Desmatamento na Amazônia ameaça
sobrevivência das abelhas que polinizam orquídeas
Com corpos azul e
verde metálicos e asas iridescentes, as abelhas-das-orquídeas não são só
insetos carismáticos. Elas são polinizadores especializados em florestas
tropicais desde o México até o Brasil, e as principais responsáveis pela
reprodução da castanha-do-brasil. Mas as abelhas-das-orquídeas também são um
indicador de como o desmatamento e as mudanças no uso da terra afetam os
ecossistemas e a biodiversidade, como sugere um estudo recente realizado em
Rondônia.
Embora a perda de
habitat não afete apenas polinizadores, as abelhas-das-orquídeas (gênero
Euglossini) estão entre “os mais espetaculares, peculiares e economicamente
importantes polinizadores que existem, uma vez que têm o potencial de chamar a
atenção do público e dos formuladores de políticas”, diz o autor que liderou o
estudo, J. Christopher Brown, professor de Geografia e Ciência Atmosférica na
Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, acrescentando que as abelhas podem
ser “as garotas-propaganda perfeitas” para a conservação da Amazônia.
A pesquisa, publicada
recentemente na revista Biological Conservation, analisou como a mudança de uso
do solo afeta a quantidade, a variedade e a composição das espécies de
abelhas-das-orquídeas ao longo do tempo em vários locais no estado de Rondônia,
na Amazônia.
A região é marcada por
florestas neotropicais, fazendas de gado e pela produção de café, cacau, grãos,
milho e castanha-do-brasil. Quando uma área é destinada para o uso humano, seja
como pasto para pecuária ou para a agricultura, ela é, primeiramente, desmatada.
Isso retira a cobertura de árvores, impedindo que muitas das espécies que
dependem da diversidade de recursos consigam encontrar o que precisam. No caso
das abelhas-das-orquídeas, que dependem de muitas fontes de alimentação
diferentes, e cujos machos geralmente frequentam determinadas espécies de
plantas para coletar perfumes para o acasalamento, a perda de vegetação é um
problema gravíssimo.
Quando os dados foram
coletados, entre 1996 e 1997, Rondônia estava entre as regiões mais diversas
para as abelhas-das-orquídeas no mundo. Mas, entre os anos 2000 e 2023,
Rondônia perdeu 27% de sua cobertura florestal, de acordo com a Global Forest
Watch. E o desmatamento não está desacelerando. Em apenas uma semana, de 20 a
27 de maio de 2024, houve 127.301 alertas de desmatamento registrados no
estado.
Para determinar como a
ocupação do solo, a agricultura e o desmatamento afetam a espécie, Brown e sua
equipe revisaram os levantamentos das abelhas feitos entre setembro de 1996 e
setembro de 1997. Embora a coleta dos dados tenha acontecido quase 30 anos
atrás, eles não tinham sido analisados até agora. “É muito gratificante
finalmente ver a conclusão desse trabalho. Se os dados são bem coletados,
documentados e analisados, eles nunca perdem a validade”, diz Brown.
Em vez de contar as
abelhas-das-orquídeas em um fragmento de terreno durante um longo período de
tempo, como acontece na maioria dos estudos desse tipo, eles coletaram abelhas
de 130 locais em Rondônia. A amostra de mais de 2 mil abelhas, de 48 espécies diferentes,
incluiu indivíduos de duas novas espécies ainda não catalogadas, e de quatro
espécies que ainda não tinham sido registradas em Rondônia: Eufriesea
violascens, Euglossa decorata, Euglossa ioprosopa e Euglossa viridis.
Ao comparar áreas
conservadas a áreas que foram desmatadas antes e depois de 1981, os
pesquisadores encontraram o maior número e diversidade de espécies de
abelhas-das-orquídeas em unidades de conservação. Áreas que foram ocupadas mais
recentemente, a partir de 1981, registraram abundância e diversidade médias de
abelhas, enquanto as áreas ocupadas há mais tempo, antes de 1981, tiveram os
valores mais baixos nesses dois quesitos.
“Nas unidades de
conservação, encontramos 3,4 vezes mais espécies do que numa área de ocupação
antiga, e 1,9 vezes mais espécies do que nas áreas ocupadas mais recentemente
[em comparação com outras áreas ocupadas]”, diz Brown. “Esses números dão ideia
do quanto o número de espécies cai quando você sai de áreas de floresta para
áreas que foram desmatadas e ocupadas.”
