Caso das joias: 6 pontos do inquérito da PF
que levou Bolsonaro a ser indiciado
O ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), retirou na segunda-feira (8/7) o sigilo de
inquérito que investiga um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas
por delegações estrangeiras à Presidência da República durante o governo de
Jair Bolsonaro (PL).
Desde o início das
investigações sobre o caso, Bolsonaro e seus
assessores têm negado qualquer irregularidade no trâmite das joias.
O documento, agora
tornado público, foi produzido pela Polícia Federal (PF) e fundamentou o indiciamento de Bolsonaro e de mais 11 pessoas na semana passada, acusadas de terem participado de um
esquema para apropriação indevida de joias milionárias.
O ex-presidente foi
indiciado por três crimes: organização criminosa (com penas de um a três anos
de reclusão); lavagem de dinheiro (de três a 10 anos) e peculato (apropriação
de bem público), com pena de dois a 12 anos de reclusão.
Após a quebra do
sigilo, a BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa de
Bolsonaro e com Fábio
Wajngarten, ex-secretário de comunicação da
Presidência e que atua como advogado do ex-presidente, mas não obteve retorno
até a publicação desta reportagem.
Nesta segunda-feira,
Bolsonaro ironizou nas redes sociais um erro cometido pela Polícia Federal no
relatório, e posteriormente corrigido. "Aguardemos muitas outras
correções", disse o ex-presidente em postagem no X (antigo Twitter).
Entenda a seguir seis
pontos do relatório da PF tornado público nesta segunda-feira.
·
1. Esquema teria
movimentado R$ 6,8 milhões
Segundo a Polícia
Federal, a suposta associação criminosa formada por Bolsonaro e seus
ex-assessores teria desviado ou tentado desviar itens com valor de mercado de
até R$ 6,8 milhões (US$ 1,2 milhão).
Entre esse itens
estariam:
- um conjunto de itens masculinos da marca Chopard contendo
uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe
("masbaha") e um relógio recebido pelo então ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de
2021;
- um kit de joias, contendo um anel, abotoaduras, um rosário
islâmico ("masbaha”) e um relógio da marca Rolex, de ouro branco,
entregue a Bolsonaro durante visita oficial à Arábia Saudita em outubro de
2019;
- duas esculturas douradas: uma em formato de barco, sem
identificação de procedência até o momento; e uma em formato de palmeira,
entregue a Bolsonaro no Bahrein em novembro de 2021.
"Identificou-se,
ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em
espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por
meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo
de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores", diz o
documento.
O relatório divulgado
na segunda-feira, no entanto, traz um erro, informando em sua conclusão que o
suposto esquema teria movimentado R$ 25 milhões (US$ 4,6 milhões), valor que
chegou a ser divulgado por diversos veículos de imprensa, mas que depois foi corrigido
pela PF. O valor correto é mencionado, porém, em outros trechos do relatório.
Bolsonaro publicou no
X após o STF retirar o sigilo sobre o inquérito, ironizando o erro da Polícia
Federal no relatório.
"Aguardemos
muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias
'desviadas' estão na CEF [Caixa Econômica Federal], Acervo ou PF, inclusive as
armas de fogo", escreveu.
·
2. Formas de atuação
do grupo
Conforme os
investigadores, o grupo teria utilizado duas formas para executar o desvio dos
bens.
Na primeira delas, o
Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência
da República (GADH/GPPR) – órgão responsável pela análise e definição do
destino presentes oferecidos por uma autoridade estrangeira à presidência da
República – teria sido utilizado para desviar presentes de alto valor.
Nesses casos, o
departamento, então presidido por Marcelo da Silva Vieira, destinaria os
presentes recebidos ao acervo privado de Bolsonaro, desconsiderando o valor dos
objetos e ampliando ilegalmente o conceito de "bens personalíssimos",
para abranger qualquer bem de uso pessoal.
Segundo o portal Poder
360, a defesa de Marcelo da Silva Vieira diz que ele é "vítima do efeito
colateral" de uma "tentativa de perseguição a outras pessoas", e
que identificou "incongruências" e "erros técnicos" nos
autos.
Também afirma que as
ações de Vieira como chefe do GADH foram "realizadas no sentido de manter
total zelo e cuidado com referidos documentos, nos termos da legislação em
vigor, sendo incompreensível a sua inclusão nesta investigação".
