou que a cota dos veteranos fosse reduzida para 5%, com 93% dos empregos a serem alocados por mérito. Os 2% restantes serão reservados para membros de minorias étnicas, transgêneros e pessoas com deficiência.

Os protestos representaram o desafio mais sério para o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina desde que ela conquistou um quarto mandato consecutivo nas eleições de janeiro, que foram boicotadas pelos principais grupos de oposição.

As universidades foram fechadas, a internet foi bloqueada e o governo ordenou que as pessoas ficassem em casa. Soldados estão patrulhando as ruas de Bangladesh depois que a polícia de choque não conseguiu restaurar a ordem.

Mesmo com a revogação da lei pela Suprema Corte, o principal grupo de estudantes responsável pelos protestos anunciou que vai manter o movimento contra as cotas no serviço público.

RELEMBRE O CASO:

<><> Bangladesh revê sistema de cotas em empregos no governo após protestos que deixaram mais de 100 mortos

Mais de 100 pessoas morreram em meio à onda de protestos que tomou conta de Bangladesh – 50 mortes foram registradas apenas na sexta-feira (19/7).

O principal motivo das manifestações são as cotas de empregos no setor público. Um terço das vagas é reservado para parentes de veteranos da guerra de independência do país contra o Paquistão em 1971.

O sistema de cotas, abolido em 2018 pelo governo da Primeira-Ministra Sheikh Hasina, foi restabelecido por um tribunal no mês passado.

Os protestos começaram de forma pacífica em campus universitários, mas rapidamente se transformaram em um movimento de descontentamento nacional.

Na sexta-feira (19/7), manifestantes incendiaram uma prisão e libertaram centenas de detentos. Também invadiram e destruíram parte da sede da emissora de TV estatal BTV.

O governo impôs um bloqueio sem precedentes na comunicação, desligando a internet e restringindo os serviços de telefonia, além de decretar um toque de recolher nacional.

Como resultado, a Suprema Corte de Bangladesh anunciou a anulação da maioria das cotas para empregos no governo.

A decisão da determina que 93% dos empregos no setor público sejam preenchidos com base no mérito, deixando 5% para os familiares dos veteranos da guerra de independência do país. Os 2% restantes são reservados para pessoas de minorias étnicas ou com deficiências.

O governo ainda não respondeu à decisão.

As ruas da capital, Dhaka, estão desertas devido ao segundo dia de toque de recolher, mas há relatos esporádicos de confrontos em algumas áreas. Há também relatos não confirmados de que alguns líderes foram presos.

·        Como os protestos se espalharam

Manifestações nas ruas não são novidade para esta nação sul-asiática de 170 milhões de pessoas – mas a intensidade das demonstrações que começaram na semana passada tem sido descrita como a pior na história recente do país.

Milhares de estudantes universitários têm protestado há semanas contra o sistema de cotas para empregos no governo.

Os estudantes argumentam que o sistema é discriminatório e pedem um recrutamento baseado no mérito.

Os coordenadores dos protestos dizem que a polícia e o setor estudantil do partido governante Awami League – conhecido como Liga Popular de Bangladesh – têm usado força brutal contra os manifestantes pacíficos, desencadeando uma ampla revolta.

O governo nega essas alegações.

"Não são mais apenas os estudantes, parece que pessoas de todas as classes sociais se juntaram ao movimento de protesto," diz Samina Luthfa, professora assistente de sociologia na Universidade de Dhaka, à BBC.

Os protestos eram algo já esperado há algum tempo.

Embora Bangladesh seja uma das economias que mais cresce no mundo, especialistas apontam que esse crescimento não se traduziu em empregos para os estudantes saídos de universidades.

Estimativas sugerem que cerca de 18 milhões de jovens estão procurando emprego em Bangladesh.

Pessoas com graduação enfrentam taxas de desemprego mais altas do que seus colegas com menor escolaridade.

Bangladesh se tornou uma potência na exportação de roupas prontas para uso. O país exporta cerca de US$ 40 bilhões (R$ 225 bilhões) em roupas para o mercado global.

O setor emprega mais de 4 milhões de pessoas, muitas delas mulheres. Mas os empregos em fábricas não são suficientes para a geração jovem que esperava um futuro melhor.

Sob o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina, que está no poder há 15 anos, Bangladesh se transformou.

Novas estradas, pontes, fábricas e até mesmo um metrô na capital, Dhaka, foram construídos. A renda per capita triplicou na última década, e o Banco Mundial estima que mais de 25 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza nos últimos 20 anos.

Mas muitos dizem que parte desse crescimento está ajudando apenas aqueles próximos ao partido Awami League, da primeira-ministra Sheikh Hasina.

A professora Luthfa afirma: "Estamos testemunhando muita corrupção. Especialmente entre aqueles próximos ao partido no poder. A corrupção tem continuado há muito tempo sem ser punida."

Nas redes sociais de Bangladesh, nos últimos meses, dominaram as discussões sobre alegações de corrupção envolvendo alguns dos antigos altos funcionários de Hasina – incluindo um ex-chefe do exército, ex-chefe da polícia e oficiais de recrutamento do Estado.

Na semana passada, a primeira-ministra afirmou que estava tomando medidas contra a corrupção e que esse era um problema de longa data.