Como as
abelhas-das-orquídeas precisam de muitos tipos diferentes de plantas para se
alimentar, fazer ninhos e acasalar, elas são consideradas indicadores das
condições ambientais. As descobertas sugerem que, independentemente de uma área
ter sido destinada à pecuária ou à agricultura há 10 ou 30 anos, as abelhas
podem não encontrar mais os recursos de que necessitam.
Sem polinizadores
saudáveis, a economia agrícola entra em colapso juntamente com os ecossistemas
naturais. “Se estamos perdendo essas abelhas, é provável que estejamos perdendo
muitas outras espécies”, conclui Brown.
Breno Freitas, zoólogo
da Universidade Federal do Ceará, que não esteve envolvido no estudo, diz que
os resultados não surpreendem.
“A maioria das
pesquisas é feita em áreas fragmentadas porque é caro, demorado e difícil
acessar áreas de floresta na Amazônia. Mas o que esse artigo traz de diferente
é que eles não trabalharam com uma ou duas amostras, mas sim com muitos locais
diferentes em situações muito diferentes. Esse tipo de dado tem muito mais
chance de representar a realidade do que uma pesquisa fragmentada. Seria ótimo
se pudéssemos ter mais trabalhos como esse”, conclui Freitas.
Daniel Souto Vilaros,
pós-doutorando em Biologia da Universidade Estadual de Utah, nos Estados
Unidos, que não esteve envolvido no estudo, diz que, embora a contagem não seja
recente, fornece uma média importante para a biodiversidade na região, que pode
ser comparada ao estado atual das abelhas-das-orquídeas à medida que o
desmatamento e o avanço da agricultura continuam.
“Se eles replicarem o
estudo agora, o fato de esses dados serem antigos será uma vantagem. Eles
poderiam tentar encontrar áreas que foram desmatadas mais recentemente. Acho
que seria interessante replicar o estudo ao longo do tempo e ver se o resultado
se mantém. Acho que este seria o próximo passo”, disse Souto Vilaros.
O taxonomista Marcio
Luiz Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa), que foi
responsável por identificar as espécies de abelhas coletadas no estudo, espera
continuar trabalhando com as abelhas-das-orquídeas na Amazônia porque ainda há muitas
áreas que estão na mira da agricultura e da pecuária. “Gostaríamos de estudar
as abelhas nessas áreas antes da devastação”, diz Luiz Oliveira.
Brown e seus colegas
esperam que os resultados inspirem outros pesquisadores a testar diferentes
métodos para mensurar a biodiversidade. “Você não precisa ficar em um fragmento
de floresta durante um ano inteiro; você pode ir para várias áreas diferentes
durante um período mais curto e aprender muito sobre determinada espécie”, diz
Brown.
A pesquisa sobre as
abelhas-das-orquídeas e as abelhas sem ferrão, ouro grupo de abelhas
brasileiras, continua fornecendo um retrato mais amplo e detalhado dos
polinizadores nativos da Amazônia.
“O monitoramento
regular dessas populações pode nos ajudar a ver com mais clareza os impactos da
destruição da biodiversidade da qual dependemos para nossa sobrevivência, e
trabalhar com as partes interessadas para garantir que esses polinizadores
continuem existindo em nossas vidas”, diz Brown.
Ele acrescenta que,
embora não conheça nenhum caso de reversão do declínio das espécies de
abelhas-das-orquídeas, é essencial desacelerar o desmatamento e a fragmentação
do habitat para que os recursos de que as abelhas necessitam para nidificar e
se alimentar possam sustentar as populações existentes e futuras e permitam a
continuidade do fluxo genético. Para as abelhas-das-orquídeas, isso inclui a
manutenção das flores das quais coletam perfume para acasalar.
“Pode parecer piegas,
mas os polinizadores são essenciais para a sobrevivência humana”, diz Brown. “E
com uma abelha tão bonita, podemos atrair o interesse das pessoas para
conhecerem mais, pois esses polinizadores são muito importantes para ajudar as
pessoas a entenderem que estão conectadas a tudo ao seu redor.”
Fonte: Mongabay
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