A outra forma de
atuação do grupo, conforme a PF, seria simplesmente não registrar o momento da
entrega do presente, para que ele fosse subtraído diretamente pelo
ex-presidente, sem sequer passar pela avaliação do GADH.
·
3. Para onde teria ido
o dinheiro
O dinheiro obtido com
as vendas das joias sauditas teria entrado para o patrimônio pessoal de
Bolsonaro e servido para custear as despesas dele e de sua família nos Estados Unidos entre
os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023, segundo o inquérito da PF
tornado público nesta segunda-feira.
Conforme o documento,
um indício disso seria o fato de que o ex-presidente não teria movimentado suas
contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América durante o período em que
permaneceu em solo americano.
"Tal fato indica
a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias
desviadas do acervo público brasileiro (...) possam ter sido utilizados para
custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram
em solo norte-americano", apontam os investigadores.
"A utilização de
dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais
usuais para reintegrar o 'dinheiro sujo' à economia formal, com aparência
lícita", completam.
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4. US$ 25 mil em
espécie para Bolsonaro
Segundo o relatório da
PF, Jair Bolsonaro teria recebido ao menos US$ 25 mil (R$ 137 mil) em espécie
das mãos de Mauro Cesar Lourena Cid, general da reserva e pai de Mauro Cid, então ajudante de
ordens do ex-presidente, que colaborou com as investigações da PF em delação
premiada.
Lourena Cid chefiou o
escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(Apex) em Miami entre 2019 e 2022.
Conforme o documento,
Lourena Cid teria guardado em sua residência, em Miami, o barco e a árvore
dourados.
Em seguida, ele e o
filho teriam encaminhado "os objetos desviados, pertencentes ao acervo
público brasileiro, para estabelecimentos comerciais especializados, para serem
avaliados e alienados (diretamente e/ou por leilão)".
"Além disso, os
elementos de prova colhidos, demonstraram que Mauro Cesar Lourena Cid recebeu,
em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos US$ 25 mil, que
teriam sido repassados em espécie para o ex-Presidente, visando, de forma deliberada,
não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal",
diz a Polícia Federal no documento.
"Os dados ainda
indicam a utilização de uma conta bancária, provavelmente vinculada a Lourena
Cid, para movimentação de valores, que podem ser oriundos da venda de outros
itens ainda não identificados, recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e desviados
do acervo público brasileiro, pelos investigado."
A BBC News Brasil
entrou em contato com a defesa de Mauro Cid e Lourena Cid mas não obteve
retorno até o momento.
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5. Bolsonaro saberia
de leilão de joias
O ex-presidente Jair
Bolsonaro saberia da movimentação para a venda das joias presenteado pela
Arábia Saudita, segundo a Polícia Federal.
De acordo com a PF,
isso fica evidente evidente numa troca de mensagens entre ele e o seu
ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, em que este manda um link de um leilão e o
ex-presidente responde "selva".
O termo é uma forma de
saudação comum no Exército, com um "ok" ou um "tudo certo",
por exemplo, e que surgiu inicialmente em batalhões na Amazônia.
A PF relatou também
que, durante a sua análise do celular de Bolsonaro, foram encontrados cookies e
históricos de navegação da página da empresa Fortuna Auction, responsável pelo
leilão.
O ex-presidente ainda
não se pronunciou sobre isso.
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6. Uso de avião
oficial
O ex-presidente Jair
Bolsonaro teria utilizado o avião presidencial, sob alegação de viagem oficial,
para enviar joias do acervo presidencial aos Estados Unidos, afirma ainda o
relatório.
"Inicialmente,
com a finalidade de distanciar e ocultar os atos ilícitos de venda dos bens das
autoridades brasileiras e posterior reintegração ao seu patrimônio, por meio de
recursos em espécie, o então presidente Jair Bolsonaro, com o auxílio de seu
Ajudante de Ordens, Mauro Cesar Cid, utilizou o avião Presidencial, sob a
cortina de viagens oficiais do então chefe de Estado brasileiro para, de forma
escamoteada, enviar as joias aos Estados Unidos", registra o documento.
Já em território
norte-americano, Mauro Cid teria assumido a negociação e venda das joias,
"por determinação do então presidente, com o objetivo de ocultar o real
proprietário e beneficiário final da venda dos bens", segundo os
investigadores.