Durante a mesma coletiva de imprensa em Dhaka, ela disse que tomou providências contra um empregado doméstico após ele supostamente acumular US$ 34 milhões (R$ 190 milhões).

"Como ele ganhou tanto dinheiro? Tomei providências imediatamente após saber disso."

Ela não identificou o indivíduo.

A reação da mídia de Bangladesh foi de que esse montante de dinheiro só poderia ter sido acumulado por meio de lobby para contratos governamentais, corrupção ou suborno.

A comissão anticorrupção de Bangladesh lançou uma investigação sobre o ex-chefe de polícia Benazir Ahmed – uma vez visto como um aliado próximo de Hasina – por acumular milhões de dólares, supostamente por meios ilegais. Ele nega as alegações.

Essa notícia não passou despercebida pelos cidadãos comuns do país, que estão lutando com o aumento dos custos de vida.

Além das alegações de corrupção, muitos ativistas dos direitos humanos apontam que o espaço para a atividade democrática encolheu nos últimos 15 anos.

"Em três eleições consecutivas, não houve um processo eleitoral livre, justo e com credibilidade", disse Meenakshi Ganguly, diretora da ONG Human Rights Watch para o Sul da Ásia, à BBC.

"[Hasina] talvez tenha subestimado o nível de insatisfação das pessoas por terem sido negadas o direito democrático mais básico de escolher seu próprio líder," disse Ganguly.

O principal partido de oposição, o Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), boicotou as eleições em 2014 e 2024, alegando que eleições livres e justas não eram possíveis sob o comando de Sheikh Hasina e que queriam que as eleições fossem realizadas sob cuidados de uma administração neutra.

A primeira-ministra sempre rejeitou essa demanda.

Grupos de direitos humanos também afirmam que mais de 80 pessoas, muitas delas críticas ao governo, desapareceram nos últimos 15 anos, e suas famílias não têm informações sobre elas.

O governo é acusado de sufocar a dissidência e a mídia, em meio a preocupações mais amplas de que Sheikh Hasina se tornou cada vez mais autocrática ao longo dos anos. Mas os ministros negam as acusações.

"A raiva contra o governo e o partido no poder tem se acumulado há muito tempo", diz a professora Samina Luthfa. "As pessoas estão mostrando sua raiva agora. As pessoas recorrem a protestos se não tiverem nenhum recurso restante."

Os ministros de Hasina dizem que o governo mostrou extrema contenção nos protestos, apesar do que descrevem como ações provocativas por parte dos manifestantes.

Eles afirmam que as manifestações foram infiltradas pela oposição política e por partidos islâmicos, que, segundo eles, iniciaram a violência.

O Ministro da Justiça, Anisul Huq, disse que o governo estava aberto a discutir as questões. "O governo tem buscado dialogar com os estudantes. Quando há um argumento razoável, estamos dispostos a ouvir," disse Huq à BBC no início desta semana.

Os protestos estudantis são provavelmente o maior desafio que a primeira-ministra Hasina enfrentou desde janeiro de 2009.

Como eles serão resolvidos, dependerá de como ela lidará com a agitação e, mais importante, de como ela abordará a crescente raiva da sociedade de Bangladesh.

<><> Bangladesh impõe toque de recolher 

Daca ordenou que todos os escritórios e instituições permanecessem fechados por dois dias depois que pelo menos 114 pessoas foram mortas esta semana durante protestos liderados por estudantes contra cotas de empregos do governo.

Pelo menos quatro pessoas morreram neste sábado (20) durante confrontos esporádicos em algumas áreas da capital do país, que tem sido o centro dos protestos, e onde as forças de segurança montaram bloqueios de estradas para impor um toque de recolher, relata a Reuters.

Os serviços de Internet e mensagens de texto estão suspensos desde quinta-feira (18), isolando o país enquanto a polícia reprime manifestantes que desafiam a proibição de reuniões públicas.

As ligações telefônicas internacionais geralmente não conseguiam se conectar, enquanto os sites de organizações de mídia sediadas no país não eram atualizados e suas contas de mídia social permaneciam inativas.

A agitação nacional eclodiu após a revolta dos estudantes contra as cotas para empregos governamentais, que incluíam 30% reservados para as famílias daqueles que lutaram pela independência do Paquistão.

O governo havia descartado o sistema de cotas em 2018, mas um tribunal o restabeleceu no mês passado. A Suprema Corte suspendeu a decisão após um apelo do governo e ouvirá o caso no domingo (21) após concordar em antecipar uma audiência marcada para 7 de agosto.

As manifestações também foram alimentadas pelo alto desemprego entre os jovens, que representam quase um quinto da população.

No distrito central de Bangladesh, Narsingdi, manifestantes invadiram uma prisão na sexta-feira (19), libertando mais de 850 presos e ateando fogo à instalação, relataram canais de TV, citando a polícia. Incidentes dispersos de incêndio criminoso também foram relatados no sábado (20) em algumas partes do país.

Com o número de mortos aumentando e a polícia e outras forças de segurança incapazes de conter os protestos, as autoridades impuseram um toque de recolher nacional e mobilizaram os militares, que receberam ordens de atirar à vista, se necessário.

 

Fonte: Deutsche Welle/BBC News Ásia/Sputnik Brasil

 

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