Conforme a
investigação, as duas esculturas douradas em formato de barco e de palmeira
teriam sido levadas por meio do avião presidencial do Brasil para os Estados
Unidos, em 30 de dezembro de 2022 – os ex-assessores de Bolsonaro teriam
encontrado, porém, dificuldades de vender as peças, que não eram de ouro.
Ainda segundo a PF, é
possível que o conjunto de itens masculinos da marca Chopard também tenha sido
levada por meio do avião presidencial naquela mesma data.
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O que acontece agora
Na decisão em que
retirou o sigilo do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a
Procuradoria-Geral da República (PGR) analise o caso num prazo de 15 dias.
A PGR pode agora pedir
o aprofundamento das investigações; apresentar denúncia contra os citados no
relatório final; ou arquivar o caso, caso entenda que não houve crime.
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Quem são os indiciados
- Jair Messias Bolsonaro,
ex-presidente da República, indiciado por associação criminosa, lavagem de
dinheiro e peculato (apropriação de bem público);
- Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, ex-ministro de Minas e Energia, indiciado por apropriação
e associação criminosa;
- Fábio Wajngarten,
ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social e advogado de Bolsonaro,
indiciado por lavagem e associação criminosa;
- Frederick Wassef,
advogado de Bolsonaro, indiciado por lavagem e associação criminosa;
- José Roberto Bueno Junior,
ex-chefe de gabinete do Ministério de Minas e Energia, indiciado por
associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação;
- Julio Cesar Vieira Gomes,
ex-secretário da Receita Federal, indiciado por associação, lavagem,
apropriação e advocacia administrativa perante a administração fazendária;
- Marcelo Costa Câmara,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, indiciado por lavagem de dinheiro;
- Marcelo da Silva Vieira,
ex-chefe do setor de presentes durante o governo Bolsonaro, indicado por
apropriação e associação criminosa;
- Marcos André dos Santos Soeiro, ex-assessor do ex-ministro de Minas e Energia, indiciado
por apropriação e associação criminosa;
- Mauro Cesar Barbosa Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, indiciado por associação criminosa,
lavagem de dinheiro e peculato.
- Mauro Cesar Lourena Cid,
general da reserva e pai de Mauro Cid, indicado por lavagem e associação
criminosa;
- Osmar Crivelatti,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; indicado por lavagem e associação
criminosa.
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O que dizem Bolsonaro e outros acusados
Em agosto de 2023,
após a operação da PF, a defesa de Jair Bolsonaro afirmou em nota que o
ex-presidente "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens
públicos" e que coloca sua movimentação bancária à disposição das
autoridades.
A defesa também
afirmou que ele "voluntariamente" pediu ao Tribunal de Contas da
União (TCU) em março deste ano a entrega de joias recebidas "até final
decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito".
A BBC News Brasil
solicitou novo posicionamento do ex-presidente e aguarda resposta. A reportagem
será atualizada caso ela seja recebida.
Ao jornal Folha de
S.Paulo, o advogado criminalista Cezar Roberto Bittencourt, responsável pela
defesa do tenente-coronel Mauro Cid, disse que o ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro não se beneficiou do negócio.
"Ele confessa que
comprou as joias evidentemente a mando do presidente", disse Bittencourt.
A jornalistas, Wassef
disse que sua viagem aos EUA teve "fins pessoais".Ele acrescentou que
comprou o Rolex com dinheiro vivo, "do meu banco", e declarou a
transação à Receita Federal.
Na entrevista, ele
disse ainda que o objetivo da compra era "devolvê-lo à União, ao governo
federal do Brasil, à Presidência da República, e isso inclusive por decisão do
Tribunal de Contas da União".
Segundo o advogado, o
pedido de compra não partiu de Bolsonaro ou de Cid. Ele se recusou a informar
para quem entregou o relógio.
Na semana passada,
quando a PF indiciou Bolsonaro e seus assessores no caso das joias, Wajngarten
publicou no X classificando a medida como um "abuso de poder".
"A PF sabe que
não fiz nada a respeito do que ela apura, mas mesmo assim quer me punir porque
faço a defesa permanente e intransigente do ex-presidente Bolsonaro",
disse.
A BBC News Brasil não
conseguiu contato com as defesas dos demais mencionados no relatório da PF.
Fonte: BBC News Brasil
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